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“Xingu” e a questão indígena no ocidente

Divulgação/ Beatriz Lefevre

“Xingu” e a questão indígena no ocidente

Genivaldo Frois Scaramuzza[*]

Genivaldo Frois Scaramuzza – Professor da Universidade Federal de Rondônia – UNIR. Pedagogo, Especialista em Supervisão, Orientação e Gestão Escolar. Possui Mestrado em Geografia. Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Educação na Amazônia – GPEA. scaramuzza1@gmail.com

Recentemente a emissora global exibiu em cadeia nacional o Filme “Xingu” produzido por Fernando Meirelles, Andrea Barata Ribeiro e Bel Berlinck. Tratou-se de uma grande produção cujo objetivo era retratar a lendária expedição protagonizada pelos irmãos Villas Boas que no filme mencionado são estrelados por João Miguel (Claudio Villas Boas); Felipe Camargo (Orlando Villas Boas) e Caio Blat (Leonardo Villas Boas). A emissora global já havia apresentado uma espécie de reality show que foi ao ar no ano de 2011 em seu programa de domingo e apresentado pelo jornalista Rodrigo Alvarez, cujo título era “Expedição Roncador – Xingu” exatamente o nome da expedição original dos irmãos Villas Boas. Tal contribuição constitui-se como sendo importante para dar visibilidade a questão indígena do Brasil.

Como amazônida, e principalmente como professor de um curso de formação indígena, tenho vivenciado uma aproximação diária com mais de vinte etnias indígena da Amazônia Ocidental e percebido o quanto desconhecemos esses povos. As produções mencionadas nos oportunizaram compreender parte importante da história indígena no Brasil e produzir reflexões sobre ela.

Quero destacar das produções anteriormente mencionadas, um embate que é possível não estar solucionado na ideologia de grande parte dos brasileiros. A reprodução de certas ideologias, ou seja, a propagação de uma época que insiste em atormentar o presente.  Tais ideias pré-concebidas se apresentam nas seguintes configurações. Índios não trabalham. Índios moram em malocas, comem mandiocas e andam de canoa. Índios são selvagens. Índios comem gente, ou então, como índio não planta não precisa de terra. É comum em nossas aulas na Universidade Federal de Rondônia ouvir de nossos/as alunos/as indígenas depoimentos que confirmam as suspeitas anteriormente mencionadas.

Neste sentido, as possíveis razões históricas pelos quais se assentam tais produções pré-conceituosas situam-se em dois grandes campos. Primeiro chamo a atenção para a disseminação de conceitos antropológicos, tais como civilizados e selvagens, ou ainda a conceituação economicista entre desenvolvidos e não desenvolvidos. Tais conceitos amplamente democratizados tornaram-se ponto de referência para a grande maioria, que não perceberam a mudança repentina nessas estruturas e por razões já esgotadas continuam insistindo em tais posições.

A primeira posição refere a utilização do conceito de cultura pela antropologia em fins do século XIX e grande parte do século XX. Os primeiros textos etnográficos tais como “Argonautas do Pacífico Ocidental” do antropólogo anglopolonês Bronisław Malinowski descrevia com detalhe o Kula, exotismo tal que arrebatou a definição do método da ciência, contrastando a suposta “fina cultura” europeia com sistemas socioculturais desconhecidos neste período. Este pensamento inaugura por todo o mundo a busca por sociedades “selvagens”. Neste espírito grande etnógrafos desafiam os “mundos desconhecidos” em busca de uma descrição que impressionasse. Claude Lévi-Strauss, antropólogo francês, protagonizou no Brasil inúmeras aventuras, muita das quais na Amazônia Ocidental em busca de povos “primitivos” que foram posteriormente descritas com detalhe em sua obra colossal “Tristes Trópicos”.

Fato que as posições ideológicas da suposta distinção entre civilizados e selvagens, manifestadamente continuam assombrando a mete de pessoas comum, construindo diariamente um mundo contraposto entre o eu e o outro. Ulterior conceito que desafia nossa imaginação vem de anos recente, e que pensamos também ser causa da constituição de posicionamentos preestabelecidos. Referimos ao conceito de desenvolvimento em contraposição do subdesenvolvimento, ou não desenvolvimento.

Historicamente, o conceito de desenvolvimento tem sido apontado como uma nova forma de percepção do “eu” e do “outro” tendo como parâmetro o alto grau com que promove a transformação de recursos disponíveis na natureza em capital financeiro. Considerando as perspectivas propostas, o conceito de desenvolvimento é extremamente recente, entretanto torna-se de extrema importância para compreendermos a problemática indígena no ocidente.

