Gabriel dos Santos Kehler *
Joacir Marques da Costa **
02/12/2011 www.partes.com.br/educacao/artigos/enfoquedemocratico.asp
Resumo
Este estudo debruça-se em uma discussão qualitativa de cunho crítico sobre os princípios básicos que orientam os sentidos de democracia da gestão escolar, lidos a partir da elaboração de um referencial que substancia os desafios da constituição da escola cidadã sob bases burguesas. Assim, a perspectiva crítica-reflexiva coaduna o estabelecimento de análise sobre as relações entre o macro (sistemas de ensino) e micro (escola), em que ambos convergem por apresentar um mesmo núcleo de sentido: a gestão escolar democrática e a reestruturação produtiva do trabalho no contexto social contemporâneo se imbricam, gerando níveis paralelos de flexibilização, como forma de promover a efetivação da cidadania.
Palavras-chave: Cidadania, Democracia, Gestão Escolar, Reestruturação Produtiva do Trabalho.
ABSTRACT
This study focuses on a qualitative discussion of critical slant on the basic principles that guide the directions of the democracy of school management, read from the elaboration of a framework that challenges the constitution of the citizen school grounds under bourgeois bases. Thus, the critical and reflexive analyses conciliates to the establishment of relations between the macro (school systems) and micro (school) in which both converge to present a common core of meaning: the democratic school management and the productive restructuring of work on the social contemporaneous context, creating parallel levels of flexibility, in order to promote effective citizenship.
Keywords: Citizenship. Democracy. School Management. Productive Restructuring of Work.
Considerações Iniciais
A discussão aqui apresentada sob análise das categorias cidadania, democracia, gestão escolar e reestruturação produtiva do trabalho no contexto da sociedade contemporânea têm sido debatidas no contexto educacional vigente. Ademais, é visível nos discursos de grande parte de professores/gestores um viés naturalizado sobre as mesmas, delimitando a mera organização gerencial das escolas, em que muitas vezes não se analisa criticamente o teor da reprodução desses discursos, materializados por políticas públicas educacionais[i] de ordens neoliberais. Ademais, a proposta se coaduna a uma perspectiva crítica-reflexiva de cunho bibliográfico. Embora se trate de uma análise sobre a relação entre o macro (sistemas de ensino) e micro (escola) ambos convergem por apresentar um mesmo núcleo de sentido: a gestão escolar democrática e a reestruturação produtiva do contexto
social contemporâneo se imbricam, gerando níveis paralelos na flexibilização do trabalho, como forma de promover a efetivação da cidadania. Para tanto, nos textos legais para/na educação brasileira pode-se observar desafios à gestão escolar no seu âmbito de efetivação, o que nem sempre revela o mesmo nível de comprometimento. Tal aspecto pode ser observado, desde a Constituição Federal de 1988, e especificamente no âmbito educacional a partir da Lei de Diretrizes e Bases – LDB 9394/96, que trazem a democracia como princípio à constituição da cidadania. Logo, esta, na ótica do capitalismo no seu estágio atual, consiste em uma cidadania burguesa, outorgando à escola em seu âmbito de gestão, a responsabilidade em flexibilizar-se para atender as premissas da reestruturação produtiva do trabalho. Esta em ascensão nos anos 1990, passa por um processo de metamorfose e com isso a educação escolar “precisa” ajustar-se a tais necessidades. Nesse sentido, é ingenuidade negar que há ditames ideológicos nessa movimentação histórica entre a gestão escolar e democracia na (re) configuração do plano burguês de sociedade. Metodologicamente, este estudo embasa-se em uma discussão qualitativa de cunho crítico sobre os princípios básicos que orientam os sentidos de democracia da gestão escolar, lidos a partir da elaboração de um referencial que substancia os desafios da constituição da escola cidadã sob bases burguesas. Dessa forma, foi necessário abordar questões de textos legais, como os já citados, para compreender como as políticas públicas educacionais estão sendo incisivas na (re) organização e entendimento basilar dos discursos dos próprios professores sobre a organização da gestão escolar democrática.
