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Supervisão escolar: um olhar para o contexto histórico brasileiro

 

SUPERVISÃO ESCOLAR: UM OLHAR PARA O CONTEXTO HISTÓRICO
BRASILEIRO
Márcia Ângela Patrícia Marroco
Eliéte Zanelato 

Publicado originalmente em 05/09/2011 como http://www.partes.com.br/educacao/supervisaoescolar.asp

RESUMO

Marcia Angela Patricia Marroco é professora do Departamento de Ciências da Educação (DECED) da Universidade Federal de Rondonia (UNIR), Campus de Ariquemes, Especialista em Metodologia do Ensino Superior e Supervisão Escolar.
Eliéte Zanelato é professora do Departamento de Ciências da Educação (DECED) da Universidade Federal de Rondonia (UNIR), Campus de Ariquemes, Mestre em Educação.

Este artigo tem por objetivo descrever a trajetória histórica do supervisor escolar no Brasil, bem como sua responsabilidade junto às mudanças educacionais. O
autoritarismo na prática educacional provou que não contribuiu para a eficiência do trabalho pedagógico. Pode-se perceber dois lados da prática supervisora: a
primeira historicamente instituída para a manutenção da sociedade capitalista e a segunda uma prática inovadora, capaz de dar novos rumos à prática educacional, priorizando as realidades de educadores e educandos. A pesquisa realizada foi de cunho bibliográfico, utilizando-se da técnica de leitura analítica para a compreensão do referencial teórico.
Palavras-chave: Supervisão escolar, Contextualização Histórica, Mudanças Educacionais, Prática Pedagógica.

INTRODUÇÃO
A escola, historicamente, responde aos interesses da sociedade capitalista a qual está inserida, bem como sua organização e funcionamento. O cargo de  supervisor, presente na história escolar, por um longo período foi responsável direto pela reprodução do modelo industrial nos meios educacionais. Ainda hoje, mesmo que discretamente, isso acontece. O supervisor é aquele que inspeciona se um determinado modelo de escola está sendo aplicado, a grande diferença está em uma responsabilidade na participação mais direta junto aos professores da escola.
O presente artigo pretende apresentar uma contextualização histórica do supervisor escolar, relatando seu processo histórico de mudanças na atuação junto
aos professores, evidenciando suas contribuições a escola brasileira.
Para a coleta de dados bibliográficos, a técnica de leitura analítica possibilitou uma maior compreensão graças as várias atividades que esta propõe, principalmente o fichamento conceitual.

SUPERVISÃO ESCOLAR: UMA PRÁTICA EM TRANSFORMAÇÃO
A educação brasileira compreendida a partir de determinantes históricos apresenta-se em constantes mudanças de acordo com os interesses de classe,
prevalecendo os interesses dominantes.
Ao longo dos anos, com uma visão progressista, avaliam-se as metodologias visando o favorecimento de uma educação a serviço da transformação social. A escola passa ser entendida como a interventora entre o educando e o mundo da cultura construída socialmente.
A ação supervisora, parte integrante do processo educacional tem sua origem, segundo Folquié apud Saviani (2006, p. 14) nos primórdios das comunidades primitivas, onde a educação se dava de forma difusa e diferenciada. O tipo de produção de existência se dava de forma coletiva, ou seja, para se apropriar
dos meios de vida trabalhavam coletivamente. A educação coincidia com a própria vida, sendo uma ação espontânea. Os adultos educavam, de forma indireta, por meio de uma vigilância discreta, protegendo e orientando as crianças pelo exemplo, supervisionando-as de acordo com Keffler apud Saviani (2006, p. 15) “a supervisão deve aparecer aos olhos dos alunos como uma simples ajuda às suas fraquezas”.
No Brasil, a idéia de supervisão aparece a partir de 1549, no plano de ensino formulado pelo Padre Manuel da Nóbrega. Foi destacada, principalmente após sua morte, com adoção do “Ratio Studiorum”, em 1570.
Com a instituição das reformas pombalinas, especificamente em 28 de junho de 1759, com a expulsão dos Jesuítas e a extinção do seu sistema de ensino foram criadas as aulas régias, ficando descaracterizado a função do supervisor concentrada no prefeito dos estudos. Nesta fase da história, Saviani (2006, p. 22)
apresenta a nova função do supervisor:

(…) a idéia de supervisão englobava os aspectos políticos administrativos (inspeção e direção) em nível de sistema concentrados na figura do diretor geral, e os aspectos de direção, coordenação e orientação do ensino, em nível local, a cargo dos comissários ou diretores dos estudos, os quais operavam por comissão do diretor geral dos estudos.

