Por William Jorge Gerab |
publicado em 19/06/2011 |
O PT NA HISTÓRIA DA ESQUERDA
– Análise e Pequena Coletânea de Trechos de Entrevistas, Depoimentos e Textos, sobre a História da Esquerda no Brasil.
William Jorge Gerab .
(agosto/2005) .
(1ª Versão – Sujeita a correções e alterações)
O PT NA HISTÓRIA DA ESQUERDA
– Análise e Pequena Coletânea de Trechos de Entrevistas, Depoimentos e Textos, sobre a História da Esquerda no Brasil.
William Jorge Gerab[1]
(agosto/2005)
(1ª Versão – Sujeita a correções e alterações)
Índice
Apresentação: por que uma coletânea sobre a história da esquerda …. .
1- O que nos faz ser de esquerda e pela transformação socialista …..
2- Os erros e acertos da esquerda no Brasil.
De 1980 a 2005 .
A luta interna no PT .
3- Direção sem imposição: influência recíproca, programa e…
4- Pensar uma estratégia possível para a transformação socialista.
COLETÂNEA
- Manifesto do Partido Comunista – Karl Marx e Friedrich Engels.
- Da Intenção ao gesto: um olhar gramsciano …. – Reinaldo B. Cicone.
- Por uma história da esquerda brasileira – Maria P. N. Araújo.
Período anterior a 1920
- Para compreender os sindicatos no Brasil – W. Rossi e W. J. Gerab.
Anos de 1920 a 1960
- O marxismo no Brasil: múltiplas …. – resenha de A. Ozai da Silva.
- Biblioteca virtual da história do marxismo no Brasil – (busca Internet).
Anos de 1960 a 1980
- Combate nas trevas – resenha de Marco A. Garcia.
- Guerreiro da grande batalha: …. Mário Alves – Otto Filgueiras.
- Otaviano Alves da Silva – entrevista a Valter Pomar.
- Paul Singer – entrevista a Paulo Vannuchi e Rose Spina.
- (Manuel Conceição e a AP) – Manuel Conceição Santos.
- Um perfil da luta armada – Vasconcelos Quadros.
- O caso do PRT – William J. Gerab.
Anos de 1980 a 2005
- A transição no Brasil – Emir Sader.
- Da intenção ao gesto: um olhar gramsciano …. – Reinaldo B. Cicone.
- O sonho de um resgate – Plínio A. Sampaio à revista Caros Amigos.
- PT abandou suas propostas …. – Chico de Oliveira a Jordão Arruda.
- Questão para os militantes socialistas da DS – João Machado.
- Réquiem ao PT – Plínio de A. Sampaio Junior.
- É possível uma refundação comunista no Brasil? – Marcos Del Roio.
- Produzir e organizar esperança – Luis Bassegio.
- Carta de Goiana – Consulta Popular: história e objetivos.
- Programa do Partido Socialismo e Liberdade – Psol.
- Núcleos de Reflexão e Ação Socialistas – P.A. Sampaio Jr. e outros.
Relação de partidos e agrupamentos de esquerda no Brasil –
Antes de iniciarmos a leitura da coletânea propriamente dita, vale a pena discutir algumas questões, buscando melhor aproveitá-la.
Apresentação: por que uma coletânea sobre a história da esquerda no Brasil?
O presente trabalho é uma contribuição a uma das quatro tarefas, que, no entender do autor, devem ser tidas como centrais nesse período inicial dos Núcleos de Reflexão e Ação Socialistas:
1ª) entender a história da esquerda no Brasil, o PT nesse contexto, visando identificar os erros, os acertos e as mudanças, frente aos objetivos definidos em cada período, buscando como resultado desse balanço as experiências acumuladas e as perspectivas abertas;
2ª) buscar a definição de uma estratégia de transformação socialista da sociedade brasileira, à luz da história dessa sociedade, percebendo na análise e incluindo nas propostas componentes, que influenciam todos os demais temas, como as questões ambiental, racial, de gênero e das demandas democráticas dos setores sociais minoritários, sem prejuízo dos destaques para as especificidades dessas questões;
3ª) iniciar a elaboração do programa para a transformação socialista da sociedade brasileira, o qual deve indicar as políticas e os procedimentos necessários à execução da estratégia, partindo das demandas de libertação do atual jugo aos grandes capitais internacionais, que, na atual fase de “globalização”, tem a hegemonia do capital financeiro; e
4ª) discussão da diversidade de propostas para a organização política dos socialistas e dos métodos adequados para a construção dessa(s) organização(ões).
Os primeiros dois textos da coletânea são devidos à preocupação de falar um pouco da concepção classista sobre partido político; a terceira matéria foi escolhida por abordar a questão metodológica da elaboração histórica; e, daí em frente, estão reunidas matérias divididas em quatro períodos: o de antes de 1920, o de 1920 a 1960, o de 1960 a 1980 e o de 1980 em diante. Os critérios para a seleção dos trechos de trabalhos sobre os períodos foram: primeiro, serem representativos, carregarem as principais características dos momentos históricos, a quer se referiam; e, segundo, estarem falando de organizações políticas de esquerda.
A utilização de uma coletânea de trechos de textos, entrevistas e depoimentos, por um lado, evidencia a despretensão, quanto a se chegar a um trabalho mais acabado sobre um aspecto da história. Por outro lado, permite captar a evolução e um pouco das emoções dos momentos descritos. Presta-se, assim, à avaliação crítica do processo, tanto para quem o vivenciou, quanto para quem o está conhecendo agora. Como diz Maria Paula Nascimento Araújo, em Por uma História da Esquerda Brasileira”, um dos trabalhos da coletânea:
“… Acostumados a trabalhar com os “mortos” e seus registros, os historiadores passaram a poder trabalhar com os “vivos”. E a organizar, para a posteridade, os registros destes personagens ainda vivos — na forma de gravações de entrevistas e depoimentos. …”
Ao se passar uma idéia da evolução organizativa e ideológica da esquerda no Brasil, mostra-se, também, o desdobramento das opções feitas em cada situação. Pode-se perceber, então, que a atual crise política do governo Lula e do PT é, somente, a realização de uma das diversas possibilidades criadas historicamente. Aprofundando o exemplo, fica claro que história da esquerda no Brasil não começa e nem termina com o PT.
A derrota sofrida por toda a esquerda, com a referida crise, traz a oportunidade de um avanço importante na compreensão sobre quais relações, entre direção política e movimento social, devem ser perseguidas, no atual contexto. Isto é, o que fazer, por exemplo, para se conseguir o avanço da participação democrática da maioria da população nas decisões políticas ou, numa situação limite, como poder contar com a mobilização social, quando as ações políticas da esquerda, levarem à agudização do enfrentamento com as classes dominantes no capitalismo. Justamente por isso, se elegeu a análise dessas relações, em cada período, como principal referência para entender a história evolutiva da esquerda, neste trabalho.
Ao concluir esta apresentação, afirmamos que os adendos e sugestões serão sempre bem vindos, mas não dispensam outras contribuições para o entendimento e superação do quadro de dificuldades econômicas, sociais e políticas vividas pelos trabalhadores e demais setores oprimidos da sociedade nesse início do século XXI.
1- O que nos Faz Ser de Esquerda e pela Transformação Socialista da Sociedade.
A transformação socialista da sociedade é um processo histórico, no qual se operam mudanças estruturais, visando a construção de uma sociedade sem classes sociais, sem opressores e sem oprimidos. Nesse sentido, chega-se à proposta de “fim da propriedade privada dos bens de produção” (máquinas e terras, que produzem mercadorias), à transferência do grande capital, das mãos dos capitalistas ao controle social e/ou coletivo dos trabalhadores. Os pequenos proprietários desses bens, e os assalariados, que não possuem e nem trabalham neles, no campo ou nas cidades, são potenciais aliados dos trabalhadores nesse processo de mudanças, já que o capitalismo os leva, também, à crescente pobreza.
Assim, a luta da esquerda pela transformação socialista da sociedade é a própria luta pela sobrevivência humana. Mais do que mera sobrevivência, “sobrevivência humana” pressupõe vida digna para todos, de acordo com os padrões de cada época. Isso tem como pressuposto, que todos devem garantir essa dignidade, sendo responsáveis pelas escolhas definidoras dos próprios destinos e participantes, em condições de igualdade, de um sujeito coletivo, capaz de definir seus caminhos na história.
Dizer-se de esquerda e socialista implica em assumir as posturas mais desprendidas e generosas, das quais a história pode nos trazer notícias. Significa, justamente, opor-se à acumulação individual de grandes fortunas, desmascarando o individualismo, o consumismo e o produtivismo, como formas de afastar a humanidade da realização da sua felicidade, que precisa ser coletiva para alcançar a cada indivíduo. Por isso, é lutar pela distribuição das riquezas socialmente produzidas, pela socialização do conhecimento, em geral, e do conhecimento técnico, em particular, para que todos e todas, cada um e cada uma, em todos os momentos, possam dar o melhor de si para a coletividade e ter atendidas as suas necessidades, físicas e intelectuais.
Mas, esta escolha tem suas conseqüências, as quais não se pode desconhecer. Posicionar-se, na luta de classes, do lado da maioria da população, composta por trabalhadores, pobres e oprimidos (que, genericamente, chamamos de classe trabalhadora ou proletariado), é estar contra as elites econômicas, formadas pelos que oprimem e acumulam riquezas, as quais não produzem (que, também genericamente, chamamos classe capitalista, burguesia ou patronato).
Estar em oposição à estrutura e funcionamento da sociedade capitalista é como “nadar contra a correnteza”, tendo que se defrontar com os interessados em conservar a estrutura de classes dessa sociedade. Os que têm interesse em ser conservadores, não por coincidência, identificam-se, influenciam ou são os próprios donos das várias formas de poder no capitalismo. Os socialistas sabem que as elites econômicas desprezam, não só o fato dos seus oprimidos viverem em péssimas condições, mas a própria vida dos que tentarem impedi-las, não só de conservar, mas de fazerem crescer os seus privilégios ilegítimos.
A opção político-ideológica pelo socialismo não se confunde com ao idealismo superficial ou com busca da purificação espiritual dos ascetas, que para isso isolam-se e abdicam das coisas materiais, sequer garantindo a própria subsistência. Ao contrário, significa entender que a subjetividade e as condições materiais de existência humanas são coisas, que se complementam e que os antagonismos sociais são reflexos da disputa entre os que almejam a mesma justiça para todos e os querem preservar os privilégios das elites econômicas capitalistas.
Não são poucos e, diante das dificuldades, multiplicam-se os que afirmam existir inúmeras soluções intermediárias, entre a manutenção da atual sociedade de classes, capitalista, e a sua transformação radical numa sociedade sem classes, socialista. Numa postura de quem já teria atingido a “maturidade política”, justificam-se com a frase “no meio está a virtude”, como se fosse possível apaziguar, harmonizar e desfazer o antagonismo entre as classes polarizadoras no sistema capitalista. Entre estes estão, também, os que dizem que a luta de classes já não desempenham um papel tão primordial na história e que, finda a “guerra-fria”[2], a solidariedade pode sobrepujá-la no planejamento para um futuro melhor para a humanidade.
Mas, além de todos os exemplos de conservadorismo a que leva essa visão, dentre os quais podemos citar os dos governos social-democratas, espalhados pelo mundo, há um problema lógico e prático, que, com toda a sua simplicidade, desmascara os defensores desse “caminho do meio” ou “terceira via”, tornando visível a sua real proposta. Na verdade, para que se “harmonize as relações entre as classes”, para que a solidariedade permeie os antagonismos de classes, é necessário que as classes subsistam. Fica claro, então que esta visão pretende manter as classes sociais, com isso a classe dominante mantém a exploração, a opressão e as injustiças sociais. Portanto, esse caminho não serve aos oprimidos.
A produção capitalista não faz parte de um planejamento econômico para toda a sociedade, nem se preocupa com a minimização do desperdício de matérias primas e muito menos com a poluição do meio ambiente. Os capitalistas apropriam-se da maior parte do que é socialmente produzido, com o objetivo último de obter o maior lucro. Esta é a razão para se produzir aquilo que for necessário para, com os menores custos, atingir o maior número de consumidores, os quais possam pagar o maior preço. Este é parâmetro do quanto, do como e da qualidade do que deve ser produzido. Não importa se, atingido tal objetivo, ainda restarem pessoas, que necessitem dos bens produzidos.
A libertação das forças produtivas (homens e mulheres, recursos naturais e tecnologia) do jugo dos interesses capitalistas é passagem obrigatória para que se possa planejar a economia, de forma a aproximar a quantidade e a qualidade do que for produzido à necessidade de consumo das pessoas, tanto individualmente, quanto coletivamente. Assim, se estará viabilizando a superação da chamada “pobreza absoluta” (existência de pessoas que não têm garantido sequer o acesso à comida) e, também, da pobreza relativa (quando o acesso aos bens e serviços, não acompanha o crescimento do acúmulo geral de riquezas e de conhecimento da sociedade como um todo).
Em outras palavras, com a libertação das forças produtivas, o que for socialmente produzido, finalmente, estará à disposição da sociedade para que as pessoas tenham acesso ao que precisarem física e intelectualmente. Com isso, possibilita-se, também, a superação do individualismo (egoísmo) e do consumismo, a que são empurradas as pessoas no capitalismo.
Viabiliza-se a superação da escassez, determinada pela necessidade de formação do melhor preço no mercado capitalista, assim como da necessidade da acumulação individual de riquezas – como fuga da escassez e uma das fontes e de motivação para o poder. Assim, a realização dos objetivos sociais é, também, a criação das condições necessárias para a realização dos objetivos individuais. Os interesses da coletividade não mais se opõem aos diversos interesses das individualidades.
“No lugar da antiga sociedade burguesa com suas classes e oposições de classes surge uma associação em que o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos.”[3]
1-a- Socialismo: direitos de todos os oprimidos, internacionalismo e ecossocialismo.
Se socialismo é o fim de todos os tipos de opressão de parcelas dos seres humanos sobre outras parcelas de seres humanos, é preciso mencionar a luta dos setores oprimidos. A humanidade não poderia ser considerada como tal, se fosse composta apenas por homens brancos, com a formação corporal predominante, heterossexuais e em idade produtiva. A diversidade humana, com todas as suas características de origem geográfica, de etnias e raças, culturas, códigos éticos e morais e os correspondentes costumes, compõem um ecossistema humano. As formas de desenvolvimento desse ecossistema não podem destruir ou descaracterizar sua diversidade, pois isso seria o próprio fim da humanidade, enquanto tal.
É próprio da luta pelo socialismo a garantia da subsistência da espécie humana, enquanto tal, e nisso têm papel essencial as lutas pela liberação da mulher, contra os racismos, pela liberdade de opções de sexualidade, contra a discriminação e pelos direitos dos portadores de deficiência física ou mental e as lutas pelos direitos dos idosos. Faz parte dessas lutas e da busca de um desenvolvimento sustentável para a humanidade, o questionamento das culturas, que abrigam algum tipo de opressão a esses setores sociais, como: o apedrejamento de mulheres por questões comportamentais, em países africanos; os fatores socioeconômicos e culturais, que provocam o assassinato de filhas mulheres ou esposas, em países asiáticos.
Temos, agora, que tirar uma outra conclusão do que se está falando. Ao lutar por uma saída da espécie humana para as dificuldades estruturais, trazidas pelo capitalismo, não se pode conter esta luta no interior de qualquer fronteira ou limite geográfico. A condição para superarmos a exploração do homem pelo homem, construindo o socialismo, é o fim do capitalismo em todo o planeta. Não precisamos ser grandes estudiosos de economia para saber que as relações de exploração existentes entre patrões e empregados, acontecem, também, no plano internacional.
As classes sociais e a luta entre elas são internacionais. Através das empresas multinacionais, que exploram diretamente os trabalhadores de outros países, dos juros extorsivos do capital financeiro ou das ações dos governos dos chamados países desenvolvidos, de protecionismo ao mercado interno ou belicosas com países militarmente mais fracos, o capitalismo torna a sua exploração e opressão internacionais. Uma das formas, com as quais espoliam os países menos desenvolvidos, é a de lhes pagar preços inferiores pelos seus produtos exportados, dificultando-lhes o crescimento econômico e impedindo-os de competir em igualdades de condições. Assim, a luta pela independência, tanto política, quanto econômica, dos países menos desenvolvidos é, também, passagem obrigatória da luta pelo socialismo.
Mas, é urgente, ainda, identificar mais uma barreira para que a perene procura da felicidade humana possa prosseguir. O imediatismo e a busca cega pelo lucro do capitalismo, fizeram com que a sua história fosse, também, a história da degradação do planeta pelo único agente vivo, capaz de fazer isso, conscientemente, em grande escala. Com o advento da chamada sociedade industrial, que hoje tomou as feições do “produtivismo” e à qual sucumbiram, também, diversas experiências de construção do socialismo, essa degradação ganhou um ritmo acelerado, que coloca em cheque a própria subsistência do Planeta Terra.
Para identificar melhor do que se está falando, podemos citar o processo de destruição da camada de Ozone da atmosfera terrestre e o efeito estufa; a destruição de ecossistemas, provocando o desaparecimento de espécies vivas e da cadeia alimentar, no topo da qual está o ser humano; a destruição de florestas e matas ciliares, com o comprometimento dos afloramentos e dos corpos d’água em geral; a poluição, cotidiana e por grandes acidentes, do ar e do solo.
Está colocada, então, para o projeto socialista a seguinte questão: na luta para salvar a humanidade da barbárie, a que conduz o capitalismo, é preciso abarcar, também, a salvação do planeta. A humanidade não sobreviverá sem o uso racional dos recursos naturais (matérias-primas), sem preservação dos bens indispensáveis à sobrevivência da humanidade (as outras espécies animais, a vegetação, o ar, a água, o solo – minerais em geral), sem transformar as ações humanas, que, em todo o mundo, provocam grandes catástrofes planetárias (efeito estufa, destruição de ecos-sistemas, soluções industriais e de produção energética poluidora etc.). Por isso o socialismo atual precisa ser, além de internacionalista, ecossocialista.
Não existirá um Brasil Socialista, enquanto estiver sitiado pelas chantagens dos paises de maior acumulação capitalista, com os seus monopólios tecnológicos e especulações financeiras. Assim como, não existirá um Brasil Socialista, com a sua economia dominada pelos banqueiros, pelos devastadores agronegócios, pelas indústrias de tecnologias poluidoras, com cidades degradadas, sem os corpos d’água, sem pantanais e mangues, sem sertões e caatingas, sem cerrados, sem Mata Atlântica e sem Floresta Amazônica.
2- Os Erros e Acertos da Esquerda no Brasil.
Uma primeira observação importante, para tratarmos desse assunto, é a das semelhanças e diferenças entre as organizações de esquerda através do tempo. Não é sem razão que, em várias oportunidades da coletânea, os próprios autores dos textos escolhidos estabeleceram relação entre o que ocorria em décadas anteriores e o PT:
1) Na Resenha de Antonio Ozaí da Silva, sobre o período de 1920 a 1960 – “Também aqui, é possível verificar semelhanças com o Partido dos Trabalhadores, em especial na fase da sua formação e nos primeiros anos. Em ambos confluíram várias vertentes do pensamento social. Também o PT assumiu-se como alternativa ao marxismo oficial do PCB e ao trabalhismo e, especialmente a partir do seu VI Encontro Nacional, no clima da queda do muro de Berlim, assumiu a democracia como centro da sua política, propugnando um resgate do socialismo democrático. Como o PSB do período estudado na obra, o PT terminou por enfatizar a estratégia eleitoralista, reservando para o socialismo o lugar das calendas.”
2) Na resenha de Marco Aurélio Garcia do livro de Jacob Gorender, “Combate nas Trevas”, na parte do período entre 1960 e 1980 – “Estas discussões têm uma importância particular para o PT hoje. No interior do partido militam milhares de companheiros vindos dessas organizações de esquerda. Uma grande maioria não chegou a realizar um ajuste de contas com seu passado. Coisa que o livro de Gorender em muito contribuirá para que ocorra. Somente isto já aconselha sua leitura e, sobretudo, sua discussão.”
3) Na entrevista de Otaviano Alves da Silva ao Valter Pomar, também sobre os anos de 1960 a 1980: “…Eu via no PT algo como sonhávamos na Polop. …Comecei a trabalhar em função do PT e organizei um núcleo lá em casa. …
“Eunápolis. Fundei o PT em Eunápolis, Cabrália e Porto Seguro. Procurei dar uma certa assistência ao partido, mas eu acho muita coisa errada, apesar de o PT ser a melhor coisa que se construiu até hoje. O projeto geral do partido é sempre sacrificado em função de uma cadeira atrás de uma mesa, do aspecto burocrático. O pessoal briga. No 4º Concut você viu o que aconteceu.”
Para avaliarmos os erros da “esquerda”, é útil conhecermos a origem dessa denominação. Com isso, já nos será possível identificar a principal finalidade desse posicionamento político, o objetivo de defender os interesses, imediatos e históricos, dos(as) explorados(as) e oprimidos(as), que compõem a maioria, nas sociedades de classes:
“… As discussões se voltam para as formas de uma monarquia constitucional inspirada no modelo inglês: um governo real que aja de acordo com uma constituição e controlado por uma Assembléia Nacional. Trata-se de uma nova distribuição do poder que responde às aspirações burguesas. O que não deixa de provocar divisões e confrontos em torno de questões essenciais. Por exemplo, sobre o direito de veto (poder concedido ao rei de opor-se às decisões da Assembléia). Os que não aceitaram a Revolução (os aristocratas, tais como Maury e Cazalès) e os que querem pará-la (os “monarquianos”, tal como Mounier) são partidários do veto real. Os democratas o rejeitam. Na sessão do dia 28 de agosto (1789), os primeiros se instalaram à direita do presidente; os outros, à esquerda. (É daí que se origina, na vida política francesa, a separação entre esquerda e direita). …”[4]
Mesmo antes da denominação de “esquerda”, os agentes políticos, que defendiam os interesses das multidões de despossuídos, marginalizados e injustiçados de toda a ordem, precisavam definir algum tipo de relação com os seus defendidos. Aliás, dessas relações dependia a legitimidade das propostas e posições que propugnavam. Mais ainda, da interação entre o que era levado aos espaços de confronto político e a receptividade/mobilização dessas multidões, dependia o êxito desejado.
Parece, por isso tudo, ser um adequado referencial para avaliar os erros e acertos da esquerda no Brasil, a averiguação das relações, que seus diversos agrupamentos mantinham com as bases sociais, que pretendiam representar e influenciar ou dirigir. Como se fossem a pedra-angular da construção partidária, dessas relações derivam posturas nos âmbitos da moral e da ética, na escolha das políticas e respectivos graus de radicalidade, a serem adotados em cada momento e a própria definição da estratégia de transformação social. Mas, essas definições são bastante complexas, por envolver múltiplos fatores, sendo que nunca devem ser confundidas com formulas, que levem a resultados precisos.
A leitura da coletânea, que ora se oferece, pretende ser uma oportunidade para a utilização desse referencial de análise. A própria técnica de agrupamento dos textos em períodos de tempo, de certa forma, ajuda a perceber a evolução das mencionadas relações, agentes políticos-bases sociais. Mas, não podemos perder de vista tratar-se, apenas, de um recurso didático, Na realidade, esses períodos fictícios, estariam permeando-se, sobrepondo-se, mantendo características dos anteriores ou assumindo aspectos dos futuros períodos. Se nas ciências exatas e nas estatísticas, existem as “tolerâncias”, prevendo-se a possibilidade de resultados inexatos, imagine-se a importância de relativizar as conclusões nas ciências históricas.
Aliás, ao pensar a História, não se pode falar em domínio absoluto de uma característica, mas em predominância de uma ou mais dentre as diversas características existentes. Identificar-se uma nova predominância é fruto, não apenas de confrontos entre os programas políticos, as metodologias de análise e as ações adotadas. É necessário juntar a isso tudo o conjunto das condições oferecidas pelas circunstâncias vigentes. Leve-se em conta que, mesmo com a escolha do método adequado para analisar e caracterizar a realidade, nunca se pode ter um conhecimento total dos seus dados, já que estão sempre se alterando. Portanto, as resultantes políticas adotadas pelos agrupamentos políticos contêm, constantemente, erros de diversos graus.
2-a- As relações com os movimentos e as bases sociais.
É antigo o debate sobre o papel a ser atribuído pelos movimentos e bases sociais nos processos políticos, em particular nos processos de transição entre estruturas sociais. Se a maioria oprimida da sociedade teria ou não consciência desses processos, quando em ascenso de mobilização, se a revolução só aconteceria quando houvesse interação entre mobilização consciente e direção revolucionária (agrupamento/agrupamentos de esquerda), se apenas seriam instrumentos alavancadores das transformações, mas dependentes do papel dirigente de um ou mais agrupamentos políticos, é tema discutido, há muito, pelos teóricos de esquerda.
A evolução nas relações entre os agrupamentos políticos e os movimentos e bases sociais é, também, conseqüência dos acúmulos de experiência e de conhecimento da realidade presente e das concepções e características da formação de cada agrupamento. Dito isso, pode-se, então, passar-se a uma das interpretações possíveis dessa evolução, através dos períodos estipulados na coletânea.
Entre as décadas de 1920 e 1960
Os anos sessenta foram marcados pelo surgimento de propostas claramente diferentes das predominantes até então, nas concepções de organização partidária da esquerda, nas táticas e formas de luta pelo poder político e na estratégia revolucionária. Até a instalação da ditadura militar em 1964, havia uma evidente predominância da pesada estrutura hierárquica e burocrática dos partidos stalinistas, marcadamente do PCB, mas também do PCdoB, seu racha de 1962. A visão determinista, dogmática e autoritária conseguiu fixar sua cultura em quase toda uma geração de militantes de esquerda. Essa cultura mostrará sua capacidade de permear outros períodos de tempo e sua influência em agrupamentos de diversas origens.
Como visão predominante, imprimia nos membros e órgãos desses agrupamentos políticos uma certa postura de superioridade, frente aos movimentos e as bases sociais, que deveriam influenciar ou, na expressão que utilizavam, “dirigir”. Confundia-se a concepção de partido, como a organização mais avançada de uma classe social, com uma “autoridade natural” sobre a atividade política dos movimentos sociais e das mobilizações, que houvessem.
Assim, nesse período as relações predominantes poderiam ser definidas como utilitaristas, pois não se buscava uma interação entre as ações dos agrupamentos e as ações da população oprimida, que sequer deveriam ser vistos como coisas estanques. Na prática, tratava-se uma tentativa, na maioria das vezes frustrada, de usar, de manipular as “massas” por parte do que seriam as suas ”direções políticas”.
Na resenha de Antonio Ozaí da Silva, presente na coletânea, isso fica claro, mais pelo papel atribuído aos demais agrupamentos do que ao atribuído às organizações hegemônicas na esquerda da época. Vejamos:
“… Nesta fase o PCB conquistou a legalidade, e perdeu-a, cassado no clima da “guerra fria”; teve inflexões à esquerda e à direita, oscilando entre uma política de colaboração e alianças de classes a uma retórica esquerdista e revolucionária para, nos anos 50, com a Declaração de Março, se definir pelo caminho pacífico da revolução brasileira. Todo este percurso tortuoso é analisado por Daniel Aarão Reis Filho.
“… O trotskismo contribuiu ainda para romper com o monolitismo do partido único, dando um caráter pluralista à historia do movimento operário e fornecendo chaves teóricas para a discussão dos impasses e derrotas dos projetos da esquerda.
“Analisando o programa do PSB, sua prática política e sua trajetória, a autora conclui que o mesmo se constituiu num “partido-semente”, agitador de uma nova concepção política e cultural que deu base a um projeto de cidadania coletiva que, ao contrário dos projetos dos liberais orgânicos e mesmos dos comunistas, combinava as dimensões políticas e sociais da democracia.” (capítulo 4, escrito por Margarida Luiza de Matos Vieira)
“… Com efeito, a ORM-POLOP é a primeira organização marxista, depois dos trotskistas, que apresenta uma análise da revolução brasileira contestatória à concepção etapista hegemonizada pelo stalinismo e propõe um Programa Socialista para o Brasil. …” (por Marcelo Badaró Mattos e Marcelo Ridenti)”
Da década de 60 à de 80
É importante mencionarmos alguns dos fatos, uns de âmbito internacional e outros do contexto nacional, que são precursores das novas características, assumidas entre os anos 60 e 80 do século XX pelas organizações de esquerda no Brasil:
- No XX Congresso do Partido Comunista da URSS, o secretário geral desse Partido, Nikita Kruchov, denuncia os crimes de Stalin. Tais crimes são de amplo espectro, começando por corrupção e privilégios à burocracia estatal, passando por manipulações autoritárias da estrutura partidária e chegando a perseguições e assassinatos de opositores, inclusive os de larga tradição no socialismo revolucionário. Essas denúncias geraram forte reação no PCB, em 1956, como retrata o jornalista Otto Filgueiras no seu artigo sobre a vida de Mário Alves – “…À revelia da direção, os militantes jornalistas abriram discussão na “Imprensa popular” e na “Classe Operária”. Alguns dirigentes, a exemplo de Diógenes Arruda, João Amazonas e Maurício Grobois recusavam-se a fazer qualquer modificação na linha política. Um outro grupo, de tendência nacionalista, e encabeçado por Agildo Barata, pregava a dissolução do partido. Uma terceira posição, onde se incluía Mário Alves, defendia mudanças na política partidária. Em 1957, quando retornou ao país, Gorender encontrou o debate definido. Agildo Barata saiu do partido e fundou um jornal.”
- Dois processos revolucionários haviam chegado à tomada do poder pela esquerda, através de meios diferentes dos utilizados na Revolução Russa de 1917, que teve como principal base social a população oprimida urbana. O da China, em 1949, tido como o de uma revolução, que veio do campo para a cidade e o de Cuba, em 1959, tido como um processo, que teve a hegemonia da guerrilha, que, em parte se organizou no exterior, já na ilha agrupou-se na serra veio para as cidades, juntar-se a outros agrupamentos e à parcela mobilizada da população.
- No Brasil, haviam fracassado os apelos populistas de Getúlio Vargas, com o seu suicídio em 1954 e de Jânio Quadros, com a sua renúncia em 1961. Depois disso, esvaíra-se, também, o reformismo de Jango Goulart, com o golpe militar de 1964. Houve importante ascenso dos movimentos sociais, os estudantes em particular tiveram um papel de destaque, até 1968, quando a ditadura recrudesceu utilizando o Ato Institucional número 5 (AI-5), que sufocou as ações abertas dos movimentos sociais oposicionistas. Na citação de Marco Aurélio Garcia, resenhando o trabalho de Jacob Gorender: “… O resultado deste último enfrentamento é o fechamento de 13 de dezembro de 68 (o AI-5), quando o governo cria as condições, entre outras coisas, para reprimir a esquerda com toda a impunidade. Gorender mostra como se modificam as condições de luta. A esquerda corta-se das massas, mas continua a apostar na iminência da crise do capitalismo brasileiro, que criaria condições para a luta revolucionária (tida como sinônimo de luta armada). O período que vai de 68/69 até 74 é o desmantelamento total da esquerda revolucionária, o que o Estado consegue através de uma política de utilização sistemática da tortura.”
Apesar da importância das mobilizações nos momentos anteriores, colocando em cheque os governos burgueses, inclusive a própria ditadura militar, a mudança de comportamento dos agrupamentos emergentes não foram no sentido de articular uma unidade mais forte, indissolúvel mesmo, dos seus programas e ações políticas com a maioria oprimida da população. Mesmo questionando a burocracia, o autoritarismo e o dogmatismo do stalinismo[5], as direções dessa esquerda inovadora carregaram esses erros de outra forma e, até, agregaram novos, como o vanguardismo e o voluntarismo – tendo como exemplos maiores disso “a teoria do exemplo” e o “foquismo”[6], adotados por alguns desses agrupamentos.
Sentindo-se como setores avançados das lutas, aos quais os demais setores sociais mobilizados teriam que seguir (vanguardismo), os agrupamentos da esquerda armada acabavam agindo de acordo com os próprios impulsos e vontades, não temendo despregar-se dos movimentos e bases sociais, dos quais precisavam de todo tipo de apoio, e nem da realidade objetiva – situação econômica e política do país, a correlação de forças entre os que estavam em confronto (voluntarismo).
Esse comportamento demonstra uma visão de participação política dos setores populares oprimidos como o mero apêndice ou, no máximo, de um coadjuvante, que só participa no final ou quando chamado. As conseqüências desses desvios, além das próprias decisões equivocadas pela luta armada, nas suas diversas concepções, foram o isolamento, o desmantelamento organizativo, a prisão, a tortura e, muitas vezes, a morte, envolvendo significativa parcela de uma geração de militantes de esquerda. Esses fatos podem ser depreendidos no texto de Otto Filgueiras, já citado:
“Não há unidade suficiente entre os que saiam do PCB para um novo projeto partidário. A Corrente Revolucionária faz uma reunião nacional em outubro de 1967 e não comparecem militantes de São Paulo. Mário, Gorender e Apolônio insistem na necessidade de um partido para dirigir a revolução e sustentam que o combate contra a ditadura precisava estar vinculado à luta dos operários, camponeses, estudantes e setores médios da cidade. Enquanto isso, Carlos Marighella já estava em Cuba articulando apoio para o seu plano de guerrilha urbana. No retorno ao Brasil, em início de 1968, Marighella, impetuoso por natureza, prefere a grande aventura da batalha e organiza, a partir do agrupamento de São Paulo. A Ação Libertadora Nacional – ALN. Mário Alves e seus companheiros não desistem e passam sete meses debatendo, escrevendo teses e articulando militantes espalhados pelo Brasil.
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“O congresso de fundação do novo partido aconteceu em abril de 1968, numa casa na Serra da Mantiqueira, no Estado do Rio. Estavam presentes uns 25 representantes de vários estados, entre eles, Jacob Gorender, Mário Alves, Apolônio de Carvalho, Bruno Maranhão, Miguel Batista dos Santos e Jover Telles. O Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) nascia da esperança dos que ousavam desafiar o capitalismo e o regime militar e que sonhavam também em revolucionar o comunismo. Os princípios teóricos e as bases políticas foram estabelecidos num documento redigido por Mário Alves. O texto defendia a construção de um partido marxista-leninista, a necessidade da luta por um estado popular revolucionário para construir o socialismo, considerava o Brasil capitalista e dizia que o combate contra a ditadura era armado, mas apoiado na luta de massas dos operários, camponeses, setores médios da cidade e na pequena burguesia urbana e rural, forças sociais interessadas em modificar a estrutura da sociedade brasileira. A principal base da luta armada, o campo. …
“……………………………………….
“Em São Paulo, Mário Alves critica também as idéias foquistas que predominavam entre a juventude dissidente do PCB e a maioria das organizações de esquerda da época. Foi numa conversa organizada por Valdizar, com um grupo de jornalistas para discutir o livro de Régis Debray e a teoria foquista, que Sérgio Sister conheceu Carlos Ferreira em 1968. …”
Mesmo os agrupamentos contemporâneos, que não tinham origem stalinista e não viam na luta armada o principal caminho para a transformação social, como a Polop, acabavam afunilando-se à regra de ver o movimento e as bases sociais como auxiliares nas suas estratégias políticas. É o que podemos constatar, nessa segunda citação da entrevista de Otaviano Alves da Silva, feita por Valter Pomar:
“Como era o trabalho sindical das organizações clandestinas?
“Elas tinham uma base sindical, mas muito limitada, parecida com a da Polop. Minha atividade começou a ter uma conotação diferenciada, de organizar os trabalhadores, apesar da repressão e da clandestinidade, valorizando o espaço sindical, da fábrica. Já as organizações usavam esse espaço para cooptar para a luta armada. Isso é uma diferença de fundo para ser discutida e analisada no futuro.
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“… Fui profissionalizado para ganhar inserção nos movimentos de massa, participava de todos os congressos do movimento sindical, mas como não tínhamos uma política sindical discutida, participava mais como observador. Em 63, a Polop apoiou a fundação do CGT (Centro Geral dos Trabalhadores), só que defendíamos que o CGT não deveria se limitar apenas aos comandos nacional e estaduais, queríamos que fosse organizado nos municípios também. Para uma eventual resistência ao golpe, também participávamos dos grupos dos 11 do Brizola. A história do movimento sindical, daquele período, termina por aí. …”
Na, também já citada, resenha do sociólogo e professor Marco Aurélio Garcia do texto Combate nas Trevas, de Jacob Gorender, os autores, tanto o do texto, quanto o resenhado, corroboram a avaliação das estratégias, que prevaleceram nas organizações de esquerda entre os anos de 1960 e 1980:
“Talvez fosse importante que Gorender enfatizasse mais o fato de que a derrota da esquerda – da nova e da velha – não se deve tanto à repressão, que foi violenta, mas tem de ser creditada em muito aos próprios erros das organizações. Ele tem presente este fato, e o afirma muitas vezes, mas alguns aspectos ficam a nos exigir maior aprofundamento. Por exemplo, em que medida o fracasso não se deve ao fato de que a ruptura da nova esquerda com a velha foi mais aparente do que real, não só quanto à caracterização de seu projeto de revolução, como por sua incapacidade de repensar o problema do partido político, elitista e messiânico, e pela ausência de uma reflexão mais de fundo sobre o problema da democracia.”
