Trabalho

Assédio moral atinge mais mulheres no setor frigorífico

Criação de secretarias segmentadas para os trabalhadores de frigoríficos e para as trabalhadoras do ramo da Alimentação são alternativas para combater abusos

Conhecido pelos inúmeros casos de acidentes e doenças ocupacionais, o trabalho nos frigoríficos também é fonte de assédio moral. Mesmo representando 41% do total de trabalhadores do setor (cerca de meio milhão), as mulheres são as principais vítimas de constrangimentos e humilhações constantes. Para tentar mudar esta realidade, a Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e Afins (CNTA Afins) irá criar, no dia 30 de novembro, secretarias específicas para a mulher e para os trabalhadores de frigoríficos durante a 3ª Conferência da CNTA (em Brasília). O objetivo é conscientizar e unificar a luta das mulheres dentro do setor e da categoria da Alimentação. Só em Santa Catarina, elas representavam 50% dos quase 60 mil trabalhadores até março de 2012, segundo dados do Dieese. 

 

Descrevendo o trabalho nas fábricas como “um meio de vida e de produção do século passado”, o coordenador administrativo da CNTA na Região Sul, Luiz Araújo, denuncia abusos cometidos, principalmente, pelas maiores empresas do setor. “A realidade do mundo do trabalho vem mudando, mas enquanto o sistema produtivo está cada vez mais competitivo e tecnológico, o tratamento dispensado aos trabalhadores é medieval, principalmente para as mulheres. É claro que houve mudanças, inclusive com mulheres galgando inúmeros postos de trabalho, antes reduto masculino, até mesmo nas chefias. No entanto, a pressão por produção mostra claramente um ‘mundo do trabalho’ bem mais machista e preconceituoso com o sexo feminino do que se vê na sociedade hoje fora das fábricas”, comenta Luiz, que diz ser comum ver mulheres chorando enquanto trabalham.

O setor frigorífico é o que mais emprega mulheres no ramo da Alimentação, e nessas indústrias, práticas de assédio moral são muito corriqueiras, segundo denuncia a CNTA Afins. “Com toda certeza nesses locais é bem mais comum ouvir trabalhadoras sendo desacatadas do que os trabalhadores. Com elas, a intimidação é muito forte”, afirma Luiz. “Ouvimos relatos complicados, como o de uma denúncia feita na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, durante uma audiência pública, onde uma grávida teria entrado em trabalho de parto no chão da fábrica, por ter trabalhado mesmo sentindo dores, pelo fato da chefia dizer que a trabalhadora estava com preguiça de fazer suas atividades.”, diz.

 

Outra forma frequente de assédio moral ocorre durante as idas das trabalhadoras ao banheiro, quando são monitoradas do lado de fora. “Além de trabalhar em um ambiente que já gera diversos problemas de saúde, quando elas vão ao banheiro, a demora de um minuto ou dois já é justificativa suficiente para sofrerem agressões verbais e psicológicas como, por exemplo, quando o superior hierárquico chega a chutar a porta e xingar a funcionária”, relata Luiz, que também destaca a dificuldade que as mulheres enfrentam para exercer suas atividades domiciliares ou escolares mediante a extensão frequente das jornadas de trabalho, chegando a atingir até 12h ou 14h diárias.

 

Baixa autoestima e depressão 

As consequências das atividades penosas e condições precárias de trabalho, com exposições a baixas temperaturas, ruídos e realização de movimentos rápidos e repetitivos, também são maiores para as mulheres, que em geral, tem jornadas duplas ou triplas de trabalho, já que, em sua maioria, o perfil das trabalhadoras nesse setor tem faixa etária entre 30 e 39 anos (32%) e de 18 a 24 anos (25%), de acordo com dados do Dieese. Segundo Luiz Araújo, ao entrar em contato com produtos úmidos e gelados e depois com produtos ou ambientes quentes, as variações bruscas de temperatura, como em atividades como depenar o frango, onde se utiliza água quente, provoca a ocorrência de choques térmicos que geram inúmeros problemas de saúde, incluindo deformidades nas mãos e nas pontas dos dedos. Este tipo de situação, comumente vivida pelos trabalhadores em geral do setor, tem favorecido a baixa autoestima e vulnerabilidade das mulheres que em casos adiantados de inflamação nos tendões, perdem a autonomia ao deixarem de realizar tarefas banais como pentear o cabelo, abotoar uma blusa ou mesmo passar um batom. E isso influencia diretamente na vaidade e na estrutura familiar.

