Texto e Ensino: as mudanças no Ensino de Língua Portuguesa e o discurso da dificuldade de Interpretação de Textos de alunos das Escolas da Rede Pública de Ensino
Silvio Profirio da Silva*
RESUMO: Este texto tem por objetivo abordar as mudanças didático-pedagógicas no ensino de Língua Portuguesa e seus reflexos nos processos seletivos [Enem, Provas de Concurso e de Vestibular]. Atrelado a isso, pretende-se refletir acerca da dificuldade de interpretação textual dos alunos oriundos de escolas da Rede Pública de Ensino.
PALAVRAS CHAVES: Língua, texto, ensino.
RESUMEN: Este trabajo tiene como objetivo abordar los cambios educativos y pedagógicos en la enseñanza del portugués y sus reflejos en los procesos de selección [Enem, pruebas y vestibular]. Ligado a esto, tenemos la intención de reflexionar sobre la dificultad de la interpretación textual de los estudiantes de las escuelas Publicas.
PALABRAS CLAVE: Lenguaje, texto, enseñanza
Palavras Iniciais
Durante muito tempo, o ensino de Língua Portuguesa, no Brasil, foi norteado pelos parâmetros da Gramática Tradicional. Com base nessa perspectiva, o ensino dessa diciplina girou em torno de aspectos puramente normativos, concedendo primazia aos exercícios de análise e de cassificação de termos gramaticais [atividades estruturais e instrumentais]. Essa postura excluia dos bancos escolares as práticas de leitura e produção textual, o que, por conseguinte, interferia no desenvolvimento da competencia linguístico-textual dos alunos brasileiros (SANTOS, 2002). É nesse cenário que surge o vestuto discurso da dificuldade de interpretação e compreensão de textos. Em outras palavras, em função de a escola centrar-se, predominantemente, na abordagem dos canones estabelecidos pela Gramática Normativa, excluia-se outras competências, como é o caso da Leitura e da Produção de Texto. Essa postura esteve refletida no âmbito do ensino de língua durante décadas. Contudo, a década de 1980 foi palco da eclosão e da disseminação de diversos estudos na Area de Língua Portuguesa em conjunto com outras Areas de Estudo, tais como, da Linguística, da Pedagogia, da Psicologia etc. (ALBUQUERQUE, 2006).
“Uma proposta de mudança na forma de compreender a linguagem e o seu processo de aprendizagem iniciou-se de fato a partir da década de 80 com a iniciativa de pesquisadores de algumas universidades do país, de educadores e de algumas Secretaris de Educação dos Estados. Pretendia-se superar o impasse desencadeado pela prática educativa anterior, que vinha dominando nossas escolas desde o início dos anso 70. Um ensino de carater essencialista, conteudista, tecnicista e limitado à descontinuidades e fragmentariedade do livro didáticos – resumindo a técnicas de redação, exercícios estruturais, treinamento de habilidades de leitura -, dominava ão sóa as ecolas como também o processo de formação de professores” (CARDOSO, 2003, p. 8).
Todos esses estudos acarretaram mudanas significativas [teóricas e metodológicas] no ensino de Língua Portuguesa, contribuindo, assim, para a abordagem de diversos fenêmenos linguísticos que até então não se faziam presentes nos bancos escolares brasileiros. Diante desse quadro, surgem novas práticas metodológicas, novos recursos didáticos, novas posturas pedagógicas e novos tratamentos dados aos conteúdos dessa disciplina. Surge, agora, um processo de ensino e de aprendizagem que tem como objetivo levar o aluno ao uso eficaz da linguagem em todos os níveis” (CARDOSO, 2003, p. 10). É nesse contexto que se fala em Níveis de Ensino de Língua Portuguesa [ou também Unidades básicas de Ensino, como denomina Geraldi, 1997], isto é, a Leitura, a Produção de Texto, a Linguagem Oral e a Análise Linguística.
À luz das contribuições teóricas de Albuquerque (2006), Bezerra (2010), Cardoso (2003), Dionísio; Bezerra (2001), Geraldi (1997), Mussalin; Bentes (2003), Travaglia (1997), entre outros, este trabalho tem por objetivo abordar a dificuldade encontrada por alunos provenientes de Escolas da Rede Públicas de Ensino, nas práticas de Leitura, Compreensão e Interpretação de textos.