De 1980 a 2005
Em 1985, um civil chega à Presidência da República, mas ainda pelo Colégio Eleitoral, que foi a fórmula encontrada pelos militares para tentar a legitimação dos sucessivos governos ditatoriais iniciados em 1964. O primeiro presidente eleito pelo voto direto da população, após a ditadura militar, assume em 1990, Fernando Collor de Mello. Mas para as cúpulas militares, que controlaram o governo, até então, a transição já havia começado em 1974, com a ascensão do General Ernesto Geisel à Presidência. Pretendiam uma transição da ditadura para a democracia sob o mesmo controle, onde definiriam quantos e quais partidos existiriam, quem os dirigiria e quem teria direito de ser candidato por esses partidos.
A transição não saiu exatamente como queriam os militares, a primeira Presidência civil foi exercida pelo vice José Sarney, devido à morte de Tancredo Neves antes da posse. Já, Collor, mesmo eleito pelo voto direto, exerceu por menos de dois anos, forçado à renúncia por corrupção. Foi, também, o seu vice, Itamar Franco, quem assumiu para completar o que restava dos quatro anos de mandato.
Porém, paralelamente a este trôpego processo de transição dava-se um outro, o processo de mobilização social, que redundaria no surgimento e/ou ressurgimento das centrais sindicais, dos movimentos populares de âmbito nacional e que influiria na constituição de alguns dos novos partidos, destacando-se o Partido dos Trabalhadores (PT), além de certa reestruturação das antigas agremiações políticas,. Como nos diz um dos textos da coletânea, o do sociólogo e professor Emir Sader, A Transição no Brasil:
“Ficou assim constituído o novo quadro partidário que seria o cenário político básico da transição: PDS, PMDB, PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), PDT[7] (Partido Democrático Trabalhista), PT. A maior novidade em relação à estrutura partidária anterior ao golpe militar de 1964 era a formação do PT, já que o PDS cobria a direita tradicional, o PMDB reunia os setores heterogêneos do centro e da centro-esquerda, enquanto o PTB e o PDT tratavam de ocupar o espaço do trabalhismo getulista. O PT se diferenciava, já na sua constituição, da esquerda tradicional – PCB, PC do B, trabalhismos. Socialmente, incorporava os setores das classes dominadas normalmente excluídos da vida política, como os sem-terra, os sem-casa, os sindicalistas de base, organizações comunitárias da Igreja, minorias.”
Realmente, o PT veio para exercer o papel de organização política predominante, entre as organizações de esquerda, pelo menos da sua fundação, em 1980, até a surpreendente eleição de Luis Inácio Lula da Silva, o Lula, seu dirigente de maior carisma popular, à Presidência da República, em 2002. Já no seu surgimento estava presente a diversidade de visões e propostas políticas, que tanto poderiam levá-lo a ser um partido, que contribuísse com a transformação socialista, quanto estavam, também, os elementos capazes de fazê-lo ceder às dificuldades impostas pelo sistema capitalista, perder o seu ímpeto classista inicial e descaracterizar-se. Infelizmente, foi essa segunda hipótese a que prevaleceu.
A luta interna no PT
Já na Introdução do Cadernos Em Tempo, número 1, que trazia o texto “O PT e o Partido Revolucionário”, de setembro de 1981, quando esse partido era ainda um recém-nascido, lia-se:
“Pouco a pouco, O PT foi se impondo e ganhando terreno. Da reação negativa inicial, muitos grupos passaram ao apoio e à participação no PT. Para isso foram levados tanto pelo peso demonstrado pelo movimento pelo PT quanto pelo fracasso de propostas alternativas, como a do “Partido Popular” (que era concebido como expressão institucional e parlamentar de uma frente popular[8]). Estes grupos tem tentado compatibilizar a sua participação no PT com a sua visão anterior, dogmática e estreita do leninismo. De modo geral, insistem em caracterizar o PT como uma frente, uma “frente política”, quando não diretamente uma frente popular. Insistem em chamar o PT de partido “tático”, forma disfarçada de designar não um partido mas uma coligação eleitoral-parlamentar. Para esses grupos o PT não pode passar de certos limites, ou arrasa com os seus esquemas teóricos. A Política dessas correntes para o PT é um dos obstáculos ao seu desenvolvimento como partido operário de massas, independente da burguesia.”
Mas, é importante observar que não foi a existência das diversas tendências internas ao PT que trouxe os problemas de agilidade de funcionamento ou dificuldades de exercício da democracia nesse partido. Ao contrário, uma das dificuldades para a fluidez organizativa e uma das fontes do autoritarismo e da centralização excessiva das decisões, que tanto prejudicaram o PT, particularmente quando assumia alguma instância do poder executivo, foi justamente a insistência em rejeitar as tendências minoritárias de esquerda, em não permitir que as bases partidárias tivessem clareza das propostas de cada uma delas, em tentar excluí-las das decisões importantes no cotidiano partidário.
Se o PT surgiu criticando a visão stalinista de “um único partido como dirigente da revolução”, se pretendia ter um funcionamento interno democrático, a existência e bom funcionamento das tendências deveria ser um fator essencial. Com o pluralismo fazendo parte do perfil partidário, é contraditório exigir um “pensamento único” no partido. Assim, existindo uma maioria, que possui definições sobre as principais questões estratégicas, políticas imediatas e organizativas, deve ser dado às minorias o direito de organizarem-se em tendências para tentarem mudar as posições da maioria, das quais discordam.
Como decorrência das disputas internas, uma significativa parte do sindicalismo autêntico, inclusive o Lula, e de parcela dos militantes ligados a setores progressistas da Igreja Católica , acabaram se aproximando das correntes de tradição stalinista. Com essa composição surgiu a “Articulação dos 113” (jun/83), que acabou se tornando mais conhecida e persistiu com o nome de “Articulação Majoritária”, “Campo Majoritário” ou, simplesmente, “Articulação”. Utilizando motes oportunistas, já que também partiam de agrupamentos internos abrigados na Articulação, como “fim dos partidos dentro do partido”, “PT como partido estratégico”, tentava-se isolar as tendências mais à esquerda das crescentes bases de filiados.
Em lugar de regulamentar as tendências, o que só fez parcialmente em 1990, quando a Articulação já estava consolidada no controle das instâncias partidárias, esse “campo majoritário” descaracterizou o direito de organização das minorias (o direito a correntes de opinião, tendências e frações), organizando-se como uma tendência, apesar de incluir setores de origens distintas e compor a maioria do partido. Como sabemos, a maioria, numa estrutura partidária democrática, define os rumos do partido e não precisa se organizar em tendência.
Na verdade, ao proceder dessa forma, essa composição majoritária estava realizando uma estratégia de luta interna, que visava excluir, gradativamente, os setores mais à esquerda. Depois ficou claro que essa estratégia buscava, também, passar o controle quase total sobre o partido e os governos, a que tivesse acesso, a um pequeno grupo de dirigentes, sem que a maioria dos integrantes da própria Articulação tivessem plena consciência disso.
Destruição dos canais de participação das bases partidárias
Um outro aspecto importante das disputas no interior do partido foi o da destruição da organização das bases partidárias, que acabaram sendo alijadas da participação no âmbito decisório da agremiação. Promoveu-se, gradativamente, uma transformação da estrutura participativa e de militância cotidiana, do início do PT, em uma estrutura de partido burguês tradicional, com diretórios voltados, apenas, às eleições parlamentares e dos cargos do poder executivo, além da preferência da figura do “cabo eleitoral” – inclusive com remuneração – à do militante de base. Esse quadro deve-se, principalmente :
- à não promoção de canais, que possibilitassem a informação dos Núcleos de Base para que pudessem participar das decisões importantes,
- ao desincentivo ao debate dos filiados das propostas das chapas de candidatos aos diretórios zonais,
- ao abandono das atividades de formação política das bases,
- à centralização das cotizações dos filiados no diretório municipal (como aconteceu em São Paulo) e total desinformação do conjunto dos filiados sobre as finanças partidárias – cujas razões ficaram claras na crise emergida em 2005,
- à destruição dos canais de participação democrática dos militantes partidários (coordenações de campanha etc.) nas campanhas eleitorais majoritárias,
- à profissionalização das campanhas eleitorais, com contratação de empresas e profissionais especializados para a quase totalidade das tarefas, marginalizando os militantes de base,
- ao equívoco das tendências internas, que veio a se somar à política da maioria dirigente, as quais,em lugar de defender os núcleos como órgãos de participação universal das bases, passaram a organizar núcleos dos seus militantes e simpatizantes.
Desapareceram os Núcleos, que respondiam a uma demanda de organização de base de caráter mais geográfico-regional. Deixaram de existir, também, as plenárias, que elaboravam a política do partido para as demandas setoriais, como as de categorias profissionais (metalúrgicos, bancários etc.) e as de parcelas sociais com preocupações específicas (negros e negras, mulheres, homossexuais, ambientalistas etc.).
Degradação da política externa
Essas diretrizes organizativo-internas, encaminhadas de forma pragmática pela Articulação Majoritária, interavam-se, nitidamente, com a política externa do PT. A evolução natural desse processo, ao contrário de levá-lo à atualização e aprofundamento da sua carta de princípios e do seu programa político, levou-o a uma gradativa descaracterização. Isso é, plenamente, demonstrado no texto, que também está na coletânea, do sociólogo Reinaldo de Barros Cicone, Da Intenção ao Gesto, do qual destacamos:
“No Manifesto de Fundação, de 1980, as idéias de Socialismo, Democracia Interna e democracia como valor permanente apareceriam claramente. A importância e a forma de construção da democracia aparecem no primeiro parágrafo do Manifesto, o que se justifica também pelo fato do PT surgir lutando contra uma ditadura. “O Partido dos Trabalhadores surge da necessidade sentida por milhões de brasileiros de intervir na vida social e política do País para transformá-la. A mais importante lição que o trabalhador brasileiro aprendeu em suas lutas é a de a democracia é uma conquista que, finalmente, ou se constrói pela sua mão ou não virá (…) Queremos a política como atividade própria das massas que desejam participar, legal e legitimamente, de todas as decisões da sociedade.”
“………………………………………….
“Apesar das inúmeras passagens, em todas as resoluções dos encontros, em defesa do socialismo como objetivo último do PT, notamos que com o passar dos anos, seus horizontes vão rebaixando-se. Não se trata, obviamente, de dizer que o PT caminha rápida e inexoravelmente para a social-democracia, mas de reconhecer que as alterações de rumo do partido não decorrem apenas de modificações das concepções ou na forma de encarar a realidade de seus militantes e dirigentes.
“………………………………………………..
“Percebemos claramente que, quanto mais próximo do poder, menos avançadas são as propostas do partido. O programa do PT vem se transformando, cada vez mais, em um programa de governo, abandonando a utopia socialista de sua fundação. O Mesmo ocorre em relação às alianças. Se antes não se admitia alianças com partidos de ideais e objetivos diferentes, se as alianças poderiam apenas realizar-se mediante um programa, a solução adotada, em muitos casos, foi o rebaixamento do programa a ser proposto.
“… Sem estas elaborações, sem políticas claras, sem objetivos estratégicos, ganha espaço a luta imediata, conjuntural e, consequentemente, o institucionalismo e o aumento em número e poder dos centros autônomos de decisão (parlamentares, prefeitos, personalidades etc.). Em palavras gramscianas, caso não seja interrompido este processo, o PT caminha seguramente para uma integração passiva à ordem. …”
Por esse processo, o PT abandonou, no meio do caminho, a possibilidade de uma relação com os movimentos e bases sociais, que garantisse o seu avanço na disputa dos espaços políticos com as classes dominantes, sem um distanciamento e/ou ruptura com a maioria oprimida da sociedade. Deixou de estar a salvo do isolamento, o qual leva ao enfraquecimento, tanto da capacidade de identificar o nível de consciência da população e de compreender uma parte importante da realidade, quanto da capacidade de mobilização social. Esse raciocínio está, também, na entrevista do antigo militante socialista cristão, advogado e professor Plínio de Arruda Sampaio, à revista Caros Amigos, que poderá ser vista com mais detalhes na coletânea:
“…, o PT começou em dois pés, a proposta do PT é: somos um partido socialista, portanto um partido contra a ordem estabelecida, um partido contra o capitalismo, não somos capitalistas, queremos acabar com o capitalismo. Não está em condições de fazer isso agora. Agora temos uma proposta de transformações estruturais no capitalismo, para amanhã criar condições para a transformação socialista, e esse amanhã não tem prazo, pode ser que as condições surjam amanhã mesmo. Mas, se não surgirem, vai indo, enquanto isso vamos transformando a sociedade brasileira, e para fazer isso precisamos de dois pés. Um é o da pressão direta de massa, é o da desobediência civil, o pé da ocupação. A ocupação é ilegal, ela está além, é o da marcha, o do bloqueio da estrada, é o da rua, e naquele tempo a CUT ia pra rua. Então você tinha a CUT e o MST e, por outro lado, vamos crescer na coisa institucional. Vamos disputar vereança, vamos disputar… nunca imaginei que fôssemos tão rapidamente pro Executivo, achei que teríamos um período grande de Legislativo. Então, o que aconteceu no PT? Esse pé em 1989 parou, porque até 1989 você tinha uma pressão de massa fortíssima.
“……………………………………………….
“Foi logo no comecinho (agora falando do governo de Fernando Henrique Cardoso)[9]. Então, o que a gente sente é que a partir daí este pé ficou difícil e este outro ficou muito fácil. Porque você cotejava o político do PT, o vereador do PT, o deputado do PT com aquele deputado tradicionalão, nepotista, os Severinos[10] da vida. Ora, é lógico que o povo moderno, a mocidade e tal começaram a votar no PT. E o PT começou a crescer, crescer, crescer. Até que ele se converteu numa possibilidade eleitoral de conseguir o governo. E aí eu acho que houve uma opção. A opção foi: “Vamos pelo governo”. E uma certa ilusão: a ilusão que, estando no governo você muda. E sempre acho que o fundamental é o poder. Tem o governo e o poder. Mas você pode ir pro governo e não ter o poder. O Jango era governo e não tinha poder.”
Agindo contra os trabalhadores
Mais do que se afastar das bases sociais, que motivaram a sua própria existência, o PT tornou-se refém das opções, a que o levaram seus dirigentes mais influentes, respaldados pelos mais de cinqüenta por cento dos petistas, ligados à Articulação Majoritária. Com a forma, como se elegeu Lula à Presidência, este partido passou a defender os interesses das classes, as quais se opunha, principalmente o capital financeiro e o grande capital nacional e internacional. Também, na coletânea encontraremos o texto do economista, professor e militante do Psol João Machado,Questões para os Militantes Socialistas da DS, que caracteriza e ilustra a ruptura do governo Lula com a classe trabalhadora e demais setores sociais oprimidos, arrastando consigo o PT como um todo:
“Desde a formação do governo, ficou clara a preponderância no núcleo de poder e na composição dos ministérios que têm mais influência de setores alinhados com o grande capital, nacional e internacional, quando não de seus representantes diretos. Desde a campanha de 2002, ficou claro que Lula e seu grupo querem uma aliança ampla com a burguesia brasileira; depois do início do governo, com a montagem da “base aliada”, esta orientação tornou-se ainda mais evidente. Foi exatamente devido à força da presença burguesa que o governo, desde o início, adotou uma orientação geral neoliberal: estamos numa época em que a burguesia, e especialmente seu setor financeiro, tornou-se neoliberal.
“……………………………………….
“É importante repetir, para enfatizar: desde o início do governo Lula ficou claro que ele é um governo burguês. Como ele inclui representantes das classes populares, é um governo burguês e de colaboração de classes – o que implica dizer que os representantes populares no governo aceitam subordinar os interesses populares aos interesses burgueses. Sendo a linha burguesa e neoliberal adotada sob a direção de um partido de origem socialista, cabe dizer que a orientação geral do governo é social-liberal.”
Entre as avaliações sobre o PT, que constam da coletânea, deve-se, aqui, mencionar mais uma, a de Plínio Arruda Sampaio Junior, que em Réquiem ao PT, como o próprio nome sugere, fornece-nos o diagnóstico terminal do partido em questão. Mas, seguindo a tradição socialista, deixa claro que o sentido dessa destruição é indicar o rumo de uma nova construção:
“A ruptura com a tradição de luta em defesa dos trabalhadores obrigou a direção a sufocar o debate democrático. É inútil continuar lutando nas instâncias do partido. O PT é irrecuperável. O tempo do PT acabou, mas o das transformações sociais não. A retomada das lutas populares é mais necessária do que nunca, pois, ao contrário do que diz a propaganda oficial, nada foi feito para enfrentar os problemas responsáveis pelas mazelas do povo. Na realidade, o Brasil entra na terceira década de estagnação econômica e grave crise social.
“Estar livre das amarras do PT é condição necessária para combater o ilusionismo lulista e derrotar a ofensiva neoliberal que acelera o processo de reversão neocolonial e faz avançar a barbárie. Estar fora do PT é condição necessária para começarmos, em franco debate com todas as forças comprometidas com a mudança social, a árdua tarefa de reorganizar a esquerda brasileira.”
2-b – As novas perspectivas
A refundação comunista
Aqui e ali, começam a ser notadas as presenças de representantes do velho PCB, o Partidão, tentando ocupar espaços políticos. Durante muitos anos mantiveram-se numa postura contemplativa meio forçada, sem iniciativas perceptíveis. Perderam muitos militantes (quadros), desde meados dos anos sessenta, com a constatação da total incapacidade de reagir à altura ao golpe militar e, logo a seguir, da falta de respostas efetivas à revolta da juventude estudantil e à contagiante e arriscada alternativa, oferecida pelos agrupamentos armados de esquerda. Sobreviveu, precariamente, à quase fatal onda do eurocomunismo[11], que gerou Partido Popular Socialista (PPS), no Brasil, em 1992.
O texto “É possível uma Refundação Comunista no Brasil?”, do professor de Ciências Políticas, Marcos Del Roio, que pode ser lido na coletânea, parece tentar mexer com a capacidade imaginativa dos interessados. Em seu recente congresso, o PCB escolheu como uma de suas principais diretrizes a construção de uma “frente de esquerda”. Com essa motivação, o PCB levou diversos militantes e participou da mesa, na atividade denominada “Assembléia Popular”, realizada em São Paulo, no dia 9 de julho de 2005. Dias depois, publicava no seu boletim de Campinas-SP, nº. 05, de julho/2005:
“Neste contexto, entendemos que o conjunto dos trabalhadores deve constituir um campo de oposição classista. O PCB propõe a construção de um Bloco de Esquerda, como alternativa de poder popular, que assuma a luta contra ao neoliberalismo, à social democracia e seus aliados.
“Conclamamos as forças populares para a consolidação de uma unidade programática e de ação, que norteie a saída para a crise, na perspectiva do socialismo.”
Ao falar em “oposição classista” e “Bloco de Esquerda”, mas, logo abaixo, em “forças populares”, o PCB não deixa claro se, estando numa nova fase, passou a ter como princípio a independência organizativa de classe dos trabalhadores, o que seria uma ruptura com seu passado stalinista, ou se deixa uma fresta para alianças setores das classes dominantes. No primeiro caso, se colocaria na trajetória, não de uma refundação comunista, mas de uma reestruturação da esquerda, em novas bases estratégicas, táticas e organizativas. No segundo caso, tenderá a se afastar das perspectivas abertas pelas críticas, trazidas pela atual crise política, às formas autoritárias e dogmáticas de relacionamento entre as organizações de esquerda e as sua próprias bases sociais.
A Consulta Popular buscando somar forças para as mudanças
“… Concentraremos os nossos esforços em tarefas multiplicadoras, com destaque para a formação de novos lutadores, o aprofundamento da nossa compreensão teórica e política da crise brasileira, o desenvolvimento de múltiplas formas de comunicação e diálogo com o povo, e o fortalecimento dos movimentos sociais. Prepararemos milhares de militantes para atuarem decisivamente e sem hesitações, junto do povo, quando este decidir tomar em mãos o seu próprio destino.
A Consulta Popular, agora em via de consolidar-se como organização política, considera-se uma parte de um conjunto maior de militantes e lutadores, hoje dispersos, e adotará uma posição cooperativa diante de todas as iniciativas capazes de contribuir para a renovação da esquerda e a refundação do Brasil.
Reafirmamos hoje o compromisso expresso na carta da Assembléia de Lutadores e Lutadoras do Povo realizada em Brasília em 1999: “Estamos construindo uma organização de novo tipo, dirigida para a luta, e cujas marcas são a unidade, a disciplina militante e a fidelidade ao povo. …
A declaração de que se pretende “o desenvolvimento de múltiplas formas de comunicação com o povo, e o fortalecimento dos movimentos sociais”, de que será “uma organização de novo tipo” e terá “fidelidade ao povo”, não garantem a independência organizativa da classe trabalhadora e demais oprimidos sob o capitalismo, além de não chegar a qualquer nova proposta de relacionamento com essas bases sociais, que a Consulta Popular quer como parceiras. Mas a consideração de ser “parte de um conjunto maior de militantes” e “de contribuir para a renovação da esquerda e a refundação do Brasil” inclui esse coletivo nos esforços de elaboração de uma nova proposta para a construção do socialismo no Brasil.
O Programa do Partido Socialismo e Liberdade (P-Sol)
“Este programa estabelece um ponto de partida para a construção de um projeto estratégico, capaz de dar conta das enormes demandas históricas e concretas dos trabalhadores e dos excluídos do nosso país.
“Não se trata, portanto, da imposição de uma receita pré-estabelecida, hermética, fechada, imune às mudanças na realidade objetiva e a experiência viva das lutas sociais do nosso povo. Pois definir seus balizadores iniciais de estratégia e de princípio não significa estabelecer qualquer restrição a constantes atualizações, para melhor compreender e representar as novas demandas populares.
“…………………………………………..
“Criou-se, assim, um novo e histórico momento para o país e para a esquerda socialista que mantém de pé as bandeiras históricas das classes trabalhadoras e oprimidas. Na medida em que o governo Lula acelera a rota para o precipício, abre-se um caminho para uma alternativa de esquerda conseqüente, socialista e democrática, com capacidade de atrair e influenciar setores de massas, e oferecer um canal positivo para os que acreditam em um outro Brasil.”
O compromisso assumido na introdução do programa político desse novo agrupamento, já o define como integrante dos esforços de todos agrupamentos classistas e socialistas para a superação da derrota sofrida pelas esquerdas com a degeneração do PT. A preocupação com um relacionamento mais consistente com os movimentos sociais está no cerne das suas primeiras elaborações.
Todavia, o açodamento, imposto pela tarefa de construir uma alternativa eleitoral ao PT, já em 2006, é temerário e, certamente, criará dúvidas na escaldada maioria oprimida da população. A preocupação é a de que estará a pouco mais de dois anos da sua fundação e não terá feito, coletivamente, um amplo balanço das experiências recentes e uma profunda discussão sobra a estratégia de transformação socialista no Brasil, tanto para não repetir os mesmos erros, quanto para compartilhar com os movimentos e as bases sociais.
O próprio fato de começar sua existência voltado para a participação nas eleições, pode ser um fator de enfraquecimento da sua proposta. Conhecendo de perto o esforço que seus militantes realizam, fica evidente o descuido com muitos aspectos importantes, como a organização da influência das próprias bases partidárias nas decisões mais importantes do agrupamento, as tarefas de formação política dessas bases, a definição de como resolver a precariedade de equipamentos, de materiais e organizativas em geral etc.
A proposta dos Núcleos de Reflexão e Ação Socialistas
“Trata-se de criar coletivos políticos socialistas, nos quais os membros se comprometam a seguir um procedimento formal de consulta prévia a todos os demais membros, antes de tomarem posição diante das questões políticas. Aparentemente não há novidade nisso. Mas a leitura das regras mostrará que o objetivo é realizar um exercício de participação política destinado a explorar, na prática, formas de resolver um problema não resolvido nos vários períodos em que o Brasil procurou institucionalizar regimes democráticos: a discrepância entre a vontade da cidadania e a conduta dos seus representantes nas instituições do Estado. Esse problema estende-se aos partidos políticos, ou seja, à discrepância entre a vontade dos militantes e a conduta da sua direção. O PT não conseguiu resolver essa contradição e isto constitui um dos fatores da crise atual.
“… Não implica, contudo, numa opção partidária, uma vez que não há delegação de poderes de representação. Pode-se militar em um partido e ser membro de um Núcleo. …
“………………………………………………
“6. Recusam qualquer forma de voluntarismo e de vanguardismo. Acreditam que nada pode substituir os trabalhadores como agentes da transformação social. Têm ainda a convicção plena de que os trabalhadores brasileiros conseguirão superar os obstáculos que se opõem ao seu pleno desenvolvimento econômico, social, político e cultural e farão do Brasil um parceiro importante na luta dos povos por uma sociedade mundial justa e humana.”
O avanço dessa proposta depende, totalmente, do amadurecimento, que a esquerda pode acumular no Brasil, inclusive com a atual crise política. O próprio método de funcionamento interno colocado está em interação com a proposta de relacionamento com as bases sociais, sem as quais não considera possível a transformação socialista da sociedade. Todavia, até para articular a esquerda em franca fragmentação, com muitos militantes dispersos e dezenas de pequenos e médios agrupamentos, é preciso ter alguma estrutura. As experiências organizativas fracassadas e dolorosas para a esquerda não podem torná-la incapaz de construir qualquer tipo de estrutura de funcionamento.
Neste momento, os Núcleos não querem se transformar num partido ou outra forma organizativa mais cristalizada. Existem pré-requisitos para esta opção. Então, é necessário desenvolver formas organizativas não verticalizadas, sem hierarquias, voltadas para o cumprimento das tarefas indispensáveis e com duração limitada a essas tarefas, que não demandem poder, nem centralização e cuja única segurança, que possam fornecer, seja a de garantir que estejamos caminhando na direção dos nossos objetivos. Quais as tarefas indispensáveis? Na verdade, estão mencionadas no primeiro parágrafo do presente trabalho. Executá-las é a própria razão de ser dos Núcleos de Reflexão e Ação Socialista.
Quando o Agrupamento dos Núcleos Socialistas foi capaz de gerar uma proposta de avanço da unidade das esquerdas para encontrarem o seu caminho de superação da atual crise política, o evento chamado de “Plenária Popular”, acabou assumindo um compromisso de avançar na sua proposta, pois provou ter um papel a cumprir muito maior do que sua capacidade atual lhe permite.
3- Direção sem imposição: influência recíproca, programa e mobilização
O principal instrumento político, tanto para a aglutinação de militantes e aproximação entre agrupamentos políticos, quanto para influenciar os movimentos e bases sociais é o programa. O programa político não é um trabalho intelectual de alguém, em frente a uma mesa ou a um computador. Na confecção do programa estará refletida, além da visão estratégica para a transformação socialista, a metodologia de entendimento da realidade, de elaboração política, de relacionamento com a parcela da população – com a qual se identifica – e de construção organizativa dos respectivos agrupamentos.
Mais do que a síntese histórica da experiência dos trabalhadores e demais setores explorados e oprimidos da sociedade, o programa político deve ser, também, o resultado de um profundo processo de influência recíproca entre as bases sociais e sua(s) direção(ões) política(s) reconhecida(s). Com essa reciprocidade estarão criadas as condições para o acesso aos elementos, necessários à elaboração e constantes correções/atualizações das diretrizes políticas, componentes do programa(s), elaborado(s) pelos agrupamentos políticos da esquerda socialista.
Na verdade, uma das tarefas centrais dos agrupamentos políticos é a de comporem centros elaboradores de propostas políticas. Conseqüentemente, é o grau de interação desses agrupamentos com as bases sociais que determinará o papel dirigente ou não dos mesmos. Não basta reunir militantes e ter um programa político. É preciso falar a linguagem da população explorada e oprimida e traduzir suas necessidades e aspirações, de modo a se identificarem com as propostas agitadas e se mobilizarem para conquistá-las.
É necessária uma busca permanente das direções políticas pelas ações adequadas do movimento social, nos momentos históricos corretos. Nisso se complementam a construção da organização política dos trabalhadores e seus aliados, estratégia de construção do socialismo e programa político, redundando na mobilização da maioria explorada e oprimida da sociedade pelos seus interesses imediatos e históricos. Direção e base social fazem parte de um único todo. Não há, aí, relações de submissão e, muito menos, confusão entre os papéis. Esta característica pode ser observada nos momentos de ascenso ou de descenso do movimento social.
Mesmo com as eventuais reservas, que se possa ter quanto ao pensamento dos dirigentes da revolução russa de 1917, a experiência de Leon Trotski pode nos ajudar a entender a direção como apenas uma parte, apesar de indispensável, do movimento social transformador:
“A vitória do movimento de outubro é um testemunho valioso da “maturidade” do proletariado. Mas essa maturidade é relativa. Poucos anos depois, esse mesmo proletariado permitiu que a revolução fosse estrangulada por uma burocracia surgida de suas próprias fileiras. A vitória, de nenhum modo, é fruto maduro da “maturidade” do proletariado. A vitória é uma tarefa estratégica. É necessário aproveitar as condições favoráveis que uma crise revolucionária oferece para mobilizar as massas; tomando como ponto de partida o nível de sua “maturidade”, é necessário impulsiona-las para frente, fazê-las compreender que o inimigo não é de maneira nenhuma onipotente, que ele está dilacerado por suas contradições e que,por trás de sua imponente fachada, reina o pânico. Se o Partido Bolchevique tivesse fracassado nesta tarefa, não se poderia nem falar no triunfo da revolução proletária. Os sovietes teriam sido esmagados pela contra-revolução e os minúsculos sábios de todos os países teriam escrito artigos e livros dizendo que só visionários sem fundamento poderiam sonhar com a ditadura do proletariado na Rússia, sendo a classe operária, como era, tão pequena numericamente e tão imatura.”[12]
No Brasil, como vimos, as experiências das organizações políticas de esquerda começaram pelos determinismo e autoritarismo stalinistas, que visavam submeter os trabalhadores e demais setores da população explorada e oprimida à sua orientação; passaram pelo vanguardismo voluntarista dos agrupamentos da esquerda armada, alguns pretendendo multiplicarem-se através dos seus exemplos; e chegaram às “gestões participativas”, puxadas pelo PT, cujos principais dirigentes históricos fizeram-no abandonar as suas bases sociais no meio do caminho, aproximando-o, na prática, do capital financeiro e do grande capital nacional e internacional, além de utilizar-se da corrupção secular, incrustada no Estado Capitalista, inviabilizando o atendimento das demandas populares.
Cabe, agora, aos antigos militantes, que permaneceram na esquerda, e à militância emergente fazer com que o período, que se inicia, seja o de agrupamento(s) socialista(s) que saibam como agir em interação com os movimentos e bases sociais.
4- Pensar uma estratégia possível para a transformação socialista no Brasil
O fato de, agora, no ano de 2005, o socialismo ainda não ser uma demanda imediata da população explorada e oprimida no Brasil denuncia a existência de obstáculos a serem superados. Isso não significa que, antes de lutarmos diretamente pelo socialismo, teremos que contemplar as demandas imediatas dessa população. Esta situação define que a luta pelo socialismo no Brasil terá que se dar combinada à luta por emprego, por melhores salários, pela reforma agrária, por melhores condições de vida em geral para a maioria da população.
Na verdade, reverter o processo de exclusão de parte significativa e crescente da população é tarefa inseparável da luta pelo socialismo, pois só contendo o ritmo de acumulação de riquezas imposto pelo neoliberalismo é que se alcançará a melhoria das condições em que vive a mencionada maioria. Mas, essa luta está longe de ser uma luta linear, em que inexistam meandros, avanços e recuos, utilização de diversas táticas e, até, estratégias simultâneas para se aproximar dos objetivos definidos. Para começar, sabemos que a reação será, sempre, sem tréguas. Para os partidos de direita e para os capitalistas, qualquer mudança pode atrapalhar os seus planos de concentração crescente de rendas.
Cada vez mais as lutas econômicas, específicas, cotidianas das categorias profissionais, dos moradores de bairros pobres, dos ambientalistas, das mulheres, dos negros, dos portadores de necessidades especiais, dos homossexuais, combinam-se na busca do ideário socialista: pela igualdade para desfrutar as riquezas socialmente produzidas; por uma organização dinâmica da sociedade, que garanta a sobrevivência adequada de todos e preserve os direitos das minorias e das escolhas individuais; por um desenvolvimento ambientalmente sustentável, que defina os parâmetros das opções para o crescimento econômico.
O neoliberalismo e a atual crise geral do sistema capitalista geraram uma quantidade enorme de excluídos da sociedade. Frente a isso, a esquerda socialista se vê obrigada a definir uma alternativa específica para os(as) excluídos(as) e a trabalhar uma nova estratégia de transformação, que se combine a outras. Priorizando, sempre, a mobilização social, não se poderá abandonar a recorrente luta de acumulação de forças, que Gramsci chamou de luta de posições, isto é, a luta pelos diversos postos de poder disseminados pela sociedade, de pequenas associações de bairro e pequenos sindicatos a cargos do poder executivo, quando isso for conveniente.
Com certeza, podem ser pensadas diversas estratégias para a transformação socialista da sociedade brasileira. A análise da realidade atual, o acúmulo político ao alcance da esquerda socialista e os meios oferecidos pela chamada “economia solidária”, cooperativas de cooperados, pequenas e micros empresas, o trabalho artesanal e/ou autônomo individual, permitem pensar, por exemplo, na possibilidade da criação de uma economia paralela à tradicional, paralela à concentração dos grandes capitais e do capital financeiro.
Aprofundando o exemplo, podemos desenvolver o seguinte raciocínio: há muito tempo, os teóricos dos processos de transição para o socialismo estudam o surgimento de uma dualidade de poder. Agora, com o advento do neoliberalismo e da exclusão em massa, tem-se que ir além, talvez oferecendo a essa massa excluída a alternativa de uma sociedade paralela, com sua própria economia (produção, distribuição, moeda, bancos, regras, planejamento), com uma estrutura social igualitária e solidária e com uma rede de canais de poder, forçosamente descentralizado e participativo.
Desde logo, sabemos que os pontos de contato dessa nova com a sociedade tradicional teriam que fazer parte do seu planejamento e nunca tratados como tabu. De pronto, a sociedade paralela aliviaria as pressões de oferta no mercado de empregos da economia tradicional, criando-lhe dificuldades para o rebaixamento de salários. Em breve, também, se notaria a necessidade de adquirir produtos, não supridos pela própria capacidade de diversificar a produção, a curto prazo, com as conseqüentes dificuldades para a conversão monetária.
Esses e outros problemas teriam que ser administrados, além, é claro, dos obstáculos legais, da retaliação comercial e diversos boicotes, que a velha sociedade, que gerou a própria economia informal, imporia a uma sociedade paralela.
Assim, teríamos duas estruturas concorrentes e uma nova dualidade de poder, onde o novo pólo externo de poder se combinaria ao pólo interno de oposição ao sistema tradicional. Com o amadurecimento desse processo, o Estado conservador, se veria acossado por dentro e por fora, num cerco que iria se fechando. Evidentemente, um processo de tal magnitude e complexidade, tornaria indispensável a existência de organizações políticas implantadas nas duas estruturas e com forte sentido estratégico. Nesse processo não haveria espaço, em momento algum, para a perda de vínculos com os movimentos e bases sociais, que, ao mesmo tempo, definiriam cada passo a ser dado e seriam os protagonistas da ação.
Como se vê, há muito, ainda para se pensar no que diz respeito às estratégias de luta pelo socialismo no Brasil, à metodologia adequada para os agrupamentos de esquerda socialista relacionarem-se com os movimentos e bases sociais e à estrutura correspondente, que essas agremiações devem adotar para atingir seus objetivos. A coletânea, a seguir, foi feita com a intenção de se trazer mais um pouco de luz para essas discussões.
Pequena Coletânea de Trechos de Entrevistas,
Depoimentos e Textos sobre a História da Esquerda no Brasil.
Manifesto do Partido Comunista (1848)[13]
Karl Marx e
Friedrich Engels
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… A concorrência crescente dos burgueses entre si e as crises comerciais que dai resultam tornam o salário dos operários sempre mais instável. O aperfeiçoamento incessante e sempre mais rápido do maquinismo torna sua situação cada vez mais precária. Cada vez mais, conflitos isolados entre operários e burgueses assumem o caráter de conflitos entre duas classes. Os operários começam por formar coalizões contra os burgueses; unem-se para defender seu salário. Chegam até a fundar associações duradouras para se premunirem em caso de sublevações eventuais. Aqui e ali, a luta transforma-se em motins.