Com a Independência do Brasil, são instituídas as escolas de primeiras letras, em 15 de outubro de 1827, foi determinado o “método de ensino mútuo” onde o professor absorvia a função de docência e de supervisão. Segundo Almeida apud Saviani (2006, p. 22):

Durante as horas de aula para as crianças, o papel do professor limitou-se a supervisão ativa de círculo em círculo, de mesa em mesa, cada círculo e cada mesa tendo à sua frente um monitor, um aluno mais avançado, que ficava dirigindo. Fora destas horas, os monitores recebiam, diretamente dos professores, uma instrução mais completa, e não era raro ver os mais inteligentes adquirirem a instrução primária superior.

Esse modelo durou pouco tempo, em 1834, o Império postula que essa função seja exercida por agentes específicos. Como apresenta Almeida apud Saviani (2006, p 23):

(…) as escolas de ensino mútuo, por uma razão qualquer, não correspondem às nossas esperanças: eu me vejo obrigado a confirmar esta observação. O bem do serviço, Senhores, reclama imperiosamente a criação de um Inspetor de Estudos, ao menos na capital do Império. É uma coisa impraticável, em um país nascente, onde tudo está para ser criado, e com o péssimo sistema de administração que herdamos, que um ministro presida ele próprio aos exames, supervisione as escolas e entre em todos os detalhes.

Em 1854, a reforma Couto Ferraz, estabeleceu uma supervisão permanente. As atribuições eram a de supervisionar todas as escolas, colégios, casas de educação, estabelecimentos de instrução primária ou secundária, públicas ou particulares, cabendo-lhe também presidir exames dos professores e conferir-lhes o diploma, autorização de abertura de escolas particulares e correção de livros.
Vários foram os debates que se travaram no final do período monárquico, apresentando a necessidade de uma organização de um sistema nacional de educação. Saviani (2006, p. 24) apresenta que “neste contexto, a ideia de supervisão vai ganhando contornos mais nítidos ao mesmo tempo que as condições objetivas começaram a abrir perspectivas para se conferir a essa ideia o estatuto de verdade”.

No início do período republicano, com a reforma da instrução pública de São Paulo, Casemiro dos Reis Filho discorda das atribuições burocráticas sobre as técnicas pedagógicas na função do inspetor e afirma, segundo Almeida apud Saviani (2006, p. 24), que “burocratizar a ação educativa é fazer incidir sobre a
rotina a preocupação do inspetor, que deveriam ser orientadores”. No entanto, não houve consolidação desta reforma, ficando a direção e a inspeção de ensino sob a responsabilidade de um inspetor geral, em todo o estado, auxiliado por dez inspetores escolares, voltando-se a prática anterior.
O Estado Novo, período caracterizado por uma ideologia antiliberal e antidemocrática marcada por uma política de corte fascista que pretendia eliminar todas as forças de resistência no país (BRZEZUSKI, 1996), foi palco da criação do curso de Pedagogia (Decreto Lei Nº 1190 de 4 de abril de 1939). Tal Decreto instituiu o chamado “Padrão Federal”, cujo objetivo era formar bacharéis e licenciados para as áreas específicas e para o setor pedagógico. Segundo Abdulmassihe e Rodrigues (2007), o licenciado em Pedagogia devia fazer o curso de Didática que o habilitava para a docência das disciplinas específicas do Curso Normal como também formava o “técnico em Educação”, o equivalente ao Especialista em Educação. O que conhecemos como supervisor educacional.
Após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos iniciaram um programa de assistência aos “países subdesenvolvidos”. Um desses programas foi o PABAEE1,
que se instalou no estado de Minas Gerais, um sistema articulado de supervisão nas escolas primárias, sendo que tal programa teve maior destaque nos estados de Goiás e São Paulo. Segundo Peixoto apud Rangel (2001, p. 40), a supervisão gestada no âmbito das reformas escolanovistas tinham como eixo de suas
atividades, a escola. Esperava-se que os supervisores atuassem sobre o trabalho do professor nas escolas.
Segundo Abdulmassih e Rodrigues (2007, p. 2), em 1958, 14 professores foram enviados à Universidade de Bloomington, estado de Indiana (EUA) para se
especializarem e posteriormente fundarem em Belo Horizonte os cursos de formação de supervisores, que mais tarde seriam espalhados por todo Brasil. Os
autores (2007, p. 4) destacam:

