Qual é o Papel da Escola na Sociedade Liquefeita?
Genivaldo Frois Scaramuzza[*]
Simone Alves Scaramuzza*
Resumo: Vivenciamos um tempo indefinido, presenciamos um espaço compacto singularmente ultrapassado pela força da informação. Este pequeno texto tem a intenção de pensar a escola e dos sujeitos que a integram no âmbito da proposição da modernidade, ou será pós-modernidade? Estamos se referindo a uma escola cujos princípios se constituem indefinidos, em que os sujeitos que a integram se põe nesta mística relação simbiótica entre o novo e a tradição, entre o tempo e o espaço, entre a reminiscência do passado e a força do presente, entre novas e velhas relações.
Palavras-Chave: Modernidade, Liquefação, Sujeito, Escola.
Considerações Iniciais
Desde que lemos há algum tempo o livro “As Razões da Modernidade” do filosofo brasileiro Paulo Sérgio Rouanet, percebemos que estávamos presenciando e experimentando uma sociedade completamente diferente da descrita por nossos avôs. O fato é que não nos sentimos tão velhos, e quando olhamos a idade de nossos avôs, percebemos que a suposta modernidade/pós-modernidade que experimentamos, que supostamente contradiz o conjunto de posicionamentos e possibilidades de gerações passadas é um fato recente.
É claro que não percebemos uma suposta passagem de certas concepções tradicionais e experiências mais
ou menos localizadas de tempo e espaço para uma experiência espaço- temporal “hi-tech” a olho nu, pois só possuímos condições de refletir sobre estas questões, porque temos na literatura, um conjunto de descrições que nos faz perceber que nosso tempo não é o mesmo de nossos avôs.
O fato é que escolhemos a profissão docente, e como tal, temos nos debatido sobre o papel da escola nestes novos tempos. Temos simpatizado pelas descrições densas de Zygmunt Bauman a respeito da modernidade, principalmente pela teorização de que estamos vivenciando uma modernidade líquida. Muito embora esta descrição não possa ser aplicada a qualquer sociedade, nos diz muito sobre como a instituição escolar está se confrontando com os novos sujeitos que convergem para seu espaço, em muitos casos sem compreender direito quem são estas pessoas.
Modernidade ou Pós-Modernidade?
A modernidade vem sendo caracterizada como sendo uma difusão de uma racionalidade ocidental inaugurada com o iluminismo e com as formas institucionais associadas à vida moderna, ou seja, ao capitalismo, a industrialização, e as forças motrizes dos deslocamentos, a percepção da passagem do tempo, a desestruturação de sociedades pré-modernas e de formas de vidas puramente tradicionais, bem como as alterações nas formas como as pessoas concebem a si e aos outros.
Autores como Latour (1994) tem afirmado que a modernidade ainda não é um fato definido, e constitui-se como sendo inviável falarmos de modernidade, pois segundo sua concepção “a modernidade jamais começou, jamais houve um mundo moderno […] não continuamos mais a fuga três loucada dos pós – pós – pós-modernistas, não agarramos mais a vanguarda da vanguarda […] não percebemos, mas nunca entramos na era moderna” (Idem, 1994, p.51). Neste sentido, Latour enfatiza que criamos um mundo justaposto, onde de um lado temos as coisas entre si e de outro, os homens entre eles, ou seja, temos a força social, o poder, o subjetivo em contraposição ao natural e ao mecanismo.
Expondo estas perspectivas, Latour afirma que não podemos ser considerados modernos simplesmente porque separamos o mundo em uma dualidade – natural e social. Em momento nenhum o humanismo pode justificar a modernidade, porque para o autor, esta é apenas uma projeção imanente dos indivíduos. Em Latour, mesmo se considerássemos a passagem do tempo como afirmativa da modernidade, ainda assim seria em vão, pois, “a passagem do tempo poder ser interpretado de diversas formas, como ciclo ou como decadência […] como retorno ou como presença” (p. 67). Neste sentido, ele explica que o passado reside dentro de nós, mas nós não compreendemos esta implicação e dessa forma “queremos guardar tudo, datar tudo, porque pensamos ter rompido definitivamente com o passado” (p. 68). O autor não acredita na modernidade justamente porque ela é uma continuação do passado e não sua interrupção.