De vez em quando, os operários triunfam, mas sua vitória é passageira. O resultado verdadeiro de suas lutas não é o sucesso imediato, mas a extensão sempre maior da união dos operários. Esta é favorecida pelo crescimento dos meios de comunicação, criados pela grande indústria, que colocam em contato operários de diferentes localidades. Basta apenas esse contato para centralizar as inúmeras lutas locais – que têm em toda parte o mesmo caráter – em uma luta nacional, em uma luta de classes. Mas toda luta de classes é uma luta política. E a união, que exigiu séculos dos burgueses da Idade Média, com seus caminhos vicinais, os proletários modernos realizam-na em poucos anos com a ferrovia.
Essa organização dos proletários em classe e, assim, em partido político, é rompida a cada instante pela concorrência entre os próprios operários. Mas renasce sempre mais forte, sempre mais sólida, sempre mais poderosa. Aproveita-se das divisões internas da burguesia para forçá-la a reconhecer, sob forma de leis, certos interesses particulares dos operários. Por exemplo, a lei da jornada de dez horas na Inglaterra.
Em geral, os conflitos da velha sociedade favorecem, de várias maneiras, o desenvolvimento do proletariado. A burguesia vive engajada numa luta permanente: no início, contra a aristocracia; depois, contra setores da própria burguesia, cujos interesses entram em conflito com o progresso da indústria; e permanentemente, contra a burguesia de todos os países estrangeiros. Em todas essas lutas, vê-se constrangida a apelar para o proletariado, a pedir sua adesão e, desse modo, a impeli-lo para o movimento político. Portanto, ela própria fornece ao proletariado os elementos de sua própria formação, ou seja, armas contra si mesma.
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Proletários de todos os países, uni-vos !
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Cicone, Reinaldo Barros Da Intenção ao Gesto: Um Olhar Gramsciano sobre a Possibilidade de Integração do PT à Ordem Cópia da Dissertação de Mestrado, Apresentada na Universidade Estadual de Campinas – Unicamp – Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, em maio de 1995
Da Intenção ao Gesto;
Um Olhar Gramsciano sobre a possibilidade
De integração do PT à ordem.
Reinaldo Barros Cicone[14]
INTRODUÇÃO
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Gramsci nos ensina que através da história de um partido podemos estudar toda uma sociedade. …
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CAPÍTULO I – O PARTIDO EM GRAMSCI
Nas sociedades modernas, segundo Gramsci[15], o moderno príncipe seria o partido político. Se no caso da Itália do século XVI, o Príncipe imaginado e desejado por Maquiavel deveria organizar e integrar seu país, o moderno príncipe gramsciano deveria ser encarado como um partido que tornasses possível a emancipação dos trabalhadores, isto é, que tivesse a vocação para transformar-se em um novo tipo de Estado.
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É através do Estado, entendido então como conjunto de atividades e organismos educativos e coercitivos, que a classe dominante tenta conseguir o consentimento ativo dos dominados, isto é, que a classe dominante eleva o nível cultural e intelectual das massas de acordo com os seus princípios ou, numa palavra, é através do Estado que a burguesia constrói sua hegemonia. A construção de uma nova concepção de mundo (Weltanschauung) torna-se então equivalente à construção de uma nova classe dirigente e de um novo Estado. Ou melhor dito, são um único e mesmo processo.
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… Em outras palavras, é necessário construir uma nova hegemonia, a das classes trabalhadoras, ainda no interior da sociedade burguesa. Trata-se, portanto, da libertação das “forças produtivas proletárias e comunistas que vinham sendo elaboradas no próprio seio da sociedade dominada pela classe capitalista.”
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Os partidos (e os sindicatos) são academias das classes trabalhadoras, isto é os organismos através dos quais os trabalhadores podem tornar-se dirigentes. Esta preparação é fundamental , uma vez que o Estado não pode ser improvisado, ao contrário, deve ser cotidianamente pensado e elaborado pelos trabalhadores. O partido deve lutar para tornar-se um Estado de transição, que deseja a extinção das classes e a sua própria extinção.
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Cabe a ele a tarefa de estimular e organizar vontades desconexas. É agente educador, centralizador e coordenador das demais forças da sociedade a fim de atingir os objetivos determinados. Deve, portanto, tratar das questões mais amplas, gerais e de longo prazo das classes, não se limitando às lutas imediatas e quase sempre corporativas. Precisa demonstrar a viabilidade das suas propostas, e a relação delas com a materialidade. Que a partir delas pode-se construir uma nova sociedade. Feito isso, torna-se possível, no imaginário dos trabalhadores, lutar para transformarem-se em classe dirigente, transformando a democracia burguesa numa democracia efetiva, dos trabalhadores.
Finalmente, o partido não deve e não pode esperar que as condições de destruição do Estado estejam dadas, isto é, que a conjuntura e torne favorável, para que ele inicie o seu trabalho. Ao contrário, deve suscitar, organizar e preparara vontade de destruir o Estado capitalista e, ainda no seu interior, iniciar a construção do novo Estado e da nova sociedade.
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Por uma história da esquerda
Brasileira*
Maria Paula Nascimento Araújo[16]
Eleger a esquerda como objeto de estudo me remeteu a uma questão que é unanimemente vista como delicada pelos historiadores: a paixão. Ou mais claramente, o envolvimento apaixonado com o objeto de estudo.
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… A escola marxista inglesa, a perspectiva de uma “história vista de baixo”, a história política renovada, a História Oral e a História do Tempo Presente foram as correntes que me forneceram os necessários subsídios para a construção do meu tema como um tema relevante e significativo no sentido historiográfico (sem precisar despi-lo de sua dimensão pessoal e passional).
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Um dos bons exemplos de que pode ser fecunda e produtiva a ligação entre a militância política e a atividade intelectual e acadêmica foi dado por um grupo de historiadores ingleses vinculados ao Partido Comunista Britânico. Este grupo era composto por nomes que se tornaram, ao longo do século XX, alguns dos mais renomados historiadores ingleses: E.P. Thompson, Eric Hobsbawm, Christopher Hill, Rodney Hilton, George Rudé, Dorothy Thompson, Royden Harrison. Vale lembrar também Maurice Dobb e DonaTorr, já falecidos mas lembrados e respeitados pelo conjunto do grupo, como “precursores”.
Este conjunto de historiadores constituía, efetivamente, um “grupo”: The Communist Party Historians’ Group (o Grupo de Historiadores do Partido Comunista). Este Grupo, que se formou logo após a II Guerra Mundial, no início da Guerra Fria, em torno de 1946, teve enorme influência no desenvolvimento da historiografia marxista e da historiografia inglesa de forma geral. Em 1956, com a divulgação do Relatório Khurshev sobre os crimes de Stalin, muitos intelectuais, e alguns historiadores do Grupo, como Christopher Hill, deixaram o Partido Comunista Britânico. Mas não romperam os laços com o Grupo. Nem com o marxismo. Ao contrário do que sucedeu em outros países — onde o rompimento com o Partido Comunista levou muitos intelectuais a romperem com o marxismo (notadamente na França) —, este grupo de historiadores ingleses manteve os laços de ligação entre eles e com o marxismo. Mais do que isso, o Grupo passou a desenvolver uma visão específica da análise marxista aplicada à História.
Procurando construir um marxismo não economicista, não determinista, que enfatizava a política, a cultura e a luta de classes como motor da História em detrimento de interpretações exclusivamente centradas no aspecto econômico. Esta postura teórica se expressou numa série de trabalhos históricos que mobilizavam uma enorme massa documental e que significou, como já dissemos, uma grande contribuição tanto para a historiografia inglesa quanto para a historiografia marxista. A partir desta prática do Grupo se criou a referência, conhecida internacionalmente pelos historiadores, da Escola Marxista Inglesa, trazendo a noção de um marxismo diferenciado, não ortodoxo, aplicado à pesquisa histórica. Os historiadores do Grupo trouxeram novas interpretações, novos objetos e novos personagens para a historiografia inglesa.
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A classe acontece quando alguns homens, como resultado de experiências comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se opõem) dos seus. A experiência de classe é determinada, em grande medida, pelas relações de produção em que os homens nasceram — ou entraram involuntariamente. A consciência de classe é a forma como essas experiências são tratadas em termos culturais: encarnadas em tradições, sistemas de valores, idéias e formas institucionais.7
Para Thompson, a classe não é um dado a priori, não é um conceito estático nem mesmo uma categoria que possa ser depreendida a partir de uma única referência. Para ele, a idéia de classe remete a uma relação — histórica, social, cultural. Mas ela é sempre produto de um processo interativo. A classe, para ele, é construção. Esta forma de conceber a idéia de classe social difere bastante do marxismo vulgar para quem a classe era vista, de forma geral, como uma decorrência direta e exclusiva da esfera da produção. Esta nova forma de conceber a questão tinha enorme efeito libertador já que permitia ver, ao lado da posição econômica, uma série de outros aspectos — a cultura, a arte, as práticas cotidianas, as relações de sociabilidade, de vizinhança, os embates políticos diários, as opções pessoais, a produção artística, os laços de solidariedade construídos, enfim, uma gama de aspectos que iam muito além da mera posição econômica.
A fonte de inspiração para este conceito de classe, assumida pelo próprio Thompson, é o marxismo de Gramsci. A teoria gramsciana, esboçada principalmente no livro Os intelectuais e a organização da cultura,8 já apontava para um marxismo distante dos reducionismos economicistas e já valorizava o processo histórico, os aspectos culturais, as interações sociais e, sobretudo, a luta política como elemento definidor central (muito superior à posição na esfera produtiva). Este marxismo permeado de historicidade, de cultura e de política, da idéia de processo, de construção e de interação social traça uma linha (não necessariamente reta) de ligação entre o pensamento de Gramsci e a obra de Thompson. Tanto para um como para outro, a classe é construída num processo histórico, marcado por opções políticas tomadas por sujeitos que são artífices atuantes de seus próprios destinos.
O outro grande historiador do “Grupo” — e provavelmente o mais famoso internacionalmente, inclusive fora do circuito acadêmico, é Eric Hobsbawm. Não é meu objetivo aqui, neste pequeno artigo, analisar a vastíssima obra deste autor, mas apenas destacar a sua importância como referência para uma história dos movimentos e das idéias de esquerda.
Os livros de Hobsbawan foram campeões de venda, lidos não apenas por professores e estudantes de história de todos os países mas também por um público inteiramente leigo. No Brasil, onde foi publicado primeiro pela editora Paz e Terra e, depois, pela Companhia das Letras, seus livros tiveram enorme repercussão. A era do capital, A era das revoluções, A era dos extremos, Revolucionários, Os trabalhadores, Sobre História e a portentosa coleção por ele organizada, História do Marxismo, entre outros títulos, tiveram ampla aceitação e circulação entre leitores brasileiros, ao longo das décadas de 1970, 80 e 90.
… Mais do que isso: a Escola Inglesa ensinou a importância da “batalha das idéias”; a necessidade de se reservar, na narrativa histórica, um espaço de destaque para as concepções políticas e ideológicas, os valores culturais, as práticas políticas e cotidianas, os debates teóricos, os confrontos entre diferentes proposições, tanto as gerais quanto as particulares. Somente com esta perspectiva a História — e sobretudo a História Política — ganha corpo, forma, alma, cor e voz.
Uma outra corrente que valorizava a luta cotidiana dos povos, enfocando principalmente as classes populares, é a chamada “história vista de baixo” — que, em certo sentido, é um produto da Escola Marxista Inglesa. A expressão “history from below” foi criada por E. P. Thompson num artigo publicado em 1966 no suplemento literário do The Times.
Num artigo já clássico para professores e estudantes de História, Jim Sharp9 nos dá uma bela definição da “história vista de baixo”, a partir da correspondência do soldado William Wheeler, da 51a Infantaria Britânica que lutou na batalha de Waterloo. As cartas de Wheeler para sua esposa relatam a batalha do ponto de vista do soldado raso: “(…) a experiência de suportar o fogo da artilharia francesa, seu regimento destruindo um corpo de couraceiros inimigos com uma rajada de tiros, o espetáculo de montes de corpos queimados de soldados britânicos nas ruínas do castelo de Hougoumont, o dinheiro saqueado de um oficial hussardo francês, alvejado por um membro do destacamento a cargo de Wheeler”.10
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Nosso objeto de estudo — práticas e representações de grupos, movimentos, partidos e organizações de esquerda — se situa no mundo contemporâneo…. O historiador que se volta para estudar os movimentos populares de contestação no mundo contemporâneo deve estar atento para esta circularidade, para esta interpenetração de elementos culturais diversos que vão da elite para as camadas populares e vice-versa.
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… O terreno da cultura para Gramsci é um terreno de luta política, de disputa por valores, visões de mundo, conceitos éticos e padrões de comportamento. É no terreno da cultura que os diferentes grupos sociais disputam a hegemonia. Se a cultura não é o espaço essencial desta disputa é, sem dúvida, um dos mais importantes. Assim, uma história da esquerda brasileira teria que levar necessariamente em conta este campo de disputas e conflitos e entender as posturas, práticas, imagens e representações produzidas pela esquerda como frutos deste processo.
Um outro grupo de correntes historiográficas, desenvolvidas nos últimos anos, vem contribuindo para a valorização de pesquisas sobre movimentos, partidos, idéias, experiências e personagens da esquerda contemporânea. Deste grupo fazem parte a História Oral, o estudo de trajetórias de vida, a História do Tempo Presente e o que se convencionou chamar de “história política renovada”.
A História Oral e “histórias de vida”
Os historiadores, nas últimas décadas, têm se utilizado, em larga medida, de determinados procedimentos de pesquisa que antes lhes eram, de certa forma, vedados: entrevistas, relatos autobiográficos, depoimentos pessoais, histórias de vida etc. Estas técnicas de pesquisa, até os anos 1970, eram recursos específicos de antropólogos em seus trabalhos de campo. Nos últimos anos, no entanto, elas têm contribuído, indistintamente, para historiadores, sociólogos, antropólogos, cientistas políticos e outros pesquisadores criando um campo interdisciplinar. Um campo fecundo que busca compreender o homem em sua dimensão social e histórica a partir de seu relato vivo, sua memória e sua oralidade.
Se antropólogos e sociólogos já estavam mais afeitos a estas técnicas, elas significaram, para o historiador, uma grande novidade. Acostumados a trabalhar com os “mortos” e seus registros, os historiadores passaram a poder trabalhar com os “vivos”. E a organizar, para a posteridade, os registros destes personagens ainda vivos — na forma de gravações de entrevistas e depoimentos. Um novo tipo de acervo começou a ser criado nas universidades e centros de estudos históricos: os acervos de História Oral.14
A História Oral se cruza, muito freqüentemente, com as histórias de vida, com as análises de trajetórias e com as biografias coletivas. O casamento entre História Oral e histórias de vida vem se mostrando dos mais fecundos para a pesquisa histórica. Ele permite a valorização da oralidade como fonte, como registro e como linguagem — com o mesmo status da linguagem escrita. Ele permite um mergulho na vida cotidiana e privada das pessoas do grupo ou da comunidade estudada, tornando possível, ao historiador, estabelecer uma relação entre a História e os caminhos de vida de pessoas reais num determinado momento, num dado lugar. É importante lembrar, no entanto, que a “história de vida” apresenta algumas armadilhas para o pesquisador que a utiliza como fonte e narrativa. Bourdieu faz este alerta num artigo intitulado, muito à propósito, “A ilusão biográfica”.15
A entrevista que recompõe a história de vida (“récit de vie”) organiza a vida como uma história, segundo uma ordem cronológica, com princípio, meio e fim bem definidos e, quase sempre, com um sentido, um objetivo claro. Ora, as vidas humanas raramente têm esta organização, este sentido claro, esta racionalidade… Ou seja, uma trajetória (noção que substituiria a idéia de “história de vida”) só pode ser compreendida a partir de um quadro de interações sociais. A trajetória de um indivíduo é avaliada a partir do confronto com outros indivíduos num determinado momento e contexto (o conceito de “campo” em Bourdieu).
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Uma História do Tempo Presente
Assim como a barreira em relação às fontes orais foi vencida, uma outra barreira foi superada pelos historiadores nos últimos anos: a da contemporaneidade. Em certa medida, estas duas questões (contemporaneidade e fontes orais) estão relacionadas: a reintegração do tempo presente na História valoriza o testemunho direto, o depoimento da experiência pessoal, o resgate da memória individual e coletiva em torno de episódios históricos.
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O historiador do tempo presente “contemporâneo ao seu objeto, partilha com aqueles cuja história ele narra as mesmas categorias essenciais, as mesmas referências fundamentais”18 podendo portanto superar a descontinuidade que costuma existir entre o universo intelectual, afetivo e psíquico do historiador e dos homens e das mulheres cujas vidas ele narra, escapando do perigo do anacronismo. Alem disso, a história do tempo presente representa o último golpe numa concepção historiográfica sedimentada na idéia de imparcialidade, pura objetividade, narrativa distanciada; ou seja, na crença “positivista” de uma história isenta de subjetividade.
A história do tempo presente reconhece o historiador comprometido com seu tempo, com as questões do seu tempo. Reconhece seu engajamento pessoal, sua paixão. E justamente por isso torna crucial a questão da verdade. Não uma verdade pretensamente objetiva e imparcial (e por isso “científica”). Mas a busca da verdade como compromisso ético moral do historiador. Ele sabe que a verdade “total”, pura, cristalina é impossível de ser atingida. O historiador chega a “retalhos” de verdade, pedaços parciais. Mas a busca por esta verdade — que ele sabe que, de certa forma, nunca será atingida — é o que o move e o faz estar atento a qualquer forma de manipulação da narrativa histórica. Não apenas do passado, mas também do presente.
A motivação inicial da história do tempo presente (que, em muitos aspectos, também se verificou em relação à história oral) foi a necessidade de resgatar para a História algumas experiências ainda recentes, extremamente importantes, mas com pouca documentação disponível. Urgia criar e organizar a documentação referente a estas experiências, que necessariamente não passariam por registros oficiais. Entre outras, uma boa parte da experiência histórica da II Guerra Mundial relativa ao holocausto, à resistência antifascista, às vivências de grupos minoritários (como ciganos e homossexuais). Assim como também (e neste aspecto a História do Tempo Presente se vinculou à perspectiva da “história vista de baixo”), a necessidade de registrar a experiência histórica dos trabalhadores em seus movimentos grevistas ou comunitários.
No Brasil — e na América Latina de forma geral — um dos grandes temas da história do tempo presente tem sido o estudo das ditaduras militares no continente, na segunda metade do século XX: as diversas formas de repressão política, a experiência das esquerdas e das lutas populares de resistência, os processos de redemocratização e as diferentes experiências de reconstrução da institucionalidade democrática nestes países.
A história política renovada
Durante muitos anos, a história política foi identificada como “factual, subjetivista, psicologizante, idealista”19 Centrada nos grandes nomes, nos grandes eventos, tecida em torno de fatos e datas. Na historiografia inglesa a recuperação da história política se deu, como já discutimos neste artigo, através do empenho da Escola Marxista Inglesa que incorporou o tema das massas, das seitas populares, dos camponeses, dos trabalhadores, dos movimentos de esquerda e do marxismo, produzindo uma história política muito distante do paradigma rankeano.20
Na historiografia francesa esta recuperação se deu através de um grupo de historiadores que encetou um movimento intelectual de valorização e resgate da história política. À frente do grupo, René Rémond. A obra que é praticamente o manifesto do grupo se chama, justamente, “Por uma História Política”. Para Rémond, o vigoroso retorno da história política nas últimas décadas teria relação com algumas características do cenário internacional contemporâneo: a experiência das guerras, a pressão das relações internacionais, o desenvolvimento das políticas públicas sugerindo uma nova relação entre economia e política, as discussões em torno das atribuições do Estado, as demandas da opinião pública — tudo isso teria contribuído para “dar crédito à idéia de que o político tinha uma consistência própria e dispunha mesmo de uma certa autonomia em relação aos outros componentes da realidade social”21
Para René Rémond, esta nova história política trazia consigo novos temas e novos objetos: eleições e comportamento eleitoral, mídia, opinião pública, intelectuais, a relação entre religião e política, partidos e associações. Esta história política renovada teria também, como característica essencial, a interdisciplinaridade. De fato, a renovação da história política foi grandemente estimulada pelo contato com outras ciências sociais e pelas trocas com outras disciplinas. (…) É impossível para a história política praticar o isolamento: ciência — encruzilhada, a pluridisciplinaridade é para ela como o ar de que ela precisa para respirar.22
É no interior do campo teórico e metodológico criado pelo cruzamento destas diferentes correntes historiográficas que se situa a história da esquerda brasileira. Valorizada pela perspectiva da História do Tempo Presente, tendo como tema principal a resistência à ditadura militar levada a cabo por movimentos populares e grupos e partidos clandestinos de esquerda; recolhendo depoimentos e organizando acervos orais com entrevistas e testemunhos de militantes políticos; trabalhando com disciplinas afins como a sociologia e a ciência política; recuperando a experiência de grupos radicais e extremistas; resgatando idéias e propostas de partidos e organizações, de movimentos alternativos como o movimento feminista e os movimentos negros; recuperando imagens e representações destes grupos; levantando uma volumosa massa documental que inclui publicações da chamada “imprensa alternativa”, jornais clandestinos, panfletos; levantando a memória de militantes de uma série de partidos e organizações políticas que viveram praticamente toda a sua existência em regime de clandestinidade; revelando trajetórias de vida e biografias fortemente marcadas pelo confronto com a repressão e a violência do regime militar.
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De uma forma geral — e sem ter a vã pretensão de esgotar o tema — estes são os elementos gerais que norteiam, a meu ver, uma discussão sobre a história da esquerda brasileira. Uma história onde ainda há muito por fazer, isto é, muitos arquivos a serem levantados, muitas questões a serem definidas, muitos temas a serem trabalhados, muitos fantasmas a serem superados, muitos pontos a serem esclarecidos, mas também inúmeras e belas experiências a serem resgatadas para as futuras gerações. Porque, afinal de contas, a história da esquerda — no Brasil e no mundo — é também a história de uma paixão. Uma paixão capaz de mover homens e mulheres na tentativa de mudança e de transformação das sociedades em que vivem.
Notas
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7 Thompson, E. P. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. Vol I, p. 10.
8 Gramsci, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 1982.
10 Sharp, Jim. A História vista de baixo. In Burke, Peter (Org.). A escrita da História. São Paulo: UNESP, 1992. p. 40.
14 No Brasil, o Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getulio Vargas (CPDOC/FGV) foi pioneiro neste trabalho criando, na década de 1970, um setor de História Oral. A partir daí, outros centros deste tipo têm sido criados junto a universidades e instituições de pesquisa: arquivos de memória, acervos de entrevistas etc. Um tipo de documentação que se expressa na oralidade e que se registra pela fita de gravador (mais recentemente, também, pela fita de vídeo). Nossa linha de pesquisa vem organizando o acervo “Memórias de Esquerda”.
15 Bourdieu, Pierre. L’illusion biographique. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, juin, 1986. Reproduzido no livro Usos e abusos da História Oral, já citado.
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18 Ferreira, Marieta e Amado, Janaína. Usos e abusos da História Oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996
19 Rémond, René. Por uma História Política. Rio de Janeiro: UFRJ/FGV, 1996. p. 18.
20 Por “paradigma rankeano” entende-se o paradigma tradicional da história desenvolvido e sintetizado por Leopold von Ranke: a história como uma visão “de cima”: os grandes feitos de grandes homens; o estudo da vida de monarcas, estadistas, generais e sempre baseada em documentos escritos.
21 Rémond, René Op.cit. p. 23.
22 Idem. p. 29.
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Período Anterior a 1920
(Trabalho feito em 1995 com finalidades
para-didáticas, ainda não publicado)
para compreender
OS SINDICATOS NO BRASIL
Waldemar Rossi[17] e
William Jorge Gerab
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1-3- AS PRIMEIRAS LUTAS
A nova classe operária não sabe como resistir, a não ser individualmente, pela revolta ou pela bajulação visando minorar seus sofrimentos. As revoltas são punidas pelas demissões, não apenas dos revoltosos, mas de todas as suas famílias. Os bajuladores sofrem humilhações.
Depois de anos de exploração, começam a surgir as primeiras resistências organizadas; fruto da influência dos ideais socialistas e libertários, que proliferavam cada vez mais pela Europa e que levaram, entre outros acontecimentos, à Comuna de Paris em 1871 e, mais tarde, à Revolução Russa de 1917.
As pequenas lutas organizadas, com a paralisação das fábricas e casos de quebra-quebra das máquinas levam a muitas pequenas vitórias. A nova classe burguesa entretanto se organiza para se contrapor aos agrupamentos dos trabalhadores, impondo-lhes novas derrotas. Por exemplo: o trabalhador demitido é denunciado às empresas da região que passam a negar-lhe trabalho.
Isso obriga a novos avanços da organização dos trabalhadores. Das pequenas organizações, isoladas nas fábricas, passam a surgir organizações inter-fábricas dando origem, ao longo do tempo, ao surgimento do Sindicato que, coordena e comanda as organizações fabris em sua luta contra a exploração patronal. Esse processo ganha corpo em pleno século XIX.
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1-4- SURGIMENTO DO SINDICALISMO NO BRASIL
Em relação ao movimento sindical europeu, o Brasil tem, pelo menos, cem anos de distância. Até fins do século XIX nossa produção era, quase que somente, agrícola – voltada para a exportação de açúcar, café, tabaco, ouro etc..
A Inglaterra dominava o comércio internacional e impedia a implantação de indústrias no Brasil, cujos produtos agrícolas adquiriam, também, através da troca de ferramentas e outros utensílios, produzidos por suas indústrias. No Brasil existiam apenas oficinas de conserto ou produção artesanal.
A proibição do tráfico internacional de escravos e o fim da escravidão, no Brasil, forneceriam alguns dos elementos necessários para o início da industrialização brasileira. Essas e outras mudanças no cenário internacional movem os fazendeiros a aplicar o dinheiro que usavam na compra de escravos para aquisição das máquinas que deram origem às fábricas de tecidos e industrialização de alimentos.
1-4-1- A EXPERIÊNCIA DOS IMIGRANTES
Porém, os trabalhadores brasileiros não tinham experiências nesse tipo de produção. Esse problema foi resolvido com um amplo programa de imigração envolvendo os operários europeus, principalmente italianos e espanhóis, mas também, alemães, eslavos etc. , que enfrentavam crise de desemprego em seus países de origem.
Tais imigrantes trazem as suas experiências na arte da produção industrial e também das lutas operárias. São eles que iniciam o processo de enfrentamento contra a exploração patronal, empunhando as bandeiras das 8 horas diárias de trabalho e das leis específicas para o trabalho da mulher e dos menores. Relatos de 1901 revelam que haviam inúmeras crianças, cujas idades partiam dos 5 anos, trabalhando nas fábricas e sem proteção alguma.
Portanto, as marcas do sindicalismo brasileiro, no fim do século passado e nas primeiras décadas deste século, são das origens socialistas e anarquistas dos imigrantes europeus.
1-5- as GREVES
Há registro de greves antes da era industrial (A.C.O.)1:
–1791 – dos Trabalhadores nas oficinas das Casas de Armas (Rio)
–1815 – dos Pescadores (Recife)
–1858 – dos Gráficos (Rio)
–1863 – dos Ferroviários (Rio)
–1877- dos Carregadores (Santos)
No entanto, é a partir de 1880 que começam a surgir e a proliferar as greves nas fábricas das primeiras cidades operárias brasileiras: São Paulo, Rio e Recife.
Esse período de lutas se estende, sempre com mais força até 1930, quando Getúlio Vargas chega ao poder.
Como vimos no início deste livro, o sindicalismo é o resultado da acumulação das experiências adquiridas pelos trabalhadores, nas suas lutas contra a exploração patronal. As derrotas e vitórias, assim como o avanço da organização patronal, exige das lideranças operárias, a busca constante de novas formas de organização.
Podemos simplificar afirmando que, também no Brasil, os embriões dessa organização se desenvolvem dentro das fábricas, extrapolam para organizações inter-fábricas e de caráter de classe.
Em 1905 é criada a FOSP (Federação Operária de São Paulo). Já, em 1906, o Rio sedia o 1º Congresso Operário Brasileiro, que chegou às seguintes definições:
- a) organização federativa e não centralizada.
- b) sindicalismo de resistência e não assistencialista.
- c) combate ao parlamentarismo: o fundamental é a ação direta da classe operaria.
- d) luta contra as proposta dos agentes do governo e da igreja.
- e) formar a COB (Confederação Operária Brasileira).
Em 1913 a COB organiza o 2º Congresso Operário Brasileiro. Dois anos depois, em 1915, surge o Comitê de Defesa Proletária, que lidera a grande greve de 1917. Segundo Ricardo Maranhão, na sua obra “Brasil História”, a greve paralisa São Paulo totalmente e a violência patronal se dá com a entrada em cena da polícia, com seus veículos, fuzis e metralhadoras, requisitada que fora pela Cia Antártica e demais indústrias. Tiroteios e barricadas faziam o cenário nos bairros fabris do Brás, Mooca, Barra Funda e Lapa. Foi um grande confronto, que colocou frente a frente o movimento operário e a classe dominante, sendo que esta última se utilizou de um forte aparato repressivo do Estado.
1-5-1- A GREVE De 1917
1917 foi sem dúvida de intensa agitação, não apenas em São Paulo onde os comícios e passeatas juntaram em torno de 80 mil pessoas. O Rio e Recife tiveram inúmeros movimentos grevistas, a tal ponto que leva o governo a decretar Estado de Sitio no do Rio de Janeiro, proibindo as greves e fechando sindicatos. As greves de São Paulo tem um final vitorioso, conquistando aumento salarial de 20%, a não dispensa de operários, enquanto o governador e o prefeito da cidade se comprometem a fiscalizar as condições de trabalho das mulheres e menores, a combater os aumentos de preços dos gêneros alimentícios e a libertar os operários presos. No entanto, a polícia deixa sua marca de violência, com o assassinato do sapateiro Antonio Martinez.
A violência governamental e patronal vai aumentando daí pra frente. Há relatos de mortes de operários, em São Paulo e Campinas. O Estado de Sítio marcou a década de 20 e a repressão vai destruindo as organizações operárias (Mendes Jr)17.
1-6- AS PRIMEIRAS LEIS TRABALHISTAS
–Em 1919: é aprovada na Câmara Federal a lei sobre acidentes de trabalho;
–Em 1923: foi constituído o Conselho Nacional do Trabalho. Tinha como função elaborar anteprojetos de leis sobre o trabalho;
–Em 1925: Surge a lei que concede 15 dias de férias anuais;
–Em 1926: A primeira lei que regulamenta o Trabalho do Menor.
Ao lado dessas vitórias operárias, há o constante esforço do governo em reprimir a liberdade dos trabalhadores, se contrapondo ao decreto de 1890 que garantia o direito de greve.
Assim em 1924, surge um novo decreto anti-operário conhecido como Lei Infame.
1-7- AS DIVERGÊNCIAS POLÍTICAS
Com a fundação do Partido Comunista em 1922, cresce a disputa pela hegemonia política no movimento sindical que já envolvia os anarquistas e católicos. Somando-se às repressões patronal e do governo essa disputa enfraquece enormemente a luta dos trabalhadores daquela época que se encerra em 1930 com a ascensão de Getúlio Vargas.
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bibliografia
1- AÇÃO CATÓLICA OPERÁRIA (A.C.O.) História da classe operária no Brasil (6 cadernos) Rio de Janeiro Comissão Nacional de Publicações da A.C.O. 1985 a 1996.
10- HUBERMAN, Leo História da riqueza do homem 8ª ed. Rio de Janeiro Zahar 1972.
17- MENDES JR., Antonio & MARANHÃO, Ricardo Brasil história São Paulo Editora Brasiliense 1979.
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Anos de 1920 a 1960
Coleção História do Marxismo no Brasil
Volume 5: Partidos e organizações dos anos 20 aos 60
Orgs.: Marcelo Ridenti e Daniel Aarão Reis Filho
Editora da UNICAMP
O Marxismo no Brasil: múltiplas trajetórias, utopias, decepções e contribuições
Resenha de ANTONIO OZAÍ DA SILVA [18]
História do Marxismo no Brasil (Volume V), organizado por Marcelo Ridenti e Daniel Aarão Reis Filho, trata dos partidos e organizações dos anos 1920-1960. Nos seis capítulos que compõem O livro, aborda-se, de maneira sucinta, a história das esquerdas marxistas no Brasil: o Partido Comunista do Brasil (PCB), o trotskismo, o Partido Socialista Brasileiro (PSB), a Organização Revolucionária Marxista-Política Operária (ORM-POLOP) e a Ação Popular (AP).
Inicialmente, Marcos del Roio analisa a atuação dos comunistas, nas décadas de 1920-1940. Trata-se dos primeiros passos do Partido Comunista: as dificuldades objetivas e subjetivas em se firmar enquanto organização política autônoma dos trabalhadores; as debilidades teóricas, próprias da nossa exígua tradição marxista (ao contrário dos congêneres europeus – onde, em geral, os partidos comunistas surgiram de cisões da social-democracia –,o comunismo brasileiro deita raízes no anarquismo, com o partido se constituindo a partir da conversão de militantes libertários, influenciados pela Revolução Russa, ao bolchevismo); a interferência do movimento comunista internacional, através do Bureau Sul-Americano, que resultou no afastamento do grupo dirigente original (Astrogildo Pereira,Octávio Brandão e Cristiano Cordeiro), abortando os esforços, particularmente de Octávio Brandão, em formular uma teoria da revolução brasileira; e, as relações conflituosas com o positivismo, o liberalismo e o prestismo. O período analisado pelo autor abrange as origens, consolidação e o quase aniquilamento do Partido Comunista, vítima da onda repressiva durante o Estado Novo getulista.
Segundo a tradição egípcia, existiu uma ave mitológica que vivia por séculos e, mesmo queimada, ressurgia das cinzas. Esta ave maravilhosa é conhecida como Fênix. Seu nome passou a ser usado enquanto sinônimo de persistência, tenacidade, referência às pessoas e instituições que sobrevivem às mais duras provas. Assim foi o Partido Comunista em vários momentos da sua história. Nos idos dos anos 1940, renascido das cinzas, tal qual a Fênix, o partido cresce excepcionalmente, tornando-se um partido de massas, com considerável influência sobre a política brasileira. Este período, marcado pelos estertores do regime varguista, o final da II Guerra Mundial, e a reconquista da liberdade e da democracia no Brasil, termina com o golpe militar de 1964. Nesta fase o PCB conquistou a legalidade, e perdeu-a, cassado no clima da “guerra fria”; teve inflexões à esquerda e à direita, oscilando entre uma política de colaboração e alianças de classes a uma retórica esquerdista e revolucionária para, nos anos 50, com a Declaração de Março, se definir pelo caminho pacífico da revolução brasileira. Todo este percurso tortuoso é analisado por Daniel Aarão Reis Filho.
Da aurora de todos os sonhos (a redemocratização do Brasil a partir de 1945), à longa noite sombria (iniciada com o despotismo militarista de 1964), o PCB se bateu entre reforma e revolução. Este é o mote deste segundo capítulo. É um período que, guardada as devidas proporções conjunturais e históricas, nutre semelhanças com o processo de lutas sociais de finais de anos 70 e inícios dos anos 1980, com a reconquista das liberdades democráticas, o crescimento do movimento sindical e popular e o surgimento de uma organização política dos trabalhadores, que se afirma como novidade, mas que também incorpora a herança histórica do passado pecebista e das esquerdas marxistas.
No terceiro capítulo, Dainis Karepovs e José Castilho Marques Neto resgatam a trajetória dos trotskistas brasileiros, das origens aos anos 1966. O trotskismo se caracterizou por historicamente se restringir a pequenos agrupamentos sem inserção de massas, em geral composto por intelectuais e estudantes. Contudo, o trotskismo também se caracteriza por sua radicalidade e capacidade de interpretar a realidade social brasileira. Segundo os autores, isto permitia aos trotskistas “observar e enunciar realidades que escapavam a outras organizações políticas contemporâneas.” O trotskismo contribuiu ainda para romper com o monolitismo do partido único, dando um caráter pluralista à historia do movimento operário e fornecendo chaves teóricas para a discussão dos impasses e derrotas dos projetos da esquerda. (pp. 103-04)
As raízes do trotskismo brasileiro estão nas polêmicas e enfrentamentos no seio do Partido Comunista da União Soviética e na III Internacional. A derrota de Leon Trotsky, o profeta assassinado, determinou a reconfiguração do movimento comunista internacional com a formação da Oposição Internacional de Esquerda e, posteriormente, a IV Internacional. É neste contexto que Mário Pedrosa e outros militantes assumem a tarefa de construir a alternativa trotskista no Brasil. Os autores analisam as contribuições e dificuldades desta primeira geração de trotskistas e das posteriores: suas formulações teóricas, a difícil convivência com os comunistas do tronco pecebista e seus embates internos, influenciados pela conjuntura nacional e pelas polêmicas no interior da IV Internacional.
