Nadia Pedrotti Drabach*
TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio. 4ª ed. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1977. 238 p.
Anísio Teixeira é considerado um dos principais teóricos da educação brasileira do século passado. Suas ideias influenciaram de maneira significativa as principais mudanças ocorridas na educação pública no Brasil no século XX. Anísio foi um dos idealizadores da Escola Nova nos anos de 1930, inspirada nas ideias do educador americano John Dewey. Suas reflexões educacionais se pautavam na democratização da educação que deveria ser pública, laica, gratuita e para todos os brasileiros. Foi um dos pioneiros na implantação dos sistemas educacionais públicos no Brasil, desde a educação primária até o nível superior.
Seus escritos sobre a educação contribuem para uma análise critica sobre o sistema educativo brasileiro e sobre as políticas educacionais que se delinearam ao longo da história. Anísio foi também um grande pensador da administração escolar, inaugurando uma nova maneira de pensar esta função na escola. Para ele a administração escolar deveria ter como fim principal a garantia da aprendizagem de todos os alunos, muito mais do que aspectos formais e burocráticos. As ideias de Anísio pautavam-se na educação enquanto parte da formação humana e sendo assim, um direito inquestionável do ser humano. Esta forma de pensar a educação se opõe a ideia do privilégio que marcou o processo educacional no Brasil e que historicamente, permitiu o acesso à escola a uma parcela muito pequena da população.
Em sua obra “Educação não é privilégio” o autor discorre sobre os problemas, resistências, distorções, incoerências que marcaram a educação brasileira e aponta para mudanças possíveis que passam necessariamente, pelo entendimento de que a educação é um direito de todos.
A obra resenhada é datada de 1977, seis anos após a morte do autor e se refere a sua quarta edição. A primeira parte é composta pela Conferência de 1953 proferida pelo autor na Escola Brasileira de Administração Pública (EBAP), da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro, e possui o mesmo título da obra. A segunda parte é composta pela Conferência pronunciada, em setembro de 1956, no Primeiro Congresso Estadual de Educação, em Ribeirão Preto, São Paulo. Tem como título “A Escola pública, universal e gratuita”, A terceira parte se intitula: “Educação e a formação nacional do povo brasileiro” e a quarta parte, foi acrescentada nesta edição e trata dos “Fundamentos democráticos da educação”. Há também um anexo com o título “Associação Brasileira de Educação e o ensino público”.
A primeira edição desta obra foi publicada em 1957 e reunia apenas as duas conferências citadas. Em 1968 foi lançada a segunda edição revista e ampliada pelo autor, reúne, além das duas conferências, o terceiro capítulo e o anexo já citados. A terceira edição publicada em 1971, depois da sua morte manteve a mesma configuração da segunda. Foram publicadas ainda em 1994 e em 1999 a quinta e sexta edição, pela editora UFRJ.
Na Conferência de 1953, Anísio faz uma análise sobre a situação educacional em que se encontra o Brasil na década de 1950, retomando fatos que historicamente contribuíram para tal configuração. Aponta para a ideia da seleção e do privilégio como responsáveis pela exclusão da maioria da população brasileira da escola e por dificultar a universalização do ensino básico público e gratuito.
Uma das ideias centrais de Anísio na Conferência de 1953 é a educação para a formação do “homem comum”. O processo educativo na sua visão não mais poderia centrar-se na formação de intelectuais ou escolásticos, mas na formação do trabalhador em geral. Não poderia mais haver um tipo de educação para o trabalhador e outro para quem não precisava trabalhar. Uma sociedade democrática deveria “educar a todos para o trabalho, distribuindo-os pelas ocupações, conforme o mérito de cada um e não segundo a sua posição social ou riqueza” (p. 29).
Não apenas a educação primária deveria se preocupar com o trabalho. Na visão de Anísio todas as etapas do ensino deveriam ter um caráter prático e não apenas o ensino pela exposição oral de conteúdos.
A segunda parte do livro relata à Conferência realizada durante o Primeiro Congresso Estadual de Educação Primária, realizada em setembro de 1956 em Ribeirão Preto/SP. Nesta conferência Anísio aponta para a educação enquanto um instrumento de emancipação popular e como forma de acabar com a dualidade que marca a sociedade brasileira, dividida em uma minoria privilegiada de governantes e a grande massa de desfavorecidos e submissos. Anísio insiste que é preciso tratar “não da educação dos poucos, a educação dos privilegiados, mas da educação dos muitos, a educação de todos a fim de que se abra para o nosso povo aquela igualdade inicial de oportunidades, condição mesma para a indispensável integração social”. (p.52)
O autor considerava que a educação gratuita, pública e universal só poderia ser ministrada pelo Estado, uma vez que a iniciativa privada só pode oferecer educação a quem tem posses, contribuindo, portanto para perpetuar as desigualdades sociais mais do que para removê-las (p. 54). Anísio via o processo educacional como condição necessária para a democratização do país.
Na escola pública “desaparecerão as diferenças de classe e nela todos os brasileiros se encontrarão, para uma formação comum igualitária e unificadora” (p. 72). Anísio defende a escola pública e assinala que a mesma deve ser mantida com recursos públicos. Esta Conferência causou diversas reações de intelectuais conservadores e educadores católicos que deu origem ao documento (em anexo neste livro), publicado pela Associação Brasileira de Educação (AEB) mostrando-se contra o pensamento de Anísio Teixeira e em defesa da escola privada.
