Maria Aparecida Francisquini
publicado em 05/07/2011 www.partes.com.br/reflexao/mafrancisquini/sejalucido.asp
O transtorno mental pode acarretar prejuízos na vida social, familiar e profissional do portador. Durante as crises podem ocorrer frequentes dificuldades de atenção e memória em suas atividades, ocasionando uma diminuição do desempenho de tarefas cotidianas, inclusive profissionais. Estes sintomas podem desaparecer quando adequadamente tratados. É de fundamental importância que se entenda que o transtorno mental pode ser tratado e que o portador não é apenas as suas crises. Bem medicados, recebendo cuidados adequados (sendo respeitados e sentindo-se aceitos) podem ficar tranquilos e serem produtivos.
Hoje, após vários estudos e experiências podemos constatar que é ineficiente observar e tratar o transtorno mental simplesmente de uma ótica médica, que necessite puramente de uma mera intervenção clínica, medicamentosa. O portador de sofrimento mental é um ser humano e como tal deve ser tratado com uma abordagem holística (o homem é um todo indivisível e não pode ser explicado pelos seus distintos componentes – físico, psicológico ou psíquico – considerados separadamente) levando-se em consideração as suas características clínicas sim, mas considerando também o seu lado emocional e social, como de todo ser humano. Todos temos conhecimento que o transtorno mental ao longo de todos estes anos foi envolvido em mitos, superstições, explicações sobrenaturais que acarretaram comportamentos de medo e de preconceito na maneira de lidar com o portador.
A conduta que sempre predominou a respeito desta questão, foi de quase total silencio, como se tentando negar a sua existência. Interessante constatar também, que do ponto de vista científico, as teorias a respeito do transtorno mental, na imensa maioria designam características ao portador, que o coloca completamente impotente e submisso diante do (des) tratamento que muitas vezes lhe é direcionado: Se ele reclama, pode ser diagnosticado como sintoma paranoico. Se ele se submete, aí então é concordância passiva. Se está feliz, é euforia patológica, mania, mas se ao contrário, está triste, então é depressão. Ou seja, uma vez “rotulado”, qualquer reação, ou mesmo não reação dele, é considerada patológica. Resumindo, após ter recebido o diagnóstico, ele passa a ser visto e tratado como uma série de sintomas, e devido a isso, passa muitas vezes, simplesmente a não ter razão, indiferentemente do que possa lhe acontecer.
Qualquer comportamento dele é passível de ser enquadrado como sintoma. Interessante observar também, que em qualquer um desses casos, existem medicamentos e tratamentos específicos para “resolverem”, mas não existe um tratamento específico para estes “especialistas” que diante dele, não conseguem o enxergar como uma pessoa que às vezes pode estar feliz ou irritado de uma maneira saudável, ou ainda acreditar que o motivo da sua reclamação ou da sua alegria é real e procede. Talvez justamente pelo pouco que se sabe cientificamente a respeito deste assunto, optou-se por criarem mitos e fantasias a respeito do portador, colocando-o assim, como um ser vítima de preconceitos e discriminação. Aliás, esta é uma conduta comum em todo ser humano: diante do que ele não entende, corriqueiramente encobre de fantasias e lida de maneira preconceituosa. No que diz respeito ao portador de sofrimento mental, esta conduta só não é mais gritante, porque arrumaram uma forma de escondê-los, enclausurando o portador, e assim, “livrando” a sociedade de conviver e presenciar os seus comportamentos considerados “anormais”.
Pela própria maneira com que se tratou durante anos a questão do transtorno mental, este é um assunto bastante obscuro e desconhecido para a imensa maioria das pessoas. Isto ficava bem claro para mim, quando, por exemplo, alguns estudantes de psicologia iam estagiar no hospital e, diante de conversas comigo, relatavam temores e apreensão perante o contato com os internos, ou ainda quando pessoas me perguntavam se lá dentro os internos ficavam enjaulados!!!!! O transtorno mental se enquadra naqueles assuntos em que as pessoas preferem tratar de maneira velada e o portador é visto com ressalvas. Devido a esta falta de esclarecimento, muitas vezes o que podemos constatar é que quando alguém é diagnosticado como “doente mental”, passa automaticamente a ser visto apenas como as suas crises, ou seja, o ser humano passa a não existir, dando lugar aos comportamentos “esquisitos” e desencadeadores de preocupação e apreensão por parte de todas as pessoas que lidam com ele. Muitas vezes, tratam o portador como incapacitado, e nesses casos, o que prevalece, são as atitudes de compaixão e de menosprezo por suas capacidades e potencialidades. Inúmeras vezes, as pessoas, incluindo aí os familiares e muitos profissionais que trabalham na área de saúde mental lidam com ele, como se fosse criança, direcionando-lhe frases infantis e entonação de voz como se estivessem falando com uma criança. Outras vezes, diante deles, apresentam-se constantemente temerosos e apreensivos, mesmo quando não estão em crise.
É comum não serem levados a sério e nem terem crédito no que dizem. Na maioria das vezes, uma vez diagnosticado, mesmo após uma situação de vida isolada, o rótulo se torna permanente, e a maneira de lidar com ele passa a ser desconfiada, temerosa e cuidadosa. Caso seja internado em um hospital psiquiátrico, aí então é que se configura realmente o preconceito e a discriminação, principalmente porque constatamos que na maioria das vezes, não se promove a saúde mental, mas sim se alimenta o adoecimento mental.
Se relacione com ele de maneira simples e direta, pois não existe nada de sobrenatural no transtorno mental, e muito menos na forma de se relacionar com o portador. Eles merecem ser respeitados, queridos e aceitos assim como eu e você merecemos.