Cidadania burguesa e reestruturação produtiva do trabalho: tendências e tensões na/para a gestão escolar
Constituir possibilidades de cidadania no contexto imbricado no social é um desafio para além do fenômeno metabólico do contexto macro-estrutural da sociedade capitalista contemporânea. Nessa perspectiva, o imperativo que opera, consiste em uma democracia liberal[ii], propagando-se o discurso hegemônico de que “todos os indivíduos são compreendidos como cidadãos e possuem as mesmas oportunidades na esfera social, pois, afinal, todos são iguais perante a lei e possuem seus direitos democráticos assegurados”.
Argumentos como estes, revelam uma falta de reflexão, que pode ser explicada pela naturalização dos conceitos de cidadania e democracia. Contudo, a própria LDB 9394/96 no Art. 14º, define para a gestão democrática: “Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com suas peculiaridades”. Todavia, cabe aqui ressaltar que o Estado[iii] cumpre a função de regular e submeter à escola ao seu poder através de suas intenções político-ideológicas, materializadas através das políticas públicas neoliberais. Então, faz-se mister indagar-se para que e para quem se constituiu essa gestão democrática escolar?; Que tipo de democracia se quer constituir? E afinal, o que se compreende por evidências orgânicas de democratização na escola?
Nesse sentido, pode-se compreender que muitas são as questões que envolvem esse processo conceitual. O economista austríaco Schumpeter (1961) enfatiza que o método político se constitui através de arranjos institucionais, afirmando a lógica da democracia liberal, em que não existe bem comum, assim como o governo do povo não passa de uma ficção, pois somente a elite é capacitada para assumir postos de comando, configurando um competitivo mercado político, em busca da preferência eleitoral. É nessa confluência de sentidos que se constitui de certa forma o conceito de democracia na esfera educacional, em que no jogo político, as políticas públicas (aqui no caso as educacionais), muitas vezes, são sufocadas pelas políticas de governo, em que os interesses partidários funcionam semelhantes à lógica empresarial, no que se refere à liberdade de concorrência na “necessidade” de manter e conquistar o poder, mantendo discursos vazios, como “igualdade participativa, qualidade, cidadania”, enfim.
Ademais, percebe-se que o processo de democratização na gestão do espaço escolar sob a lógica neoliberal não permite ir além da “democracia representativa”, pois o que realmente interessa é fazer com que as pessoas apenas representem seu poder de decisão em termos de participação, isso na defesa de algo que já está pré-definido conforme os interesses dominantes. Norberto Bobbio (2000) aborda a concepção de democracia sob os preceitos da teoria política e direitos individuais, que em razão do Estado se constitui eticamente um conjunto de regras, como forma de proceder para a participação coletiva. Todavia, essa concepção de coletivo compromete-se com uma noção de duas vertentes cruciais, sendo a democracia ideal e a real, em que o individuo entendido como ser soberano passa a ser compreendido em grupos de poder, em meio a uma sociedade pluralista, (re) distribuindo de forma mais justa o poder.
Contudo, quaisquer que sejam os aspectos caracterizadores da existência de práticas possibilitadoras de uma gestão escolar sob o viés cidadão, todas elas acabam, por problematizar de qualquer forma a discussão acerca de uma democratização da gestão escolar. Isso se deve pelo fato de não haver um consenso claro e definido epistemologicamente sobre o conceito de cidadania e democracia enquanto possíveis, no campo da gestão escolar.
Em suma, a gestão escolar democrática, na forma como foi descrita por referendar as políticas de um Estado mínimo, contribui para que constituam cidadãos na escola, o fazendo na perspectiva de uma cidadania burguesa. Esse fenômeno é entendido como próprio da metamorfose do estágio capitalista atual, como contexto macro-estrutural da sociedade contemporânea. Assim, os próprios argumentos usados em sua defesa, acabam revelando uma falta de reflexão, que pode ser explicada pela naturalização dos conceitos de cidadania e democracia. Contudo, a própria Constituição Federal de 1988 e especificamente no campo educacional a LDB 9394/96, define a Gestão Democrática como princípio. Em suma, a gestão escolar democrática, na forma como foi descrita por referendar as políticas de um Estado burguês, contribui para que educação de cidadãos na escola, mas fazendo-o na perspectiva de uma cidadania burguesa.
