Andreisa Damo*
RESUMO
O paradigma socioambiental contemporâneo vem evidenciando a temática ambiental como algo a ser pensado em vista das mazelas provenientes da crescente degradação da natureza e da sociedade. No entanto é este mesmo paradigma, sob a forma do Modo de Produção Capitalista, a causa para os problemas ambientais que nos assolam. Diante dele, é-nos necessário estar atentos às medidas “sustentáveis” adotadas por empresas, industrias e pelo setor de serviços a fim de compreendermos de que forma elas vêm participando como mais uma das estratégias de sobrevivência do Capital.
Palavras-chave: modo de produção capitalista, paradigma socioambiental, sustentabilidade.
RESUMEN
El paradigma de la actual socio-ambientales en evidencia la cuestión ambiental como algo que debe considerarse a la luz de los crecientes esfuerzos de la degradación de la naturaleza y la sociedad. Sin embargo, es este mismo paradigma, en la forma del modo de producción capitalista, la causa de los problemas ambientales que nos aquejan. Antes de él, somos conscientes de las medidas necesarias para ser “sostenible”, adoptado por las empresas, industrias y el sector servicios con el fin de entender cómo están participando como uno más de las estrategias de supervivencia de lo Capital.
Palabras clave: el modo capitalista de producción, el paradigma social y ambiental, sostenibilidad.
Falamos tanto em nossos tempos sobre a famigerada sustentabilidade, sobre formas mais viáveis, menos degradantes de relacionarmo-nos com a natureza e em sociedade, formas mais humanas de agir e pensar, que, seduzidos pelo discurso, acabamos por esquecer um detalhe indissociável do Modo de Produção Capitalista do qual participamos: não existe sustentabilidade quando a preocupação com o bem estar e a qualidade da vida humana, bem como com a conservação da natureza é substituída, estrategicamente, sutilmente camuflada, pela busca incansável do lucro.
A alteração da natureza vem sendo evidenciada pelo surgimento de organizações sociais cada vez mais complexas e elaboradas, cujas demandas antes inexistentes ou existentes em menor grau exigem hoje a exploração intensa dos recursos naturais. A maneira como nós humanos estamos nos produzindo, e a forma como intervimos na natureza em nossa sociedade contemporânea tem sido responsável por um crescente paradigma de insustentabilidade ambiental.
O atual Modo de Produção Capitalista se articula em torno de uma tal opacidade, repleto de sutilezas e eufemismos que, muitas vezes, a sua natureza exploradora e predatória não é evidente aos nossos olhos. E quando essa forma complexa e elaborada de organização social tenta se passar por “mocinho” da história acaba, muitas vezes, sendo bem recebida, quando nos deixamos enganar pelos discursos “ambientais” que pretendem mascarar a verdadeira face da lógica capitalista.
Há no paradigma socioambiental contemporâneo o constante investimento na promessa de sustentabilidade. No entanto, se olharmos para a forma como vem se dando a continuidade e a expansão do capitalismo, embora pontuado por crises, iremos perceber que esta “sustentabilidade” se trata de uma falácia, mais um discurso baseado na suspeita possibilidade de coexistência entre o progresso, o desenvolvimento, ou, o crescimento de justificativa puramente econômica juntamente a uma política de proteção ambiental.
Tal coexistência não pode ser admitida como padrão de vida para que possamos amenizar o ônus de sermos participantes de um modo de produção baseado na exploração humana e da natureza, no desperdício, na geração de resíduos, poluentes, na destruição dos ecossistemas, enfim, na causa e no agravo dos problemas ambientais.
Desenvolvimento sustentável, ou ainda sustentabilidade são conceitos construídos sob pressupostos desejáveis, quando se referem à necessidade de minimizarmos os danos causados ao meio ambiente pelo processo de desenvolvimento da humanidade. Esse desenvolvimento se faz legítimo quando seu intuito é atender às necessidades humanas, sem que isso venha a comprometer o atendimento às necessidades das gerações subseqüentes à nossa.
Porém não é aceitável que o desenvolvimento da humanidade – e aqui reside o grande equívoco desse tão divulgado modelo de desenvolvimento em nossa sociedade organizada sob a égide de um modo de produção incompatível com o bem estar humano, bem como da natureza – aconteça da forma exploratória e predatória como nosso modo produtivo vem propagando.
A característica principal do Modo de Produção Capitalista é obter o máximo de lucro às custas da degradação humana e da natureza, exaurindo a força de trabalho de homens e mulheres e exaurindo os recursos naturais. Sustentabilidade construída sobre uma forma organizacional de sociedade mantida por práticas como estas, não é sustentabilidade.