Chegamos ao capítulo 4, escrito por Margarida Luiza de Matos Vieira. A autora estuda a contribuição do Partido Socialista Brasileiro, no período 1947-1965. um primeiro elemento que chama a atenção é que o PSB não se afirmava como um partido marxista, embora influenciado pelo pensamento de Karl Marx e de outros teóricos marxistas. O PSB reconhecia esta contribuição e se pretendia um espaço aberto a todos que desejassem lutar por uma sociedade fundada no socialismo e na liberdade. No PSB, mescla-se o socialismo democrático, desvinculado da tradição stalinista, com um socialismo inspirado no pensamento de Rosa Luxemburgo, e uma concepção liberal sobre o Estado e a sociedade.
Analisando o programa do PSB, sua prática política e sua trajetória, a autora conclui que o mesmo se constituiu num “partido-semente”, agitador de uma nova concepção política e cultural que deu base a um projeto de cidadania coletiva que, ao contrário dos projetos dos liberais orgânicos e mesmos dos comunistas, combinava as dimensões políticas e sociais da democracia.” (pp. 181-82)
Também aqui, é possível verificar semelhanças com o Partido dos Trabalhadores, em especial na fase da sua formação e nos primeiros anos. Em ambos confluíram várias vertentes do pensamento social. Também o PT assumiu-se como alternativa ao marxismo oficial do PCB e ao trabalhismo e, especialmente a partir do seu VI Encontro Nacional, no clima da queda do muro de Berlim, assumiu a democracia como centro da sua política, propugnando um resgate do socialismo democrático. Como o PSB do período estudado na obra, o PT terminou por enfatizar a estratégia eleitoralista, reservando para o socialismo o lugar das calendas.
A radicalização do movimento social nos anos 1960 gerou condições propícias para o surgimento de uma esquerda desvinculada tanto da tradição stalinista quanto da alternativa trotskista atuante à época, o Partido Operário Revolucionário (POR). Nesta conjuntura, acrescenta-se mais um ingrediente: o crescimento da esquerda católica, em especial no movimento estudantil. É neste contexto que surgem as duas organizações políticas analisadas, respectivamente, por Marcelo Badaró Mattos e Marcelo Ridenti: a POLOP e a AP.
Para a formação da POLOP convergiram militantes descontentes com o reformismo do PCB, setores radicalizados da Juventude Socialista do PSB (Guanabara), parte da Juventude Trabalhista (em Minas Gerais) e outros marxistas independentes. Em sua formação inicial participaram militantes destacados na política e na intelectualidade brasileira: Theotônio dos Santos, Moniz Bandeira, Ruy Mauro Marini, Juarez Guimarães, Emir e Eder Sader, Michel Lowy e Eric Sachs, mais conhecido pelo pseudônimo de Ernesto Martins. A POLOP também é reflexo de uma dissidência a nível internacional, que se distanciara tanto do stalinismo quanto do trotskismo. Neste sentido, seus militantes bebem em fontes luxemburguistas e no pensamento de autores poucos conhecidos no Brasil, como Brandler e Talheimer.
O autor do capítulo sobre a POLOP, intitula-o, apropriadamente, Em busca da revolução socialista: a trajetória da POLOP (1961-1967). Com efeito, a ORM-POLOP é a primeira organização marxista, depois dos trotskistas, que apresenta uma análise da revolução brasileira contestatória à concepção etapista hegemonizada pelo stalinismo e propõe um Programa Socialista para o Brasil. O autor analisa esta contribuição para o debate no seio das esquerdas, suas origens, composição, inserção nos movimentos sociais e faz um breve balanço.
O caso da Ação Popular é singular. Trata-se da síntese construída nos anos 60 entre o marxismo e o cristianismo. O estudo das origens da AP, suas propostas e sua trajetória peculiar nos ajuda a compreender subjetividades, potencialidades e contradições de projetos societários construídos historicamente. As relações entre religião e política, ou mais precisamente, entre religião e marxismo, permanecem como um mistério a ser desvendado: até que ponto a política é sacralizada? Até onde podemos falar em secularização da religião num sentido político?
O estudo desta experiência nos ajuda a entender esta difícil relação que, diga-se de passagem, não se restringe ao Brasil: esquerda católica e marxismo se mesclam em toda a América Latina. Retornando com força nos anos 1980, a partir da atuação das pastorais e Comunidades Eclesiais de Base fundadas na teologia da libertação, e também devido à experiência da revolução nicaragüense, é um fenômeno que mantém atualidade.
Neste capítulo, o autor também analisa as influências das revoluções cubana e chinesa e a tensão vivenciada pelos militantes da AP entre um humanismo cristão em vestes marxistas e a plena adesão ao ideário marxista, cujo significado pode ser medido por quem experimentou crises religiosa, pois, em última instância, trata-se da negação, não apenas da religião, mas da própria idéia de Deus. Crise semelhante vivenciaram os comunistas quando na década de 1950, tiverem que romper com o mito de Stalin, a partir das denúncias dos seus crimes. A questão é emblemática: nestes casos pode-se falar em superação plena da religião ou seria o caso de pensarmos num sacerdócio racionalista e secular, fundado em símbolos e na militância marxista. Com isto, sugerimos temas indicados pela leitura; o objetivo do autor, é claro, é analisar a experiência política da AP, das suas origens à sua completa dissolução nos anos 1980.
Sabemos que boa parte dos militantes da AP terminaram por abraçar a idéia de que o partido do proletariado é único e, nos debates do período, pareceu-lhes que este partido era o Partido Comunista do Brasil (observemos que vários dirigentes deste partido são originários da AP). Os organizadores da História do Marxismo anunciam que o próximo volume da História do Marxismo tratará, entre outros temas, do Partido Comunista do Brasil. Está ótimo! Porem, em nossa singela opinião, o presente volume, pelo período abordado, seria o espaço mais apropriado, pois, forneceria um quadro mais abrangente das esquerdas até os anos 1960.
Sabemos que a História do Marxismo é uma longa história. Quando, nos anos 1980, o prestigiado historiador Eric J. HOBSBAWM organizou a História do Marxismo, em âmbito internacional, abriu-se a possibilidade de compreensão desta história sem os maniqueísmos, sectarismo e dogmatismos presentes na trajetória dos marxistas. Como escreveu HOBSBAWM, prefaciando o primeiro volume da série:
“Comecemos pelo pressuposto evidente de que a História do Marxismo não pode ser considerada como algo acabado, já que o marxismo é uma estrutura de pensamento ainda vital e sua continuidade foi substancialmente ininterrupta desde o tempo de Marx e Engels”. (1983: 13)
Um projeto com esta amplitude só teria sucesso se partisse do princípio de que o marxismo deve ser tratado no plural, como também os temas e os autores devem respeitar este pluralismo. Neste sentido, o correto é mais correto nos referirmos aos marxismos e não propriamente ao marxismo, no singular. Como bem salientou Carlos Nelson Coutinho:
“Ao admitir o fato real do pluralismo nas investigações marxistas, não se está admitindo um relativismo vulgar ou um ecletismo anticientífico. O que está é se constatando outro fato real: que também no interior do marxismo, a busca da verdade não pode fugir à explicitação ampla e democrática de um debate aberto, de um livre confronto de idéias.” (Id., da apresentação)
Tudo isto parece óbvio, não fosse a tradição sectária, dogmática e autoritária presente no movimento comunista. Não por acaso, o próprio Marx recusou a alcunha de marxista. [1] Não esqueçamos que nos tempos sombrios as divergências eram superadas de uma forma abominável: pelo aniquilamento físico (Trotsky e os militantes dos POUM, durante a guerra civil espanhola, são exemplos clássicos desta triste memória histórica). Tempos em que se proibia a amizade, namoro ou qualquer tipo de aproximação com os inimigos da classe operária, ou seja, os trotskistas. Prevalecia a lógica da política amigo-inimigo.
Portanto, um dos aspectos mais relevantes desta História do Marxismo no Brasil, desde o seu primeiro volume, é o tratamento pluralista dos temas, seguindo a trilha aberta pela obra organizada por Hobsbawm.[2] O leitor mais jovem ou menos afeito à política marxista, no passado e no presente, pode até mesmo considerar natural tamanho pluralismo. Mero engano! Em outros tempos não muito longínquos, uma obra com estas características seria impensável e impraticável. Recordo-me por exemplo, das dificuldades que tive quando, nos anos 1980, encetei a saborosa aventura de escrever a História das Tendências no Brasil. À época, ainda sob o rescaldo da ditadura militar, este era um tema tabu: muitos se recusaram a falar sobre ele; outros nutriam uma desconfiança política-ideológica (afinal, era um jovem sem militância nas organizações tradicionalmente vinculadas ao marxismo); desconfiança no tocante à segurança (ainda se tentava superar os insuperáveis sofrimentos da ação repressiva e da clandestinidade). A todas estas dificuldades, perfeitamente compreensíveis, juntava-se a exígua disponibilidade de fontes bibliográficas.
Em compensação, o raiar da liberdade aguçou o espírito da nova geração sedenta de saber [3] ; uma geração sem militância nas organizações tradicionalmente vinculadas ao marxismo e que estavam sujeitas a um anticomunismo velado ou explícito, seja no interior de organizações como o PT, em movimentos pastorais ligados à Teologia da Libertação, no movimento sindical e social em geral. Nunca esqueço os conselhos para que me afastasse de determinado indivíduo, porque este cometia o grave pecado de ser comunista.
Minha geração, em sua maioria, desconhecia a História do Marxismo. E os marxistas não contribuíam muito para se fazerem conhecer. Reduzidos às organizações sobreviventes do ciclo ditatorial apegavam-se em demasia a uma retórica que dificultava a aproximação dos que ainda não haviam se iniciado nos mistérios da militância em tendências. Tratava-se de marcar posição, ocupar as trincheiras e fazer valer suas verdades. Este clima favorecia o sectarismo, mas não anulava os movimentos de tentativa de converter as consciências e conquistar novos quadros. Eram verdadeiros assédios às consciências em formação.
Converter-se pressupunha conhecer – sob o risco de se tornar um papagaio, repetidor de fórmulas e discursos políticos memorizados pelas leituras fáceis e a doutrinação dos líderes. E mesmo os não convertidos, pouco a pouco, se deram conta de que era preciso conhecer os marxistas, ainda que com o objetivo de melhor combatê-los. Num e noutro caso, o ato de conhecer estava vinculado ao agir, à militância.
Embora a época atual testemunhe, para muitos, a crise das utopias e o interesse acadêmico prevaleça sobre a curiosidade militante, pensamento que se faz ação, a obra História do Marxismo no Brasil é uma contribuição fundamental a quem deseje conhecer a trajetória dos partidos e organizações de inspiração marxista. Hoje, quando o Partido dos Trabalhadores governa cidades e Estados e se credencia para dirigir o país, torna-se fundamental retomar e aprender com a história. A História do Marxismo também cumpre este papel. Seja por objetivos acadêmicos, seja por desígnios militantes, é essencial conhecermos o nosso passado histórico.
[1] HAUPT analisa as origens dos termos marxismo e marxista e mostra sua evolução, da singularidade à pluralidade. (Ver: HAUPT, Georges. Marx e o marxismo. In: HOBSBAWM, Eric J. (org.) História do marxismo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980. Vol. 1, pp. 347-75). Também BATALHA, no volume 2 de História do Marxismo no Brasil, resgata este tema. (Ver: BATALHA, Cláudio H. M. A difusão do marxismo e os socialistas libertários na virada do século XIX. In: MORAES, João Quartim de (Org.) História do Marxismo no Brasil – Volume II: Os influxos teóricos. Campinas-SP, 1995, Editora da Unicamp, 1995, pp. 11-15).
[2] A idéia de elaborar uma História do Marxismo no Brasil surgiu a partir das discussões do Grupo de Trabalho Partidos e Movimentos de Esquerda, vinculado à Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), criado em 1982 pelos professores Marco Aurélio Garcia, Paulo Sérgio Pinheiro e Leôncio Martins Rodrigues. O primeiro volume de História do Marxismo no Brasil foi lançado em 1991 (Rio de Janeiro, Paz e Terra). Esta obra, dividida em seis capítulos, trata do impacto das revoluções sobre o movimento operário brasileiro, com artigos de: Evaristo de Moraes Filho, João Quartim de Moraes, Michel Zaidan, Daniel Aarão Reis Filho, Raimundo Santos e Emir Sader. A partir do Volume II, a obra passou a ser publicada pela Editora da Unicamp. Os organizadores da obra planejam o lançamento do volume VI, que tratará da trajetória do PCB após o golpe militar de 1964, a (re) organização do Partido Comunista do Brasil (PC do B), as experiências da esquerda armada, os trotskistas nos anos pós-1966 e os marxistas no partido dos trabalhadores. Enquanto aguardamos ansiosamente a publicação da obra, sugiro ao leitor a seguinte bibliografia:
FREDERICO, Celso. A Esquerda e o Movimento Operário (três volumes: o primeiro, de 1987, editado por Edições Novos Rumos, São Paulo; os outros dois foram publicados pela Oficina de Livros, de Belo Horizonte, 1990 e 1991, respectivamente)
GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas – A esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada. São Paulo, Ática, 1987
KECK, Margareth E. PT: A lógica da diferença – O Partido dos Trabalhadores na construção da democracia brasileira. São Paulo, Ática, 1991.
PORTELA, Fernando. Guerra de Guerrilhas no Brasil. São Paulo, Global, 1986.
REIS Fº, Daniel Aarão Reis. A Revolução faltou ao encontro – Os comunistas no Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1990.
REIS Fº, Daniel Aarão e SÁ, Jair Ferreira de. (Orgs.) Imagens da Revolução: Documentos políticos das organizações clandestinas de esquerda dos anos 1961-1971. Rio de Janeiro, Editora Marco Zero, 1985.
SILVA, Antonio Ozaí da. História das Tendências no Brasil (Origens, cisões e propostas). São Paulo, Proposta Editorial, s.d.
__________. Os partidos, tendências e organizações marxistas no Brasil (1987-1994): permanências e descontinuidades. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Sociais da PUC/SP, sob orientação de Maurício Tragtenberg, em março de 1998)
[3] Um exemplo que ilustra esta sede de conhecimento sobre o marxismo foi a aceitação que teve o História das Tendências no Brasil, publicado em 1986/87. A primeira edição, em formato Jornal-Livro, teve a tiragem de cinco mil exemplares; a segunda edição, formato livro, foram dez mil. Sem contar com propaganda ou grandes esquemas de distribuição, as edições esgotaram-se. Deve-se registrar o trabalho de vários amigos e companheiros (que levavam os livros em suas bagagens para os eventos que ocorriam à época), o trabalho do Centro Pastoral Vergueiro (CPV), na verdade, o maior centro distribuidor para o movimento operário e popular; e, a contribuição da Editora Ensaio, que distribuiu o livro no chamado circuito comercial. Este registro não é uma necessidade do ego, mas apenas para ilustrar o clima da época no tocante ao tema.
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BIBLIOTECA VIRTUAL
da História do Marxismo no Brasil
Da Declaração de Março de 1958[19] ao Golpe de 1964.
A Tese essencial da Declaração de Março de 1958 era de que a revolução no Brasil ainda não seria socialista, mas anti-imperialista e anti-feudal, nacional e democrática. Tal caracterização implicava na necessidade de formação de uma frente única nacionalista e democrática. Defendia ainda, o caminho pacífico da Revolução brasileira, pela pressão pacífica das massas populares e de todas as correntes nacionalistas no sentido de fortalecer e ampliar o setor nacionalista do governo de Juscelino Kubistheck. Tais orientações refletiam a orientação da nova política adotada no XX Congresso do PCUS (1956). A Plataforma incluía ainda, um importante ponto: “consolidação e ampliação da legalidade democrática”. Esta será a plataforma que servirá de base para as Teses para o Vº Congresso, ocorrido em 1960.
No entanto, no plano internacional, tanto a Revolução Socialista em Cuba, quanto a ruptura China/URSS tornam pertinentes para a Esquerda Brasileira questões que apontavam em sentido aposto, tais como a necessidade da revolução armada e da destruição do aparelho de Estado, ou ainda, a discussão sobre o lugar e/ou papel do partido, uma vez que em Cuba a revolução se fizera à revelia do PSP. O desenvolvimento de tais questões, forjará o aparecimento, na década de 60, de uma “nova esquerda” : surgem a AP (1962); POLOP (1961); MRT; PC do B (1962).
O encerramento do período é dado pelo golpe militar. O fato, deixa claro os equívocos do PCB que, na ocasião, preparava o seu VI Congresso pensado para novembro daquele ano. A linha do PCB passa a ser criticada como resposta equivocada aos problemas colocados pela conjuntura.
Anos de 1960 a 1980
Revista Teoria & Debate Nº. 1 (dez/87)
Resenha
Combate nas Trevas
A Esquerda Brasileira: Das Ilusões Perdidas à Luta Armada,
(de Jacob Gorender, Editora Ática, 290 p.)
por MARCO AURÉLIO GARCIA[20]
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O livro de Jacob Gorender, Combate nas Trevas – A Esquerda Brasileira: das ilusões perdidas a luta armada, vai contribuir para que esta curiosidade seja em boa parte satisfeita. Gorender foi até 1967 dirigente do Partido Comunista Brasileiro, tendo com ele rompido para formar o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Em 1970 foi preso, torturado, tendo ficado quase dois anos nos cárceres da ditadura.
A partir de sua vivência e recordações, mas, sobretudo, de uma vasta pesquisa em livros, documentos de organizações e da realização de dezenas de entrevistas, o autor pôde reconstituir a trajetória dos partidos e grupos de esquerda, sobretudo no período que vai de 1964 até 1974, ano em que a esquerda brasileira se encontrava mergulhada em sua mais grave crise, depois de ter sido esmagada pela repressão da ditadura.
Um dos pontos importantes da reconstituição de Gorender é o lugar dado ao período pré-64, particularmente à intensa fase das lutas populares entre 1961 e 1964, quando grandes contingentes de operários, estudantes, camponeses e setores de classe média, sem falar nos sargentos e alguns segmentos da própria oficialidade das Forças Armadas, movimentaram-se pela consecução das chamadas “Reformas de Base”, um conjunto de reivindicações apresentadas como capazes de promover um desenvolvimento econômico com maior distribuição de renda e aprofundar a democracia no país. A derrota da esquerda e dos movimentos populares em 64 acabou por generalizar a impressão de que o movimento nesse período não tinha tido a relevância que se dizia, ou, no melhor dos casos, era excessivamente superficial. Depois de ler os capítulos que o autor dedica a esta fase, a análise sobre ela terá de ser mais judiciosa.
Mas esta primeira parte tem como função básica introduzir elementos de compreensão para o que vem depois.
Entre 1964 e 1968, a despeito da perplexidade e mesmo de reações primárias de certos setores da esquerda frente ao golpe, criam-se condições para uma intervenção desta em alguns movimentos sociais de grande importância, como é o caso do movimento operário e do estudantil, ambos granjeando simpatias junto a camadas das classes médias que se sentiam ludibriadas pelos militares.
O grande derrotado na esquerda é o PCB, e do seu interior, principalmente, vão surgir muitas das organizações que começarão a atuar nesse período, algumas com claras definições pelo desencadeamento a curto prazo de ações militares contra o governo. Num outro cenário desenvolve-se, igualmente, uma crise no interior dos grupos que deram ou apoiaram o golpe. O resultado deste último enfrentamento é o fechamento de 13 de dezembro de 68 (o AI-5), quando o governo cria as condições, entre outras coisas, para reprimir a esquerda com toda a impunidade. Gorender mostra como modificam-se as condições de luta. A esquerda corta-se das massas, mas continua a apostar na iminência da crise do capitalismo brasileiro, que criaria condições para a luta revolucionária (tida como sinônimo de luta armada). O período que vai de 68/69 até 74 é o desmantelamento total da esquerda revolucionária, o que o Estado consegue através de uma política de utilização sistemática da tortura.
Talvez fosse importante que Gorender enfatizasse mais o fato de que a derrota da esquerda – da nova e da velha – não se deve tanto à repressão, que foi violenta, mas tem de ser creditada em muito aos próprios erros das organizações. Ele tem presente este fato, e o afirma muitas vezes, mas alguns aspectos ficam a nos exigir maior aprofundamento. Por exemplo, em que medida o fracasso não se deve ao fato de que a ruptura da nova esquerda com a velha foi mais aparente do que real, não só quanto à caracterização de seu projeto de revolução, como por sua incapacidade de repensar o problema do partido político, elitista e messiânico, e pela ausência de uma reflexão mais de fundo sobre o problema da democracia.
Estas discussões têm uma importância particular para o PT hoje. No interior do partido militam milhares de companheiros vindos dessas organizações de esquerda. Uma grande maioria não chegou a realizar um ajuste de contas com seu passado. Coisa que o livro de Gorender em muito contribuirá para que ocorra. Somente isto já aconselha sua leitura e, sobretudo, sua discussão.
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Revista Brasil Revolucionário Nº 20 (nov/dez/jan-1996)
Especial
GUERREIRO da Grande Batalha
A História de Mário Alves
por Otto Filgueiras, jornalista
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A crise da democracia burguesa no Brasil e do stalinismo na URSS.
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A posse de Jânio Quadros na Presidência da República e sua renúncia sete meses depois inauguravam um período de turbulência na vida política nacional. Jucelino Kubistchek deixara o Brasil endividado externamente e a inflação disparou. O governo João Goulart vacila em fazer as transformações que o país necessitava e concilia com as forças conservadoras que se opunham à reforma agrária e a um modelo de desenvolvimento independente e auto-sustentável. Brasília era a nova capital da República, mas os comunistas concentravam-se no Rio de Janeiro, o coração da pátria. Gorender morava com a família no bairro do Engenho Novo, zona norte do Rio, Mário Alves em Botafogo e Apolônio, em Laranjeiras. Freqüentavam as casas um dos outros e trabalhavam juntos na Secretaria Nacional de Educação do PCB, uma espécie de escola superior de política que realizava cursos e debates em todo o Brasil sobre a realidade brasileira, o marxismo e agitava a militância do partido. Era preciso avançar a orientação partidária e acompanhar as exigências de mudanças que o movimento operário e popular pretendia fazer no país. Prestes e Giocondo Dias não gostam da agitação na militância e confiam demasiadamente no governo para fazer as transformações. Na época, Giocondo publica um documento criticando as Ligas Camponesas e formas de luta não institucionais. Há tensões na direção do partido em relação ao apoio quase incondicional ao governo Goulart. As divergências ficam evidentes no artigo “Duas Linhas na Luta pela Reforma Agrária”, elaborado por Mário Alves e publicado pela revista “Movimento”, da União Nacional dos estudantes (UNE): a aliança privilegiada dos operários é com os camponeses e não com a burguesia nacional, dizia Mário Alves. Em 1963, ele faz críticas ao Plano Trienal, elaborado por Celso Furtado (para a nova fase, presidencialista, do governo João Goulart) e empolga a juventude e os intelectuais do Rio de Janeiro.
O golpe militar, a clandestinidade e a família.
… Lúcia (filha, na época, adolescente de Mário Alves) nunca esqueceu daquele 30 de março de 1964, quando seu pai pegou uma muda de roupa, a escova de dentes, abraçou a mulher, a filha e saiu de casa para a clandestinidade. O golpe militar fere mortalmente a liberdade, divide e amedronta a nação.
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Um habeas-corpus libertou Mário Alves (preso em julho de 1964) da cadeia em meados de 1965. Um ano depois, ele foi julgado à revelia no processo das cadernetas de Prestes, condenado a sete anos de prisão e seus direitos políticos cassados por dez anos. Enquanto a repressão da ditadura se intensifica e vai sufocando o povo brasileiro, Mário Alves é destituído da Comissão Executiva do partido e obrigado a deslocar-se para Belo Horizonte. Luiz Carlos Prestes, Giocondo Dias e uma parte do Comitê Central do PCB, espalham a versão de que uma das razões do golpe militar teria sido a esquerdização das posições do partido ao estimular o movimento de massas na radicalização de suas lutas, isolando a burguesia nacional e o governo Goulart. Com posições mais à esquerda, Mário Alves, Jacob Gorender, Apolônio de Carvalho, Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira respondem que o desvio do PCB foi de direita por não ter alertado e preparado os trabalhadores e a militância para enfrentar os golpistas e sustentavam que a aliança principal do proletariado era com o campesinato e não com a burguesia nacional. O caminho da revolução no Brasil era pacífico segundo Prestes e só eventualmente poderia ocorrer confronto armado. Mário Alves e seus companheiros argumentavam que não havia condições de fazer qualquer mudança estrutural na sociedade brasileira, principalmente depois do golpe de 1964, que não fosse pela luta armada.
No resto do mundo, a luta pelo socialismo também demonstrava isso. Os povos explorados e oprimidos da Ásia, África e América Latina estavam derrotando pelas armas o imperialismo norte americano e seus aliados internos. A revolução cubana tinha sido vitoriosa em 1959, as lutas de libertação doas africanos contra o colonialismo incendiavam vários países da África e a bravura do povo vietnamita desmoralizava o poderio militar dos Estados Unidos. O Brasil carecia de sua rebelião. Nos sonhos que foi sonhando as visões vão se aclarando e a juventude aprende a dizer não como fazia o vaqueiro de “Dispara”. Afinal, gente não é gado, não se ferra, não se mata. A música de Geraldo Vandré e Téo de Barros, cantada por Jair Rodrigues no festival da canção de 1966, ganha o primeiro lugar empatada com “A Banda”, de Chico Buarque, e emociona a nação. A morte e o destino, tudo estava mesmo fora do lugar e era preciso viver lutando para consertar. Empolgada, a mocidade se levantou.
A corrente revolucionária do PCB foi organizada pela esquerda pra se contrapor às manobras de Prestes e de uma parte da direção, que adiam sucessivamente e não queriam a participação dos integrantes do Comitê Central, que discordavam, no VI Congresso que deveria ter sido realizado em abril de 1964, no Rio de Janeiro. No período de 1964 a 1967, as contradições políticas entre o setor reformista e o revolucionário se agravam e Mário destaca-se com suas teses que circulam dentro do partido como principal documento de contraposição à linha oficial. … Os comunistas dividiam-se nacionalmente em ralação a apoiar ou não o MDB nas eleições de 1966. Na Guanabara, a maioria dos militantes organiza uma dissidência e termina expulsa em janeiro de 1967. Em abril daquele ano, a conferência Estadual de São Paulo sustenta que a derrota do regime militar depende da luta armada. Se o congresso fosse realizado, a Corrente Revolucionária seria maioria. Mário Alves era responsável pela direção do partido em Minas Gerais, Apolônio de Carvalho pelo Estado do Rio, Jacob Gorender pelo Rio Grande do Sul e Carlos Marighella por São Paulo. Em julho de 1967 Prestes, que detinha a maioria do Comitê Central, convoca uma reunião extraordinária e aprova a expulsão do dirigente Carlos Marighella. Em solidariedade a Marighella, retiram-se da reunião os seguintes dirigentes: Mário Alves, Gorender, Joaquim Câmara Ferreira, Apolônio, Miguel Batista dos Santos e Jover Telles. Era uma situação já esperada, o sinal para o racha do setor revolucionário, provocando o maior cataclismo político da história do PCB. Livres do perigo da mudança de orientação política a direção do partido apressa a realização do VI Congresso que confirma a expulsão daqueles dirigentes.
Não há unidade suficiente entre os que saiam do PCB para um novo projeto partidário. A Corrente Revolucionária faz uma reunião nacional em outubro de 1967 e não comparecem militantes de São Paulo. Mário, Gorender e Apolônio insistem na necessidade de um partido para dirigir a revolução e sustentam que o combate contra a ditadura precisava estar vinculado à luta dos operários, camponeses, estudantes e setores médios da cidade. Enquanto isso, Carlos Marighella já estava em Cuba articulando apoio para o seu plano de guerrilha urbana. No retorno ao Brasil, em início de 1968, Marighella, impetuoso por natureza, prefere a grande aventura da batalha e organiza, a partir do agrupamento de São Paulo. A Ação Libertadora Nacional – ALN. Mário Alves e seus companheiros não desistem e passam sete meses debatendo, escrevendo teses e articulando militantes espalhados pelo Brasil.
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… Em fevereiro de 1968, Mário e Jacob Gorender, que também residia em São Paulo, aceitaram um convite feito por Diógenes Arruda para uma reunião com João Amazonas, Maurício Grabois e Pedro Pomar, representantes do grupo que saiu do PCB em 1962 e fundou (ou reorganizou, segundo Amazonas) o PCdoB. O encontro entre camaradas que se estimavam pela integridade pessoal e dedicação à causa proletária, não levou a um acordo. Mário e Gorender “não aceitaram a idéia de subordinação à China e Albânia como fazia o PcdoB, inclusive porque acabavam de se livrar de um partido subserviente à União Soviética”. Havia outras contradições doutrinárias fundamentais que separavam os antigos companheiros. A revolução não podia esperar.
O congresso de fundação do novo partido aconteceu em abril de 1968, numa casa na Serra da Mantiqueira, no Estado do Rio. Estavam presentes uns 25 representantes de vários estados, entre eles, Jacob Gorender, Mário Alves, Apolônio de Carvalho, Bruno Maranhão, Miguel Batista dos Santos e Jover Telles. O Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) nascia da esperança dos que ousavam desafiar o capitalismo e o regime militar e que sonhavam também em revolucionar o comunismo. Os princípios teóricos e as bases políticas foram estabelecidos num documento redigido por Mário Alves. O texto defendia a construção de um partido marxista-leninista, a necessidade da luta por um estado popular revolucionário para construir o socialismo, considerava o Brasil capitalista e dizia que o combate contra a ditadura era armado, mas apoiado na luta de massas dos operários, camponeses, setores médios da cidade e na pequena burguesia urbana e rural, forças sociais interessadas em modificar a estrutura da sociedade brasileira. A principal base da luta armada, o campo. Na hora de escolher o secretário político, equivalente a secretário geral, Apolônio indicou o nome de Mário, por considerá-lo o quadro mais preparado. O baiano recusou argumentando que Apolônio preenchia as condições e contribuíra destacadamente para a fundação do novo partido. O desprendimento dos dois comunistas foi exemplar. A reunião escolheu por unanimidade Apolônio, inclusive porque na época Mário Alves estava com úlcera no estômago. Um ano depois, o jornalista baiano assume a função.
Na reunião, os fundadores do PCBR suspeitavam que Jover Telles e duas outras pessoas já tinham entrado no PcdoB. Dois meses depois, Jover Telles publicou no “Jornal do Brasil”, um documento intitulado “Um reencontro histórico”, conclamando os militantes do PCBR a entrarem no PcdoB. Mário Alves respondeu com o artigo “Reencontro histórico ou reles mistificação?” criticando as posições do PcdoB e daquele antigo militante operário. Às vezes, a vida é irônica: anos mais tarde, talvez por ter moldado a sua personalidade na dupla militância, Jover Telles trabalhou também para a repressão e sem ninguém saber levou a polícia até a reunião que o Comitê Central do PcdoB realizava numa casa no bairro da Lapa, em São Paulo, em 1976, onde foram assassinados Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e posteriormente, na tortura, João Batista Drumond. Outros participantes foram presos e torturados.
Em São Paulo, Mário Alves critica também as idéias foquistas que predominavam entre a juventude dissidente do PCB e a maioria das organizações de esquerda da época. Foi numa conversa organizada por Valdizar, com um grupo de jornalistas para discutir o livro de Régis Debray e a teoria foquista, que Sérgio Sister conheceu Carlos Ferreira em 1968. No início o baiano limitou-se a ouvir, inclusive as opiniões favoráveis à invasão da Checoslováquia pela União Soviética. Depois de os jovens argumentarem que a agressão se justificava porque era preciso salvar o socialismo, Mário Alves surpreendeu a todos quando disse que um país socialista não podia ser imperialista e agir daquela forma. Era preciso respeitar a autodeterminação dos povos e o desenvolvimento da luta em cada país. O PCBR adotou a resolução política condenando a invasão da Checoslováquia, posição quase inédita entre as organizações comunistas a nível internacional. Ele queria um partido novo sem compromisso com o Stalinismo, renovado, democrático e vinculado à luta dos trabalhadores. O PCBR já tinha militantes em várias partes do país. No Estado do Rio e Guanabara, participavam estudantes, bancários, marítimos, estivadores, portuários, ferroviários, jornalistas e publicitários. Havia um trabalho em Londrina (Paraná). No nordeste, a militância atuava da Bahia ao Ceará. Em Pernambuco, Bruno Maranhão e outros companheiros que articularam a Corrente Revolucionária nesses estados, conseguiram eleger militantes para as diretorias da União Estadual de Estudantes (UEP) e Diretório Central dos Estudantes (DCE), em 1968, derrotando as chapas articuladas pela Ação Popular (AP)[21].
Anos rebeldes: das grandes manifestações às ações armadas.
A juventude tinha pressa e já começa a sua rebelião. Milhares de estudantes protestavam nas ruas do Brasil contra o governo por causa do assassinato pela polícia do secundarista Edson Luiz de Lima Souto, no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro. Em Contagem, os operários vão em busca do salário, entram em greve em 16 de abril de 1968 e obrigam a ditadura a atender as suas reivindicações. Em São Paulo, a comemoração do Primeiro de Maio levou 10 mil pessoas à Praça da Sé. O então governador Abreu Sodré, representante do regime militar, é escorraçado a pedradas pelos manifestantes. Em clima de vitória eles fazem uma passeata a te a Praça da República. Nas semanas seguintes, os operários paralisam fábricas automobilísticas em São Bernardo do Campo. Prevendo que os metalúrgicos, com dissídio marcado para outubro também entrariam em greve, Mário e Gorender reúnem-se com militantes de outras organizações. Em Osasco, contudo, um grupo ligado à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR[22]) antecipa-se à greve geral marcada para outubro e incentiva os trabalhadores a fazerem parede local. O movimento começou na Cobrasma, estendeu-se por outras fábricas, durou cinco dias e foi derrotado. As passeatas estudantis não recuavam e continuavam levando milhares de pessoas às ruas para protestar contra a ditadura. No Rio de Janeiro, a maior manifestação contra a repressão ocorreu em 26 de junho de 1968: cem mil pessoas reúnem-se na Cinelândia e percorrem as ruas da cidade. Entre os organizadores estavam a Dissidência Universitária da Guanabara, ativistas da Ação Popular e do PCBR. Além de Vladimir Palmeira, presidente da União Metropolitana do Estudantes e membro da Dissidência, também discursou das escadarias do Teatro Municipal a principal liderança dos secundaristas e militante do PCBR, Elinor Brito.
O governo reage e proíbe as manifestações de rua. Ainda assim, em cinco de julho, 300 mil estudantes protestavam nas praças das principais cidades brasileiras.Reprimidas pela ditadura, as lutas populares foram minguando. O golpe final aconteceu em 12 de outubro de 1968: soldados da Polícia Militar cercaram uma fazenda em Ibiúna, interior de São Paulo, e prenderam 1.240 estudantes que participaram do 30º Congresso da UNE. O governo já dominava a situação política no país e, ainda assim, em 13 de dezembro decreta o Ato Institucional número 5, colocando em recesso o Congresso Nacional, as Assembléias Legislativas e acabando com o hábeas-corpus para as pessoas detidas por motivos políticos. Os militares reiniciam as cassações dos opositores por tempo indeterminado e estabelecem a censura prévia à imprensa. O pretexto do governo para decretar o AI-5, foi a recusa do Congresso Nacional em conceder licença para os militares processarem o deputado federal Márcio Moreira Alves , que meses antes fizera um discurso propondo ao povo o boicote nos desfiles de sete de setembro. Além do avanço das lutas populares e de resistência democrática, um dos motivos determinante do AI-5, é a contradição dentro da própria ditadura e o fortalecimento da chamada”linha dura” nas Forças Armadas, que já pretendia estabelecer o fechamento completo do regime. Em abril de 1968, o brigadeiro João Paulo Burnier ordenara a um grupo de homens do PARASAR (unidade de busca e salvamento da Aeronáutica), a execução de um plano terrorista que incluía a explosão de gasômetros e a destruição de instalações de força e luz. O terror seria atribuído aos comunistas para criar um clima de pânico e histeria coletiva, que os militares aproveitariam para eliminar fisicamente personalidades da oposição. A chacina não foi concretizada porque o capitão-aviador Sérgio Miranda de Carvalho, o Sérgio Macaco, apoiado por colegas de farda, recusou-se a obedecer às ordens do brigadeiro Burnier, na época chefe do gabinete do ministro da Aeronáutica, Márcio de Souza e Mello. Por conta disso, em 1969, o capitão foi reformado e afastado da Força Aérea.