Considerações Finais
Fundamentando-se nos estudos realizados e na análise das categorias cidadania, democracia, escola e gestão escolar no contexto reestruturação produtiva do trabalho, é possível destacar que este é um tema relevante para as pesquisas que se tem desenvolvido na esfera a gestão escolar, mas que tal temática não se esgota nesta investigação, devido a seu grau de complexidade e outras possíveis análises. É preciso ampliar sempre este tipo de análises, para que haja uma maior compreensão sobre os sentidos destas categorias e sua importância na efetivação e problematização da gestão escolar, como maneira de superar as dificuldades de compreensão do significado do processo democrático na escola. Aqui se destaca discussões sobre os textos legais, por entender que estes são norteadores e redefinidores das propostas de organização da gestão, assim como da própria estrutura social da democracia liberal.
Ao produzir reflexões sobre o campo da gestão escolar democrática, a pesquisa possibilitou a elaboração de bases para uma revisão das propostas do que é naturalizado conceitualmente como busca pela cidadania, pelos interesses da organização socioeconômica dos modos de produzir, próprios da sociedade contemporânea, percebendo-se flexibilizações no âmbito da gestão escolar, mediante as reestruturações das esferas produtivas do trabalho.
Referências
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 9ª ed. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo, SP: Paz e Terra, 2000.
FRIGOTTO, Gaudêncio. O local face ao Nacional e ao Global – Limites e Possibilidades. IN: Revista da ADUEL – SINDIPROL, nº 02, Ano 2, edição 1997.
FRIGOTTO, G. O enfoque da dialética materialista histórica na pesquisa educacional. In: FAZENDA, I. (Org.). Metodologia da pesquisa educacional. 7.ed. São Paulo: Cortez, 2001.
SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1961.
[i] […] As políticas públicas surgem no cenário da globalização como forma de regulação social e ajuste estrutural, como um mecanismo formal (Estado) e informal (sociedade civil) que estruturam o conjunto de setores da vida social, política e econômica, nas dimensões pública e privada e que, no caso específico do Brasil, apontam para a concepção produtivista e mercantilista, procurando desenvolver habilidades e competências definidas pelo mercado, o que possibilitaria a empregabilidade (FRIGOTTO, 2001, p. 64).
[ii] Democracia Liberal é o processo político pautado pela permanência de uma elite no poder. A Democracia para os Liberais (como: Joseph Schumpeter) é vista como um procedimento em que a sociedade civil delega a uma elite política o poder de governar, havendo uma disputa restrita às elites. Outra característica de um governo liberal é a promoção do Estado mínimo, baseadas em questões básicas como segurança, estrutura política e macroeconomia. Assim Schumpeter diz que “a democracia significa apenas que o povo tem oportunidade de aceitar ou recusar aqueles que o governarão”. Essa redução drástica do significado de “democracia” inicia-se com Schumpeter, mas prossegue com Giovanni Sartori, Robert Dahl, Norberto Bobbio e muitos outros pensadores liberais contemporâneos, conservadores ou progressistas. Democracia passa a ser, assim, o cumprimento de uma formalidade, nas quais o povo escolhe seus representantes entre elites.
[iii] O Estado sempre fora um regulador educacional, sendo que este sempre esteve submetido aos interesses do sistema dominante vigente, perpassando historicamente pelos interesses da Igreja católica até a firmação da classe burguesa e hoje o neoliberalismo intrínseco nas relações sociais, propagado pela lógica de consumo própria da sociedade capitalista.
* Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação e Especializando em Gestão Educacional, ambos na Universidade Federal de Santa Maria/UFSM. Licenciado em Pedagogia pela Universidade de Cruz Alta/UNICRUZ. Email: gabkehler@gmail.com
** Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação e Especializando em Gestão Educacional, ambos na Universidade Federal de Santa Maria/UFSM. Licenciado em Matemática pela UFSM. Email: mc.joacir@gmail.com