Em artigo publicado em maio de 2010 no Portal online EcoDebate – Cidadania e Meio Ambiente – o autor Atílio A. Boron nos traz importante contribuição para o entendimento de como procede o Modo de Produção Capitalista quando diz que “o sistema obedece a uma lógica implacável centrada na obtenção do lucro, o que concentra a riqueza e aumenta incessantemente a pobreza e a desigualdade econômico-social”.
O autor ainda nos mostra uma conseqüência desse modelo de organização social quando acrescenta: “nenhuma sociedade sobrevive quando seu impulso vital reside na busca incessante do lucro, e seu motor é a ganância. Mais cedo do que tarde, isso provoca a desintegração da vida social, a destruição do meio ambiente, a decadência política e uma crise moral”.
Os impactos gerados pelas relações sociais estabelecidas no Modo de Produção Capitalista são inegáveis. Por mais que o mesmo se defenda e tente amenizar a impressão negativa causada pelos excessos decorrentes de sua prática, a causa ambiental vem emergindo de forma crescente, tanto nos meios de comunicação quanto nas representações feitas pelas pessoas diante do cenário marcado por catástrofes ambientais, poluição, destruição dos recursos naturais e comprometimento de ecossistemas, incluindo a viabilidade da própria espécie humana frente aos padrões produtivos e, por conseguinte, de consumo proliferados em nossa organização social contemporânea.
Frente a essa grande projeção da causa ambiental surgem novas alternativas de minimizar os impactos causados à natureza, muitos dos quais encontram suas causas ou agravo em grande parte nas atividades humanas. Surgem então novas formas de aliar progresso e proteção ambiental quando falamos em termos como sustentabilidade, responsabilidade ambiental, consumo consciente, produtos ecologicamente corretos.
Esses termos, e suas diversas atribuições, significados e apropriações, vêm impregnando a sociedade nos mais variados âmbitos da produção de mercadorias e fornecimento de serviços, às relações de consumo e descarte de resíduos e das mercadorias inutilizadas, não funcionais ou obsoletas.
As formas de utilização dos recursos naturais também vêm sendo contaminadas por essas novas alternativas de produção, consumo e descarte. As empresas, as indústrias e os fornecedores de serviços vêm sofrendo grande pressão para se adequarem às novas tendências a fim de assegurar-se frente à competitividade de mercado e às exigências do consumidor. Portanto temos uma notável tendência à apropriação de alternativas de proteção ambiental aliada ao progresso por parte da classe empresarial.
Muitas vezes os interesses são meramente lucrativos e visam melhorar a imagem da empresa frente ao mercado competitivo e frente ao consumidor, o qual vem se tornando cada vez mais exigente em relação às políticas de proteção ambiental implementadas pelas empresas, tanto nos seus processos de produção, quanto na comercialização de seus produtos e destino adequado dos resíduos gerados.
Na ordem social capitalista, o consumo tem lugar bem definido e consistente quando comparado ao passado. O ritmo constante e incansável de produção exige que haja consumo a fim de que o metabolismo capitalista se mantenha ativo e “saudável”. Aqui verificamos que a origem da questão está na verdade condicionada à produção específica e particular do Modo de Produção Capitalista, sendo este o estopim para a proliferação das práticas consumistas. Cessar o consumo significa a falência orgânica do modo de produção resultando em crise econômica.
No entanto, o que nos interessa aqui é a consolidação e o agravamento de uma outra forma de crise que é a crise socioambiental, a qual devemos estar atentos, já que a mesma diz respeito à degradação, à falência da existência humana bem como do ambiente que a mediatiza.
O meio ambiente já foi considerado, no mundo dos negócios, como um obstáculo ao crescimento empresarial. Atualmente, e de forma cada vez mais evidente, o mesmo vem sendo visto como aliado para o crescimento das empresas. Trata-se do chamado desenvolvimento sustentável: uma forma de manter o progresso empresarial, em acordo com algumas políticas de pseudoproteção ao meio ambiente.
Aqui, é preciso atentar para o caráter estratégico – embora essa responsabilidade ambiental possa ser vista como uma forma altamente desejável de proceder diante da crise socioambiental da qual participamos, e quanto a isso, não há discordância – largamente utilizado pelo ramo empresarial, de aliar ao seu processo produtivo ações de proteção e conservação ambiental, como forma de desviar a atenção dos consumidores e nas relações de concorrência dentro do mercado empresarial para o fato dessas empresas serem em grande parte responsáveis pelo agravamento dos problemas ambientais.
Como exemplos podemos citar a ação exploratória sobre os recursos naturais (e, no âmbito social, da força de trabalho humana), liberação de poluentes e resíduos de produção, destruição de ecossistemas, danos à saúde humana e de outros seres vivos, entre demais fatores que comprometem o meio ambiente na medida em que o mesmo é utilizado de maneira inadequada e incompatível com o seu equilíbrio e capacidade de recuperação.