As praças ficaram vazias, as fábricas vigiadas pela polícia, centenas de sindicatos sob intervenção, suas diretorias destituídas, grêmios estudantis fechados, teatros invadidos, músicas, filmes e peças teatrais censurados, parlamentares cassados, jornalistas e intelectuais amordaçados e as prisões lotadas de brasileiros opositores do regime. Quase todos torturados e muitos assinados. O “milagre econômico” dos militares precisava de um Brasil amorfo e sem resistência à nova etapa de brutal acumulação capitalista no país. Uma parte da oposição escolhe o caminho do exílio. Muitos, no entanto, recusam-se a abandonar a pátria. Ficam para lutar. Despojada das suas organizações sindicais e estudantis, grande parte da militância identifica-se e fortalece os agrupamentos que defendem a luta armada e fazem o enfrentamento direto com a ditadura. A rebelião agora é com metralhadora na mão. As ações de desapropriação de bancos e confisco de armas, que o Agrupamento de São Paulo iniciara desde dezembro de 1967, são intensificadas também por outras organizações de esquerda. Nas veredas do asfalto, a guerrilha urbana contagia uma parte da juventude brasileira, que não admite o recuo e fustiga a ditadura com atitudes ousadas e espetaculares. Os jovens argumentavam que a brutalidade da repressão não deixava alternativa de resistência pacífica e respondiam na bala.
Cuba e o exemplo da guerrilha vitoriosa em Sierra Maestra, comandada por Fidel Castro e Ernesto Che Guevara, , era uma das referências dos brasileiros que ousavam lutar nos anos rebeldes. No final de 1968, Mário Alves desembarcou na Ilha com a missão de buscar apoio dos comunistas cubanos para a luta no Brasil. Bem recebido, ele obteve da direção do partido cubano, o reconhecimento do PCBR e o treinamento guerrilheiro de seus militantes. Mas tudo deveria ser feito por intermédio da ALN, considerada por Cuba como a organização preferencial no Brasil. O jornalista aceitou a oferta e deixou clara a posição de independência de seu partido, que tinha outro entendimento da realidade brasileira, seu plano de rebelião incluindo a participação decisiva da maioria do povo. Quando retornou ao país no início de 1969, Mário Alves continuava animado e conversou em São Paulo com Valdizar e Sônia, no apartamento da rua Cubatão. Contou que também foi à Itália, participou de manifestações políticas e redigiu até uma nota em nome do PCBR. Estava irrequieto e dizia que Marighella havia saído na frente e tinha todos os contatos internacionais. O sucesso final das ações da guerrilha urbana e a necessidade de dar respostas concretas à escalada da repressiva da ditadura deixava no dilema até os comunistas mais tarimbados. Pela primeira vez, ele criticava a direção de seu partido por causa do emperramento burocrático e por não ter lançado o jornal nacional como estava previsto antes de viajar. Mário estava ansioso vendo o tempo passar e queria uma ação mais efetiva. Pela repressão o regime militar que se consolidava e a revolução perdia a sua hora e sua vez.
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Um ano depois da fundação, o PCBR havia crescido. … Gorender fez objeções às formas que o embate armado assumia. Os grupos de esquerda realizavam ações isoladas e distanciavam-se do apoio do movimento de massas. O PCBR não poderia fazer o mesmo. Mas o clima belicista no mundo contagiava os rebeldes brasileiros. Havia divergências importantes que distanciavam as posições dos dois dirigentes. Debateram prudentemente para preservar a amizade que vinha dos tempos da luta contra o nazi-facismo. … A transferência para o Rio significava uma mudança brusca na vida dos Alves…
…A primeira iniciativa partiu da direção regional do Nordeste que englobava Pernambuco, Paraíba, Rio grande do Norte e Ceará: em maio de 1969, um grupo armado arrebatou de funcionários do Banco da Lavoura, em João Pessoa, uma valise com um depósito da Companhia Souza Cruz. Outras desapropriações em agências bancárias e ações de propaganda armada aconteceram no Recife. As iniciativas autônomas deixavam os jovens militantes da Guanabara e Estado do Rio frustrados e querendo fazer o mesmo. Os dirigentes nacionais do PCBR são criticados.
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Uma Junta Militar havia assumida a Presidência da República no final de agosto de 1969 e afastado Pedro Aleixo, o vice-presidente da própria ditadura que deveria ter sucedido o general Costa e Silva, que sofrera um trombose cerebral. Formada pelos ministros militares Lyra Tavares, da Guerra, Augusto Rademaker, da Marinha e Márcio Souza e Mello, da Aeronáutica, a Junta é desafiada nos seus primeiros dias de governo pelo seqüestro do embaixador norte-americano praticado por um comando revolucionário da ALN e Dissidência da Guanabara. Pressionados pelos Estados Unidos, o militares aceitaram as exigências do resgate e libertaram 15 prisioneiros políticos. Entre eles, Gregório Bezerra, o revolucionário do PCB, que em abril de 1964 foi preso e espancado barbaramente nas ruas do Recife pelo coronel Villocq Viana. Embora bem sucedido, porque garantiu a libertação e o embarque dos presos políticos para o exterior, o seqüestro do embaixador ianque, o primeiro realizado pela guerrilha urbana em todo o mundo, resultou na intensificação da repressão no Brasil. A Junta Militar estabeleceu a pena de banimento, penas de morte e de prisão perpétua. Em 28 de setembro entrou em vigor a brutalidade da nova lei de segurança nacional. Um dia depois, o operário químico Virgílio Gomes da Silva, militante da ALN e que comandara o seqüestro do diplomata norte-americano, foi barbaramente torturado e morto na Operação Bandeirantes (OBAN), em São Paulo.
No mês seguinte, uma emenda da Junta Militar impôs uma nova Constituição ao país e deu posse ao general Emílio Garrastazu Médici na Presidência da República que levou o Brasil definitivamente à escuridão e inaugurou o período de maior terror da história da ditadura. Centenas de pessoas são presas, torturadas e assassinadas nas prisões do governo. Nas trevas do perigo, Mário Alves lutava o combate à sua maneira e não carregava o revolver que Bruno lhe presenteara. Embora estivesse de acordo com a necessidade política da luta armada de resistência à ditadura, o jornalista não tinha treinamento militar e achava complicado andar armado no Rio por causa das batidas policiais, como aquela que ocorreu durante a viagem. Guardava a arma em sua casa.
A ditadura instala o terror no país.
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O assalto da agência do Banco Souto Maior, no bairro da Penha, no Rio de Janeiro aconteceu no dia 17 de dezembro de 1969: um grupo de fogo arrebatou com sucesso todo o dinheiro da agência. Na hora da fuga, porém, trocou tiros com um carro rádio patrulha. Um dos policiais foi morto e um militante do PCBR preso. Posteriormente parte do dinheiro foi recuperado pela polícia. A partir dali, o partido estava exposto. Uma reunião do Comitê Central, mar cada anteriormente para a segunda semana de janeiro de 1970, foi mantida. Um dos objetivos principais da reunião, conforme explica Apolônio de Carvalho era debater a polêmica que existia no partido de fazer ou não refluxo temporário na guerrilha urbana para escapar do cerco da repressão e criar as condições para iniciar a guerrilha rural. Na época, o combatente da guerra civil espanhola e da Resistência Francesa entendia que o partido não dispunha de bases, aliados e influência política suficientes junto as massas na área rural. Mário Alves avaliava que as condições no campo poderiam ser preparadas mais rapidamente. As posições ao se extremarem poderiam levar a um impasse.
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O dia amanheceu e permaneceu calorento naquele 16 de janeiro de 1970. Mário Alves vestia camisa de mangas curtas quando saiu de casa para cobrir o derradeiro ponto de sua vida. … No local e hora marcada, a fúria do inimigo, na tocaia, o alcançou. …
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O torturado recusava-se a dar qualquer informação aos inquisidores. …
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… Depois, os soldados rasos que serviam no quartel comentaram que Mário Alves havia morrido.
Aquela reunião do primeiro Comitê Central do PCBR nunca se realizou. Entre os dias 12 a 20 de janeiro daquele ano, a maior parte da direção do partido foi presa. …
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Revista Teoria e Debate nº 24 (mar/abr/mai 1994)
Memória
Otaviano Alves da Silva
por Valter Pomar[23]
Otaviano Alves da Silva, começou a militar no Partido Comunista Brasileiro a partir de 1951, participou da fundação da Polop e foi membro da direção nacional da organização. Filiou-se ao PT e foi presidente do partido em Contagem e membro da Direção Estadual na Bahia.
Nesta entrevista a TD ele conta sobre sua participação na resistência ao golpe de 64, na organização da Greve de Contagem e sobre a clandestinidade e o exílio.
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Quando você tomou contato com o grupo que deu origem à Polop (Política Operária)?
Em 58, conheci um grupo de jovens que militavam na mocidade trabalhista do PTB: o Simon Schwartzman, de origem judaica, sua namorada Suzana, Artur Mota, que hoje é advogado, Teotônio dos Santos Júnior, Vânia Bambirra, Betinho, Vinicius Caldeira Brant, Jair Ferreira de Sá, que depois foi da AP (Ação Popular), entre outros. O Theotônio nunca foi do Partidão. Nessa época discutia-se uma intervenção no PTB e, ao mesmo tempo, um projeto político de combate ao reformismo. O Leonel Brizola bancou o Congresso da Mocidade Trabalhista no Rio Grande do Sul, foram quatro pessoas de Belo Horizonte: o Vinícius, o Pedrinho, um menino da JOC (Juventude Operária Católica), ligado ao Sindicato dos Têxteis, e eu. Quem bancou as passagens de avião foi o Santiago Dantas. Ali nasceu a futura chapa de direção da UNE, do Congresso que ia acontecer em Belo Horizonte.
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O Eric (Eric Sachs) dirigiu uma revista de intelectuais do PSB do Rio de Janeiro. Saiu antes do golpe. Era austríaco, a mãe dele era russa, morava no Rio, e não falava uma palavra em Português. O pai parece que era austríaco, não tenho bem certeza. Quando veio o nazismo na Alemanha, eles fugiram para a Rússia. O pai era bolchevique, participou junto com Lenin. Quando Eric falava da história do Partido Bolchevique, citava fatos de pessoas que ele conheceu e Rosa Luxemburgo, inspiradora da Polop conviveu. Aqui no Brasil ninguém tem muita coisa sobre ele. O Eric trouxe uma terceira visão marxista, além da trotskista e da stalinista. Colocava Rosa Luxemburgo como porta-voz dessa nova concepção. Ele sempre valorizou a formação teórica do militante. Seu sonho eram as escolas de formação onde Rosa Luxemburgo tinha sido professora.
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Qual a opinião do Eric sobre o PT?
Entusiasmada. Para ele todos tinham que participar do PT , inclusive a Polop. Falou-se em auto-dissolver a organização em função do partido. O Eric também queria que trabalhássemos junto com o Perseu Abramo. A idéia era fazer um grande jornal de massas. Tínhamos uma experiência acumulada de boletim na clandestinidade, que chamávamos de caixas postais. Rodávamos o boletim e deixávamos em determinado lugar, de baixo de uma pedra ou de um tijolo, e o militante passava e pegava.
O núcleo que deu origem à Polop tinha trabalho entre os operários?
O Eric dava assistência aos têxteis do Rio e o Eder aos gráficos de São Paulo. No Sindicato dos Marceneiros, tínhamos O Serrote, um boletim que tratava dos problemas da categoria. Tinha um editorial com uma análise de conjuntura nacional, escrito por Carlos Alberto de Freitas, o Beto, estudante de sociologia, um dos fundadores do Colina (Comando de Libertação Nacional), hoje é um dos “desaparecidos”, preso no Rio. O Serrote chegava todas as segundas-feiras nas marcenarias. Conseguimos organizar um grupo de uns cinqüenta marceneiros, distribuídos nas várias fábricas, mas nunca tivemos a preocupação de fazê-los militantes da Polop. A preocupação era de que atuassem no sindicato, na fábrica.
Fale um pouco sobre como foi a fundação da Polop.
O Congresso de Fundação aconteceu em Jundiaí. Dos operários só fui eu, representando os marceneiros. Nesse Congresso de Formação participaram um grupo de espanhóis, o Eder e o Emir Sader, o Paul Singer. Antes de 64, o Paul Singer era ligado ao PSB, foram o Eder e o Emir, jovens estudantes da época, que o motivaram. Aquele congresso foi só uma tomada de posição mais aberta, mas não se unificou. O Juarez Brito, que morreu durante a repressão, também participou do Congresso de fundação. E continuamos nossa militância dentro da perspectiva de um sindicato autônomo, um projeto político revolucionário marxista-leninista, fundamentado na realidade brasileira. Nossa posição era de crítica aberta ao stalinismo e ao reformismo, embora reconhecêssemos os acertos da União Soviética.
Como a Polop reagiu ao golpe?
Apesar de termos uma análise de que o golpe era latente e trabalhássemos com essa perspectiva, torcíamos para não acontecer tão rápido. Em janeiro de 64, me parece, saiu um jornal Política Operária, de tiragem nacional, em que o pessoal colocava a iminência do golpe. Esse jornal foi distribuído durante o famoso comício do 13 de março. Fizemos o 3º Congresso da Polop em São Paulo. O Emir foi um dos responsáveis. Tínhamos um jornal, uma sede num salão alugado em Belo Horizonte. Nós marceneiros fizemos os móveis, uma mesa, um quadro negro e os bancos. Esse Congresso de março de 64, nós preparamos com os companheiros de Goiânia, o Pirajibe, mais a Eveline (já ex-esposa do Paul Singer), Guido Rocha, que fez sociologia e Belas Artes, o Juarez Brito, do Colina, e a Maria do Carmo, sua mulher. Eu saí delegado. É importante dizer que eu tive uma situação privilegiada na categoria. Tinha o melhor nível de escolaridade e formação política, e eu e minha mulher não tínhamos filhos. Ela trabalhava para seu sustento e, às vezes, também para o meu. Então, podia participar de tudo, enquanto os outros não. O Congresso foi em frente à casa do Ademar de Barros, no cursinho da Faculdade de Filosofia. No domingo, ao meio-dia, em 30 de março, veio um companheiro e disse: “o golpe está aí”. E disse que não dava para continuar o Congresso porque teve a marcha da Cruz lá no Viaduto do Chá. Nunca se viu tanta gente.
Foi nesse congresso que você foi eleito para a direção nacional?
Fui eleito para ser o representante dos operários junto a esse grupo. A Polop era um grupo muito mais de intelectuais, muito preocupado em ganhar os quadros do Partido Comunista que já tinham experiência de militância para formar uma oposição e um partido revolucionário.
O que aconteceu depois do golpe?
Segunda-feira de manhã fui para a fábrica, de noite fui para a clandestinidade, em Belo Horizonte mesmo, com o Antonio Ribeiro Romanelli, que era presidente do Conselho das Ligas Camponesas em Minas Gerais. Atuávamos na base junto com as Ligas Camponesas.
Como era o trabalho sindical das organizações clandestinas?
Elas tinham uma base sindical, mas muito limitada, parecida com a da Polop. Minha atividade começou a ter uma conotação diferenciada, de organizar os trabalhadores, apesar da repressão e da clandestinidade, valorizando o espaço sindical, da fábrica. Já as organizações usavam esse espaço para cooptar para a luta armada. Isso é uma diferença de fundo para ser discutida e analisada no futuro.
E a guerrilha de Copacabana?
Durante o mês de abril ficamos mantendo contato clandestino. Não tínhamos muito claro o tempo de duração da ditadura, seu poder de fogo. O Eric, que tinha contato com os marinheiros no Rio, era muito otimista com relação à resistência, política e armada, ao golpe. Então foram criadas condições de se fazer um levantamento. Eu e o Arnaldo fomos fazer levantamento na região de Caparoba no Rio de Janeiro. Eu saí de trem no dia 1º de maio de 64, para encontrar com o Arnaldo, e fazer o reconhecimento da região. Fui para o Rio, quando começaram a estourar os apartamentos, na chamada Guerrilha de Copacabana. Os marinheiros do porto alugavam os apartamentos de uma imobiliária, que alugava também para a própria polícia. O próprio marinheiro é uma pessoa estranha num apartamento de classe média, aqueles que a Polop alugava, no centro de Copacabana. O pessoal chamava a atenção dos porteiros e começou a cair. Aí o Guido Rocha e outro cara que eu não consigo lembrar foram presos. O Arnaldo, preso pelo Cenimar (Centro de Informação da Marinha), na Guerrilha de Copacabana, foi quem fez a primeira denúncia de tortura. Mandou o esquema de como funcionava o sistema de repressão em um mapinha para o Carlos Heitor Cony, que o publicou no Correio da Manhã.
Onde a Polop estava implantada?
Ela esteve implantada no Paraná, no Rio Grande do Sul, em Goiás, em Brasília. No Nordeste, chegamos só até a Bahia. Em Brasília, praticamente era o pessoal de Minas que foi trabalhar na Universidade: o Theotônio (Theotônio dos Santos), o Teodoro Lamounier, a Vânia e outros. O Teodoro logo depois do golpe, disse não ter estrutura psicológica para enfrentar a clandestinidade. Quando eu vim para a Bahia, ele já era diretor do BNDES. Em Belo Horizonte foi um cara muito humano, muito solidário. Simon (Simon Schwartzman) foi da mocidade do PCB, fundador da Polop, integrou o staff que recebeu o Kissinger quando ele veio ao Brasil, hoje não sei o que ele está fazendo. O Theotônio fez sociologia, mas sempre se destacou mais como economista. Editamos na clandestinidade dois jornais: Política Operária, uma folha de ofício dobrada, impressa à mão, e também o boletim, que era semanal. É o que falta hoje ao partido, ao PT falta uma imprensa militante.
A Polop tinha um dispositivo militar?
Não. O Éric, o Ceici Kameiama e o Arnaldo estudavam teoria militar. A preocupação deles era estudar o Karl von Clawsevitz. Era mais uma reflexão teórica do que uma preocupação prática. O Eric defendia que a Polop organizasse o que ele chamava de socorro vermelho, criado na União Soviética. Preparar bases de apoio para solidariedade, em caso de ferimento, ou de uma greve se houvesse de fato um combate. Mas isso numa fase superior, quando tivesse a massa na rua.
Qual era aproximadamente o número de militantes nessa época?
Acho que era por volta de uns 300 militantes, no máximo. A maioria do movimento estudantil e da intelectualidade. O núcleo operário era muito pequeno. Eram os marceneiros, em Minas; os alfaiates e a indústria de vestuário, no Rio, e os gráficos em São Paulo. Só nos marceneiros é que tínhamos uma intervenção que seria o ponto de partida para uma política sindical da Polop. O golpe impediu que isso acontecesse, frustrou a nossa vontade de ter um representante dos marceneiros junto ao coletivo dirigente da organização.
Isso ficou castrado porque fui para a clandestinidade. Fui profissionalizado para ganhar inserção nos movimentos de massa, participava de todos os congressos do movimento sindical, mas como não tínhamos uma política sindical discutida, participava mais como observador. Em 63, a Polop apoiou a fundação do CGT (Centro Geral dos Trabalhadores), só que defendíamos que o CGT não deveria se limitar apenas aos comandos nacional e estaduais, queríamos que fosse organizado nos municípios também. Para uma eventual resistência ao golpe, também participávamos dos grupos dos 11 do Brizola. A história do movimento sindical, daquele período, termina por aí. Fui profissionalizado na direção da Polop, mas continuei trabalhando três dias por semana. Fazia móveis nas casas dos companheiros, consertos, trocava lâmpada, chave queimada. Isso me fez conhecer muita gente, então à medida que a repressão foi avançando era uma coisa complicada, porque eu conhecia todo mundo, nome e endereço verdadeiros.
O pessoal de Minas não é o mesmo que vai para o Colina?
Depois da leitura de Debray, Revolução na Revolução, eles tomaram uma posição contrária ao que se esperava. Eles tinham uma posição conservadora, de direita, e depois tomam uma posição de ultra-esquerda. Aí houve também um fato que o pessoal fez uma leitura equivocada. O Eder conseguiu um exemplar em francês do livro do Debray. O Eric traduziu e publicaram aquilo. Nós não concordávamos que o partido fosse transformado em grupo guerrilheiro, distante da realidade local. Víamos o partido como um instrumento de direção do movimento revolucionário, quaisquer que fossem as circunstâncias. Mas distribuímos massivamente, vendemos o livro entre militantes e simpatizantes. O pessoal da Polop de Minas não fez a mesma leitura crítica. Pelo contrário, assimilou. No Congresso, saiu o racha.
E depois do Congresso?
Devido à divisão, o pessoal avaliou que eu tinha que voltar para Minas, para organizar o que tinha sobrado da Polop: o Nilmário Miranda, o José Antonio (estudante de engenharia), um que usava o nome de guerra de Lima, uma menina que hoje mora em Guarulhos, a Iara e os marceneiros que tinham sobrado. Desses marceneiros, o Ernesto entrou para a direção nacional. Era um operário simples, uma pessoa que não tinha muita informação, que distribuía boletim. Com a clandestinidade, ele veio para a Polop. Aí fizemos uma reunião na qual o Beto deu sua versão sobre o Congresso. A saída do Juarez e do Beto me deixou muito abalado. Como é que a gente ira fazer uma discussão sem esses companheiros? Mas o pessoal do Colina não conseguiu sensibilizar os marceneiros para o movimento de oposição ao Comitê Nacional. Eles fizeram um trabalho junto aos metalúrgicos, a Belgo-Mineira tinha um jornalzinho – O Piquete – e puxaram a greve de abril de 68. Nós já estávamos lá, mas não dava para participar porque não conhecíamos nenhum contato.
Mas você ajudou a organizar a segunda greve?
Eu propus contato com o pessoal do Sindicato dos Metalúrgicos, porque quem tinha que chamar a greve eram os sindicatos. Articulei com o pessoal da Ação Popular, o Ênio Seabra e o Mário, metalúrgicos da Manesmann. Como dirigentes sindicais, também tinham influência na Belgo. Procurei o Benigno que era do partido, diretor do sindicato, a Maria Imaculada Conceição, da Corrente Revolucionária, ligada ao Marighela e ao Mário Alves. Procuramos também o Sr. Joaquim, que era tesoureiro do Sindicato dos Metalúrgicos. Nós fizemos uma reunião na qual coloquei uma proposta de preparação da greve. Tínhamos clareza de que a repressão não ia sair como em abril. Olha, a greve de Contagem foi feita. A Belgo nunca conseguiu parar. O Jarbas Passarinho, que era Ministro do Trabalho, foi correndo porque não podia permitir que se quebrasse o acordo salarial. E ele concedeu um aumento de 10%, o que deu um rebu tremendo no esquema da ditadura. Não ia acontecer uma greve pacífica na data base, ia acontecer intervenção no sindicato. Então montamos a greve que ficou conhecida como a Greve de Contagem. No dia 30 de setembro, os metalúrgicos deveriam estar mobilizados, com organização mínima para dirigir a greve na clandestinidade, mas a partir do próprio sindicato. …
… Como o Sindicato dos Bancários também estava em campanha salarial, eu tinha articulado com eles uma greve de solidariedade. Foi um desastre, prenderam gente adoidado. … Quando eu cheguei na reunião (da direção da Polop) eles quase caem duros, pensando que atrás de mim estava a polícia. Logo em seguida, em 13 de dezembro de 68, sai o AI-5 e fecha-se toda a possibilidade de um trabalho mais de massa. Teve uma reunião nacional depois da greve quando me criticaram por um “um desvio sindicalista”. Nessa reunião eu decidi não participar mais da direção.
E o seu contato com o Mário Alves?
O PCBR procurou a gente para discutir o programa e a questão da Primavera de Praga. O Eric colocava para a gente que não tinha nenhuma informação a não ser pela imprensa burguesa, então era prudente não entrar num apoio aberto. Mas, de qualquer forma, era bom saber quem eram esses caras, que já tinham manifestado apoio. Para discutir essas duas coisas, o Eder arranjou uma chave de um apartamento em Higienópolis. Ele era muito esquecido, muito desligado, fazia mil coisas ao mesmo tempo, e alguma tinha que furar. Eu só conhecia o Mário Alves de nome, ele foi de chapéu e com uma capa de chuva esquisita. Ele só andava assim. Foi também o Gorender. Combinamos aquele esquema em que dois dos companheiros subiriam de elevador dois andares acima daquele onde deveria acontecer a reunião e desciam dois lances de escada. Outros dois desceriam do elevador dois andares abaixo e subiriam dois lances de escada, para despistar o porteiro. Eder foi na frente para abrir a porta. Nesse vai e vem, enfia a chave errada, no apartamento errado e quebra a chave na fechadura. Ficamos esperando enquanto ele foi buscar a chave. O Mário Alves morreu sem saber disso. Um dia eu conto para o Gorender.
E afinal, o que vocês acertaram?
Precisávamos de mais informação para apoiar. O Mário Alves não deu nenhum dado novo a não ser da imprensa, do Jornal do Brasil, informações dadas pelo Mauro Santayanna, que era do Partidão, e portanto não mereciam tanto crédito.
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Foi quando você conheceu o Peri?
A direção nacional do POC[24], que foi escolhida no congresso fez uma cooptação, e cada estado tinha um representante. O Peri eu conheci como um dos representantes da Bahia, um dos últimos moicanos que tinha sobrado do racha com o Colina. Ele foi preso, era um dos quadros da UNE clandestina. O Peri foi preso na casa da Neusa. Quando o Peri foi para uma reunião na casa dela, a repressão já estava de olho. Ele se escondeu atrás da cortina, os caras olharam, não viram ninguém, iam embora, quando viram os pés dele atrás da cortina. Foi levado para o Colégio Militar, tentou o suicídio, cortando os pulsos, pensamos em um esquema de seqüestro, mas não deu certo. O Peri era o maoísta do Comitê Nacional. Eu sei que ele foi preso de novo já no Nordeste, trabalhando com os canavieiros.
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Você conhecia o Pila Vares, o Marco Aurélio Garcia e o Flávio Koutzi?
O Pila Vares parece que foi um dos delegados da fundação da Polop. Ele mantinha contato com o Eric e o Eder e mais um pessoal. Já o Marco Aurélio e o Koutzi eram da dissidência leninista, tomaram a direção do partido. O Marco Aurélio estudou na União Soviética, me parece que ele chegou aqui logo depois do golpe. Ele não esteve no Congresso de fundação do POC, mas era para ser o responsável pela formação de quadros do POC. O Eric dizia que ele tinha estado na União Soviética, que tinha tido uma formação marxista. Do Flávio Koutzi, lembro bem, inclusive acompanhei a trajetória dele na Argentina, quando foi preso e torturado.
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Pediu asilo ao Uruguai?
… Fui o último brasileiro a se exilar. Daí para a frente não negaram asilo a ninguém, mas também não deram asilo a ninguém. Isso foi mais ou menos em 69 ou 70. Foi no governo Pacheco Areco. Voltei para o Brasil em 10 de outubro de 73.
Você teve contato com os tupamaros?
Tive um relacionamento de exilado. Não tinha muito interesse em me aprofundar nas questões locais. Eu era um crítico do conjunto político deles. Não tinham esquema organizativo para os trabalhadores. Em geral, o povo achava que os Tupamaros eram o braço armado do Partidão. Eles não faziam o trabalho que fazíamos aqui, de confronto ideológico. Então tinha toda uma política nacionalista e de uma certa forma populista. Muita gente não participava, nem dos Tupamaros nem da Frente Ampla, apesar deles terem convidado.
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Como foi sua volta ao Brasil?
… Foi o Tarso Genro quem me deu apoio na entrada. Ele foi a primeira pessoa que eu encontrei no Brasil. Era da AV (Ala Vermelha[25]) do Rio Grande do Sul. Já nos conhecíamos do exílio, ele já tinha voltado e vivia legalmente. Eu tinha um companheiro em Juiz de Fora, o Luiz, dono de uma financeira, que foi um bom suporte. Ele fez contato com o juiz auditor, que disse não ter problema em me apresentar. Quando essa notícia chegou, em janeiro de 73, tinha ocorrido aquele episódio do Massafumi, que foi obrigado a gravar um depoimento de adesão à redentora. Eu fiquei apavorado, com medo que fizessem o mesmo comigo. Mas não teve problema, me apresentei na Auditoria.
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Quando você saiu do Uraguai já tinha acontecido o golpe?
Já. Fiquei ainda uns dias. O golpe aconteceu em 28 de junho, esperei minha filha nascer, dia 2 de julho, e saímos no começo de outubro
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E como você retornou à militância?
Meio como se fosse um jornal clandestino, eu comprava o Movimento. Raciocinava o seguinte: o Movimento nas minhas mãos, podem me pegar e querer saber quem é quem no jornal. O Nilmário já tinha saído da prisão, estava articulando a fundação do Jornal dos Bairros. Ele me procurou mas eu não quis entrar, mas deu certo a coisa. Então o Nilmário me procurou para entrar no PMDB jovem, tomar a direção do PMDB de Contagem. Eu coloquei para ele que esse caminho não era o correto. Disse que a única coisa concreta era o PT. Eu via no PT algo como sonhávamos na Polop. Outra coisa também que me despertava era o negócio da anistia. Mas foi à partir do atentado que a direita fez contra o Em Tempo, que assumi mais porque percebi que o resultado da repressão não tinha dado no que eu temia, pelo contrário, houve solidariedade. Então, o meu estado de espírito foi melhorando. Comecei a trabalhar em função do PT e organizei um núcleo lá em casa.
E a Polop?
Eu estava marginalizado do processo de discussão que os próprios quadros da Polop tiveram. Quando o Eric chegou do exílio, em 79, me procurou para discutir uma estruturação dos companheiros da Polop. Talvez tenha sido quem primeiro pensou em organizar uma tendência. Eu não concordei. Achava que a Polop tinha cumprido seu papel. Pelo menos queria isso, apenas aconteceu de uma outra forma. Aí ele não gostou muito. O Nilmário estava fundando o Diretório do PT em Contagem. Nesse intervalo tinham chegado o Theotônio e a Vânia. O Theotônio defendia reconstruir o PTB com o Brizola. Ele e o Betinho eram parte do chamado Grupo do México, que colaborou no Congresso de Lisboa do PTB. Nessa época eu já estava com dificuldades na marcenaria e acabei indo para o extremo sul da Bahia.
Para qual cidade?
Eunápolis. Fundei o PT em Eunápolis, Cabrália e Porto Seguro. Procurei dar uma certa assistência ao partido, mas eu acho muita coisa errada, apesar de o PT ser a melhor coisa que se construiu até hoje. O projeto geral do partido é sempre sacrificado em função de uma cadeira atrás de uma mesa, do aspecto burocrático. O pessoal briga. No 4º Concut você viu o que aconteceu.
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Revista Teoria e Debate nº 62 (abr/mai 2005)
Memória
Paul Singer
por Paulo Vannuchi e Rose Spina[26]
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Qual o seu vínculo com a Política Operária, a Polop?
Fui fundador em 1959. Erich Sachs e eu éramos praticamente os líderes daquele momento da Polop.
Em 1953, nós do PSB elegemos Jânio e participamos do governo. Fúlvio Abramo foi secretário de Abastecimento e um outro membro era secretário de Obras. Jânio no início foi bastante progressista, governava com os chamados comitês. Em 1955, quando foi eleito governador, o partido se dividiu, e os janistas tomaram conta do Partido Socialista. Enfim, em 1956 fomos expulsos eleitoralmente da direção.
Erich Sachs então entrou em contato comigo, para eu escrever em sua revista. Ele era um alemão, gráfico, que no Brasil se ligara ao grupo socialista democrata, formado principalmente na Faculdade de Direito. Ele vinha de uma dissidência do Partido Comunista alemão. O nome Política Operária ele trouxe da Alemanha, pois assim se chamava a facção dele. Nos aproximamos então politicamente, por causa da revista, e decidimos formar uma nova facção, mas tendendo a um partido político de esquerda. Fizemos uma assembléia, na qual estavam Michel Löwi, Emir e Eder Sader, Theotônio dos Santos, Juarez de Brito, Simon Schwartzman, entre outros.
Era a esquerda do Partido Socialista de São Paulo, com a esquerda do PTB de Minas e um grupo do Rio de Janeiro também do Partido Socialista.
Por que formar um novo partido?
O Partido Socialista esta completamente na mão dos janistas e tínhamos divergências fundamentais com o PC. Praticamente alguns meses depois, os janistas foram derrotados no Partido Socialista e saíram em massa, pois o partido apoiava Lott para a eleição presidencial em 1960. Voltamos e tomamos conta.
Coloquei para a Polop que deveríamos assumir a direção do partido, pois não tinha cabimento ficarmos numa organização menor, que pretendia um dia virar partido, quando havia uma legenda que tinha uma história etc. Durante algum tempo tive duas camisas, dirigente do PSB e membro da Polop.
Acabei me afastando da Polop por falta de tempo, não que houvesse divergência política. Isso é de 1960 em diante, período que antecede o golpe militar e o PSB se torna, em São Paulo, o pólo da esquerda. Havia reuniões com o PC, os trotskistas, todos que queriam militar.
Ele abrigava os comunistas também?
Não como membros, mas como aliados, que usavam as instalações e a legenda do Partido Socialista.
No PSB o senhor ficou até quando?
Até 1965, quando o AI-2 acabou com os partidos e criou o bipartidarismo.
Nas principais assembléias estudantis do Brasil, aparece uma certa tripartição, PCB, AP e Polop, que era bem mais “radical” do que o PSB. Que balanço o senhor faz do papel da Polop?
Era um grupo pequeno muito intelectualizado. Erich Sachs era um intelectual, o fato de ser gráfico não significava nada. Éramos da classe operária, mas como intelectuais.
Eu me sentia absolutamente livre para assumir qualquer posição que eu achasse lógica. Por exemplo, nunca aceitei a idéia de que não houvesse feudalismo no Brasil. É só olhar como é que funcionava o latifúndio no Brasil. No fim da escravidão, a agricultura brasileira passou a ter um modo de produção muito semelhante à servidão da gleba. Há uma população que trabalha na terra do patrão ou como meeira. São relações de produção clássicas servis. Inclusive a servidão política, o voto de cabresto. Muito importante na época eram as Ligas Camponesas, que tinham sentido de luta antifeudal. Os primeiros camponeses que obtiveram uma vitória histórica, em Pernambuco, eram arrendatários.
Podemos dizer que o senhor era um dos principais elaboradores marxistas do Brasil nesse período. Sua bibliografia se intensifica a partir de 1968.
Aparentemente influenciei bastante. Estava ativo como teórico de esquerda desde meados dos anos 50. Participei praticamente de todas as revistas que foram feitas, escrevi um artigo sobre crises econômicas que repercutiu muito na Civilização Brasileira, logo depois do golpe militar.
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(Extraído de fotocópia do documento da Solicitação
do reconhecimento de que, como preso político,
foi vítima de crime hediondo de tortura perpetrado
por agentes públicos do regime militar no Estado
de São Paulo, tendo por isso direito a indenização
pecuniária simbólica, previsto na Lei Estadual nº
10.726/01. O requerente e autor desse documento,
feito em São Paulo e datado de 02 de julho de 2002,
foi o camponês, militante sindical e político
Manoel Conceição Santos).26
(Manoel Conceição e a AP)[27]
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Senhoras e Senhores,
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… A violência não tardou e terminamos expulsos novamente, porque o latifundiário e grileiro Manacé Alves de Castro, filho de Raimundo Alves de Castro, delegado de polícia do município, resolveu tomar a terra de nós.
Fomos atacados quando fazíamos uma reunião com todos os lavradores no povoado vizinho de Copaíba dos Mesquitas e o grileiro Manacé chegou com uns 20 jagunços atirando. Eles mataram cinco camponeses na hora com golpes de faca e punhal. Uma velhinha pediu ajoelhada para matarem seu filho, que já estava estirado no chão. A resposta foi uma peixeira enfiada nas suas costas, pregando a velha mulher no chão. Pelo fato de estar chorando, em prantos, porque viu o pai ser morto pelos pistoleiros, um menino de apenas 3 anos foi agarrado pelos cabelos por um jagunço, que o rodopiou e o arremessou sobre uma parede de taipa, onde sua cabeça espatifou-se e seus miolos espalharam-se por cima do corpo do pai morto no chão.
Ferido na perna, por um tiro de espingarda, escapei por pouco, mas naquele instante jurei dedicar toda a minha vida à luta contra o latifúndio. Voltei para Pirapema, ajudei a fundar a Associação Rural que aglutinou 180 famílias de lavradores e partimos para recuperaras pequenas glebas de terras que dona Margarida Soares tinha tomado de nós. A latifundiária reagiu e mandou um tenente e 28 soldados, todos armados até os dentes, atirarem nos trabalhadores e mataram 8 de nós. Mas, desta vez, o povo se defendeu e deixou o tenente e um soldado estirados no chão.
Para fugir da perseguição fomos para Pindaré-Mirim (MA), onde continuamos lutando e sempre observando as lições no livro do mundo, mas agora também aprendendo e ensinando lições no mundo dos livros. Num curso que fiz sobre sindicalismo no Movimento de Educação de Base (MEB). Ligado a Igreja Católica e legalmente reconhecido pelo então Presidente da República, João Goulart, finalmente tomei consciência que para acabar com a exploração e a violência era preciso dizer não ao latifúndio, e também ao capitalismo. E para conseguir isso era necessário educar o povo, lutar contra o analfabetismo e organizar sindicatos de trabalhadores rurais.
Ao sair do curso, em pouco tempo conseguimos implantar, em mutirão, mais de 30 escolas de alfabetização para adultos e crianças no município, as quais demos o nome de João de Barro. Em agosto de 1963 fundamos finalmente, em Pindaré-Mirim, o primeiro sindicato de trabalhadores rurais do Maranhão.