O conceito de desenvolvimento e os seus ideais são muito recentes, remonta-se às trajetórias históricas tecidas após a segunda guerra mundial, ou seja, um momento em que a reestruturação do mundo começava a se desencadear, bem como a definir-se. Diante de tal cenário – divisão polarizada do mundo, ascensão econômica, lutas ideológicas, conflitos Interétnicos entre outros fatores que definiam os vários ângulos em que se projetava o pós-guerra, países como os Estados Unidos da América, instaurou uma polarização planetária, ou seja, a ideia de um mundo desenvolvido em contraposição ao subdesenvolvido.

Neste sentido, para além da divisão e das próprias tessituras mundiais estabelecidas sob caráter ideológico vivenciados pela formação de blocos antagônicos – socialistas, capitalistas, alguns governantes americanos polarizam o mundo em dois grandes blocos, primeiro os que têm acesso a complexidade dos processos industriais e em consequência disso respira o desenvolvimento, e segundo, os que se quer conhecem o que é industrialização e em consequência disso eram arremessados a uma “subespécie” pertencentes ao mundo que em hipótese se qualificava como subdesenvolvido.

 Evidências apontadas por Esteva (2000) dão conta de que em 1949, o arcabouço do desenvolvido e subdesenvolvido foi apresentado ao mundo. De acordo com o autor, em 20 de Janeiro do mesmo ano depois de um discurso inflamado de posse do presidente americano Truman “dois bilhões de pessoas passaram a ser subdesenvolvidas. Em um sentido muito real, daquele momento em diante, deixaram de ser o que eram, e em toda a sua diversidade e foram transformados magicamente em uma imagem inversa da realidade alheia” (p 60).  A importância de tal fato é evidenciada pelo autor de forma bastante precisa, pois a utilização da palavra desenvolvimento em tal contexto possibilitou uma nova significação, criando para o mundo um símbolo do que deveria ser seguido. Neste sentido, daquele dia em diante o mundo jamais foi o mesmo, pois ao evidenciar um modelo de desenvolvimento almejado e sonhado por grande parte das nações, instaurou-se uma nova forma de perceber o “eu” e o “outro”.

O conceito de desenvolvimento nesta forma de compreender tem ocupado o centro de toda preocupação inerente aos métodos e estratégias apresentadas pelos Estados no sentido de alcançarem o modelo desejado. Compreendendo esta forma de pensar, podemos verificar que o conceito de desenvolvimento se entrelaça um discurso que “ocupa o centro de uma constelação semântica incrivelmente poderosa” (idem, p. 61), ou seja, o desenvolvimento não existe, o desenvolvimento não é algo que paira sobre o mundo como se existisse por si só, pelo contrário, o desenvolvimento é um discurso implementado pela linguagem e sustentado por essa linguagem como forma de garantir o poder.

Mediante as considerações apontadas, a contribuição de Fernando Meirelles, Adre Barata Ribeiro e Bel Berlinck com a sistematização do filme “Xingu”, nos possibilita compreender que para além das noções de civilização – selvagens; desenvolvidos – não desenvolvidas, os povos indígenas brasileiros existem, e como tais, precisam ser vistos, ouvidos e respeitados. A obra aponta também que a sobrevivência dos sistemas culturais indígenas no Brasil necessita de posicionamentos políticos mais acentuados, principalmente na definição dos territórios indígenas, lugar de produção e segurança da cultura.

Referências

ESTEVA, Gustavo. Desenvolvimento. In: SACHS, Wolfgang. Dicionário do Desenvolvimento: guia para o conhecimento e poder. Petrópolis: Vozes, 2000.

LÉVIS-STRAUSS, Claude. Tristes Trópicos. São Paulo: Companhia das Letras,1996.

MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do pacifico ocidental: Um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné melanesia. São Paulo: Abril Cultural, 1976

[*] Professor do Curso de Licenciatura em Educação Intercultural da Universidade Federal de Rondônia – UNIR. Formado em Pedagogia e Mestre em Geografia pela UNIR. Pesquisador no Grupo de Pesquisa em Educação na Amazônia – GPEA.

 

 

SCARAMUZZA, Genivaldo Frois. ‘Xingu’ e a Questão Indígena no Ocidente. P@rtes (São Paulo). v. Continuo, p. 01-04, issn: 16788419, 2013.

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