Sob o ponto de vista dos negócios, é importante tecermos um pouco sobre as implicações do tema ambiental nesse contexto. De acordo com publicação do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), organizada por Rocha, Dorresteijn e Gontijo (2005), sob o título: Empreendedorismo em negócios sustentáveis – Plano de Negócios como ferramenta do desenvolvimento, várias empresas apostam hoje em suas estratégias de negócios no tripé da sustentabilidade: respeito ao meio ambiente, variabilidade econômica e responsabilidade social.
No texto O que são negócios sustentáveis? contido na publicação referida acima, o autor Frank Lam define sustentabilidade como “a característica que permite ao negócio a satisfação das atuais necessidades sem comprometer a capacidade das futuras gerações de satisfazer as suas necessidades” (p.23). Nesta definição podemos perceber claramente a tendência a considerar o termo em seu caráter de “negócio”.
Porém, não podemos esquecer que as necessidades a que o autor se refere são necessidades humanas. O empenho em torno destas não deve estar voltado à satisfação do “mundo dos negócios”, mas deve preocupar-se com a continuidade e com o desenvolvimento da humanidade. Não deve ser a causa de seu retrocesso, de sua degradação, de sua inviabilidade social, e nas relações com a natureza.
Neste ponto, pensamos ser conveniente esclarecer que não pretendemos nos colocar contra as propostas de sustentabilidade sugeridas como uma forma de desenvolvimento diferenciada, que leve em conta as questões socioambientais. Ações de preservação/conservação da natureza, redução de impactos ambientais, equidade social, todas são, sem dúvida, desejáveis e necessárias para que possamos nos desenvolver como espécie em harmonia social e nas relações que estabelecemos com a natureza.
Almejamos, porém, a existência de uma criticidade própria de quem, após sistematizar uma série de conhecimentos necessários, possa ter uma tal “consciência de mundo” que lhe permita enxergar as motivações do Modo de Produção Capitalista para reconhecer os interesses envolvidos nessa aproximação cada vez mais artificial, pragmática e estratégica entre homem e natureza.
Podemos inferir que nos discursos “ambientais” amplamente difundidos está contida toda a intencionalidade de um modo produtivo que deseja manter-se dentro de uma condição de aceitação dos envolvidos. Para tal reveste-se com as melhores intenções frente à crise socioambiental instalada em nosso contexto. Demonstrar preocupação[1] com os problemas ambientais e sociais vem se tornando o “clichê” das empresas e industrias como forma de sustentar-se frente às cobranças dos consumidores e garantir competitividade nas relações de mercado.
Os autores Vellani e Nakao (2009) de alguma forma afirmam esta pressuposição quando colocam que, abandonando a atitude de não reflexão quanto às conseqüências de suas atividades produtivas, as empresas vêm permitindo espaço ao pensamento ecológico em seu cotidiano, devido ao fato de que o investimento voltado ao desenvolvimento sustentável pode trazer vantagem competitiva.
Em similar sentido Silva (2003; p.15) sinaliza esta alteração nas prioridades das empresas quando nos traz que:
as pressões mundiais acerca da questão ambiental e os danos provocados pelas empresas ao meio ambiente têm levado parte dos empresários a uma reflexão quanto à realização de investimentos no desenvolvimento de ferramentas gerenciais, que garantam ou amenizem os efeitos ambientais gerados pela consecução de suas atividades operacionais, sejam estas no setor industrial ou de serviços.
As atitudes “verdes” adotadas pelas empresas representam interesses de negócios, ou seja, são uma estratégia de marketing cujo objetivo é angariar formas de lucrar mais, iludindo a opinião pública sobre elas próprias e sobre seus produtos. Essa é essencialmente uma estratégia de autopreservação da empresa, já que, caso não modifique sua forma de explorar os recursos naturais e sociais adequando a técnica de produção e as formas de apropriação desses recursos, a degradação ambiental será evidente aos olhos do povo.
Sendo assim, para que a opinião pública seja de satisfação com a empresa e seu produto, torna-se essencial o investimento em ações sustentáveis. No entanto, uma consciência crítica desenvolvida nos sujeitos consumidores de que a empresa pode ser muitas vezes a causa, e não a solução, para os problemas ambientais poderia levá-los a rejeitar o produto e olhar com maus olhos a empresa.
O exemplo em seu nível particular, no caso da empresa, leva-nos a verificar que o mesmo ocorre no âmbito do modo de produção, quando este se obriga a reestruturar suas técnicas de produção e suas formas de apropriação dos recursos naturais e sociais a fim de manter a continuidade da produção, sem, contudo, modificar a essência do modelo produtivo, que é a obtenção do excedente gerador de lucro, explorando nesse processo a natureza e os seres humanos.
