Balanço do natal
Aparecida Luzia de Mello*
O trabalho voluntário já faz parte da nossa vida há 35 anos. Foi um convite da dor para aplacar as lágrimas e sofrimento.
Empolgados com os benefícios emocionais que colhemos nesta atividade, amigos juntaram-se a nós e algum tempo depois o grupo já era composto de amigos, amigos dos amigos, amigos dos amigos dos amigos e assim por diante..
Desde então passamos a promover festas de aniversários das crianças de dois abrigos infantis, antigos orfanatos, festa da páscoa, do dia das crianças e a tradicional festa de natal.
Mas percebíamos que tínhamos potencial para fazer mais.
Diante disto foi proposto ao grupo apadrinharmos também um abrigo de idosos que até então não dispunha de uma equipe dedicada às atividades sociais voltadas aquela unidade.
No começo timidamente. Receosos que não houvesse adesão, por meio de brincadeiras, distribuímos as sacolinhas de natal entre familiares. Ali começava mais uma atividade social do grupo que se fortaleceu, saiu do âmbito familiar e hoje conta com pessoal extremamente dedicado e competente.
Da modesta sacolinha de natal para as festas sociais foi um pulo. Na época a coordenadora era uma pessoa espetacular e de uma simpática incomum que com jeitinho nos conquistou. A cada necessidade ela ligava a dizia:
-: vamos fazer uma festinha? Nossos idosos estão precisando de… e não temos verba!
Com o passar do tempo, o grupo organizou-se, e comprometido com o abrigo de idosos as festas passaram a seguir uma agenda anual:
O ano já começava com o baile de carnaval; chá da vovó; festa junina; chá do vovô; aniversário do abrigo e a festa da sacolinha de natal. Os nomes das festas mudaram ao longo dos anos, mas a intenção manteve-se: levar alegria, arrecadar fundos para suprir algumas necessidades, divulgar a obra e desenvolver habilidades sociais.
Quanto à sacolinha de natal, que começou tímida, enriqueceu.
Logicamente vivenciamos muitas situações atípicas que se transformaram em histórias, algumas nos fizeram rir, outras fizeram chorar e algumas vezes, bem, algumas vezes conseguiram nos irritar, afinal somos humanos e, portanto ainda seres imperfeitos.
Como temos dentro de nós uma ansiedade latente que não nos deixa parar, certo dia ao ler um artigo da professora Rita Amaral sobre um projeto desenvolvido com idosos abrigados nos encantamos. A proposta era descobrir que presente o idoso gostaria de ter ganhado ou gostaria de ganhar no natal e dentro do possível presenteá-lo. Gostamos da ideia/desafio, propusemos ao grupo mais esta atividade e animados saímos a campo.
Durante a festa de aniversário no ano de 2007, apresentamos ao público a “Árvore dos Sonhos”, montamos uma árvore enorme no meio do espaço festivo e penduramos nela cartões coloridos com os nomes dos idosos, seus pedidos, a data limite de entrega do presente (para conferência), bem como nosso telefone para eventuais dúvidas.
Durante a festa anunciamos a proposta várias vezes e ao final todos os cartões haviam sido distribuídos. Foi um sucesso. Escrevi um artigo intitulado “façam seus pedidos…” que foi publicado na Revista Virtual Partes – http://www.partes.com.br/2008/10/22/facam-seus-pedidos-2/
Ou seja, além de ganhar a sacolinha de natal composta por roupas de cama e banho, roupas íntimas, roupa de passeio, produtos de higiene, etc. o idoso passaria a ganhar um presente especial, aquele desejado por ele ou o mais próximo possível do sonho. Felizes com o desfecho, esta atividade social também se incorporou no calendário social do abrigo de idosos.
Bem, voltando a “árvore do sonho” quero relatar um fato acontecido que hoje nos faz rir, mas na época…
O telefone tocou e era uma senhora muito simpática. Ela começou dizendo:
-: boa tarde. Eu estive na festa do aniversário do ABRIGO e peguei um cartão da “árvore dos sonhos”. O nome da idosa é…, o prazo para entrega do presente vence amanhã e não terei como entregá-lo, pois estou com um parente doente…
De pronto solícita, respondi:
-: obrigada por sua gentileza em ligar. Não há problemas o presente poderá ser entregue até domingo, dia em que distribuiremos as sacolinhas de natal, diretamente no abrigo. Estaremos lá e teremos muito prazer em recebê-la, ou um representante seu, ou poderemos retirar o presente, ou…
Aquela gentil senhora de voz doce, tornou-se amarga e disse:
-: você não entendeu… Eu não posso comprar o presente e muito menos levá-lo até o abrigo. Portanto quero saber o que faço com este papelzinho?
Engoli seco e disse:
-: pode rasgá-lo e jogar fora!
E ela ríspida:
-: mas e a minha idosa ficará sem o presente?
Respondi:
-: SIM!
E ela:
-: mas eu não quero que ela fique sem o presente! Quero que você arranje alguém para pegar o papelzinho. Procure alguém! Ou compre você mesma… Depois me ligue avisando que deu tudo certo para que eu fique despreocupada! Meu número de telefone é… tututututututu…
Neste momento desliguei para não ser indelicada. E ao tocar de novo não atendi.
É claro que a idosa em questão não ficou sem o presente de natal. Não foi possível encontrar outro doador em cima da hora. Compramos o presente e tudo foi resolvido…
Já recebemos tanguinha vermelha com pompom na sacolinha de uma idosa, um único pé do par de meias, roupa usada, roupa furada, uma sacolinha completa de um idoso cujo tamanho era GRANDE que vestiria bem um bebê de nove meses – tinha macacão, toalha de banho com touca de coelhinho, lençol de berço, etc.
Estes são alguns dos obstáculos que enfrentamos na organização dos presentes, e ao relatar estas experiências pensamos em sensibilizar aqueles que colaboram e às vezes não percebem que ao pegar uma sacolinha, um cartão da árvore do sonho, estão assumindo um compromisso diretamente com o assistido, em geral um ser carente de atenção.
Ao preparar os presentes de natal o doador estará demonstrando uma grande dose de carinho e atenção para com a pessoa escolhida, mesmo que não a conheça… Pense nisto ao pegar sua sacolinha ou assumir qualquer outro compromisso social e divida com seus amigos e familiares a responsabilidade prazerosa de presentear o próximo ou cumprir com a sua palavra compromissada!
“Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles”. Mateus 7:12
* Mestre em Políticas Sociais com especialização em idosos.
Email: cidamell@uol.com.br