Língua, Texto e Ensino: perspectivas inovadoras para o Ensino de Língua Portuguesa e práticas obsoletas presentes na escola
“Com os avanços dos estudos linguísticos proporcionados pela Linguística esuas subareas e dos estudos sobre a aprendizagem, muitas teorias são propostas para descrever/ explicar a língua e para descrever o processo de ensinio/ aprendizagem” (BEZERRA, 2010, p. 40). É nesse cenário que surgem novas práticas metodológicas para o ensino de Língua Portuguesa. Uma das principais alterações diz respeito ao fato de o texto ter sido alçado à condição de objeto de ensino (BEZERRA, 2001; CARDOSO, 2003; SANTOS, 2007).
Apesar de, nas últimas décadas, a Area de Letras ter vivenciado a difusão/ disseminação de diversos estudosda Ciências da Linguagem, uma gama dos pressupostos teórico-metodológicos de tais estudos ainda não estão inclusos nos bancos escolares. Estudos estes que têm se refletido não só na metodologia de ensino, mas também nos exames com os quais nossos alunos irão se deparar, como, por exemplo, o Enem. O que revela/ evidencia “a dificuldade que a escola tem de levar o aluno ao domínio do uso eficaz da linguagem em todos os níveis” (CARDOSO, 2003, p. 10).
Atrelado a isso, no tocante à temática do Essino de Língua Portuguesa, um dos aspectos tem se destacado, sem dúvida, é a questão da defasagem entre a qualidade do ensino público e privado. Esse traço constitui um dos principais fatores que refletem a barreira que precisa ser superada, por parte dos alunos oriundos de Escolas da Rede Pública de Ensino, com a pretensão de ingressar no âmbito superior de ensino.
Conforme dito anteriormente, este texto tem por objetivo abordar as mudanças didático-pedagógicas no ensino de Língua Portuguesa e seus reflexos nos processos seletivos [Enem, Provas de Concurso e de Vestibular]. Atrelado a isso, pretende-se refletir acerca da dificuldade de interpretação textual dos alunos oriundos de escolas da Rede Pública de Ensino. A temática da dificuldade de compreensão textual, por parte de alunos provenientes de escolas públicas, não é algo recente. Pelo contrário, há décadas uma gama de autores aborda tal problemática.
Entretanto, nos últimos anos, essas discussões tem se intensificado por conta dos altos índices negativos no concerne à competência de leitura. Todos sabem que, nos dias atuais, a leitura tornou-se uma competência linguística primordial, que surge como diferencial, sobretudo, no que tange aos processos seletivos, tais como: Concursos, Enem e Provas de Vestibular.
Contudo, o resultado de diversas avaliações nacionais, como é o caso do Saeb, Prova Brasil e Saepe, demonstra que um número significativo de alunos tem dificuldade de interpretar textos. Segundo Santos (2007, p.788), “dados do último Prova Brasil mostram que 61% dos alunos, ao final do quarto ano do Ensino Fundamental não conseguem identificar as principais idéias de um texto simples, enquanto que 60% dos alunos, ao final da etapa fundamental da escolarização brasileira, não sabem interpretar um texto dissertativo. Esse é um quadro nada animador em relação à capacidade de leitura de nossos alunos”. Essa situação, em muitos casos, se deve à metodologia de ensino de Língua Portuguesa utilizada em diversas escolas brasileiras. Dito de outra forma, a metodologia desenvolvida em diversas escolas centra-se, predominantemente, no ensino de normas e regras gramaticais [frases isoladas, soltas e descontextualizadas].
Essa ênfase à Gramática Normativa extingue a possibilidade da formação de um leitor competente. Durante muito tempo, o ensino de Língua Portuguesa, no Brasil, foi norteado por uma concepção de língua monolítica. Consoante Bezerra (2010, p.39), “tradicionalmente, o ensino de Língua Portuguesa no Brasil se volta para a exploração da Gramática Normativa, em sua perspectiva prescritiva (quando se impõe um conjunto de regras a ser seguido”.