A supervisão educacional brasileira é produto da assistência técnica norte-americana prestada aos países da América Latina, objetivando mudança de mentalidade para se alcançar um nível de vida mais sadio e economicamente produtivo, impedindo, dessa forma, a penetração do comunismo.

Com a expansão do ensino, a lei 4.024/61 (Art. 52), trazia uma breve referência, na qual previa a formação de professores, orientadores, supervisores e administradores escolares destinados ao ensino primário através do ensino normal.
A lei 5.5.40/68 (Art. 30) estabelecia que a formação dos professores para o ensino de segundo grau, de disciplinas gerais e técnicas e preparo de especialistas para os trabalhos de planejamento, supervisão, administração, inspeção e orientação nas escolas seria feito no ensino superior. No entanto, o Decreto Lei 464/69 (Art. 16) estabelecia que “enquanto não houver em número bastante, os professores e especialistas a que se refere o Art. 30, a habilitação para as respectivas funções será feita mediante exame de suficiência, realizado em instituições oficiais de ensino superior indicadas pelo Conselho Federal de Educação”.
É importante ressaltar que o ideário que orientou a formação do supervisor, especificamente, se fundamentou na pedagogia tecnicista. Que tinha como objetivo político a capacitação e o treinamento dos Supervisores e demais profissionais da educação, para atender as demandas do setor produtivo capitalista.
Seguindo o modelo Taylorista implantado nas fábricas.

Com as mudanças ocorridas em caráter legal, a formação do professor e do especialista, recebiam um tratamento diferenciado, distanciando este último da formação do educador. Para Abdulmassih e Rodrigues (2007, p. 5):

O especialista de educação, com um saber limitado, passou a ser um dos sujeitos determinantes, no contexto das políticas de caráter centralizadoras e totalitárias, dado que era quem operacionalizava, no interior das escolas, a ideologia dominante, especialmente através dos currículos.

Medeiros (1987) caracteriza a Lei 5292/71, como a lei profissionalizante, que objetivava preparar mão-de-obra para trabalhar na máquina estatal e no mercado, e ainda especializar os trabalhadores para atender as iniciativas da propriedade privada. Foi a referida lei que consolidou a obrigatoriedade do Especialista da educação nos estabelecimentos de ensino.
No final da década de 70, a classe trabalhadora inicia um processo de organização em sindicatos, lutando contra a grande repressão implantada pelo regime militar à sociedade brasileira. Incluindo também a classe de educadores, que buscavam reconquistar a sua identidade. Os teóricos progressistas iniciam uma crítica ferrenha ao sistema questionando a política educacional.
No decorrer dos períodos de 60 até 70 foram criadas duas associações de supervisores no Brasil, A ASSERS e ASEEP. Entre as décadas de 70 e 80, foram criadas 13. Abdulmassih e Rodrigues (2007, p. 7) esclarecem o objetivo de tais organizações.

As associações de supervisores e orientadores, objetivavam a recuperação da pessoa do educador e defendiam o diálogo e a integridade do trabalho pedagógico contra uma especialização imposta e estéril. Lutavam pela consolidação de um projeto educacional que conduzisse a “omnilateralidade”, ou seja, um trabalho humano na sua dimensão espiritual e material, que levara em consideração a totalidade social rompendo deste modo a mera fragmentação implantada pelo trabalho de caráter capitalista.

É importante destacar que existiram inúmeras discussões acerca da regularização do exercício da profissão e das nomenclaturas, sendo elas:
Supervisão Educacional e Supervisor escolar. Discutida a questão define-se pela designação “Supervisor Escolar”, por ser mais abrangente e caracterizar melhor a
área de atuação destes profissionais. Assim, ao menos em termos legais, o supervisor passava de meramente técnico, restrito ao âmbito escolar, a educacional, exercido por um educador comprometido com as transformações da escola, da educação.