Na terceira parte Anísio aponta para a necessidade de universalização da educação primária como formação para o povo brasileiro. Esta universalização coloca como central a formação de professores, da qual depende o sucesso da educação para o cidadão comum brasileiro. Anísio traça um Plano Nacional de Educação no qual destaca a importância da expansão da educação primária para seis anos, e em tempo integral como também o aumento do número de crianças na escola nesta etapa da escolarização. Anísio crítica a improvisação da escola primária, o encurtamento do tempo escolar e defende que este segmento precisa ser visto como a etapa mais importante da formação. Na qual deve se garantir uma base de formação comum para todos os brasileiros.
No discurso de inauguração do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, presente no livro, o autor salienta mais uma vez a importância da formação docente: “A maior dificuldade da educação primária, que, por sua natureza, é uma educação universal, é a de se obter um professor primário que posa atender todos os requisitos de cultura e aptidão para um ensino tão vasto e tão diversificado” (p.146). Diante da complexidade e relevância do papel do professor, Anísio defende que sua formação deveria elevar-se ao nível superior.
Na quarta parte desta obra, o autor trata dos fundamentos democráticos da educação. Assinala que a “forma democrática de vida funda-se no pressuposto de que ninguém é tão desprovido de inteligência que não tenha contribuições a fazer às instituições e a sociedade a que pertence” (p.149) que se opõe a forma aristocrática de vida que, na visão do autor, foi a que prevaleceu ao longo da história. Esta se baseia no “pressuposto inverso de que a inteligência está limitada a alguns que, devidamente cultivados poderão suportar o ônus e o privilégio da responsabilidade social, subordinados os demais, aos seus propósitos e aos seus interesses”. (idem)
É com base no pressuposto democrático que Anísio Teixeira delineia todo o seu plano educacional. Para ele, a educação primária igual para todos é o caminho para a construção de uma sociedade democrática. E, a sociedade democrática que se almeja necessita de um tipo de educação que favoreça a sua construção. Por isso, a educação precisa ser tratada como um assunto público. Nas palavras do autor:
“E, por isso mesmo, se constitui um problema público, um interesse público, um direito de cada indivíduo e um dever da sociedade politicamente organizada. Não se trata de vantagem, nem de sucesso individual, mas da condição mesma de funcionamento da sociedade, segundo o tipo político a adotar” (p. 167)
Anísio Teixeira rompe com a ideia de educação como um processo apenas individual e traz a dimensão social da educação enquanto formação do cidadão e condição necessária para a construção da sociedade democrática, por isso a escola precisa ser pública. O autor destaca que a escola pública é o espaço por excelência “da comunidade, a escola mais sensível a toda as necessidades dos grupos sociais e mais capaz de cooperar para a coesão e a integração da comunidade como um todo”. (p. 172).
E, a escola deve ser pública exatamente porque a sociedade democrática é, por excelência, a sociedade que oferece iguais condições e oportunidades educativas a todos os seus membros, (p. 184) A escola comum idealizada por Anísio Teixeira é capaz de atender a todos os alunos na sua diversidade de aptidões e fazer com que cada um, de acordo com seu mérito, alcance diferentes posições na sociedade.
Ainda na quarta parte desta obra, o autor faz referência ao regime federativo de governo e ao financiamento da educação especialmente sobre a contribuição federal para a Educação. Na sua visão “a contribuição federal seria o que faltasse ao Estado e aos Municípios para o cumprimento do plano-base mínimo” (p. 201), visando à garantia dos recursos necessários a educação em todas as escolas brasileiras.
O autor finaliza a última parte de sua obra, salientando a importância de uma educação no Brasil que valorize a língua, a cultura, a geografia local de modo a constituir uma identidade nacional.
“Com a educação organizada sob a forma de serviços autônomos e locais e com a escola reestruturada em bases assim nacionais, lançaremos os fundamentos para o reajustamento dessa instituição no Brasil, passando a educação, como sucede em outros países a ser a grande expressão do caráter nacional” (p. 215).
A atualidade do pensamento de Anísio Teixeira é inegável na configuração da educação brasileira. As diversas questões apontadas por ele na metade do século passado estão ainda muito presentes e constituem os principais problemas e desafios da educação pública brasileira.
Alcançada a universalização do Ensino Fundamental na década de 1990, resta o desafio de construir uma educação que atenda as necessidades da realidade brasileira, de forma que os alunos permaneçam na escola e encontrem nela um sentido para a sua formação humana e profissional. A formação de professores, o papel do Estado na destinação de recursos para a manutenção da educação pública, a gestão do sistema público de educação brasileira, são questões que continuam em voga nas discussões sobre as políticas educacionais. Há ainda um longo caminho a percorrer para que a educação brasileira possa ser expressão de uma sociedade democrática, na qual todos, através da educação pública possam se colocar em pé de igualdade em relação aos seus direitos enquanto cidadãos.
* Mestranda na linha de Políticas Educacionais no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Carlos A – November 5th, 2012 at 00:39 none Comment author #27 on Educação Pública: um direito de todos by Revista Partes
A educação pública democrática é a opção para a sociedade se encontrar na mesma mesa. A diversidade cultural também teria que ser inserida, a noção de coletividade e o respeito ao individual faz parte da convivência na sala de aula. Democracia não é fornecer o mesma coisa para tudo mundo, é fornecer o que as pessoas precisam para ter sucesso.
América leva muita vantagem ao Brasil em infraestrutura e no respeito individual, mas a América também precisa aprender que os problemas podem ser resolvidos de uma forma mais dialogada.