MEMÓRIAS DO RÁDIO ESPORTIVO
Comecei a acompanhar narrações esportivas mais atentamente por volta dos 11 anos de idade, no início da década de 1970.
O tipo de narração era mais ou menos padrão: um speaker de voz poderosa e rápida, estilo turfe; um comentarista de voz lenta e doutoral; e um ou dois repórteres de campo, além do plantão esportivo, que informava resultados de outros jogos.
Em Santos, eu costumava escutar a Rádio Atlântica, cujo narrador era Walter Dias, com comentários de Jorge Shammas e reportagens de João Carlos, o corisco dos repórteres. É verdade que várias vezes a torcida já estava gritando gol e o narrador ainda estava no meio de campo. Lembrando disso, me veio à mente o impagável esquete do narrador de futebol gago, imortalizado por Zé Vasconcellos…
Quando o Santos FC jogava clássicos, no entanto, eu preferia ouvir a Rádio Nacional de São Paulo, que tinha Pedro Luiz, Mário Moraes, Juarez Suares e Roberto Carmona.
Aí, um dia, eu passeava pelo dial do rádio de pilha quando descobri a Jovem Pan.
O estilo narrativo era irresistível, a começar por Osmar Santos, que reinventou a transmissão esportiva, trazendo a ?firula? do campo para a voz. Não foi à toa que passou a ser chamando de Pai da Matéria.
Os outros narradores da Pan eram apenas José Silvério e Edemar Anusek! Os comentaristas também eram supimpas: Orlando Duarte e Cláudio Carsughi, com seu sotaque italiano indefectível, ainda mais preciso quando acompanhava o Velho Barão, Wilson Fittipaldi, nas corridas de Fórmula 1, nos tempos de Emerson, Wilsinho e José Carlos Moco Pace. No campo, desfilavam Fausto Silva (o Faustão) e Wanderley Nogueira; equipe que teve, mais tarde, o aporte de um jovem cabeção de Muzambinho: um tal Milton Neves… Mas, o que mais me surpreendeu foi o que veio depois do futebol e antes do Terceiro Tempo, que na época era um noticiário geral, de fim de domingo da emissora. O nome desse programa resumia com absoluta perfeição o que ele era: Show de Rádio. Seus protagonistas: Estevam Sangirardi, Nelson Tatá Alexandre, Carlos Roberto Escova, Odayr Batista e, algum tempo depois, Serginho Leite. Eles personificavam personagens hilários, que representavam, entre outros, cada time grande de São Paulo: o Palmeiras tinha a Nona, o Fumagalli e o cachorro Vardema Fiúme; o Corinthians tinha o Zoca Zifio, o Pai Jaú e a Nega; o São Paulo tinha o Lorde Didu Morumbi e seu mordomo corintiano, sistematicamente assim chamado: – Archibald! Archibáaáaáaáald!; e o Santos tinha dois portuários: o Zé das Docas e o Lança-Chamas, este invariavelmente bebaço e, entre um cochilo e outro, perguntando: – O Santos joga hoje?
Os domingos e quartas-feiras terminavam mais felizes, e eu, ainda menino, tinha a ilusão da eternidade das coisas boas… Até que a Rádio Globo de São Paulo, sucessora da Nacional, resolveu contratar Osmar Santos e, de quebra, levou Faustão, Tatá e Escova, provocando o que foi uma das maiores disputas entre emissoras da época, com direito a editoriais e acusações de assédio.
Osmar Santos, que vivia a dizer para os jogadores mascarados: Desce daí! Desce daí, que você não ta com essa bola toda!, virou o Pai do merchandising, mandando tanto Oi, fulano! Oi, sicrano!; que a torcida já estava gritando gol, quando ele se tocava que tinha um jogo em andamento. Na nova casa foi criado o Largo da Matriz, programa nos moldes do Show de Rádio e, logo em seguida, Faustão, Tatá e Escova começaram a apresentar a primeira versão do caótico Perdidos na Noite, na TV Gazeta, que depois foi para a Band e, mais adiante, o então gordinho (Ô loco, meu!) foi sozinho para perpetrar o Domingão do Faustão, na Globo.
As transmissões esportivas radiofônicas voltaram a ficar resumidas aos jogos, plantões esportivos e programas muito parecidos entre si, cujo diferencial único estava num narrador ou comentarista mais espirituoso.
Ainda bem que existe o Na Geral, da Rádio Bandeirantes, que conta com um gênio Beto Hora. É impressionante como ele consegue interpretar três personagens brigando entre si, ao mesmo tempo! Mudar de um tipo para outro, entre dezenas, sem perder o rumo! E ainda dar opiniões sérias por esses alteregos.
Esse é um dos muitos fascínios do rádio, talvez o maior deles, só comparável à leitura: mexer com nossa imaginação!
Por essas e por outras é que, em suas múltiplas e dinâmicas facetas, o rádio vive em constante processo de reinvenção de si próprio e, quando bem utilizado: informa, entretém, educa e também sabe ouvir.