O intruso
Gilda E. Kluppel
Enquanto procuramos seguir as regras de convivência e as normas estabelecidas para que a sociedade possa funcionar, com mais respeito aos nossos semelhantes, aparece sempre alguém tentando burlar algo. O intruso convive conosco diariamente. É aquela pessoa que ocupa os lugares que não lhe são destinados. Imagine se o intruso passar a ser apenas o inconveniente e, com o decorrer do tempo, nem sequer seja o inconveniente, mas se torne o habitual?
Os idosos não teriam acomodações no ônibus e os intrusos instalados tranquilamente nos assentos que antes foram preferenciais. Os carros estariam estacionados pelas calçadas, praças ou em qualquer lugar onde exista espaço, sem o mínimo critério; atrapalhando o trânsito e a movimentação dos transeuntes pela calçada. As filas perderiam o sentido, todos pensam ter direito à primeira posição. No supermercado, para chegar ao caixa, o total desespero, ao prevalecer a lei do mais forte. Aquelas pessoas que antes causavam mal-estar pelos seus comportamentos, agora se tornam frequentes; enquanto a maioria tender a agir desta forma.
Nesta sociedade, dominada pelos intrusos, ninguém possui a ínfima consciência dos seus direitos e deveres e sequer respeita o ambiente em sua volta. O aparelho que apontava para um possível constrangimento, o tal do desconfiômetro, permanece sempre desligado. Com cada um, julgando-se com mais direitos que os demais, o artifício da esperteza será mais apurado; os intrusos deverão disputar entre si as vagas e os primeiros lugares da fila. Os motivos para justificar tais atos, cada vez mais imaginativos, entre a pressa, alguma emergência na família e outros tantos engendrados por uma mente em busca de vantagens. Os mais jovens, diante de tantos exemplos de barbárie, calados e com poucos ideais, acreditam que deste modo funciona a sociedade; movida pelo combustível da prerrogativa e da exclusão.
Haverá uma competição pelos privilégios comandada pela frase: você sabe com quem está falando? E assim, dada a garantia para lograr as normas vigentes e também a boa educação. Esta frase será tantas vezes pronunciada e insuportavelmente ouvida que começaram a sentir saudades daqueles tempos, nos quais ocorriam avanços, em termos de civilidade e respeito ao semelhante.
A fila demonstra, de forma simples, uma das características da sociedade democrática, pelo princípio de quem chega primeiro tem o direito ao primeiro atendimento. A fila se move, naturalmente o último acaba em primeiro. Qualquer manobra para alterar a ordem fere o direito do outro.
Felizmente ainda podemos reconhecer o intruso, sinal que a maioria não age dessa forma, mas que este intruso incomoda, não há dúvida. Um vírus com disposição para destruir a saúde da sociedade organizada.
Está sempre à margem da lei, numa linha tênue que separa a brutalidade de uma contravenção. Ora salta de uma para a outra sem a menor preocupação. Na internet também temos os intrusos, os chamados ciberpiratas, dispostos a espalhar vírus ou aplicar golpes. Muitas vezes sem objetivos financeiros, mas pelo puro prazer em invadir os arquivos e dados alheios.
O intruso está presente em diversos lugares onde realmente não deveria, ocupando o espaço que não lhe pertence. Inclusive na política, cabe saber identificar quem são os intrusos…
Por muita felicidade quando alcançarmos a terceira idade, agora dita a boa idade, poderemos conviver numa sociedade em que os intrusos, cada vez mais embaraçados pelos seus atos, em número significativamente reduzido, raramente sejam encontrados. E as pessoas tenham uma maior consideração para com os demais cidadãos, principalmente aos que, após muitos anos de trabalho, merecem receber um atendimento prioritário.
Logo, continuamos entrando dignamente no final da fila sem precisar daquele famoso “jeitinho”, dispensando qualquer regalia que desqualificam os beneficiados por estas práticas.