Medo de denunciar

 

De acordo com a avaliação da CNTA Afins, o medo de represálias, a perda de emprego e até mesmo falta de conhecimento acerca dos direitos trabalhistas são alguns dos principais fatores que levam as mulheres a se calarem diante dos abusos cometidos pelas empresas. Segundo pesquisa do Dieese, enquanto 30% das trabalhadoras possuem o Ensino Médio completo, 20% possui escolaridade até o 6º ou o 9º ano do Ensino Fundamental, e apenas 14% o Fundamental completo. “Dentro dos muros das fábricas, as mulheres costumam não se rebelar. Quando a sobrevivência está em jogo, elas se calam. É quase similar ao que acontece nos relatos de violências domésticas, ou seja, muitas têm vontade de denunciar, mas o medo faz com que se calem, pois podem prejudicar a si mesmas e, até mesmo a família, porque em muitas fábricas é comum ter parentes trabalhando, principalmente nas fábricas grandes instaladas em localidades pequenas”, afirma Luiz.

Para a advogada Rita de Cássia Vivas, assessora jurídica da CNTA, no contexto geral, as mulheres estão mais expostas a este tipo de agressão. “Além disso, há a questão da restrição velada de trabalho a mulheres grávidas, casadas, e com filhos, por exemplo. O assédio moral consiste na prática reiterada de atos que expõem a vítima a situações constrangedoras e humilhantes, sendo necessário para a sua configuração que a situação ocorra de forma reiterada e prolongada”, explica.

Prevenção e informação

Para a CNTA Afins, a melhor forma de prevenir e coibir as práticas abusivas enfrentadas nas fábricas é por meio da conscientização, informação e organização política dos trabalhadores. No próximo dia 30 de novembro, durante a 3ª Conferência da CNTA, que será realizada no Hotel Nacional, em Brasília, dirigentes de entidades ligadas ao ramo dos trabalhadores da Alimentação irão dar início à criação de dez secretarias nacionais para diferentes setores e movimentos sociais, como as secretarias dos frigoríficos e da mulher. “Quanto maior o grau de instrução e de clareza política da pessoa, menos ela se submeterá a esse tipo de condição. Com toda a certeza, com o trabalho de mostrar, levar informação e formação às trabalhadoras a cerca do papel dela, as legislações específicas para as mulheres, entre outras coisas, isso irá contribuir para a justiça social e a melhoria das condições de trabalho, que só ocorrerá, de fato, quando homens e mulheres forem alçados a uma mesma condição de respeito e dignidade, diferentes como gênero, mas iguais como seres humanos, esse é o diferencial que a CNTA está buscando, e que deverá servir de exemplo e de linha política para as demais entidades”, afirma Luiz.

Outras informações:

28/11 – CNTA Afins participa de protesto contra o Acordo Coletivo Especial, às 10h, na Esplanada dos Ministérios

Programação da 3ª Conferência da CNTA Afins:

30/119h às 13h – Início das discussões com participação de todos os presidentes das entidades filiadas à CNTA Afins (89), diretoria e conselho fiscal da CNTA Afins.

 

Finalidades:

 

1- Apresentação dos nomes dos representantes que deverão integrar as secretarias e discussão e aprovação dos regimentos de cada secretaria com as metas de trabalho a serem desenvolvidos. A posse dos dirigentes será em 1º de março de 2013, com madatos com duração de 2 anos.

 

 

2- Avaliação do trabalho realizado pela CNTA Afins ao longo de 2012 e apresentação de agenda de atividades para 2013.

 

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