A GUISA DE CONCLUSÃO

As transformações ocorridas nos processos sociais e culturais exigem da escola uma reforma quase que em sua totalidade. Os velhos paradigmas educacionais, com currículos estritamente disciplinares revelam-se cada vez menos adequados, refletindo no aprendizado e no próprio convívio. A transformação de qualidade que se procura promover na formação do educando irá conviver com outras modificações, quantitativas e qualitativas, que precisam ser consideradas e compreendidas.
A ampliação do número de alunos matriculados revela que há uma emergência em se estruturar a educação brasileira para o fortalecimento de uma escola de qualidade. Para tal é necessário considerar que a qualidade educativa da escola como instituição dedicada à instrução dos cidadãos não pode ser entendida à margem da qualidade de vida que governa ou administra a sociedade política.
Dessa forma, confirma-se que o educador precisa ser educado.
A necessidade de novas perspectivas educacionais faz do saber do supervisor uma oportunidade de reversão de tal quadro a favor dos educandos, de modo a superar a resistência, a teimosa diferença e distância entre o falar do discurso teórico e as circunstâncias concretas do saber. O supervisor pode ser o sujeito chave no processo de mudança, ocupando lugar importantíssimo no cenário educativo.
Conforme o contexto histórico da educação, o supervisor fica a margem de uma dualidade, ou serve ao estado, cumprindo o papel hierárquico que lhe é imposto ou sua prática será em benefício dos educadores e educandos, promovendo a superação de cunho autoritário, se envolvendo cada vez mais na promoção dos atores no contexto educacional.
Tal profissional deve ter múltiplos olhares, ser capaz de perceber as intenções implícitas do sistema escolar. Segundo Alonso (2006, p. 168), a figura do supervisor desponta como o elemento de intermediação associada à ideias de mudança, entendida, algumas vezes, como mera aplicação de “novas propostas” curriculares amplamente divulgadas pelos órgãos oficiais”.
Há de se conhecer em que realidade está inserida a escola, quem são seus alunos, professores, pais, administradores e suas características socioeconômicas e culturais. Partindo desse ponto, a prática pedagógica tenderá ser mais significativa. Nessa lógica, Alonso (2006, p. 169), contribui na proposição que a escola e seus responsáveis devem conhecer as expectativas e necessidades dos 7 alunos, para definir prioridades de formação e construir um projeto-pedagógico coerente e realista.
Compreender o contexto histórico na qual está inserido o supervisor e identificar as reais necessidades apresentadas socialmente, auxilia na compreensão do supervisor como centro de mudança da prática pedagógica. Só um profissional engajado com a causa alheia poderá atuar como mediador não mais de subordinação e aceitação irrestrita à autoridade, mas de intérprete da realidade escolar e de suas necessidades.

 

1 Programa de Assistência Brasileira Americana ao Ensino Elementar

 

REFERÊNCIAS
ABDULMASSIH, Marília Beatriz Ferreira; RODRIGUES, Margarita Victoria. O especialista e a supervisão educacional: um mergulho nas raízes históricas. Disponível em: www.histedbr.fal.unicamp.br/jornada1/PPE)(.DOC. Acesso em 14/09/07.
ALONSO, Myrtes. A supervisão e o desenvolvimento profissional do professor. In: FERREIRA, Naura Syria Carapeto (Org.) et al., Supervisão educacional para uma escola de qualidade. 5. ed. São Paulo: cortez, 2006.
SAVIANI, Demerval. A supervisão educacional em perspectiva histórica: da função à profissão pela mediação da idéia. In: FERREIRA, Naura Syria Carapeto (Org.) et al., Supervisão educacional para uma escola de qualidade. 5. ed. São Paulo: cortez, 2006.
RANGEL, Mary. Supervisão: do sonho à ação – uma prática em transformação. In: FERREIRA, Naura Syria Carapeto (Org.) et al., Supervisão educacional para uma escola de qualidade. 5. ed. São Paulo: cortez, 2006.

 

Pedagoga, Especialista em Metodologia do Ensino Superior e Supervisão Escolar.
marroco_43@hotmail.com. Professora da Universidade Federal de Rondônia (UNIR)
Pedagoga, Mestre em Educação. eliete.zanelato@hotmail.com. Professora da Universidade Federal de Rondônia (UNIR)
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