Giddens é outro teórico importante para a compreensão da modernidade e dos fluxos temporais, pois projetará o tempo e o espaço na teoria social crítica, e afirmará que “os sistemas sociais, portanto, são concebidos como práticas situadas, relações padronizadas (estruturas), que se reproduzem socialmente no tempo e no espaço, como história e geografia”. (Idem, 1993, p.173). Neste sentido o tempo e o espaço são categorias localizadas, que advindas do passado ganham novas implicações ao contatarem o presente.
Retornando sobre a questão da modernidade e ampliando o debate sobre a discussão, trazemos a tona o pensamento de Rouanet (1997) para quem, existe uma possível possibilidade de estarmos presenciando sim, uma perspectiva não apenas moderna, mas pós – moderna, entretanto, para ele o fenômeno provoca discussão, pois:
Uns aplicam o termo exclusivamente a arquitetura, ou a literatura, ou a pintura. Outros o estendem a totalidade da esfera cultural, abrangendo também a ciência e a filosofia. Outros, enfim, aplica o termo a economia, a política, a sociedade em geral. Para uns o fenômeno é recente, outros o fazem remontar aos anos 50 do século passado, e para outros ele está presente em toda a história humana – cada época vive sempre, em cada momento, seu próprio pós – moderno. Alguns vêem no pós – moderno um salto para frente, e outros uma fuga para o passado […] uns sente o fenômeno como novo, outros como antigo, uns o identificam num ou noutro setor da cultura, outros como presença difusa, mas todos estariam de acordo com a seguinte afirmação: a modernidade envelheceu. (Rouanet, 1997, p. 229 -230)
O autor referenciado nos apresenta um panorama sobre os campos em que o fenômeno da pós-modernidade pode ser visto e percebido, neste sentido para ele a modernidade poder ser considerado como um fato do passado e que já não mais corresponde às exigências do tempo atual. Contrapondo a esta perspectiva, podemos referenciar a fala de Giddens (1991), para quem a modernidade não é um debate encerrado, e muito menos envelheceu. Para o autor, não é suficiente inventarmos novos nomes na tentativa de explicar a desorientação instaurada e a sensação que temos em não produzir conhecimentos sistemáticos e consistentes sobre a organização social, pois, na verdade “temos que olhar para a natureza da própria modernidade a qual, por certas razões, bem específicas, tem sido insuficientemente abrangida, até agora, pelas ciências sociais.” (Idem, 1991. p. 12). Fortalecendo o discurso de que ainda não é possível falar de pós-modernidade o autor evidencia que, “em vez de estarmos entrando num período de pós – modernidade, estamos alcançando um período em que as conseqüências da modernidade estão se tornando mais radicalizadas e universalizadas do que antes” (Ibidem, 1991, p.13).
O debate envolvendo a modernidade e pós-modernidade ganha novos sentidos, pois para Harvey (1992) a pós-modernidade pode ser considerada um fenômeno presente, afirmando a fala de que “nas últimas duas décadas, pós – modernismo tornou-se tal campo de opiniões e forças conflitantes que já não pode ser ignorado” (Harvey, 1992, p. 45). Afirmando esta perspectiva, o autor não descarta por completo a possibilidade pós-modernista, pelo contrário, evidencia que “há mais continuidade do que diferença entre a ampla história do modernismo e o movimento denominado pós-modernismo” (Idem, 1992, p. 111), entretanto e ao mesmo tempo, se pergunta: qual o significado do termo pós-moderno? Direcionando sua análise sobre o tema, o autor afirma que o pós-moderno pode ser considerado como sendo um estado em que estamos vivenciando, pois se trata de uma crise profunda da modernidade, onde no interior da própria modernidade estaríamos presenciando esta passagem, para ele, “pós-modernismo poder ser considerando uma condição histórico-geográfica” (Ibidem, 1992, p. 294). Diante disso é que se torna possível compreendermos que a pós – modernidade “não é uma colocação histórica de problemas que se supere pela crítica, e sim a condição inevitável da existência com que a humanidade lamentavelmente tem de conviver” (Kurz, 1998, p. 5).
A Escola na Sociedade liquefeita.
