Os professores do futuro
Gilda E. Kluppel
Amanhã, dia 15 de outubro de 2046, é o Dia do Mestre. Para conhecer um pouco mais sobre esta cobiçada profissão, lembramos que nem sempre os professores receberam o devido reconhecimento. Difícil compreender que em alguns períodos da nossa história, a sociedade pode prescindir deste profissional para a promoção do desenvolvimento do país. Difícil também imaginar que os professores, diferentemente da nossa realidade, não pertenciam às categorias de trabalhadores com as melhores remunerações do país.
A carreira do professor se tornou atraente pelas mudanças ocorridas ao longo dos anos, resultantes das discussões e debates sobre os rumos da educação, nos quais os professores tiveram participação ativa. Em consequência, os cursos de licenciatura, principalmente para os professores das séries iniciais, são os mais disputados nas universidades, superando os cursos de Medicina e Direito. Para ter uma noção da concorrência, no ano passado girava em torno de 250 candidatos por vaga.
As mudanças possibilitaram ao professor uma carga horária de 30 horas semanais, metade da jornada de trabalho cumprida em sala de aula e as outras 15 horas dedicadas ao estudo, pesquisa e preparação das aulas. As provas, arcaico e discutível sistema de avaliação, foram extintas há 20 anos, após a redução do número de alunos atendidos pelo professor. Os grupos de estudo contam com, no máximo, 15 estudantes, permitindo ao professor o acompanhamento direto do desenvolvimento de cada aluno; logo são inúmeras as facilidades para a apropriação dos conteúdos. Os alunos que por ventura apresentam alguma dificuldade têm o devido acolhimento pedagógico, psicológico e médico.
Em decorrência houve considerável redução da criminalidade, os estudantes pleiteiam as vagas em escolas próximas da sua residência, visando participar de todas as atividades oferecidas, na área da cultura e dos esportes; inclusive nos finais de semana. Os estudantes dispõem do CHD (Cartão Histórico Discente) que informa sua presença, rendimentos e dificuldades. Os computadores portáteis e os quadros interativos auxiliam para a agilização do conhecimento. O professor, vencida a condição de mero transmissor, realiza a intermediação e o gerenciamento dos conhecimentos, baseados no diálogo e debate de ideias.
O trabalho do professor não está restrito apenas a uma instituição, ocorre a interação com colegas de outras organizações e o meio acadêmico, nacional e internacional; alternando suas atividades em sala de aula com o desenvolvimento de pesquisas. A ciência está cada vez mais compartilhada e socializada.
Os professores são reverenciados e têm espaço garantido para debater os rumos da educação na grande mídia. Após antigos programas de reality shows não alcançarem a audiência necessária, os patrocinadores, em desespero, realizaram inúmeras e fracassadas estratégias visando alavancar a audiência. Foram obrigados a recorrer aos professores, para proporcionar maior credibilidade aos programas produzidos pela televisão, ainda não digital e interativa. Os professores começaram a apresentar programas educativos, acarretando um alto índice de audiência das emissoras; esta iniciativa se propagou também pelas outras formas de mídia.
As transformações tiveram início quando poucos se interessavam pela carreira do magistério e as escolas não encontravam profissionais para exercer as atividades. Cogitou-se até que o professor era um profissional em extinção e poderia ser substituído pela autoaprendizagem do aluno via internet e outros mecanismos interativos. Diante de tantas inovações tecnológicas e o desconhecimento de todas as aplicações possíveis poderia se pensar, naquela época, na absurda hipótese do surgimento de tutoriais de informática capazes de substituir o trabalho do mestre. Imaginando que fosse possível proporcionar uma educação de qualidade, desconsiderando o elemento primordial da aprendizagem, as relações afetivas.
Devido à escassez de professores no mercado de trabalho, profissionais de áreas alheias ao magistério tentaram ocupar as vagas em regime de exceção, mas não foram suficientes para atender a demanda e medidas urgentes foram tomadas para sanar este grave problema. A primeira providência efetivada, o oferecimento de uma estrutura de trabalho que permitisse ao professor refletir sobre as suas práticas, desobrigando-o da necessidade de lecionar em várias escolas para manter um salário que assegurasse a sua sobrevivência.
Os professores estranham que num passado recente seus colegas trabalhavam com turmas, denominação utilizada para os atuais grupos de estudos, gigantescas de até 40 alunos. Encontrou-se registros inacreditáveis em que os professores lecionavam para 50 alunos, algo que parece humanamente impossível. Para complicar ainda passavam os finais de semana corrigindo trabalhos e provas impressos em papel, além do preenchimento de planos de aula, livros de chamada, sempre envolvidos numa inútil burocracia; não condizente com o trabalho de um educador. Por incrível que pareça, com toda esta carga de trabalho, eram responsabilizados pelo não aprendizado do aluno, consequentemente estavam sujeitos ao estresse e inúmeras doenças.
As escolas cobravam do professor novas posturas metodológicas, mas o quadro-negro afrente da sala e os alunos sentados em carteiras enfileiradas, ao contrário das mesas ovais para as atividades escolares, dificultava o desenvolvimento de alternativas. Existia uma estrutura física desfavorável às mudanças. Arquitetos e engenheiros sensibilizados com a nova proposta pedagógica empenharam-se bastante para adequar a estrutura da escola às necessidades do professor e a demanda de alunos, visando um maior aprendizado, não pensando apenas nos custos da construção da escola.
Felizmente, esse passado desconhecido por muitos sobre a carreira do professor ficou distante, mas sempre merece a recordação para não incorrer nos mesmos erros, ao deixar de ouvir um dos principais personagens desta história.
Para os que acreditam que as mudanças são possíveis e não necessitamos aguardar até o ano de 2046, permanece sempre viva a mensagem de Madalena Freire:
“Para permanecer vivo, educando a paixão, desejos de
vida ou de morte, é preciso educar o medo e a coragem.
Medo e coragem de ousar. Medo e a coragem em
assumir a solidão de ser diferente. Medo e coragem de
romper com o velho. Medo e a coragem de construir o novo.
Medo e coragem em assumir a educação deste drama,
cujos personagens são nossos desejos de vida e morte.”