Dentro dessa perspectiva, durante décadas, a metodologia de ensino dessa disciplina desenvolvida nas escolas brasileiras centrou-se na abordagem da Gramática Normativa, o que, por conseguinte, limitou-se, na maior parte das vezes, à análise e à classificação gramatical, conforme sinalizam Cereja & Magalhães (2005, p. 3). No entanto, nos anos 80, ocorre uma intensa eclosão de estudos de diversas correntes da Linguística [são exemplos disso, os estudos da Corrente Funcionalista, da Análise do Discurso da Linguística Textual, da Pragmática, da Sociolinguística]. Esses estudos ocasionam uma nova concepção de língua [como atividade social], o que ocasionou inúmeras alterações na metodologia de ensino de Língua Portuguesa. De acordo com (SANTOS, 2002, p. 30-31) “a partir da década de 80, deslocou-se o eixo do ensino voltado para a memorização de regras e nomenclaturas da gramática de prestígio, para um ensino cuja finalidade é o desenvolvimento da competência lingüístico-textual, isto é, o desenvolvimento da capacidade de produzir e interpretar textos em contextos sócio-históricos verdadeiramente constituídos”.
Dentro desse contexto, surge um novo enfoque para o ensino de língua. Com isso, “o texto passa a ser objeto de ensino” (SANTOS, 2007, p.787). É nesse cenário que o ensino dessa disciplina passa a ser abordado por meio de situações reais de comunicação, o que leva para os bancos escolares o ensino contextualizado da gramática, conforme ressaltam Cereja & Magalhães (2005, p. 3-4). Isto é, “o texto considerado no contexto em que se dá a produção do enunciado linguístico” (CEREJA; MAGALHAES, 2005, p.3). Esses novos paradigmas oriundos dos estudos da Linguística Contemporânea estão sendo adotados não só na prática didático-pedagógica do ensino de Língua Portuguesa, mas também pelos processos seletivos, como, por exemplo, Enem, Provas de concurso e de vestibular. Consoante Ramires (2007, p. 3), “as provas de língua e de redação nos vestibulares mais recentes trazem questões que apresentam uma visão mais moderna dos postulados lingüísticos”. Nessa perspectiva, tais propostas têm sido acolhidas pelos principais órgãos que elaboram provas de vestibular no estado de Pernambuco, como, por exemplo: Covest e UPE. Porém, muitos professores persistem em continuar com a abordagem centrada, exclusivamente, na Gramática Normativa. Essa metodologia de ensino tradicional interfere diretamente na competência linguística de interpretação textual dos alunos.
Diante isso, a maior parte dos estudantes de escolas públicas tem dificuldade em interpretar textos para diversos tipos de provas, tais como: concursos, Enem e vestibular. Todos esses novos conteúdos abordados nos mais recentes processos seletivos fazem parte do que é determinado pelos documentos oficiais [PCNs e OCNs]. As novas propostas curriculares concebem o ensino de língua por meio de uma perspectiva textual-discursiva, opondo-se a prática tradicional de frases soltas e isoladas de um contexto situacional (CEREJA; MAGALHAES, 2005). Entretanto, em boa parte dos casos, essa nova abordagem do ensino de língua não se faz presente na maior parte das escolas públicas. Ou seja, diversas escolas não trabalham com base nessa nova postura teórico-metodológica do ensino de língua.
Nesse sentido, a escola deve abrir espaço para essa nova abordagem do ensino de Língua Portuguesa [não só Portuguesa, como também Estrangeira], o que propicia, a seus alunos, uma formação qualificada. Mas, sobretudo, propicia a formação de leitores competentes [aptos a compreender e interpretar diversos gêneros/ tipos de texto a partir de diversas estratégias de leitura]. O que, por conseguinte, irá prepará – los para os mais diversos momentos com que irão se deparar na atual sociedade competitiva [onde o saber surge como diferencial].
Considerações Finais
À luz das novas perspectivas que norteiam o ensino de Língua Portuguesa, o objeto de ensino dessa disciplina tem como objetivo “levar o aluno ao domínio do uso eficaz da linguagem em todos os níveis” (CARDOSO, 2003, p. 10). É nesse contexto que os bancos escolares devem trabalhar no sentido de desenvolver a competência linguístico-textual do aluno. O que, por sua vez, dará condições para “desenvolver a competência comunicativa do usuário da linguagem, no nível de qualidade exigido, atualmente, pelas bancas que elaboram concursos em geral no Brasil” (XAVIER, 2006, p. 11).