Temos observado as contribuições de Bauman (2001) para a compreensão das propositivas anteriormente mencionadas, este autor propões uma interpretação interessante da modernidade, relacionando este fenômeno com as características dos líquidos, esta analogia refere-se a ideia de que os
Líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com facilidade. Os fluidos, por assim dizer, não fixam o espaço nem prendem o tempo. Enquanto os sólidos têm dimensões espaciais claras, mas neutralizam o impacto e, portanto, diminuem a significação do tempo (resistem efetivamente a seu fluxo ou o tornam irrelevante), os fluidos não se atêm muito a qualquer forma e estão constantemente prontos (e propensos) a mudá-la; assim, para eles, o que conta é o tempo, mais do que o espaço que lhes toca ocupar; espaço que, afinal, preenchem apenas “por um momento, […] os fluidos se movem facilmente. Eles “fluem”, “escorrem”, “esvaem-se”, “respingam”, “transbordam”, “vazam”, “inundam”, “borrifam”, “pingam”; são “filtrados”, “destilados”; diferentemente dos sólidos, não são facilmente contidos – contornam certos obstáculos, dissolvem outros e invadem ou inundam seu caminho. (p.13-15)
O autor de “S” ainda escreve a “Identidade Líquida”, para não dizer sobre a “Comunidade Liquida”, tais textos nos fazem perceber que as experiências que nossos alunos estão tendo com esta sociedade liquefeita convergem repentinamente para a escola. Não estamos mais lidando com identidades fixas, amarradas a certo tempo e espaço, mas percebemos o quanto as identidades, os posicionamentos, as compreensões de nossos alunados são instáveis. Estamos percebendo que muitos vivenciam uma sociedade veloz, cujo texto é o hipertexto, cuja tradição é o discurso, cuja identidade é exatamente não ter identidade. Não estamos argumentando sobre os possíveis malefícios desta já instaurada identidade liquefeita, estamos evidenciando que nossas escolas ainda não compreenderam a dimensão desta mudança. São inúmeras as falas sobre a boa e velha escola, ressuscitam-se pensamentos de uma época clássica de uma escola fantástica cujo fim era formar o cidadão com base nos chamados bons e velhos costumes, esta escola, ideologicamente pensada para controlar já não faz os mesmos efeitos do passado e talvez não seja o modelo ideal para nossa sociedade. São inúmeras as ocorrências de que a escola não está cumprindo seu papel, assim nos perguntamos: que papel? Transmitir um suposto conhecimento?Ensinar nossos filhos a ler, escrever e contar? Pretender ensinar certas regras sociais? Bom, alguns diriam que sim, outros argumentariam que estas já são questões ultrapassadas, porém, as profundas contradições pelas quais nossas escolas se engendram nos fazem perceber que ela já não é mais a mesma, as pessoas que a frequentaram se situam em outra época. Nossa última indagação a respeito do tema é: o papel da escola é formar esse tal cidadão liquefeito? De todo modo ainda estamos se redefinindo enquanto docentes, enquanto cidadãos, enquanto alunos.
Considerações finais.
A Tentativa deste texto foi chamar a atenção para a necessidade de pensarmos a escola a partir de seu possível papel e da relação desta instituição com os sujeitos que a integram. Chamamos a atenção para o conceito de modernidade e pós-modernidade, bem como da instituição do sujeito neste novo período.
Neste sentido, foi possível perceber que os conceitos de modernidade e pós-modernidade são contraditório na história do pensamento social o que não significa dizer que não sentimos mudanças nenhuma no tempo e no espaço independente de sua qualificação. Argumentamos que uma interessante interpretação refere-se as teorizações de Bauman sobre a constituição da modernidade, principalmente pela utilização do termo liquefeito.
Mediante estas considerações, questionamos neste texto o papel da escola na formação deste possível sujeito líquido cuja identidade se desestabiliza na mesma velocidade com que a propaganda do jeans, do carro, do último smartphone chega à televisão.
Referências:
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
GIDDENS, Antony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991.
_______________. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
KURZ, Robert. Estética da modernização. In: revista primeira versão, ano I, Nº4. Porto Velho: Edufro, 2001
LATOUR, bruno. Jamais fomos modernos. São Paulo: editora 37, 2004.
ROUANET, Paulo Sérgio. As razões do iluminismo. São Paulo: companhia das letras, 1997.
HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1999.
[*] Professor da Universidade Federal de Rondônia – UNIR. Pedagogo, Especialista em Supervisão, Orientação e Gestão Escolar. Possui Mestrado em Geografia. Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Educação na Amazônia – GPEA. scaramuzza1@gmail.com
* Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Rondônia. simonescaramuzza23@gmail.com
SCARAMUZZA, Genivaldo Frois ; Scaramuzza, Simone Alves . Qual é o Papel da Escola na Sociedade Liquefeita?. P@rtes (São Paulo) , v. Continuo, p. 01-07, 2012.