O Brasil precisava mudar. Afinal, na época, a população somava 70 milhões de habitantes, dos quais 38 milhões ainda vivia uma vida miserável na zona rural. Por isso, ousávamos sonhar com aquele Brasil que fazia as Reformas de Base, a estatização das refinarias de petróleo e a Reforma Agrária. Para isso lutavam as Ligas Camponesas, os sindicatos rurais e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), o Comando Geral dos Trabalhadores impulsionado pelas greves operárias de São Paulo, dos petroleiros e dos mineiros, em Nova Lima. Lutavam também a Juventude Estudantil Católica (JEC), Juventude Universitária Católica (JUC), Juventude Operária Católica (JOC) e Juventude Agrária Católica (JAC), uma geração de jovens generosos e sonhadores que vislumbravam um país sem fome, sem miséria, sem opressores e oprimidos e que lutavam pela construção de uma sociedade socialista. Jovens católicos e protestantes, alguns sem religião, políticos progressistas, militantes operários e camponeses, que fundavam a organização política de esquerda Ação Popular (AP), em 1963, na cidade de Salvador, e na qual eu me engajei algum tempo depois.
Mas o Brasil da democracia que precisava mudar, não mudou. Foi golpeado pelos capitalistas e latifundiários, com a ajuda do governo norte americano. João Goulart foi deposto no dia 31 de março de 1964 por um golpe vil militar. O poder é assumido à força pelos militares golpistas que instauraram um regime militar que vai durar 20 anos, acabando com a democracia, retirando do povo o direito de votar nos seus governantes, dissolvendo partidos políticos, cassando mandatos de parlamentares, governadores e prefeitos, fechando sindicatos, perseguindo e prendendo sindicalistas, operários, camponeses, estudantes, padres, artistas, jornalistas, torturando e matando cidadãos.
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4 – Das provas das alegações
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Provas Testemunhais
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Por isso, denuncio ainda os assassinatos de todos os presos políticos durante o regime militar e, particular, dos meus companheiros da Ação Popular Marxista Leninista do Brasil: o engenheiro baiano Jorge Leal Gonçalves, preso e assassinado no Rio de janeiro, em 1970, pelo DOI-CODI e até hoje “desaparecido”, o operário Raimundo Eduardo da Silva, preso em São Paulo e assassinado no DOI-CODI, em 1970, o engenheiro agrônomo Luis Hirata, preso e assassinado pelo DOPS paulista, em 1971, o ex-deputado Paulo Stuart Wright, preso em São Paulo entre 4 e 5 de setembro de 1973 pelo DOI-CODI e assassinado, e até hoje “desaparecido”, o presidente da UNE, Honestino Guimarães e Humberto Câmara, ex-diretor da UNE, presos no Rio de Janeiro em outubro de 1973, assassinados e até hoje “desaparecidos”, os estudantes José Carlos da Mata Machado e Gildo Macedo Lacerda, presos em outubro de 1973 em São Paulo e em Salvador, respectivamente, depois assassinados em Recife, os estudantes Eduardo Collier e Fernando Santa Cruz, presos em 1974, no Rio de Janeiro, assassinados e até hoje “desaparecidos”.
Denuncio ainda que os trabalhadores rurais José Francisco da Silva e Joaquim Matias Neto, militantes da Ação Popular, presos e torturados pela ditadura em 1972, no Maranhão, morreram depois, no final da década de 1970, já fora da cadeia, de seqüelas da tortura. Portanto, também foram assassinados.
Denuncio também os assassinatos de dois companheiros que foram da AP e já estavam no PCdoB quando foram presos e mortos pela ditadura: o engenheiro Rui Frazão, preso e assassinado em 1974, em Pernambuco, e até hoje “desaparecido”, e João Batista Drumonnd, preso em 1976 em São Paulo e assassinado.
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Jornal do Brasil – editoria Brasil, Domingo 24/10/99
Um perfil da luta armada
Livro traz levantamento de organizações e partidos que resistiram à ditadura
VASCONCELO QUADROS
SÃO PAULO – O livro Dos filhos deste solo, de autoria do deputado Nilmário Miranda (PT-MG) e do jornalista Carlos Tibúrcio (Boitempo Editorial e Editora Fundação Perseu Abramo, 650 páginas), é a primeira publicação de referência histórica dos anos de chumbo a fornecer um perfil completo dos partidos e organizações de esquerda que optaram pela luta armada para combater a ditadura militar instalada em 1964. Também mostra o número de ativistas e dirigentes políticos (293) assassinados e as 11 organizações a que pertenciam. O total de mortos apontado no livro, incluindo os que não pertenciam a organizações, morreram no exterior ou se suicidaram chega a 424 casos.
O levantamento tem como base os três anos de trabalho da Comissão Especial, criada pela Lei 9.140 (1995-1998), que analisou 364 casos de presos políticos mortos ou desaparecidos entre setembro de 1961 e agosto de 1979, período de vigência da anistia. Desses, 280 – 132 listados na época como desaparecidos – foram oficialmente reconhecidos como mortos e suas famílias, indenizadas.
Tabu – Isso equivale a dizer que o governo brasileiro, na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, reconheceu oficialmente que o Estado, através dos militares e dos órgãos policiais, prendeu, seqüestrou, torturou, matou e forçou o sumiço de ativistas que confrontaram o sistema – um velho tabu, que até então as Forças Armadas se recusavam a tocar. O reconhecimento é também uma reparação moral à memória de ativistas que, certos ou errados, pegaram em armas para defender um ideal e combater o arbítrio.
Das 11 organizações envolvidas na luta armada, a Ação Libertadora Nacional (ALN) e o Movimento de Libertação Popular (Molipo), que atuavam numa faixa idêntica, foram as mais atingidas pela repressão. Juntas, tiveram 72 ativistas mortos, dos quais quatro foram justiçados por decisões internas e outros quatro faleceram em acidente.
Seqüestro – Dissidência do Partido Comunista Brasileiro (PCB), a ALN era intimamente ligada a Carlos Marighella, que, com o lema “a ação faz a vanguarda”, tentou disseminar a guerrilha urbana entre os anos de 1968 e 1973. A mais famosa ação da ALN foi a participação no seqüestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick, no Rio, com o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8).
No dia 4 de novembro de 1969, a ALN perdia seu comandante e um dos mais expressivos líderes da guerrilha: atraído para uma emboscada na Alameda Casa Branca, nos Jardins, em São Paulo, Marighella foi cercado e executado à queima-roupa com quatro tiros. A ALN permaneceria combatendo até 1975.
Pela ordem de baixas, o Partido Comunista do Brasil (PC do B) foi a segunda organização mais reprimida: 68 militantes foram assassinados, 58 deles na Guerrilha do Araguaia. Do PC do B saíram ainda outras duas organizações, o Partido Comunista Revolucionário (PCR), que tinha suas bases no Nordeste, e o Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), cada um deles com quatro baixas, incluídas entre os 68 mortos.
Guerrilha rural – O PC do B acreditava que o palco da guerrilha seria o meio rural, concentrou sua base de treinamento na região do Rio Araguaia, no Sul do Pará, e praticamente desprezou a luta urbana. Acabou sofrendo uma implacável caçada por parte das forças de repressão, que cercou a região com 20 mil homens.
Um dos poucos que escaparam foi Ângelo Arroyo, que, no fim de 1976, seria assassinado, com outros dois dirigentes de peso do partido, Pedro Pomar e João Baptista Franco Drumond, durante uma reunião do comitê central. O massacre, no Bairro da Lapa, Zona Oeste de São Paulo, ficou conhecido como a Chacina da Lapa.
A Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), fundada pelo ex-capitão Carlos Lamarca – que depois passaria para o MR-8 -, perdeu 37 ativistas, dos quais dois pertenciam ao Comando de Libertação Nacional (Colina).
Ela surgiu em 1968 como uma fusão de dissidentes de outras organizações, tentou implantar um foco de guerrilha e de treinamento no Vale do Ribeira, em São Paulo, e depois participaria do seqüestro de três diplomatas – do Japão, Alemanha e Suíça -, que seriam devolvidos mediante a libertação de presos políticos.
Herzog – O PCB perdeu 38 militantes e sofreu um duro golpe com o desmantelamento, pela repressão, do aparelho sindical que mantinha sob seu controle. Os casos mais famosos de assassinato nos porões da ditadura foram os do jornalista Vladimir Herzog, em outubro de 1975, e do operário Manoel Fiel Filho, em janeiro de 1976. Essas duas mortes desencadearam grandes manifestações contra a tortura e forçaram o regime a recuar. O PCBR, que surgiu como uma corrente revolucionária no Rio e, em 1968, assumiu a condição de partido clandestino, teve 16 ativistas assassinados.
Originado de uma dissidência do PCB, o MR-8 perdeu 15 ativistas. Foi de seus membros a idéia do primeiro seqüestro político no Brasil – o do embaixador americano -, planejado e executado com a ALN, que abriria caminho para a libertação de dezenas de presos políticos, trocados por autoridades e depois banidos. Quando Lamarca morreu, em setembro de 1971, depois de uma implacável perseguição pelos sertões da Bahia, pertencia aos quadros do MR-8.
Adhemar – A outra organização que amargou grande número de perdas foi a Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares (VAR-Palmares), fundada em 1969 como uma fusão da VPR e da Colina. A mais atrevida ação da VAR-Palmares, que teve 17 ativistas assassinados, foi o assalto à residência da secretária e suposta amante do ex-governador paulista Adhemar de Barros, Ana Capriglione. Foi a mais rentável ação da guerrilha: o cofre levado pelos guerrilheiros tinha US$ 2,5 milhões (em valores da época), dinheiro que teria origem na corrupção.
O Movimento Nacional Revolucionário (MRN), estruturado no Uruguai durante o exílio do ex-governador Leonel Brizola, teve 10 ativistas assassinados. Era formado por militantes que já tinham lutado pelas reformas de base antes de 1964 e, mais tarde, por sargentos, cabos – entre eles o maior traidor da guerrilha, o cabo Anselmo José dos Santos – e marinheiros excluídos pelas Forças Armadas.
Liderado por Brizola, o MNR tentou, sem sucesso, montar três focos de guerrilha no país, um deles na Serra de Caparaó, entre Minas Gerais e Espírito Santo. Em 1967, depois de sucessivas frustrações, o MNR registrava várias baixas.
AP – A Ação Popular (AP), resultado do movimento iniciado em 1963 pela Juventude Universitária Católica (JUC), perdeu 10 militantes. Sua direção tinha duas vertentes: uma estudantil católica, liderada por Herbert de Souza, o Betinho, e outra protestante, dirigida pelo ex-deputado Paulo Stuart Wright, irmão do pastor protestante Jaime Wright, um dos organizadores do livro Brasil nunca mais.
Das outras organizações que integravam a linha de frente da guerrilha, a Política Operária (Polop) – que englobava também o Partido Operário Comunista (POC), gerando outras organizações nas quais os autores do livro militaram – teve sete ativistas mortos; e o Partido Operário Revolucionário Trotskista (Port), que existia desde 1953, perdeu três integrantes.
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O Caso do PRT texto inédito,
elaborado por William Jorge Gerab,
organizador desta coletânea.
O CASO DO PRT
William Jorge Gerab
O PRT, Partido Revolucionário dos Trabalhadores, foi um pequeno agrupamento de militantes políticos de esquerda, que existiu sob as duras condições de clandestinidade impostas pela ditadura militar, foi conseqüência de um rompimento político e evoluiu para um processo de fusões com outros agrupamentos, após quatro anos de trabalho de organização e politização nos movimentos sociais. Como acontece até hoje, foi um dos muitos pequenos grupos surgidos das divergências e dificuldades de funcionamento democrático nos agrupamentos políticos. …
Mas, por sua origem e, talvez, por ter surgido já no declínio das concepções guerrilheiras e das organizações armadas, o PRT pode seguir outro caminho, desenvolver sua metodologia de construção partidária e de luta pela transformação socialista voltado para a mobilização social, buscando um forte vínculo com a realidade, na qual viviam seus militantes. Sem a pretensão de esgotar o assunto, este texto tenta, justamente, descrever os motivos e as condições do surgimento desse partido, mostrando também seus objetivos, iniciativas e comportamento, no contexto em que teve presença.
Era segundanista da Escola de Sociologia e Política de São Paulo (ESP), em 1974, quando se iniciou o processo, no qual se inseriu o PRT. Vinha de experiências no movimento estudantil, secundarista e universitário, de algum tempo na oposição sindical bancária – pré-sindicalismo autêntico – e de, no campo político partidário, ter participado da dissidência secundarista do PCB, em São Paulo, durante a segunda metade da década de 1960. …
1- O ambiente na esquerda do final da década de 70:
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Ilusões e equívocos de interpretação das revoluções chinesa e cubana fizeram a ousadia mais sedutora do que o paciente trabalho de organização das bases sociais oprimidas; a visão de mundo stalinista, que dá um papel secundário aos movimentos sociais na luta pela transformação socialista; a avaliação precoce de que as dificuldades econômicas eram maiores do que realmente eram e de que elas levariam a uma perda do controle social; o voluntarismo de achar que ações exemplares e emanações positivas dessas ações, ainda que fracassassem, levariam à multiplicação das mesmas, enquanto a maioria da população sequer conseguia acompanhar ou mesmo entender os acontecimentos, são algumas das interpretações possíveis de parte dos erros cometidos.
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2- A Liga Operária e o primeiro racha interno, o PRT.
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Com a Liga Operária, uma das bisavós do atual PST-U, chegavam a dezenas (depois, centenas e, talvez, milhares) de jovens militantes importantes idéias marxistas, desenvolvidas por Lênin e Trotsky, dirigentes da revolução russa de 1917:
- a importância de construir o partido com base no seu programa político (o programa como eixo);
- o papel do jornal do partido como organizador coletivo, coerentizando a ação de toda a militância (o organizador coletivo);
- o cuidado com o método de organização dos integrantes do partido e a democracia interna, possibilitando a unidade na ação (o polêmico centralismo democrático);
- o caráter internacional da revolução proletária e a necessidade do partido internacional (o internacionalismo);
- a compreensão de como a sofisticação da economia dos países desenvolvidos foi construída à custa do retardamento forçado das economias dos países menos desenvolvidos (a teoria do desenvolvimento desigual e combinado);
- a elaboração de um programa de demandas transitórias, capaz de por em ação os movimentos sociais dos paises coloniais e semi-coloniais e lava-los das lutas por melhorias econômicas e independência nacional até o controle do poder central e reestruturação do poder, rumo ao socialismo, nesses países – demonstrando porque os países economicamente avançados fariam depois a revolução, mas chegariam primeiro ao socialismo – (O Programa de Transição); etc.
Passada a euforia da fundação, do aprendizado das concepções teóricas e políticas diferentes sobre a realidade e das promessas de uma democracia interna efetiva, com a superação do centralismo burocrático e autoritarismo dogmático das organizações stalinistas, começaram a surgir as decepções.
Como fator de afirmação do partido e, em especial, do núcleo profissionalizado de direção, incutia-se a idéia messiânica de que aquele seria o único partido da revolução socialista, o que leva à coincidência com a postura pelo partido único do stalinismo. Se alguma revolução houvesse, sem ser dirigida por esse partido, ainda não seria a verdadeira revolução socialista. Mais do que isso, se algum outro partido estivesse ocupando o lugar “reservado” a esse partido, crescendo na mesma base social, por exemplo, seria um partido usurpador e, portanto um partido inimigo a ser destruído.
A concepção de partido se afunilava, a ponto de se poder resumi-la ao núcleo de dirigentes profissionalizados. A democracia interna era cuidadosamente controlada, sendo que as divergências surgidas num setor não possuíam canais para ser discutidas, também, em outros setores. A insistência na tentativa de homogeneização das discussões de divergência no conjunto da organização, fossem através de documentos e/ou contatos pessoais, era passível de pesadas punições, inclusive a expulsão.
Fechando o círculo de aço do controle do funcionamento interno, a ampliação desse núcleo de dirigentes profissionalizados dependia, exclusivamente, da direção estabelecida – os militantes de base não podiam opinar, tanto sobre quando se ampliaria, quanto sobre quem comporia essa ampliação. Todavia, isso não conseguia impedir uma certa disputa, mesmo com resultados previsíveis, pelos cargos profissionalizados.
Paralelamente, havia um forte culto a um ente abstrato e fictício: “o operário ou a operária”. Equivocadamente, emanava-se um ser ideal do conceito de classe operária como dirigente da revolução socialista, que saberia de nascimento, mesmo que a sua classe ainda não tivesse se constituído em sujeito coletivo, o que fosse certo ou errado para a construção de uma nova sociedade.
Com a combinação de todos esses fatores, estava criada uma situação, na qual os militantes de base para poderiam ser deslocados para as fábricas (proletarização) ou para o movimento estudantil e, em conseqüência dos ou acertos, inflar ou encolher o número de integrantes, pois essas oscilações não afetariam, de imediato, o poder de decisão política do tal núcleo dirigente. Assim, direção central construía uma blindagem protetora, que a liberava para quaisquer desvios, como os voluntaristas e/ou impressionistas[28], mexendo negativamente não só com a vida política dos militantes de base e intermediários, mas, também, com as suas vidas familiares e com suas condições, enquanto trabalhadores ou estudantes.
Não tardaram a surgir divergências mais sérias: primeiro, na disputa por profissionalizações; depois, numa afobada e equivocada decisão por panfletagem aberta no ABC, que levou à prisão e tortura de dois militantes proletarizados; e, ainda, pelo impedimento de circulação interna de um documento de crítica à direção, elaborado por uma célula (agrupamento de militantes de uma mesma frente de luta) operária, da qual alguns membros protagonizavam as polêmicas com o núcleo dirigente. Num encontro de rua, entre o coordenador da célula e um membro da direção, houve uma troca de textos: o da célula anunciava o afastamento de todos os seus integrantes da organização, já o da direção comunicava a expulsão de dois desses integrantes.
3- O PRT (1977-1981): a síndrome de membro da 4ª Internacional, a trajetória e o processo de fusões.
A origem no movimento estudantil de parte da célula operária, que se desligou da Liga Operária, permitiu um pequeno rompimento do bloqueio do contato entre as células, imposto pelo núcleo dirigente. Com isso, uma célula estudantil pode solidarizar-se com a operária e foi juntar-se a ela. Tinha-se, isso já no final do ano de 1977, a composição inicial do que seria o Partido Revolucionário dos Trabalhadores, o PRT. Na verdade, por mais ilusões que tivessem, esses militantes não achavam que poderiam, sem surpreendentes avanços quantitativos e qualitativos, sequer iniciar as gigantescas tarefas, que aguardavam uma organização revolucionária.
Tratava-se de esboçar um rumo, manter os militantes unidos e buscar contatos internacionais, no âmbito do morenismo. Talvez, assim fosse possível fazer as discussões, que não podiam ser feitas na seção brasileira, provocar mudanças democráticas no funcionamento da dessa organização e, no futuro, poder voltar para a L.O. Para alcançar esses objetivos, definiu-se:
– o aprofundamento da atuação nas categorias profissionais, as quais se avalia serem as prioritárias no país e nas quais já estávamos, metalúrgicos de São Paulo e de São Bernardo, assim como no movimento estudantil, a partir da Universidade de São Paulo (USP);
– a elaboração um jornal para divulgarmos e discutirmos nossas posições sobre políticas nacionais e internacionais; outro jornal para servir às atividades sindicais, cujos nomes homenageavam as publicações do Partido Bolchevique[29], “A Verdade” e “Faísca”, respectivamente e
– a elaboração de dois tipos de boletins mensais de circulação interna, cujas edições se revezavam quinzenalmente, um para canalizar a linha política do núcleo dirigente, composto por quatro militantes eleitos, sendo que o outro era destinado à divulgação de propostas e divergências de qualquer militante;
– a busca contatos internacionais, a princípio pelo correio, enviando cartas e nossas publicações a partidos da América Latina, além de buscar e desenvolver contatos com organizações políticas brasileiras internacionalistas.
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Viabilizou-se a viagem à Colômbia, que deixou claro serem as posições da L.O., não só apoiadas internacionalmente, mas que partiam de orientações internacionais do setor minoritário do S.U. Com isso, terminaram as expectativas de reconhecimento por aquele núcleo dirigente internacional, do PRT como uma segunda seção nacional. Por outro lado, este partido estava liberado para definir uma outra identidade internacional.
Alguns meses depois dessa viagem, viabilizou-se a realização do Congresso, que atingiu seus objetivos de definir políticas, criar uma instância mais ampla e superior de direção, permitindo que houvesse um Comitê Central e uma Executiva, além avançar na coesão interna – por ter debatido as divergências e construído consensos. Porém, com as precárias condições financeiras, baseadas apenas nas cotizações mensais dos militantes e campanhas pontuais, só foi possível adquirir o novo mimeógrafo um ano mais tarde, já em 1979.
Com o aumento da tiragem dos instrumentos de divulgação das propostas políticas, combinadas a consolidação da presença do PRT, nas respectivas frentes em que atuavam seus militantes, o partido pode experimentar algum crescimento, tanto no número de participantes, quanto na sua influência sobre as decisões tomadas democraticamente nas mencionadas frentes do movimento social. Isso era resultado, não só do adequado uso dos seus periódicos e da militância séria e comprometida com suas propostas políticas, mas também pela dinâmica democrática entre as instâncias partidárias e no interior delas:
- as divergências eram divulgadas e discutidas, mais do que isso, apesar de nunca terem sido necessárias, fosse pelas pequenas dimensões do partido, fosse pela curta longevidade que, afinal, acabou tendo, o acúmulo propiciado por experiências partidárias anteriores, permitia a existência da regulamentação de alternativas para a organização de minorias internas,
– a “corrente de opinião” (no caso de divergências pontuais e limitadas no tempo),
– a “tendência” (para divergências parciais, mas duradouras, com relação às linhas políticas) e
– a “fração” (na situação de divergências de fundo, envolvendo as ou algumas das principais políticas, envolvendo a necessidade de substituição dos e das dirigentes);
- o ingresso e aumento das responsabilidades dos militantes no interior do partido eram marcados por cursos de formação política;
- somava-se o fato de que, a postura contra a discriminação dos setores sociais oprimidos, tinha o seu reflexo na própria composição das instâncias dirigentes;
- havia, porém, uma divergência de fundo, sob o aspecto do método de construção partidária, tratava-se da adoção do “centralismo-democrático” – conceito leninista, definido como “total liberdade na discussão e total unidade na ação”, que impunha à minoria a adoção da posição da maioria interna na ação política na sociedade -, o qual, era visto por boa parte da militância como uma espécie de “corpo estranho”, uma herança compulsória do tal bolchevismo, sem a qual o partido não seria revolucionário, mas que cheirava a autoritarismo dogmático, causando sérias insatisfações para importantes parcelas de militantes, em muitas oportunidades.
Assim, se o trabalho junto ao movimento social tinha resultados positivos, se as publicações realmente contribuíam para o aumento da influência e o crescimento, se as relações internas eram democráticas e fraternais, no início dos anos 80, começaram a demonstrar claros sinais de insuficiência. Havia a perspectiva de um forte ascenso do movimento social. Afinal, já haviam ocorrido greves em 1978 e 1979, possibilitando o avanço dos “sindicalistas autênticos”, que iniciavam a retomada dos sindicato; no início da década de 70 o “Movimento Contra a Carestia dos Preços” já tinha apontado para uma robustecida presença da mobilização popular nos novos tempos, que se iniciavam; o movimento estudantil já havia marcado a sua presença, embora pontualmente, em vários momentos dessa década – demonstrando alguma recuperação do massacre sofrido no final da década anterior.
O Governo Geisel[30], que assumiu em 1974, já dava sinais de que, também, o regime militar preparava-se para a democracia, mas buscando controlar o processo de transição e manter o que pudesse do aparato repressivo. A anistia, cuja Lei foi assinada em 1979 pelo sucessor de Geisel, o General João Figueiredo, acabou sendo ampla: todos da esquerda puderam voltar, porém os da direita – entre eles os torturadores – escaparam da punição por seus crimes. Mesmo com uma poderosa mobilização pelas eleições diretas para a Presidência da Republica, Governos Estaduais e Prefeituras das Capitais e Estâncias Hidrominerais , em 1985 a população teve que amargar, embora só até 1989, mais um governo escolhido pelo “Colégio Eleitoral”.
Apesar de tudo, ao se aproximarem os anos 80, os saltos organizativos eram notáveis. Realizaram-se os Conclat(s) – Congressos da Classe Trabalhadora -, que gerariam a Central Única dos Trabalhadores – CUT e a Força Sindical. Além disso, já se começa a falar e a realizarem-se as primeiras articulações, em torno da idéia de um partido “sem patrões“. O PT já estava a caminho.
O PRT, pelo qual passaram cerca de cento e cinqüenta militantes, mas que, num mesmo tempo, nunca havia tido mais de cinqüenta, já começava a dar sinais de esgotamento. Mesmo que tivesse conseguido elaborar as políticas mais adequadas e que respondessem à maior parte da diversidades de questões levantadas por aquele momento da realidade, já não conseguia atrair ou mesmo reter um grande número de militantes, que se dirigiam para os agrupamentos maiores, com publicações profissionalizadas e intelectuais e dirigentes sindicais bastante conhecidos do público. Esses agrupamentos maiores já não estavam mais tão distantes politicamente, pois o processo de mobilização social fornecia, a todos, fortes indicações do caminho a seguir. Além disso, a clandestinidade das organizações de esquerda já não era tão rigorosa.
4- Se abrindo para o futuro: o processo de fusões.
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É claro que esses procedimentos tinham, como pano de fundo, uma identidade metodológica e uma mesma linguagem, isto é, havia entendimento sobre como se fazer as coisas. Assim o PRT pode aproximar-se e fundir-se à FURP – Fração Unitária pela Reconstrução do Partido, o segundo racha da L.O., que teve motivos muito semelhantes aos do primeiro para o rompimento, com a vantagem de ter quatro vezes mais militantes, distribuídos em três estados e não apenas em um.
Ato contínuo, com um espaço de apenas alguns meses, a nova organização, composta pelos dois agrupamentos oriundos da L.O., repetiu o exercício de discussões, realizações de encontros internos e entre militantes da mesma frente dos dois agrupamentos, de visitas de representantes de um grupo a outro, acordos sobre a proporcionalidade na composição das instâncias de direção e, num segundo Congresso de Fusão, compôs com o agrupamento Democracia Socialista, que reunia seus militantes em torno do periódico “Em Tempo”. Tínhamos, então, no final de 1981, a Organização Revolucionária Marxista – Democracia Socialista – ORM-DS.
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… (O PRT) Conseguiu conduzir-se até uma situação organizativa e política superior. Há acerto na afirmação de serem os acordos totais, característica dos cemitérios. Mas, por tudo o que foi dito neste estudo de caso, pode-se construir um consenso pontual em torno da avaliação de ter tido o PRT uma trajetória vitoriosa.
Anos de 1980 a 2005
Sader, Emir Coleção História Viva
A TRANSIÇÃO NO BRASIL –
Da Ditadura à Democracia?
10ª edição Atual Editora 1991 –
São Paulo.
A TRANSIÇÃO NO BRASIL
Emir Sader[31]
Capítulo 2 – A transição realmente existente.
O sonho de uma transição controlada de cima para baixo foi sendo questionado pela perda de legitimidade do regime militar no transcurso da década de 70, conforme as bases de expansão econômica iam revelando sua fragilidade, a crise social voltava a se expandir e a oposição política a ganhar corpo. Ainda assim, o general Golbery do Couto e Silva, o mais lúcido teórico do regime militar, conforme a doutrina de segurança nacional, propunha um processo de abertura gradativa, que fosse desativando os focos de tensão acumulados pelo regime ditatorial, para que a transição pudesse ser feita sob controle.
Faziam parte desse processo a institucionalização do regime, a anistia política restrita, uma nova lei de partidos políticos – que, ao mesmo tempo que abrisse campo para novas expressões contidas das lutas políticas, enfraquecesse a oposição, dividindo-a – e a convocação de eleições, para governadores primeiro e, finalmente, para presidente da República, numa dinâmica gradual que levaria anos.
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O projeto original de Golbery tropeçou em vários obstáculos. O primeiro foi a campanha popular pela anistia geral e irrestrita, que terminou triunfando sobre o projeto governamental de decretá-la de maneira restrita. Isso possibilitou a volta ao país de todos os exilados políticos, concluindo um período de exclusão prática da cidadania a todos aqueles processados e perseguidos pelo regime militar que se haviam refugiado no exterior. Brizola, Arraes, Luis Carlos prestes, Gabeira e centenas de outros tiveram os seus retornos comemorados simbolicamente como expressão de ruptura dos vetos militares à participação política plena de todos os brasileiros como cidadãos.
Os atos institucionais que haviam caracterizado o Estado de exceção tiveram sua vigência concluída. Com eles, se reabriu o processo de amplo de organização partidária. Até aquele momento, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) abrigava todas as tendências de oposição à ditadura, de moderados como Tancredo Neves a grupos de todas as orientações da esquerda, mesmo os mais radicais[32].
Surgiu uma nova estrutura partidária. A direita, antes organizada na Aliança Renovadora Nacional (Arena) mudou seu nome para Partido Democrático social (PDS), enquanto o MDB assumia o nome de Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Deste saíram setores mais conservadores, como os mencionados ligados a Tancredo Neves – que logo depois voltariam ao PMDB –, e setores à esquerda.
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As tendências mais marcadamente de esquerda saíram do MDB para formar o PT. Neste, o eixo central foi formado pelos sindicalistas de base, antes de tudo pelos metalúrgicos do ABC paulista, mas incluindo também bancários, petroleiros e vários outros setores desenvolvidos nos anos anteriores de resistência à ditadura. Lula, Olívio Dutra, Jacó Bittar, Luis Gushiken, entre outros, a partir dessa atividade sindical e com a fundação do Partido dos Trabalhadores, se lançaram à vida política.
Uniram-se a esse núcleo intelectuais, artistas, profissionais liberais, homens de cultura, gente ligada às atividades direitos humanos, religiosos, todos de concepção que ultrapassava o plano político para o social, com uma visão ética a respeito das injustiças sociais existentes no país. Também se agregaram militantes originários das lutas dos anos 60 e grupos – ou seitas – de tendência trotskista ou maoísta. Em nível de base se juntaram as Comunidades Eclesiais de Base – órgãos populares de trabalho social da Igreja, conforme a Teologia da Libertação, ligadas às pastorais da terra, do menor, operária, etc.
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Ficou assim constituído o novo quadro partidário que seria o cenário político básico da transição: PDS, PMDB, PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), PDT[33] (Partido Democrático Trabalhista), PT. A maior novidade em relação à estrutura partidária anterior ao golpe militar de 1964 era a formação do PT, já que o PDS cobria a direita tradicional, o PMDB reunia os setores heterogêneos do centro e da centro-esquerda, enquanto o PTB e o PDT tratavam de ocupar o espaço do trabalhismo getulista. O PT se diferenciava, já na sua constituição, da esquerda tradicional – PCB, PC do B, trabalhismos. Socialmente, incorporava os setores das classes dominadas normalmente excluídos da vida política, como os sem-terra, os sem-casa, os sindicalistas de base, organizações comunitárias da Igreja, minorias.
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Capítulo 4 – Transição: para o quê?
A nossa transição
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As tutelas militar e financeira pendem sobre o país como espadas que bloqueiam a instalação de uma democracia política e social no Brasil. O monopólio dos grandes meios de comunicação por algumas famílias – Marinho, Bloch, Saad, Santos, Frias, Nascimento Brito, Mesquita, Civita – impede a livre expressão da heterogeneidade de interesses e opiniões existentes no país, trabalhando na direção oposta, de impedir o desenvolvimento da autoconsciência e de uma visão crítica e independente por parte de amplos setores do povo. As condições materiais miseráveis em que se encontram fazem com que as grandes maiorias gastem toda sua energia na luta pela sobrevivência de suas famílias, ameaçadas pela fome, pelas doenças, pela violência, pelas arbitrariedades do Estado, pela justiça classista, pela degradação material e moral a que o capitalismo brasileiro condena quatro de cada cinco habitantes do país.
Apesar de tudo, essas mesmas condições geraram, ao longo do processo de luta contra a ditadura e, depois, no desenrolar de uma transição conservadora, consciência, organização e força social e política próprias por parte do povo, possibilitando-lhe chegar aos anos 90 fortalecido. Essa força vem, em primeiro lugar, de uma organização sindical como nunca o país havia conhecido. A Central única dos Trabalhadores (CUT), que agrupa a maioria dos trabalhadores sindicalizados – um índice ainda baixo, inferior a 20% -, tem uma posição independente diante da tutela tradicional das estruturas estatais sobre o movimento sindical. Ela se fortaleceu no transcurso dos anos de transição, deixando sua rival – Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) – debilitada e dividida em duas entidades, como organização secundária, devido a sua posição moderada e tendente ao acomodamento às estruturas do Ministério do Trabalho e às políticas econômicas do governo.
Em segundo lugar, essa força vem dos movimentos sociais surgidos durante a década, que se cristalizaram em organizações dos sem-terra, dos sem-casa, de resistência à destruição da Amazônia e das reservas florestais e minerais do país, em movimentos agrupando os índios, os negros, as mulheres, os homossexuais – enfim, todos aqueles considerados minorias políticas – consolidando um espaço próprio de luta e de organização. A atuação dos setores progressistas da Igreja e dos sindicatos rurais possibilitou o processo de conscientização e emancipação dos historicamente relegados trabalhadores do campo avançasse grandemente nas áreas tradicionalmente dominadas pelo caciquismo – como o Nordeste, o interior da Bahia e de Minas Gerais. A organização popular, no seu conjunto, se estendeu grandemente e assumiu formas próprias de autonomia e de expressão no campo político.
Na luta política essa força se traduziu no fortalecimento dos partidos, tanto maior quanto mais eles se distanciam e criticam as direções assumidas pela transição. Assim, o partido que melhor captou a dinâmica da sociedade brasileira e as ansiedades da maioria da população foi o PT, seguido pelo PDT e depois pelo PSDB, as formações partidárias que saíram mais bem estruturadas do período de transição. … .
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Cicone, Reinaldo Barros Da Intenção ao Gesto: Um Olhar Gramsciano sobre a Possibilidade de Integração do PT à Ordem Cópia da Dissertação de Mestrado, Apresentada na Universidade Estadual de Campinas – Unicamp – Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, em maio de 1995
Da Intenção ao Gesto:
Um Olhar Gramsciano sobre a possibilidade
De integração do PT à ordem.
Reinaldo Barros Cicone[34]
INTRODUÇÃO
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… Neste estudo trataremos apenas de uma pequena parcela da enorme variedade leituras possíveis da história , da atuação e das concepções políticas do Partido dos Trabalhadores. Esta parcela será composta quase que exclusivamente das Resoluções Partidárias aprovadas em seus encontros Nacionais, principalmente do V ao IX. Ao menos formalmente, são estes textos que trazem a avaliação da atuação partidária e que traçam sua estratégia para o futuro. Utilizaremos também alguns outros textos partidários não aprovados em encontros, artigos escritos por militantes petistas e de outros estudos sobre o PT, elaborados anteriormente.
Dois são nossos objetivos. Em primeiro lugar pretendemos conhecer e compreender o desenvolvimento dos conceitos de Partido, Estado, Socialismo e Hegemonia do PT, ao longo de sua história. Para esta compreensão utilizaremos os conceitos elaborados por Gramsci, notadamente no período do cárcere. Pretendemos verificar o grau de aproximação entre resoluções partidárias e as idéias gramscianas sobre estes pontos. Em segundo lugar pretendemos verificar o grau de rebaixamento dos horizontes do Partido, ao longo de sua história.
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Outra análise importante deveria confrontar as decisões partidárias com a prática do PT, isto é, verificar em que medida as resoluções são efetivamente praticadas. … Infelizmente, esta análise não cabe em sua totalidade, nessa dissertação. …
Capítulo II – Da Fundação ao IV Encontro Nacional
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No início de 1978, aquele que seria a principal figura do PT até hoje, Lula, ainda era contra a criação de um partido. Em julho do mesmo ano, entretanto, Lula já admitia a necessidade de criação de um (ou mais) partido(s) e, em 1979, compreendia plenamente a necessidade do PT.
Um dos princípios básicos do PT, desde sua fundação, é o da democracia interna e o respeito às diferenças. E não podia ser diferente, uma vez que haviam vários grupos envolvidos na construção do PT:
- a) Um grupo de intelectuais democráticos e/ou de esquerda;
- b) políticos da esquerda do MDB;
- c) setores progressistas da Igreja Católica,
- d) vários grupos políticos de esquerda;
- e) setores vinculados ao movimento sindical.
Estes diversos grupos, principalmente as mais de dez organizações[35] de esquerda, possuíam diferentes concepções de partido, revolução, diferentes táticas e estratégias para a superação do capitalismo, além de diferentes formas de encarar o PT, isto é, se como partido tático ou estratégico, de massas ou de quadros, como partido ou como frente de partidos, etc.