No contexto das mudanças ocorridas nos parâmetros norteadores do ensino e na elaboração da organização estrutural das Provas de Vestibular e dos Exames Nacionais [como é o caso do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM], é primordial que essa mudança paradigmática e conteudística esteja presente nos bancos escolares. O que, em grande parte dos casos não ocorre. Ou seja, tendo em vista que as mais recentes Provas de Vestibular e dos Exames Nacionais são pautadas em perspectivas inovadoras oriundas dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs e dos Orientações Curriculares Nacionais – OCNs, trazendo, assim, um novo enfoque/ tratamento dado aos conteúdos e, sobretudo, ao texto, é de extrema importância que essa nova visão esteja presente nas escolas brasileiras. O que, por conseguinte, ocasionará o desenvolvimento da competência linguístico-textual do aluno (SANTOS, 2002).
Referências
ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia. Mudanças didáticas e pedagógicas no ensino da língua portuguesa: apropriações de professores. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
BEZERRA, Maria Auxiliadora. Ensino de língua portuguesa e contextos teórico-metodológicos. In: DIONÍSIO, Angela Paiva; MACHADO, Anna Raquel; BEZERRA, Maria Auxiliadora. (Org.). Gêneros textuais & ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.
CARDOSO, Sílvia Helena Barbi. . Discurso e Ensino. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Gramática Reflexiva: texto, semântica e interação. São Paulo: Atual, 2005.
FAVERO, Leonor Lopes; KOCH, Ingedore Villaça. Linguística Textual: uma introdução. São Paulo: Cortez: 1983.
GERALDI, João Wanderley. . O texto na sala de aula: leitura e produção. São Paulo: Ática, 1997.
OLIVEIRA, Mariangela Rios de.; WILSON, Victoria. Linguística e ensino. In: MARTELOTTA, Mário E. (org.). Manual de Linguística. São Paulo: Contexto, 2008. P 235
OLIVEIRA, Mariangela Rios de. Linguística textual. In: MARTELOTTA, Mário E. (org.). Manual de Linguística. São Paulo: Contexto, 2008.
RAMIRES, Vicentina. Redação no Vestibular: Avaliação Subjetiva e Competência Linguística. IV SIGET, v. 1, p. 1988-2000, 2007.
SANTOS, Carmi Ferraz. . A Formação em Serviço do Professor e as Mudanças no Ensino de Língua Portuguesa. ETD – Educação Temática Digital, Campinas, v.3, n.2, p.27-37, jun. 2002. Disponível em: www.fae.unicamp.br. Acesso em: 10 jan. 2010.
_____. Letramento e ensino de História: os gêneros textuais no livro didático de História. In: Anais do 4º Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros Textuais – Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, Santa Catarina, 2007. Disponível em: http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/cd/Port/33.pdf. Acesso em: 10 jan. 2010.
SANTOS, Emmanoel dos. Certo ou errado? Atitudes e crenças no ensino da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Graphia, 1996.
SILVA, Rosa Virgínia Mattos e. Contradições no ensino de português: a língua que se fala x a língua que se ensina. São Paulo: Contexto, 1995.
SUASSUNA, Lívia. Ensino de Língua Portuguesa: uma abordagem pragmática. 10ª Ed. Campinas, São Paulo: Papirus, 2009.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e Interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1 e 2 graus. São Paulo: Cortez, 1997.
XAVIER, Antonio Carlos. Como se faz um texto: a construção da dissertação argumentativa. 1 ed. São Paulo: Respel, 2006.
* Aluno do Curso de Licenciatura em Letras da Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE. E-mail: silvio_profirio@yahoo.com.br
COMO CITAR
SILVA, Silvio P. Texto e Ensino: as mudanças no Ensino de Língua Portuguesa e o discurso da dificuldade de Interpretação de Textos de alunos das Escolas da Rede Pública de Ensino. P@rtes. Disponível em:<http://www.partes.com.br/educacao/linguistica.asp> Setembro de 2011.