Portanto, caso continue em suas práticas agressivas, predatórias, alheias à crise socioambiental que se instala, num processo que atesta as inúmeras dimensões em que se expressa o seu fracasso, poderá o modo produtivo antecipar o seu próprio término, à medida que se acentua o paradigma de insustentabilidade no âmbito social e nas relações com a natureza.
Essa capacidade de moldar-se, ou melhor, reestruturar-se frente à determinada conjuntura lhe permite continuar existindo por meio de mudanças, adaptações, reformas sem transformar sua essência de funcionamento. A reestruturação, portanto é algo necessário para que o Capital possa continuar concretizando a sua lógica e impedir, ou, ao menos, minimizar a possibilidade da ocorrência de processos revolucionários que significariam o seu término, já que pretendem estes transformar a própria essência do Capital.
O que estamos dizendo se aproxima do que Mészáros (2009) vem chamando de “metabolismo do Capital”. Ao entender, analogamente aos sistemas orgânicos, que o capital estrutura-se e funciona de forma metabólica, o autor coloca que, o mesmo precisa de todos os seus elementos constitutivos para que possa funcionar, sendo este conjunto de relações essencial para a continuidade do sistema. Quando um, ou vários dos órgãos não responde adequadamente ou simplesmente fale, isso compromete todo o metabolismo.
No entanto, e aqui temos o que Mészáros pretende nos dizer com a analogia, por se tratar de uma estrutura viva, o metabolismo tenta de todas as formas recuperar-se do dano causado, das agressões externas: implementa mutações a si próprio, cria processos alternativos, reorganiza-se, a fim de manter-se vivo.
Em nossa sociedade, as práticas sustentáveis são práticas compensatórias, imediatistas ou de remediação, já que esta sociedade se sustenta com a estratégia de resolver o urgente na questão social e ambiental a fim de não tornar os conflitos, ou seja, as contradições, insustentáveis, atenuando-os. Porém, não se trata de uma sustentabilidade legítima (pelo menos não são confiáveis os interesses que a legitimam) nos princípios proferidos em seu próprio discurso; é uma sustentabilidade que visa manter a estrutura social inalterada, evitando a atenção ao foco dos conflitos ambientais e sociais existentes.
[1] A ação de só preocupar-se já foi criticada por Marx e Engels na 11° tese sobre Feuerbach, quando ele coloca que “Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; agora é preciso transformá-lo”. Na relação que fazemos aqui entre essa tese e a preocupação demonstrada pelas empresas e indústrias em relação à crise socioambiental se expressa na compreensão de que o interesse dessas últimas não está em transformar o mundo, mas justamente em mantê-lo como está. É assim que a “preocupação” que demonstram, por meio de suas práticas ditas sustentáveis, ecologicamente corretas e socialmente justas não são mais que estratégias de sobrevivência frente à evidência cada vez maior das contradições da ordem capitalista.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BORON, Atílio. A. Saiba o que é o capitalismo. Portal EcoDebate – Cidadania e Meio Ambiente. Maio, 2010. Disponível em: http://www.ecodebate.com.br/2010/05/21/saiba-o-que-e-o-capitalismo-analise-de-atilio-a-boron/ Acesso em 12/03/11.
MARX, K.; ENGELS, F. Teses sobre Feuerbach. Obras Escolhidas. v. 3. São Paulo: Alfa-Ômega, s/a.
MÉSZÁROS, István. A crise estrutural do capital. São Paulo: Boitempo, 2009.
ROCHA, M. T; DORRESTEIJN, H; GONTIJO, M. J. (organizadores) Empreendedorismo em negócios sustentáveis – Plano de Negócios como ferramenta do desenvolvimento. São Paulo: Peirópolis; Brasília, DF: IEB – Instituto Internacional de Educação do Brasil, 2005.
SILVA, Everson Moraes. Proposta de uma sistemática de custeio para avaliação de performance ambiental. Dissertação de mestrado. Florianópolis, 2003. Disponível em: http://www.tede.ufsc.br. Acesso: 12/05/10.
VELLANI, C. L; NAKAO, S. H. Investimentos ambientais e redução de custos. Revista de Administração da UNIMEP. [on line]. Mai./Ago. 2009, v. 7, n.2. ISSN 1679-5350. Disponível em: http://www.regen.com.br/ojs/index.php/regen/article/view/108/288. Acesso: 07/05/10.
* Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) e Mestranda da Pós-Graduação em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande (PPGEA-FURG). E-mail: andreisadamo@yahoo.com.br.