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Em seu início o PT decidiu priorizar a ação nos movimentos sociais em detrimento de uma ação mais parlamentar. Neste momento de afirmação do seu projeto, também optou por evitar alianças eleitorais: ”assim, o PT não fará coligação. Não por uma questão de princípio, mas por uma questão de tática. Fazer ou não coligação depende do momento político, do programa proposto e dos partidos que estejam interessados em realizá-la”. (Carta Eleitoral – 1982 -, Partido dos Trabalhadores)
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No Manifesto de Fundação, de 1980, as idéias de Socialismo, Democracia Interna e democracia como valor permanente apareceriam claramente. A importância e a forma de construção da democracia aparecem no primeiro parágrafo do Manifesto, o que se justifica também pelo fato do PT surgir lutando contra uma ditadura. “O Partido dos Trabalhadores surge da necessidade sentida por milhões de brasileiros de intervir na vida social e política do País para transformá-la. A mais importante lição que o trabalhador brasileiro aprendeu em suas lutas é a de a democracia é uma conquista que, finalmente, ou se constrói pela sua mão ou não virá (…) Queremos a política como atividade própria das massas que desejam participar, legal e legitimamente, de todas as decisões da sociedade.”
A idéia de partido enquanto “Estado em Potência” também aparece desde o início: “Queremos, por isso mesmo, um Partido amplo e aberto a todos os aqueles comprometidos com a causa dos trabalhadores e com o seu programa. Em conseqüência, queremos construir uma estrutura interna democrática, apoiada em decisões coletivas e cuja direção e programa sejam decididos em suas bases.”
Embora pouco elaboradas, a crítica ao Capitalismo e a defesa do socialismo também aparecem desde o Manifesto: “O PT nasce da decisão dos explorados de lutar contra o sistema econômico e político que não pode resolver seus problemas, pois só existe para beneficiar uma minoria de privilegiados.”
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Tratava[36] também da forma como o PT encarava a construção desta sociedade: “o socialismo que nós queremos se definirá por todo o povo, como exigência concreta das lutas populares, como resposta política e econômica global a todas as aspirações concretas que o PT (é) capaz de enfrentar. Seria muito fácil, aqui, sentados comodamente no recinto do Senado da República, nos decidirmos por uma definição ou outra. Seria muito fácil e muito errado. O socialismo que nós queremos não nascerá de um decreto, nem nosso, nem de ninguém. O socialismo que nós queremos irá se definindo nas lutas do dia-a-dia, do mesmo modo como estamos construindo o PT. O socialismo que nós queremos terá que ser a emancipação dos trabalhadores. E a libertação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores.”
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Plataforma Nacional Aprovada[37]:
“1. Sem liberdade a vida não vai mudar;
- Num país tão rico é possível acabar com a fome;
- trabalhadores do campo: terra e melhores salários;
- Não é por falta de tijolo que o trabalhador não tem onde morar;
- Neste País há pouca saúde e muito lucro com a doença;
- A educação e a cultura são um direito e não um privilégio de classe;
- Somos todos iguais: chega de discriminações;
- No dinheiro do povo ninguém poderá meter a mão;
- Com os contratos de risco os tubarões pouco arriscam e muito petiscam;
- O poder para os trabalhadores e o povo;
- A luta dos trabalhadores é a mesma em todo o mundo;
- Só o socialismo resolverá de vez os nossos problemas.
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Em outubro de 1982 foi lançado o documento O PT e a Economia. Projeto de Programa Econômico. Este documento recebeu apoio de diversos economistas , mesmo não petistas.
Este documento reafirmava o caráter socialista do PT, mas também tratava das questões de curto prazo.
Propunha a renegociação da dívida externa, submetendo o seu pagamento ao crescimento da economia e da satisfação das necessidades básicas da população. Afirmava também que estas negociações deveriam ser conduzidas por um governo democrático e com respaldo popular, deveriam tratar de uma nova política industrial que permitisse o aumento da produção e a substituição de importações, e não a redução do consumo interno. Além disso, estas negociações deveriam ser articuladas com outros países devedores, a fim de aumentar o poder de barganha dos endividados.
Denunciava o desemprego de cerca de cinco milhões e setecentas mil pessoas e propunha o salário desemprego. Além de medidas para aumentar a oferta de empregos, como a jornada de quarenta horas semanais, aumento dos serviços públicos de natureza social, reforma agrária, créditos especiais para setores industriais que utilizassem mais mão-de-obra e que produzissem bens de consumo popular.
Defendia o aumento imediato do salário mínimo, a autonomia sindical, o direito de greve, a estabilidade no emprego e a construção de uma central sindical como forma de garantir a distribuição de renda no país.
Propunha escala móvel de salários para garantir os trabalhadores da inflação, “disputa entre as classes sociais para manter ou aumentar a sua participação na renda nacional”.
Defendia também uma reforma tributária e fiscal que cobrasse mais impostos diretos que indiretos, aumentasse os impostos sobre grandes heranças e produtos de luxo e isentasse os produtos de consumo essencial, entre outros.
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Em 2 de junho de 1983 ocorre o lançamento do Manifesto dos 113, embrião da Articulação. Defendia “o caráter estratégico do PT, sua independência de classe e sua participação na vida política nacional.” Criticava também as posturas conciliatórias e autônomas de vários deputados e de alguns setores do partido, acordo com o mote Terra, Trabalho e Liberdade, criticava as tendências que se comportavam como partidos dentro do Partido e os comandos paralelos no interior do PT.
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CAPÍTULO III – O PT LÊ A CONJUNTURA
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Apesar da diferença entre a intenção do IX Encontro[38] e a realidade da campanha não caber neste texto, não podemos deixar de notar a astronômica distância entre a linha de campanha aprovada pelo IX Encontro e a colocada em prática pela direção da campanha. A troca de elogios entre Lula e Fernando Henrique, a poucas semanas do primeiro turno; a insistência em debater o programa, quando sabidamente o candidato do governo apresentava um livro vazio; a tentativa de comparar as propostas petistas preparadas ao longo de anos com as propostas demagógicas do adversário, e não insistir na linha de que estas propostas não poderiam ser aplicadas devido aos acordos com os conservadores, são ilustrativos de apenas uma parcela das diferenças entre as decisões e a prática. Diferenças estas que consideramos como uma das causas fundamentais da derrota do candidato da Frente Brasil Popular.
Capítulo VI – Concepção e Construção Partidária
do V ao IX Encontro
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O PT percebeu a necessidade de repensar a organização partidária. Já que crescia a responsabilidade e novas tarefas impunham-se ao partido, principalmente as tarefas institucionais.
… Para o VII Encontro[39], o modelo de socialismo deveria estar relacionado com o modelo de organização partidária. Nenhum dos dois, dizia-se, pode ser simplesmente importado de outras experiências. Detectava-se um descompasso entre discurso e prática organizativa petista.
Para superar esta falta de sintonia era necessário tomar algumas iniciativas, teóricas e práticas. Era preciso desenvolver melhor sua concepção de socialismo e a forma para alcançá-lo. Esta elaboração deveria facilitar a criação da identidade que o partido necessitava. Este processo deveria abarcar a ação institucional, mas não deveria se restringir e nem se subordinar a ela.
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Considerado por muitos, dentro e fora do PT, como um encontro distinto dos demais pela radicalidade das suas resoluções, na verdade o VIII Encontro[40] rompeu apenas com a prática que a direção partidária vinha adotando, e não com as resoluções aprovadas nos encontros anteriores do PT. Em muitos pontos, apenas reafirmou pontos já aprovados anteriormente. Não foi diferente na parte referente à organização do PT.
Se criticava a prática, nada melhor do que fazer um balanço da direção. Em resumo, o VIII Encontro afirmava: “para dirigir a campanha Lula e a ação partidária nos próximos anos, o PT necessita de um novo núcleo dirigente”, uma vez que o atual, desgastado por 3 anos de mandato e, principalmente, pelo “desaparecimento da maioria da política que a compôs”, não estava mais apta a cumprir as tarefas que o partido exigia.
CONCLUSÕES
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Apesar das inúmeras passagens, em todas as resoluções dos encontros, em defesa do socialismo como objetivo último do PT, notamos que com o passar dos anos, seus horizontes vão rebaixando-se. Não se trata, obviamente, de dizer que o PT caminha rápida e inexoravelmente para a social-democracia, mas de reconhecer que as alterações de rumo do partido não decorrem apenas de modificações das concepções ou na forma de encarar a realidade de seus militantes e dirigentes.
O que me parece claro, ao final desta etapa de estudos, é que a conjuntura nacional e internacional influencia significativamente as propostas de governo e a linha de ação do PT. Influencia também, sem dúvida, a relação do PT, seus militantes e principalmente dirigentes, com a institucionalidade.
Percebemos claramente que, quanto mais próximo do poder, menos avançadas são as propostas do partido. O programa do PT vem se transformando, cada vez mais, em um programa de governo, abandonando a utopia socialista de sua fundação. O Mesmo ocorre em relação às alianças. Se antes não se admitia alianças com partidos de ideais e objetivos diferentes, se as alianças poderiam apenas realizar-se mediante um programa, a solução adotada, em muitos casos, foi o rebaixamento do programa a ser proposto.
…………………………………………Sem estas elaborações, sem políticas claras, sem objetivos estratégicos, ganha espaço a luta imediata, conjuntural e, consequentemente, o institucionalismo e o aumento em número e poder dos centros autônomos de decisão (parlamentares, prefeitos, personalidades etc.). Em palavras gramscianas, caso não seja interrompido este processo, o PT caminha seguramente para uma integração passiva à ordem. …
As soluções para reverter este curso e garantir a independência do PT em relação às classes dominantes já foram ditas, escritas e aprovadas. Estão nas próprias resoluções petistas. Priorizar de fato a nucleação, incentivar a formação política e a comunicação, fazer balanços constantes da atuação partidária e das direções, incorporar as massas ao seu projeto, elaborar este projeto, sua concepção de mundo, e difundi-los. Numa palavra, construir a hegemonia das classes subalternas.
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BIBLIOGRAFIA[41]
- Gramsci, Antonio Maquiavel, a Política e o Estado Moderno Rio de Janeiro
Civilização Brasileira 1998 tradução Luiz Mário Gazzaneo.
- Gramsci, Antonio Concepção Dialética da História Rio de Janeiro
Civilização Brasileira 3ª ed. 1978 Tradução de Carlos Nelson
Coutinho.
- Gramsci, Antonio Due Rivoluzioni, In L”Ordine Nuovo…3 jul. 1920 Citado por
Dias, Edmundo Fernandes Democracia Operária Campinas Unicamp
1984 vol 2.
- Dias, Edmundo Fernandes Democracia Operária Campinas Unicamp
Série Teses 1987.
- Gadotti, Moacir & Pereira, Otaviano Pra que PT – Origem, Projeto e
Consolidação do Partido dos Trabalhadores São Paulo Cortez 1989.
- Partido dos Trabalhadores. Manifesto in: Documentos Básicos do Partido dos
Trabalhadores São Paulo Sindicato dos Bancários 1990.
- Pont, Raul Breve História do PT Brasília Câmara dos Deputados 1992.
- Pomar, Valter Ventura da Rocha A Hora do Balanço (Quem são os radicais
do PT e como lutam contra os sociais democratas) – versão preliminar
São Paulo novembro 1994.
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Entrevista de Plínio de Arruda Sampaio aos
Entrevistadores: Verena Glass, Marina Amaral, Natalia Viana, José
Arbex Jr, Marcos Zibordi, Ricardo Vespucci, Thiago Domenici da
Revista “Caros Amigos” – (nº98 – maio/2005).
O sonho de um resgate
Plínio de Arruda Sampaio[42]
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….Daí o Lula começou a fazer o PT aqui, Aí, o José Álvaro Moisés me telefonou e disse: “Olha, estamos fundando o PT, o Lula pediu para você fazer um projeto de estatuto”. Então, eu voltei e comecei a ter contato, mas não entrei no PT no primeiro dia. Pensei: “Deixa eu olhar”. Porque eu estava escabreado[43]. Aí, quando percebi que o negócio era forte mesmo, fiz o tal projeto de estatuto, que era realmente para fazer um partido popular, socialista, democrático. A idéia era de um núcleo de base, todo poder ao núcleo de base. Como é que você faz um esquema de partido? Direção, direção regional, direção municipal, eu fiz ao revés o núcleo de base, a coisa era o núcleo. E fiz um processo de consulta em que se faria o seguinte: você tem aqui o diretório nacional, aqui o diretório estadual, o diretório municipal, o núcleo. Então, nenhum toma decisão sem consultar o núcleo. O diretório municipal não tomas as decisões municipais sem consultar o núcleo. Então há esse xis núcleos, centenas de núcleos, e você faz a consulta à base. Fiz isso detalhadamente.
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Marcos Zibordi – E o que aconteceu com esse estatuto?
A primeira coisa foi o seguinte: fizeram uma comissão de advogados pra examinar o estatuto, fizeram três projetos, apareceu um de uma corrente, outro que um companheiro fez, e o meu. Então votaram a minha tese, aí fez-se uma comissão de advogados para examinar, a comissão veio para mim e disse: Plínio – isso é 80 ainda, ainda é ditadura -, você fez um texto tão detalhado, amanhã essa Justiça Eleitoral nos impede de funcionar. Vamos fazer o seguinte, a gente põe o princípio e depois isso vai pra regulamento”. Não gostei, mas não tinha como, era um argumente forte e aceitei. Meu núcleo era excelente.
Mariana Amaral – Qual era?
O do Ibirapuera, eram pessoas de correntes diferentes, de pensamentos diferentes, mas era um respeito espantoso e dava grandes discussões, o pau comia.
José Arbex – Durou três anos isso, né? Acho que foi a campanha de governador do Lula que acabou…
Quando veio a campanha do Lula para governador, tive uma discussão difícil com o Weffort, um pouco porque eu disse o seguinte: “O Lula não vai ganhar, então vamos uma campanha mais par organizar o partido”. Ficaram bravos comigo: “Campanha é pra ganhar!” Fizeram um esforço brutal, desmantelaram tudo para virar comitê eleitoral, é o que acontece no PT. E é isso que já chega um pouco nessa posição que eu estou hoje e não é de hoje. Há tempos estou com isso, que é o seguinte, o PT começou em dois pés, a proposta do PT é: somos um partido socialista, portanto um partido contra a ordem estabelecida, um partido contra o capitalismo, não somos capitalistas, queremos acabar com o capitalismo. Não está em condições de fazer isso agora. Agora temos uma proposta de transformações estruturais no capitalismo, para amanhã criar condições para a transformação socialista, e esse amanhã não tem prazo, pode ser que as condições surjam amanhã mesmo. Mas, se não surgirem, vai indo, enquanto isso vamos transformando a sociedade brasileira, e para fazer isso precisamos de dois pés. Um é o da pressão direta de massa, é o da desobediência civil, o pé da ocupação. A ocupação é ilegal, ela está além, é o da marcha, o do bloqueio da estrada, é o da rua, e naquele tempo a CUT ia pra rua. Então você tinha a CUT e o MST e, por outro lado, vamos crescer na coisa institucional. Vamos disputar vereança, vamos disputar… nunca imaginei que fôssemos tão rapidamente pro Executivo, achei que teríamos um período grande de Legislativo. Então, o que aconteceu no PT? Esse pé em 1989 parou, porque até 1989 você tinha uma pressão de massa fortíssima. Fizemos a Constituinte, tínhamos dezesseis deputados, mas uma influência enorme na Constituinte, por quê? Porque lá havia o pavor do cartaz da CUT. Tinha deputado que vazia política de clientela comigo na base do cartaz da CUT. “Eu voto isso, mas você fala pro cara lá não colar o cartaz”. Eu dizia: “Não posso, não mando na CUT”.
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Marina Amaral – Mas o impeachment do Collor não deveria ter sido uma porrada na cabeça da direita?
Eu estou convencido de que o impeachment do Collor não fomos nós, quem impediu o Collor foi o Roberto Marinho. Foi a direita, a Rede Globo. Porque ele era demais. Era demais.
José Arbex – Escapou ao controle.
É, ele disse: não, esse cara acaba deixando uma revolução aqui dentro, vamos parar com isso. Ele foi deposto pelos outros. Não foi deposto por nós. Aliás, uma forma muito interessante de saber o lado que ganhou é você pegar a fotografia da massa. Quando é bonita, organizada…
Marina Amaral – Os caras pintadas…
É bonito demais, não é o povo. Mas eu estou desenvolvendo um raciocínio, se não eu perco. O negócio é o seguinte: naquela hora começamos a sofrer derrotas. Eles começaram a ter vitórias. E a partir daí tem um processo, quer dizer a esquerda explode no mundo, e obviamente tem reflexo aqui. Tem reflexo na intelligentsia do partido. Porque a intelligentsia do partido é toda de um socialismo europeu. Então, isso teve um baque aqui no PT, muito forte. A CUT parou, não deu uma greve. E, depois o Fernando Henrique estourou com os petroleiros e mandou um recado dizendo “olha, aqui comigo acabou esse troço”, a CUT acabou.
Marina Amaral – E foi logo no primeiro dia já…
Foi logo no comecinho. Então, o que a gente sente é que a partir daí este pé ficou difícil e este outro ficou muito fácil. Porque você cotejava o político do PT, o vereador do PT, o deputado do PT com aquele deputado tradicionalão, nepotista, os Severinos[44] da vida. Ora, é lógico que o povo moderno, a mocidade e tal começaram a votar no PT. E o PT começou a crescer, crescer, crescer. Até que ele se converteu numa possibilidade eleitoral de conseguir o governo. E aí eu acho que houve uma opção. A opção foi: “Vamos pelo governo”. E uma certa ilusão: a ilusão que, estando no governo você muda. E sempre acho que o fundamental é o poder. Tem o governo e o poder. Mas você pode ir pro governo e não ter o poder. O Jango era governo e não tinha poder.
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Verena Glass – Você acha que, se o Lula fosse pro embate, teria apoio para fazer tudo o que se propôs? O povo brasileiro estaria do lado dele?
Eu acho que teria. E vou dizer por quê. Porque, com 55 milhões de votos, e aquela animação do pessoal, era essa a expectativa. O que todos nós esperávamos? Se o Lula partisse para uma reforma agrária, no primeiro mês, pra valer, vocês se assustariam? Não, nem a direita se assustaria. Porque ela sabia que era isso.
Ricardo Vespucci – Agora, a Carta aos Brasileiros marca uma posição do Lula. Ele assume aquela coisa sobre a qual já vinha falando. Só vou ser candidato quando puder ganhar, tal…
É, o problema aí é o seguinte: ele sofreu uma chantagem. Como é que eu interpretei a carta? Eu disse: “Bom, ele está debaixo de uma chantagem e, dentro da chantagem, disse: “Ta bom, eu truco doze”. Mandou uma carta.
Verena Glass – Chantagem de quem?
Do mercado, porque o mercado ameaçou fazer um estouro antes da eleição. Vocês estão lembrados. O dólar foi lá pra cima. E isso é tudo manipulador da bolsa, isso é chantagem. Isso é grupinho! Que ia fazer uma chantagem eleitoral. Ia assustar o eleitorado e dizer: “Olha, viu, se esse cara entrar, é o que acontece”. Aí ele perdia. “Não, não, tudo bem, eu dou uma carta”. Mas, dentro da carta dá pra fazer mais. Esse é que é o problema.
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José Arbex Jr. – Ele não é uma vítima das circunstâncias objetivas. Ele fez todo o acordo que precisou fazer pra se eleger.
Foi uma opção não só dele, foi de todo o partido, mas ele estava entre aqueles que tomaram essa opção. Houve um debate positivo sobre isso que eu acabei de falar[45]. Um debate sobre a proposta da campanha não pra ganhar, mas pra fazer uma pregação socialista, e fazer uma denúncia. Essa tese foi derrotada. Então, ele tem culpa, sim, tem parte de culpa nisso. Ele também optou por essa linha de “eleição é feita pra ganhar”.
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Entrevista do Sociólogo Francisco de Oliveira
ao Jornalista Roldão Arruda para o
Jornal O Estado de S. Paulo.
Domingo, 6 de Fevereiro de 2005.
NACIONAL
‘PT abandonou suas propostas e tornou-se
governo anti-reformista’
Francisco de Oliveira[46]
Para Francisco de Oliveira, partido perdeu a base trabalhista e hoje ataca direitos que ajudou a consolidar.
Roldão Arruda
No grupo de intelectuais que se uniram 25 anos atrás para ajudar a pensar e a construir o PT, encontrava-se o sociólogo Francisco de Oliveira, professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e um pensadores mais respeitados da esquerda brasileira. Ele participou da histórica reunião no Colégio Sion, na qual o partido foi oficialmente criado, no dia 10 de fevereiro de 1980, e permaneceu filiado até 2003. Em junho daquele ano anunciou publicamente seu desligamento, por não concordar com a política do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Às vésperas de mais um aniversário de fundação, o sociólogo analisa as transformações que PT sofreu no caminho em direção ao poder. Hoje, segundo Oliveira, “a maior máquina partidária do País” tem pouco a ver com sua origem reformista e conduz um governo que ameaça os direitos dos trabalhadores.
As explicações para as mudanças, segundo Oliveira, devem ser buscadas dentro e fora do partido. Ele destaca a globalização e a desregulamentação da economia, que resultaram na eliminação de milhões de postos de trabalho, erodiram as bases do partido e permitiram a ascensão de grupos burocráticos no seu interior.
Nos anos 70, Oliveira trabalhou com o também sociólogo Fernando Henrique Cardoso no Cebrap. No ano passado contribuiu para a fundação do PSOL, a dissidência petista capitaneada pela senadora Heloisa Helena. Aposentado, coordena atualmente o Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (Cenedic), da USP. É autor de A Crítica da Razão Dualista – O Ornitorrinco e Os Direitos do Anti-Valor, entre outros estudos.
O que o senhor destacaria como aspectos mais importantes na trajetória de 25 anos do PT?
Duas coisas. A primeira é a contribuição que o partido deu para a queda da ditadura e a construção de um Estado de direito no Brasil. Isso é inegável. Se você olhar a redemocratização brasileira como uma espécie de poliedro, verá que uma das faces dele é petista. A segunda coisa está em oposição à primeira. É a virada do PT ao ascender à chefia do Executivo federal. Ele abandonou suas propostas reformistas e tornou-se antireformista.
O PT nasceu reformista?
Sim. A imprensa se equivocou muito nas avaliações do PT, tomando-o como um partido revolucionário. Mas ele nunca foi revolucionário – o que não é um defeito, mas uma qualidade. As reformas são um processo da razão, enquanto a revolução é uma irrupção histórica que ninguém pode programar. Os partidos reformistas é que são importantes. Os revolucionários existem quando as condições para as reformas são impossíveis.
Onde o senhor vê o anti-reformismo do governo do PT?
Nas questões centrais. Ele é anti-reformista do ponto de vista dos direitos. O que se vê todos os dias é o governo atacando direitos que o PT ajudou a consolidar no passado.
Sobretudo os direitos do trabalho, que eram a viga central de sustentação do partido.
Ele transformou a vocação reformista num simulacro de políticas assistencialistas.
Refere-se às políticas de combate à pobreza?
Elas não têm nenhum efeito sobre a pobreza. Servem apenas como uma espécie de funcionalização da pobreza. O PT abandonou o desafio que a pobreza sempre representou para a esquerda, para o socialismo, para os democratas. As chamadas políticas sociais não são mais do que o conformismo anti-reformista do partido.
O PT sempre lembra que quando assumiu, o risco Brasil estava nas alturas – e que só foi possível vencer a crise com a política econômica que adotou.
De acordo com um conjunto importante de economistas, a crise não tinha as dimensões que o PT alardeou. O crescimento do risco Brasil e a subida do dólar eram previsíveis. João Sayad, que não é nenhum radical, previu que o dólar chegaria a quase US$ 4 até a posse a governo. E foi o que aconteceu. Era um movimento especulativo, que recuaria tão logo o governo tomasse posse e não houvesse reações armadas ou do empresariado.
O PT inclui entre os bons resultados de sua política econômica a queda do chamado risco Brasil.
O risco caiu para todos os países que, numa literatura ruim, são chamados de emergentes.
Não foi o PT que pôs as coisas no lugar, mas o ambiente internacional que mudou. O risco da Argentina, que deu um calote na dívida dizendo que só paga 75%, é mais baixo que o do Brasil. O risco cai até na Venezuela, o bode preto do Bush.
Como o partido reformista virou anti-reformista? O que pesou? As questões internas, ligadas ao controle da máquina partidária, ou as questões externas?
As duas coisas. A externa é mais fácil de identificar. Está ligada à globalização, que tornou universal o processo de reprodução do capital e a desregulamentação. No livro A Década dos Mitos, Márcio Pochman mostra que entre 1989 e 1999 houve uma liquidação total de 3 milhões de postos de trabalho no Brasil, dos quais 2 milhões no setor industrial.
Houve uma redução quantitativa das categorias mais importantes. O setor bancário hoje emprega um terço das pessoas que empregava há 15 anos. Deu-se, portanto, um paradoxo: o PT chega ao poder quando as forças que o sustentavam já não têm mais força. Isso destruiu a possibilidade da hegemonia, no sentido mais rico da palavra, que é o sentido da direção moral da sociedade.
A globalização detonou as forças de suporte do PT?
Sim. Como já disse, ela foi acompanhada pela desregulamentação nos campos da economia e dos direitos e pelas privatizações, que reduziram a capacidade do Estado de fazer política econômica. Os sindicatos perderam tanta força que a CUT não pôde resistir à reforma da Previdência. Recentemente os bancários tentaram uma greve geral que não deu em nada, ficando restrita às agências do Banco do Brasil e da Caixa.
E as questões internas?
Com o processo de perda qualitativa e quantitativa na estrutura interna, cresceu o outro lado. Emergiu a cara burocrática do PT. Não falo no sentido pejorativo. Refiro-me a uma tendência estudada desde o princípio do século 20 por cientistas políticos, segundo os quais os partidos tendiam a se parecer com organizações burocráticas. Isso quer dizer organizações que calculam, prevêem e ajustam fins e meios. O que chama a atenção é que a burocratização do PT foi muito precoce. O Partido Social-Democrata da Alemanha tem 130 anos. Tornou-se um partido da ordem há menos de 30. O PT passou de reformista a antireformista em apenas 25 anos de história.
Sua argumentação chama a atenção para uma coisa que parece contraditória: as forças sindicais que constituíam a base do PT perderam força, mas ao mesmo tempo são os antigos líderes sindicais que o presidente Lula chama para ocupar postos importantes em seu governo. Como vê isso?
Eles fazem parte do que eu já chamei de uma nova classe social, surgida no processo de financeirização da economia – a cara mais ostensiva da globalização e que no Brasil se sustenta sobretudo nos grandes fundos de pensão estatais. É lá que estão encastelados os sindicalistas convidados pelo Lula. Quem é Luiz Gushiken senão alguém que trabalha há 20 anos com fundos de pensão? Ele faz parte de uma nova classe social que não acumula para si, mas tem a chave do cofre. Os fundos de pensão estatais é que definiam as privatizações no Brasil nos tempos de Fernando Henrique. A outra metade dessa laranja são os tucanos, que, no mesmo estudo sobre a nova classe social, chamei de dublês de economistas e banqueiros. Pedro Malan, depois dos três meses de quarentena, foi bater aonde? Ele é vice-presidente executivo do Unibanco. Edmar Bacha foi bater aonde? Pérsio Arida?
A presença dos sindicalistas na direção dos fundos também é contraditória com a tradição do PT?
Quando o fundo de pensão tem de tomar uma decisão sobre determinada empresa, quais critérios sãos usados? Em primeiro lugar vem a rentabilidade, porque o fundo tem de se prover de meios para no futuro pagar suas pensões e aposentadorias. Qual o último item considerado? O emprego. Eles agem nitidamente como capitalistas. E dos mais vorazes.
Os antigos líderes trabalhistas mudaram o modo de pensar?
Claro. Não só porque o interesse molda automaticamente a cabeça, mas também porque as pessoas estão sendo formadas para isso. Observe a carreira de certos membros importantes do governo. O Gushiken, depois que deixou a carreira de bancário, foi se graduar na Fundação Getúlio Vargas. O Berzoini graduou-se onde? Na mesma FGV. O ex-ministro do Planejamento e atual presidente do BNDES era o quê? Professor da FGV. É evidente a formação de uma nova classe – quer você se apóie no critério de interesse, no modo conceber o mundo, ou no critério de exclusividade.
No conjunto de partidos brasileiros, onde situa o PT?
É a maior máquina partidária brasileira.
Maior que o PMDB?
O PMDB não é uma máquina partidária, mas uma federação de caciques. O PT foi fundado na tradição clássica de esquerda, substancialmente diferente daquela dos partidos de centro e de direita. É da tradição da esquerda formar partidos altamente organizados.
Na eleição passada, os petistas perderam força nos grandes centros urbanos e avançaram nos grotões. Como viu isso?
É uma característica do que Habermas chamaria de perda das energias utópicas. O PT nasceu espraiando-se do centro desenvolvido para as demais regiões e hoje o resultado é inverso.
O que deve acontecer com o partido daqui para a frente?
Continuará formando com o PSDB o par que está no centro de gravitação partidária do País. São os mais modernos do ponto de vista da organização da política. A lástima é que se tornaram partidos estatais – o que representa enorme contradição, pois o partido é uma associação livre criada para representar a sociedade e não para ser uma extensão do Estado. O PSDB e o PT funcionam para cumprir funções estatais. A política tende a ser cada vez mais irrelevante.
O anti-reformismo do atual PT abre espaço para um novo partido reformista e apoiado na classe trabalhadora?
O PT surgiu numa conjunção excepcional e irrepetível. Foi formado num caldo denso de luta pela redemocratização, com a aglutinação de forças contra a ditadura. Hoje o partido tem a pretensão de dizer que inventou a luta, mas quem viveu aquela época sabe que, se Ulisses Guimarães não botasse a cara para apanhar e não saísse liderando a marcha que defendia a greve dos metalúrgicos em 1978, tanto a greve como o PT não teriam acontecido. Deve-se levar em conta também a Teologia da Libertação, que criou uma exigência de transparência em certas bases da sociedade e ajudou a formar o PT; e um movimento sindical que não se repete. Hoje, em decorrência da globalização e da desregulamentação, 60% da força de trabalho brasileira é informal. Como se vai fazer um partido de classe sem classe?
E o PSOL, que o senhor também ajudou a fundar?
O PSOL não vai ser um novo PT, nem restaurar o antigo.
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Texto de João Machado, publicado no jornal eletrônico Palavra
Cruzada – www.palavracruzada.cjb.net – transmitido, também,
em redes de e-mails, à partir do próprio autor – abr/2005.
Abaixo segue uma contribuição para a discussão dos militantes da DS. A partir do dia 21 a parte da DS que ainda está no PT realizará uma conferência nacional. Embora o texto seja voltado para os companheiros e companheiras da DS, acredito que a DS tem muitos amigos que se interessam pelos seus debates. E que, além disso, os temas discutidos interessam também a toda a esquerda.
(João Machado)
QUESTÕES PARA OS MILITANTES SOCIALISTAS DA DS
João Machado (militante da DS e do P-SOL) – 18/04/2005
- 1. A partir de 21 de abril será realizada uma conferência de uma parte da DS. Isto é, será realizada a conferência do setor da DS que ainda está no PT. A maioria da direção da DS rejeitou a possibilidade de uma conferência de toda a DS, quando, em dezembro, votou (de forma ilegítima) a exclusão da corrente dos militantes que participam da construção do P-SOL.
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1) O governo Lula
- Não há dúvida de que a questão fundamental, diante da qual os militantes socialistas brasileiros devem se posicionar, é a de qual é o caráter governo Lula e, a partir daí, quais relações devemos manter com ele. Esta foi, com razão, a questão central tratada tanto na carta que os companheiros Chico Louçã, Daniel Bensaid e Michael Lowy enviaram “aos camaradas e amigos da DS” quanto na resolução do Comitê Internacional da IV Internacional.
A constatação de que o governo Lula tem uma orientação geral social-liberal, e esta orientação é irreversível, está claramente colocada nas contribuições internacionais mencionadas ao nosso debate e, além disso, nas contribuições divulgadas por diversos companheiros e companheiras da DS (bem como por outros setores da esquerda brasileira) nos últimos meses. Não é necessário, aqui, voltar a fundamentá-la.
- Mas, para deixarmos mais claras as conclusões que devemos tirar desta constatação, é importante lembrar um corolário desta constatação: os interesses de classe fundamentais defendidos pelo governo são os do grande capital, nacional e internacional, especialmente do capital financeiro. É justamente este o significado de uma linha geral social-liberal.
Desde a formação do governo, ficou clara a preponderância no núcleo de poder e na composição dos ministérios que têm mais influência de setores alinhados com o grande capital, nacional e internacional, quando não de seus representantes diretos. Desde a campanha de 2002, ficou claro que Lula e seu grupo querem uma aliança ampla com a burguesia brasileira; depois do início do governo, com a montagem da “base aliada”, esta orientação tornou-se ainda> mais evidente. Foi exatamente devido à força da presença burguesa que o governo, desde o início, adotou uma orientação geral neoliberal: estamos numa época em que a burguesia, e especialmente seu setor financeiro, tornou-se neoliberal.
O predomínio burguês existiu apesar de a composição do governo ser bastante heterogênea – onde não houve heterogeneidade foi na ocupação das posições centrais, que condicionam o conjunto do governo.
É importante repetir, para enfatizar: desde o início do governo Lula ficou claro que ele é um governo burguês. Como ele inclui representantes das classes populares, é um governo burguês e de colaboração de classes – o que implica dizer que os representantes populares no governo aceitam subordinar os interesses populares aos interesses burgueses. Sendo a linha burguesa e neoliberal adotada sob a direção de um partido de origem socialista, cabe dizer que a orientação geral do governo é social-liberal.
- Além da presença de burgueses ou de seus representantes nos lugares-chave da área econômica e da montagem de uma “base aliada” com amplo predomínio burguês, a força dos interesses burgueses no governo ficou evidente, também, na orientação geral das suas prioridades.
Uma primeira prioridade, como é bem conhecido, é política macroeconômica conservadora e a manutenção das “boas relações” com o FMI e com o capital financeiro internacional (é claro que “boas relações” aqui é um eufemismo piedoso; o que existe é a completa subordinação da política econômica do governo Lula ao FMI e ao capital financeiro).
Outra prioridade do governo claramente afinada com os interesses burgueses são as principais “reformas” (na verdade, contra-reformas) que ele implementou ou pretende implementar: a “reforma” da Previdência, as Parcerias Público-Privadas, etc. E outra demonstração evidente da orientação burguesa do governo é seu entusiasmo pelo “agronegócio”, que contrasta tristemente com a pouca importância dada por ele à reforma agrária.
- No início do governo Lula, falou-se muito de “governo em disputa”. Mas nunca existiu o que poderia dar sentido a esta caracterização, isto é, uma disputa geral de orientação. Desde meados de 2004, no entanto, quando o maior fortalecimento do já forte ministro Palocci ficou evidente, esta caracterização dificilmente pode ser sequer levada a sério.
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- Outro tema que é necessário comentar é o da comparação do governo Lula com os governos social-liberais europeus, que se tornou bastante comum.
De fato, os governos social-democratas têm assumido uma orientação geral neoliberal, tentando, às vezes, incorporar alguma dimensão “social”. Daí que seu campo político seja realmente o mesmo ocupado hoje pelo governo Lula e pelo “campo majoritário” do PT.
Embora esta analogia seja contestada por alguns defensores do governo Lula que a acham desfavorável ao atual governo brasileiro, a verdade é que ela até atribui ao governo Lula um papel menos negativo do que o que ele desempenha, na realidade. Pois há diferenças importantes entre o governo Lula e os governos social-liberais europeus que lhe são desfavoráveis. A primeira, obviamente, é que o nível de bem-estar que serviu de partida para estes governos é muitas vezes superior ao do Brasil. Aqui, portanto, a crueldade das contra-reformas neoliberais, da retirada de direitos, pesa muito mais do que lá.
Além disso, ainda que os governos social-democratas europeus costumem implementar políticas neoliberais, eles, em geral, polarizam com as forças políticas de direita de seus países, e não se misturam com elas. É justamente o contrário do que acontece com o governo Lula, que incorpora amplamente, na sua base, forças políticas de direita – inclusive várias das mais à direita do país. O PTB, o PL e o PP, por exemplo, não são menos à direita do que o PSDB ou o PFL. Embora este contraste possa ser explicado pelas diferenças entre os sistemas políticos do Brasil e de outros países, ele não deixa de ser um ponto em que o governo Lula contrasta negativamente com seus congêneres europeus.
Há outro ponto, no entanto, em que o contraste negativo do governo Lula com seus congêneres é ainda mais nítido: ele tem uma capacidade muito maior do que os governos social-democratas europeus de “agir por dentro” dos movimentos sociais e das forças políticas mais à esquerda no país (a partir da sua história e das ilusões com que ainda conta). É, portanto, um governo mais perigoso para os interesses populares.
- Por esta e por outras razões, não podemos comparar a situação criada no Brasil com o governo Lula com a que existia antes (no governo FHC, por exemplo) olhando apenas para as diferenças entre os governos. Temos de analisar, também, a configuração geral governo/oposição.
Se tomamos este cuidado, somos obrigados a ir além da conclusão bem conhecida de que há muita continuidade no governo Lula em relação ao governo anterior (e que, inclusive, em algumas áreas, ele aprofundou as políticas de seus antecessores). Temos de levar em conta, também, que ele trouxe a maior parte da antiga oposição de esquerda para o governo, e anulou, em grande parte, o potencial de luta dos movimentos sociais. De fato, o governo Lula abriu uma grande crise nos movimentos sociais e na esquerda brasileira. Foi por isso que ele pôde ir além do governo FHC na contra-reforma da Previdência (lamentável maldade de que, aliás, o próprio Lula fez questão de se vangloriar).
Em conseqüência, somos obrigados a concluir que a chegada de Lula ao governo representou uma mudança na correlação de forças entre as classes sociais desfavorável aos interesses populares e favorável aos interesses burgueses.
- Toda esta avaliação da natureza do governo Lula só pode levar a uma conclusão: este não é um governo do qual militantes socialistas possam participar sem entrar em choque som suas convicções fundamentais. Eventuais “coisas boas” que se fazem no governo devem ser comparadas com as conseqüências negativas da participação: a legitimação do governo, a obrigação de apoiar as grandes maldades, e a conseqüente maior dificuldade para construir uma alternativa ao rumo geral neoliberal. Quem participa do governo Lula torna-se também responsável pelas “coisas más” que ele faz – que têm um peso muitas vezes maior do que as “coisas boas”.
É justamente por considerações como essas, e não por dogmatismo ou por doutrinarismo, que um dos elementos mais importantes na identidade programática da IV Internacional tenha sempre sido a defesa da independência política de classe dos trabalhadores, da qual uma das chaves é a recusa à participação em governos de colaboração de classes (que, como vimos, são governos burgueses, isto é, dominados pelos interesses da burguesia). É evidente que a defesa da participação no governo Lula representa uma ruptura profunda com esta tradição programática.
- Finalmente, esta conclusão quanto ao governo Lula tem uma implicação evidente para as eleições de 2006. Lula será, então, um re-candidato muito mais explicitamente social-liberal do que foi em 2002 (quando a campanha preservou cuidadosamente uma grande margem de ambigüidade, para favorecer a ilusão de que o governo Lula seria um governo de “mudanças” e uma vitória da “esperança”). Portanto, militantes de esquerda, socialistas e revolucionários não poderão, de nenhuma maneira, apoiar esta candidatura. A necessária oposição ao governo Lula, desde agora, combinada com a defesa dos interesses populares que este governo ataca, terá de se prolongar na recusa à sua re-candidatura e na construção de uma alternativa a este governo e ao social-liberalismo. A não ser, é claro, que haja uma mudança radical nas bases políticas da re-candidatura Lula – coisa em que é extremamente difícil de acreditar.
2) O PT
- Muitos companheiros e companheiras sentem que a conclusão resumida no item 14 acima é inescapável, mas recuam diante da conseqüência quase direta decorrente: será necessário também construir uma alternativa ao PT, já que não é imaginável nem que o “campo majoritário” do PT (apoiado por suas periferias, como o “Movimento PT” e o grupo do ministro Berzoini) perca a maioria do partido nem, muito menos, que este campo apresente outro candidato, com outra linha política. Ou seja, a questão da ruptura com o PT, em tempo hábil para a construção de uma alternativa à candidatura Lula em 2006, coloca-se de forma incontornável para os militantes socialistas conseqüentes.
A alternativa ao PT, capaz de ocupar pelo menos uma parte importante do espaço de esquerda que este partido abandonou (e que aliados seus, como o PC do B, também abandonaram), ainda não existe. O P-SOL, tal como existe hoje, representou um primeiro passo – perfeitamente legítimo (como reconhece a carta dos companheiros Chico, Daniel e Michael), mas insuficiente (voltaremos a este tema adiante, na parte 3 do texto). A esquerda socialista do PT e, especialmente, os militantes socialistas da DS, não podem se furtar à sua responsabilidade na construção desta alternativa.
- Diversos companheiros e companheiras concordam em princípio com a constatação feita no item anterior, mas avaliam, no entanto, que é necessário fazer uma “última disputa”, participando do “PED” (Processo de Eleição Direta) do PT.
A idéia de uma disputa a sério no PED, fazendo a fundo tanto a crítica ao governo Lula quanto a contraposição ao “campo majoritário” do PT e a seus aliados, tem muitos atrativos. O principal é a possibilidade de impulsionar, nas bases de militantes socialistas que ainda participam do PT, um debate mais amplo do que houve até agora.
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- Apesar de seus aspectos positivos, no entanto, a linha da disputa a sério do PED tem problemas que precisam ser bem avaliados.
Antes de mais nada, é necessária uma avaliação realista: não se trataria de uma verdadeira disputa, se entendemos por “disputa” um processo em que há alguma possibilidade de ganhar. O resultado do PED e do Encontro que se seguirá já é conhecido desde antes: será aprovado, com algumas poucas modificações, o texto apresentado pelo “campo majoritário”.
Este texto, aliás, deverá incorporar até um novo programa do PT. Segundo o jornal Brasil de Fato, o deputado Ivan Valente, do Bloco de Esquerda, declarou a respeito que esta mudança proposta de programa seria “a assimilação do paloccismo” e “a maior traição dos últimos 25 anos” (Brasil de Fato nº 111, 14 a 20/04/2005, p. 4). Trata-se, é claro, de uma boa caracterização do documento do “campo majoritário” do PT – documento que, como já observamos, e como todos sabem, será aprovado com poucas modificações.
Diante desta aprovação inevitável, e da “traição” que ela representará (segundo a correta caracterização feita pelo deputado Ivan Valente), será difícil a permanência no PT dos setores socialistas conseqüentes. Na lógica da disputa a sério no PED, esta derrota anunciada não invalidaria a linha: o processo todo teria servido para ampliar a consciência de amplos setores da militância petista com relação aos problemas do PT, da sua direção, e do governo Lula. A partir daí, seria possível até uma saída massiva de militantes do PT.
- O raciocínio é sedutor. No entanto, haveria, em primeiro lugar, sérios problemas com os prazos. A votação do PED está prevista para meados de setembro, e o Encontro para dezembro. No dia 2 de outubro se encerra o prazo para a mudança de partido, para os que pretendem disputar as eleições em 2006.
Ou seja, uma eventual saída massiva do PT teria de se dar antes do Encontro de dezembro (quando formalmente a revisão do programa seria aprovada) e imediatamente depois da votação do PED. Haveria tempo e condições para isto?
Além disso, seria preciso confiar na existência já pronta, em setembro, de uma alternativa partidária – o P-SOL, por exemplo. Enquanto se disputa o PED, seria preciso, portanto, contar com o trabalho de outros militantes que, em condições difíceis, já assumiram a tarefa de construir uma alternativa. Digamos que esta é uma linha que pode ser vista como uma escolha que joga nas costas de um punhado de militantes a responsabilidade que deveria ser de muitos mais.
- Este grave problema de prazo, no entanto, não seria o único. Também haveria, muito provavelmente, uma grande dificuldade para fazer os debates necessários no espaço do PED. Por exemplo: será possível discutir neste espaço a natureza do governo Lula, e tratar também da conseqüência desta discussão, que é a impossibilidade para os socialistas de apoiar em 2006 a re-candidatura Lula nos moldes em que ela se anuncia?
Seria possível debater as alianças que vêm sendo realizadas pelo governo Lula e que têm sido anunciadas para 2006 pela direção do PT, e propor em contraposição a necessária alternativa de classe?
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- Ou seja: tomando como dado que não há chances de mudar a natureza do PT com o debate do PED, esta disputa enfrentaria dificuldades de prazos, de temas de discussão, e de público. Não seria um esforço grande demais, desviado dos objetivos mais úteis?
Não seria preferível pensar uma outra maneira de radicalizar o debate no interior do PT, sem o amarramento aos prazos, aos processos e ao público do PED?
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Esperamos que, depois da conferência, possamos debater a situação do país, bem como as tarefas para a esquerda e, especialmente, para os militantes identificados com a DS e com a IV Internacional, com todos os companheiros e companheiras da DS (e de outras correntes) que mantêm uma perspectiva socialista e revolucionária.
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Plínio de Arruda Sampaio Jr. para o Jornal
Folha de S.Paulo – 12/02/2005 – pg. A 3,
Respondendo, após a José Genoino, se
“O PT ainda é um partido de esquerda?”
Réquiem ao PT
PLINIO DE ARRUDA SAMPAIO JR[47].
Decididamente, não. Mas o processo de acomodação do PT às exigências da ordem não ocorreu sem fortes embates dentro do partido. Decididos a chegar ao governo a qualquer custo, os atuais dirigentes do partido esmagaram todos os que se colocaram diante de seu caminho. A vitória do pragmatismo desfigurou o partido. As carreiras individuais sobrepuseram-se ao projeto coletivo. A organização do povo, que constituía a essência da vida partidária, foi abandonada, e o PT virou uma simples máquina eleitoral, com todos os vícios da política burguesa.
Essa guinada à direita é ainda mais grave se lembrarmos que o partido foi forjado nas lutas contra a opressão política e a exploração econômica, tornando-se um importante instrumento do povo brasileiro na sua caminhada pela construção de uma sociedade justa e democrática.
Impulsionado por sua aguerrida militância, o PT cresceu e se consolidou como a principal força política do Brasil, tornando-se o grande portador do sentimento anticapitalista que brota das terríveis contradições de uma sociedade em crise permanente. É inaceitável, portanto, que no seu governo não haja o menor vestígio de transformação social.
Seguindo à risca as recomendações do FMI, o governo Lula aprofundou o neoliberalismo, transformando o Brasil num paraíso dos grandes negócios. Sob a consigna “tudo pelo capital, tudo para o capital”, aos endinheirados o governo oferece vantagens tangíveis: megasuperávits primários, populismo cambial, juros estratosféricos, arrocho salarial, reforma da Previdência, gigantescos saldos comerciais, Lei de Falências, independência do Banco Central, Prouni, Parceria Público-Privada, liberdade para os transgênicos, cumplicidade com os “contratos espúrios” que sangram o erário e espoliam a população, opção preferencial pelo agrobusiness, reforma trabalhista.
Convertido à filosofia do Banco Mundial, o governo do PT abandonou toda veleidade de combater as desigualdades e eliminar a pobreza. Aderindo à lógica das políticas compensatórias, que atuam sobre os efeitos dos problemas sociais e não sobre as suas causas, contenta-se em minorar, dentro das limitadas possibilidades orçamentárias, o sofrimento do povo. Sob a palavra de ordem “tenham paciência e confiem em mim”, aos descamisados Lula faz promessas vãs. Sem qualquer fundamento, ressuscita o “mito do crescimento” -há muito desmascarado por Celso Furtado e Florestan Fernandes. Com uma mão, retira direitos sociais, e, com a outra, distribui fortuitamente as migalhas da arrecadação fiscal, anunciando um punhado de programas sociais esquálidos, mal definidos e desarticulados (Bolsa Família, Fome Zero, Programa de Crédito Fundiário (ex-Banco da Terra), Prouni, Farmácia Popular, etc).
A política externa, apresentada como a frente mais ousada da administração petista, mal dissimula sua subserviência aos cânones da ordem global. Nos fóruns internacionais, Lula faz bravata e cobra coerência neoliberal aos países ricos. Nos bastidores da diplomacia, em troca de um eventual assento no Conselho de Segurança da ONU, negocia o envio de tropas ao Haiti para cumprir o triste papel de gendarme do intervencionismo norte-americano.
A chegada de Lula ao Planalto iniciou o último ato do desmonte. Em nome de uma suposta “razão petista de Estado”, começou um vale-tudo: alianças políticas espúrias, massificação das filiações, acordos eleitorais com oligarquias retrógradas e corruptas, campanhas eleitorais milionárias, atropelos ao estatuto do partido, censura e expurgos de parlamentares, cooptação e intimidação dos militantes, absoluta subordinação do partido aos interesses do Planalto. Enfim, o PT completa seus 25 anos vivendo uma grave crise de degeneração política e moral[48].
A ruptura com a tradição de luta em defesa dos trabalhadores obrigou a direção a sufocar o debate democrático. É inútil continuar lutando nas instâncias do partido. O PT é irrecuperável. O tempo do PT acabou, mas o das transformações sociais não. A retomada das lutas populares é mais necessária do que nunca, pois, ao contrário do que diz a propaganda oficial, nada foi feito para enfrentar os problemas responsáveis pelas mazelas do povo. Na realidade, o Brasil entra na terceira década de estagnação econômica e grave crise social.
Estar livre das amarras do PT é condição necessária para combater o ilusionismo lulista e derrotar a ofensiva neoliberal que acelera o processo de reversão neocolonial e faz avançar a barbárie. Estar fora do PT é condição necessária para começarmos, em franco debate com todas as forças comprometidas com a mudança social, a árdua tarefa de reorganizar a esquerda brasileira.
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REVISTA ESPAÇO ACADÊMICO – ANO III –
Nº 24 – MAIO DE 2003 – MENSAL – ISSN 1519.6186
É possível uma refundação comunista no Brasil?
Por MARCOS DEL ROIO
Prof. de Ciências Políticas da FFC –
Unesp (Campus de Marília – SP)
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A emergência de uma classe operária de matriz fordista potencializou a formação do Partido dos Trabalhadores, um novo partido de viés sindical-corporativo, para o qual confluíram todas as forças dispersadas pela derrota dos anos 60, que não o PCB e o PcdoB. A defesa da autonomia operaria e da organização popular diante da burguesia e do Estado possibilitaram que a vertentes de origem comunista, mas também da Polop e da AP, principalmente esta, tivessem uma influencia decisiva na orientação política do PT ate o inicio dos anos 90. Note-se também que as correntes de inspiração trotskista se fortaleceram de um modo significativo naquele período, potencializada pela organização do PT, ainda que preservando uma crônica fragmentação política.
Em uma conjuntura de ascensão da luta social e da organização popular o PT viu-se beneficiado pela crise orgânica do PCB e também de uma crise persistente do PcdoB, derivada da avaliação de experiência guerrilheira do Araguaia e da inserção internacional do partido, que de maoísta, passara a pró-albanês e voltava a apoiar a política econômica anti-maoista da China. O PCB, principalmente, foi seriamente afetado pela crise orgânica do socialismo de Estado, nucleado na URSS, e de toda sua tradição político cultural. O PcdoB, por sua vez, após a eleição de 1986, estabeleceu uma aliança estratégica com o PT.
A ofensiva do capital contra o mundo do trabalho, que se desenvolvia globalmente desde fins dos anos 70, só encontrou passagem no Brasil no final da década seguinte. A desintegração do socialismo de Estado teve como desdobramento o fim do PCB, em 1992, e criação no seu lugar de um partido identificado com o socialismo liberal (que não mais considera o problema da revolução socialista). Mas também o PT sentiu os efeitos do fim da URSS, o principal trunfo da ofensiva do capital e de sua veste neoliberal.
A partir de seu I congresso, em 1991, o PT começa um sub-reptício deslocamento no seu posicionamento político programático. As tendências reformistas preservam o seus viés sindical-corporativo, só que agora por meio do entrelaçamento com a ideologia liberal-democrática de chegar os governo do Estado, com o fito de governar melhor, governar honestamente e estabelecendo políticas publicas compensadoras ao esbulho do trabalho que o capital promove. Com parte da militância e dos simpatizantes ganhos parcialmente pela ideologia neoliberal, o PT desloca seu discurso e pratica política para temas clássicos do bom governo e da extensão dos direitos de cidadania. Essas vertentes ampliam a sua maioria dentro do partido, ao mesmo tempo em que as esquerdas diminuem a sua influencia nas tomadas de decisão. No limite ocorre a expulsão daqueles que organizaram em seguida o PSTU, em 1994.
Essa tendência de deslocamento ao centro político e de mudança estratégica atingiu o seu objetivo em 2002, quando da eleição de Lula para a presidência da Republica. Foi somente então que as alianças político eleitorais se alargaram em direção ao centro liberal, com as devidas concessões programáticas (ou ate mesmo de princípio). Eleito em uma situação política desfavorável do ponto de vista institucional, mesmo dentro dos limitados objetivos de estabelecer um bom governo que aja em favor do conjunto dos cidadãos por meio de um pacto social – ou seja, objetivos condizentes com a hegemonia burguesa sob a forma liberal-democrática – Lula só pode contar com 3 governadores de seu próprio partido — todos de estados de pouca expressão demográfica e econômica – e com uma maioria parlamentar cujo cerne esta composto pela tendência majoritária do PT, pelo PL e pelo PMDB, ainda que esse não faca parte formal no governo. Mesmo os partidos que se agregaram a coalizão de governo, como o PTB e o PPS, sopram no mesmo diapasão.
Assim, retido dentro das regras do jogo, o governo Lula, eleito com a expectativa de que rompesse com o circulo vicioso da inserção subalterna na chamada globalização neoliberal, tende a fazer um governo social-liberal, uma mera correção de rota na mesma direção. Nessa partida, as esquerdas socialistas revolucionárias que compõem a coalizão governamental estão postadas em uma situação muito difícil. A oposição explicita às diretrizes governamentais pode levá-las a arcar com a responsabilidade de um eventual descaminho do governo Lula, mas o apoio parlamentar, em nome da governabilidade (outra categoria teórica do liberalismo) pode levá-las a trair a sua própria identificação com os interesses operários e populares.
A alternativa do governo Lula para levar a cabo reformas substantivas, que penalizem o grande capital, e a pressão de massa. Contudo, como se pode observar, em nome do objetivo maior da vitória eleitoral, o próprio candidato e a maioria do PT preferiram conter o movimento de massas, embora o poder catalisador do presidente esteja ainda longe de se exaurir. Mas não são muitas as possibilidades de uma reversão de rota que não esteja ligada a uma mobilização de massas, mesmo essa pouco provável se observarmos as tendências majoritárias da CUT e da Força Sindical, cujo objetivo é o de vincular o sindicalismo ao Estado, em uma nova roupagem liberal do sindicalismo corporativo.
E a própria circunstancia histórica do governo Lula que coloca na prática a necessidade de uma refundação comunista no Brasil. Se, como apontam fortes indícios, o governo seguir a sua trajetória social-liberal os comunistas e socialistas revolucionários de todos os matizes deverão ser ejetados do governo e seguir o caminho de um relançamento político no campo da esquerda.
Hoje se apresentam três vertentes principais que vislumbram a fundação de novas organizações políticas de esquerda. Uma que parte do PSTU e visa unificar as forças e tendências políticas inspiradas no ‘marxismo revolucionário’. O escopo é, antes de tudo, caminhar para a unificação das vertentes de inspiração trotskista presentes dentro do PT, seja a influente Democracia Socialista, sejam os grupos de inserção regional como a Corrente Socialista dos Trabalhadores ou o Movimento de Esquerda Socialista, embora não se exclua a participação de outros agrupamentos como Força Socialista.
Uma segunda projeção do relançamento das forças de esquerda parte da idéia de que o PcdoB pode ser o eixo principal da reunificação dos comunistas, agregando o PCB, comunistas que se encontram no PT, mas principalmente uma militância comunista dispersa em pequenas organizações ou em movimentos sociais. Uma terceira tendência vislumbra a reorganização do PT original, a partir de suas principais vertentes de esquerda: a Articulação de Esquerda, a Força Socialista e a DS, além de vários grupos regionais.
É difícil dizer, por ora, qual dessas tendências tem maior potencial de unificação das forças sociais e políticas antagônicas ao regime neoliberal e a sua variante social-liberal. No horizonte tanto pode estar uma consolidação dessas três tendências, a sua transformação em duas, ou mesmo uma tendência a uma real unificação. Na verdade a necessidade da refundação comunista no Brasil se ressente ainda da falta de um grande salto teórico na compreensão da realidade brasileira, ou pelo menos do estabelecimento de uma dinâmica que indique esse caminho.
Os corporativismos de partido e de tendência hoje existentes devem ser deixados para trás para que possa haver uma confluência de diferentes experiências e tradições. E preciso se afastar teórica e organicamente do reformismo social-liberal, afim de que se possa priorizar a questão do trabalho e da sua democracia, disputando a hegemonia no movimento operário e popular. Caso não seja alcançada uma real unificação das forças comunistas e socialistas, augura-se que, pelo menos, uma sólida frente única política se estabeleça, como parte essencial de uma mais ampla frente única de organizações sociais e culturais das classes subalternas.
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Carta de Goiânia, documento político aprovado pelo agrupamento
Consulta Popular, no seu encontro nacional realizado em Goiânia,
nos dias de 3 a 6 de março de 2005.
Produzir e organizar esperança
Luis Bassegio[49]
Adital – Está acontecendo em Goiânia/GO, a segunda Assembléia Nacional dos Lutadores do Povo da Consulta Popular. São quase 300 militantes representantes dos movimentos sociais, entidades, pastorais e intelectuais.
Nos seus 8 anos de existência, a Consulta Popular realizou diversas assembléias de lutadores. A primeira em 1997, em Itaici, na cidade de Indaiatuba, SP. Realizou a Marcha Popular do Rio de Janeiro até Brasília em 1999, seguida de uma assembléia com mais de 4 mil lutadores do povo. Durante este período, vem publicando diversos cadernos de formação política, destinados a todos os militantes sociais do Brasil.
Nesta segunda assembléia, ao fazer a análise de conjuntura, os participantes avaliaram que, apesar de termos eleito um governo com apelo popular, os mesmos problemas da era FHC continuam. A exclusão social se agudiza cada vez mais. È a continuidade da política anterior que privilegia o capital financeiro, o superávit primário, o pagamento da dívida, em detrimento da reforma agrária e dos investimentos nas áreas sociais. Não é à toa que no governo Lula os bancos tiveram o maior lucro da história. Só o Itaú declarou três bilhões de reais.
Os participantes avaliaram ainda que ao continuar com esta política, o governo Lula não tem futuro histórico, pois implementa um reformismo conservador sem mudanças progressistas. Afinal, isto implicaria na necessidade histórica de romper com o império norte-americano, possibilidade nula segundo a postura adotada pelo atual governo.
Os participantes exigem mudanças no rumo da economia. Querem a auditoria da dívida externa e o plebiscito oficial sobre a ALCA.
Buscando conscientizar o povo e suscitar mobilizações sociais, a Assembléia reafirma seus compromissos com a soberania nacional, sustentabilidade com o desenvolvimento do país, com a solidariedade e a democracia popular. Segue firme também na construção de um Projeto Popular para o Brasil, e de um poder popular que vá além dos movimentos sociais.
A palavra de ordem é: produzir e organizar esperança; criar uma estratégia própria para garantir os compromissos com a nação, assim como cada povo deve criar a sua; identificar os inimigos e quais são as lutas que mais nos permitem acumular forças e; ter consciência que estamos em tempo de semear e não de colher.
(CONSULTA POPULAR: História e Objetivos)
Carta de Goiânia
Entre os dias 3 e 6 de março, na cidade de Goiânia, reuniram-se 223 lutadores e lutadoras do povo, oriundos de vinte estados, para debater a situação brasileira, as tarefas para o período que se inicia e o futuro da Consulta Popular. Não foi um evento isolado. Desde 1995, muitos desses lutadores, entre outros, acompanham com grande preocupação os rumos da esquerda brasileira. Em dezembro de 1997, realizamos em Itaici (SP) uma primeira conferência, na qual nasceu a Consulta Popular, que desde então, com acertos e erros, constituiu um pólo permanente de reflexão e de prática.
Identificamos que estava em curso na esquerda brasileira uma crise com três faces fundamentais: uma crise de valores, com a difusão cada vez mais ampla dos valores da política tradicional em substituição aos valores históricos da luta socialista; uma crise de prática, com o crescente afastamento da esquerda em relação ao povo; e uma crise de pensamento, com a perda de referenciais teóricos e estratégicos, substituídos pelo pragmatismo e o imediatismo.
Para combater essas deformações, a Consulta concentrou sua atuação na formulação teórica e política de uma alternativa para o Brasil, na formação e articulação de lutadores do povo, e no apoio aos movimentos sociais. Logo compreendeu que a jornada seria longa, com muitos passos intermediários. Sua organicidade permaneceu insuficiente. Porém, o fato de ela ter-se mantido viva e atuante mostra que correspondia a uma necessidade real. Mais do que isso: sete anos depois da I Assembléia de Lutadores e Lutadoras do Povo, pouca dúvida resta de que nossas preocupações e críticas estavam corretas. Acreditamos que também estava basicamente correta a nossa interpretação da crise brasileira como uma crise de destino que terá de ter uma solução inédita em nossa história, com a chegada do povo ao poder.
Este nosso novo encontro realiza-se em uma conjuntura diferente daquela de 1997 e 1999. A força hegemônica da esquerda brasileira abandonou qualquer projeto de transformação do país, e o governo de Lula gerou grande frustração. É uma situação que tem disseminado perplexidades, aumentado o descrédito do povo na eficácia da ação política e provocado a dispersão de militantes. As dificuldades e riscos daí decorrentes são evidentes. Isso exige de todos um esforço redobrado de superação. Ou construímos as bases para uma intervenção dotada de nova qualidade, ou apenas repetiremos idéias e práticas que são insuficientes para fazer face ao imenso desafio atual.
Escolhemos a primeira alternativa. Convidamos lutadores e lutadoras a realizar um balanço crítico dos erros cometidos e, principalmente, a construir uma organização política que, sempre atuando junto do povo, possa disseminar amplamente uma nova interpretação do Brasil e propor ao país um programa de transformações estruturais. Isso é mais do que somar reivindicações de cada movimento social. Por isso, a Consulta não substitui nem concorre com as diversas formas de coordenação e de articulação de movimentos já existentes.
Reconhecemos e valorizamos o legado deixado pelos lutadores do passado. Porém, tarefas novas demandam soluções novas, a serem construídas no caminho. A Consulta não repete nenhuma fórmula pronta. A organização se constrói na ação pensada.
A base inicial dessa organização política, que começa a constituir-se, é formada, principalmente, pelos milhares de militantes dos movimentos sociais, que são um importante patrimônio acumulado pela esquerda brasileira. Eles serão incentivados a assumir como objeto de reflexão e de prática, de forma ainda mais plena, o Projeto Popular para o Brasil. Assim, essa militância social será agora chamada a organizar-se politicamente em torno de uma causa comum, a causa da Revolução Brasileira.
Considerada em perspectiva histórica, a Revolução Brasileira amadureceu. Mas as condições políticas para realizá-la não estão dadas. Para que isso aconteça, os grupos sociais que vivem no mundo do trabalho e da cultura, unidos ao povo mais pobre – ao qual nega-se hoje acesso às condições mínimas para uma vida digna –, precisarão derrotar os grupos que usufruem a desigualdade social interna e a dependência externa. Nossa sociedade, então, poderá reorganizar-se como uma sociedade socialista.
Assumimos neste encontro de Goiânia o compromisso de dar um salto de qualidade na organização da Consulta Popular. A nova coordenação nacional, aqui indicada, com quinze integrantes, será depositária de uma responsabilidade de direção política clara. Passaremos a ter uma vida orgânica muito mais regular, com princípios, regras e disciplina bem-definidos, no interior de uma estrutura democrática e flexível. Buscaremos melhores métodos de trabalho, a serem adaptados em cada local pelos núcleos militantes. Estabeleceremos metas. Concentraremos os nossos esforços em tarefas multiplicadoras, com destaque para a formação de novos lutadores, o aprofundamento da nossa compreensão teórica e política da crise brasileira, o desenvolvimento de múltiplas formas de comunicação e diálogo com o povo, e o fortalecimento dos movimentos sociais. Prepararemos milhares de militantes para atuarem decisivamente e sem hesitações, junto do povo, quando este decidir tomar em mãos o seu próprio destino.
A Consulta Popular, agora em via de consolidar-se como organização política, considera-se uma parte de um conjunto maior de militantes e lutadores, hoje dispersos, e adotará uma posição cooperativa diante de todas as iniciativas capazes de contribuir para a renovação da esquerda e a refundação do Brasil.
Reafirmamos hoje o compromisso expresso na carta da Assembléia de Lutadores e Lutadoras do Povo realizada em Brasília em 1999: “Estamos construindo uma organização de novo tipo, dirigida para a luta, e cujas marcas são a unidade, a disciplina militante e a fidelidade ao povo. Uma organização que pratica os valores da solidariedade, da gratuidade, da honestidade e do trabalho coletivo. Isso é condição para que possamos enfrentar a crise, de dimensão histórica, que vive o Brasil. Uma crise cuja superação exigirá lutas e sacrifícios, que serão recompensados pela construção de uma pátria livre, justa e solidária.”
Goiânia
6 de março de 2005
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Programa aprovado no Encontro Nacional
de fundação do P-SOL, realizado nos
dias 05 e 06 de junho em Brasília.
P-SOL
Programa do Partido Socialismo e Liberdade
Segue abaixo o programa aprovado no Encontro Nacional de fundação do P-SOL, realizado nos dias 05 e 06 de junho em Brasília. Com esta plataforma programática começamos a construir nosso partido e inauguramos uma nova etapa na elaboração programática do partido que culminará no primeiro Congresso do P-SOL. Neste sentido, os relatórios aprovados nos grupos abrirão a tribuna de debates desta construção programática coletiva que apenas começa. Nos próximos dias o site estará disponível para receber as contribuições que com certeza enriquecerão o debate e permitirão que nosso programa seja construído pela experiência viva dos movimentos sociais e dos seus protagonistas.
Introdução
Este programa estabelece um ponto de partida para a construção de um projeto estratégico, capaz de dar conta das enormes demandas históricas e concretas dos trabalhadores e dos excluídos do nosso país.
Não se trata, portanto, da imposição de uma receita pré-estabelecida, hermética, fechada, imune às mudanças na realidade objetiva e a experiência viva das lutas sociais do nosso povo. Pois definir seus balizadores iniciais de estratégia e de princípio não significa estabelecer qualquer restrição a constantes atualizações, para melhor compreender e representar as novas demandas populares.
Nessa perspectiva de caminhos novos para a discussão de um projeto socialista, a necessidade da construção de um partido de novo tipo se afirma de forma cada vez mais clara. É uma necessidade objetiva para aqueles que, nos últimos vinte anos, construíram uma concepção combativa de PT, e lhe deram a extraordinária possibilidade de abrir as portas para um Brasil sem miséria e sem exploração, mas que viram suas lutas, seus sonhos e expectativas traídas.
A ruptura com o PT começou pelos servidores federais, seguida de amplos setores intelectuais, de segmentos da juventude e de uma significativa parcela da população, fragmentada na rebeldia, mas localizada na quase totalidade de pesquisas de opinião realizadas.
Criou-se, assim, um novo e histórico momento para o país e para a esquerda socialista que mantém de pé as bandeiras históricas das classes trabalhadoras e oprimidas. Na medida em que o governo Lula acelera a rota para o precipício, abre-se um caminho para uma alternativa de esquerda conseqüente, socialista e democrática, com capacidade de atrair e influenciar setores de massas, e oferecer um canal positivo para os que acreditam em um outro Brasil.
Parte I – Bases do programa estratégico
1) Socialismo com democracia, como princípio estratégico na superação da ordem capitalista.
O sistema capitalista imperialista mundial está conduzindo a humanidade a uma crise global. A destruição da natureza, as guerras, a especulação financeira, o aumento da superexploração do trabalho e da miséria são suas conseqüências. Sob o atual sistema, o avanço da ciência e da técnica só conduz a uma mais acelerada concentração de riquezas. A agressiva busca do controle estratégico dos recursos energéticos do planeta está levando à própria devastação destes recursos. A lógica egoísta e destrutiva da produção, condicionada exclusivamente ao lucro, ameaça a existência de qualquer forma de vida.
Assim, a defesa do socialismo com liberdade e democracia deve ser encarada como uma perspectiva estratégica e de princípios. Não podemos prever as condições e circunstâncias que efetivarão uma ruptura sistêmica. Mas como militantes conscientes que querem resgatar a esperança de dias melhores, sustentamos que uma sociedade radicalmente diferente, somente pode ser construída no estímulo à mobilização e auto-organização independente dos trabalhadores e de todos os movimentos sociais.
O essencial é ter como permanente a idéia de que não se pode propor essa outra sociedade construída sem o controle dos próprios atores e sujeitos da auto-emancipação. Não há partido ou programa, por mais bem intencionado que seja, que os substituam. Uma alternativa global para o país deve ser construída via um intenso processo de acumulação de forças e somente pode ser conquistada com um enfrentamento revolucionário contra a ordem capitalista estabelecida. Nesta perspectiva é fundamental impulsionar, especialmente durante os processos de luta, o desenvolvimento de organismos de auto-organização da classe trabalhadora, verdadeiros organismos de contra-poder.
O desafio posto, portanto, é de refundar a idéia e a estratégia do socialismo no imaginário de milhões de homens e mulheres, reconstruindo a idéia elementar — mas desconstruída pelas experiências totalitárias dos regimes stalinistas e as capitulações à ordem no estilo da 3ª via social-democrata — de que o socialismo é indissociável da democracia e da liberdade, da mais ampla liberdade de expressão e organização, da rejeição aos modelos de partido único. Enfim, de que um projeto de emancipação social dos explorados e oprimidos nas condições atuais é um verdadeiro projeto de emancipação da civilização humana, de defesa da vida diante das forças brutais de destruição acumuladas pelo capitalismo imperialista.
A defesa do socialismo, finalmente, não é apenas a defesa das reivindicações dos trabalhadores melhor organizados, mas a conseqüente busca de incorporação das reivindicações e lutas de todos os setores oprimidos. A luta pelo socialismo é também a luta contra todas as opressões, injustiças e barbáries cotidianas.
2) Não há soberania, nem uma verdadeira independência nacional, sem romper com a dominação imperialista
O capital financeiro-imperialista não se limita à sangria do pagamento da dívida e dos ajustes impostos pelo FMI. Pretende impor, agora, com os acordos em negociação (caso concreto da ALCA), as condições para um aumento maior da exploração, com a resultante dilapidação dos nossos recursos naturais e energéticos. A Amazônia é um alvo concreto. O controle da sua biodiversidade, através das “leis de patentes”, e a devastação florestal em busca dos minérios, ou na lógica do agro-negócio, são parte dessa ofensiva. Outro alvo das multinacionais são as bacias da Petrobrás.
Um programa alternativo para o país tem que ter nas suas bases fundadoras o horizonte da ruptura com o imperialismo e suas formas de dominação. O Brasil precisa de uma verdadeira independência nacional. E ela só é possível com uma rejeição explícita à dominação imperial.
3) Rechaçar a conciliação de classes e apoiar as lutas dos trabalhadores
Nossa base programática não pode deixar de se pautar num principio: o resgate da independência política dos trabalhadores e excluídos. Não estamos formando um novo partido para estimular a conciliação de classes. Nossas alianças para construir um projeto alternativo têm que ser as que busquem soldar a unidade entre todos os setores do povo trabalhador – todos os trabalhadores, os que estão desempregados, com os movimentos populares, com os trabalhadores do campo, sem-terra, pequenos agricultores, com as classes médias urbanas, nas profissões liberais, na academia, nos setores formadores de opinião, cada vez mais dilapidadas pelo capital financeiro, como vimos recentemente no caso argentino. São estas alianças que vão permitir a construção da auto-organização independente e do poder alternativo popular, para além dos limites da ordem capitalista. Por isso, nosso partido rejeita os governos comuns com a classe dominante.
4) Reivindicações para a luta imediata e bandeiras históricas para além da ordem
A defesa de melhores salários, o combate contra o desemprego e contra a corrupção, a luta pela reforma agrária, a luta por uma reforma tributária que taxe o grande capital, a luta pela reforma urbana são alguns exemplos de reformas verdadeiramente prementes, que devemos defender com a compreensão de que elas não se realizam plenamente nos parâmetros do sistema capitalista.
5) A defesa de um internacionalismo ativo
São tempos de agressão militar indiscriminada do imperialismo. Os EUA se destacam como país agressor, que agora chefia a ocupação do Iraque, intervém na Colômbia, no Haiti, promove tentativas de golpes na Venezuela e apóia o terrorismo de Estado, de Israel contra os palestinos. A retomada do internacionalismo é objetivo do novo partido. Para além do nosso continente, temos que empenhar todo o esforço no apoio ao movimento anti-globalização, com seus fóruns sociais e suas mobilizações de massas iniciadas a partir de Seattle.
No caso das sistemáticas agressões, guerras de ocupação das grandes potências capitalistas, como no caso do Iraque, devemos levantar de forma inequívoca a auto-determinação dos povos e contra qualquer tipo de intervenção militar.
Parte II – Bases de análise e caracterizações
1) Aumenta a exploração do Brasil e da América Latina
O caráter parasitário do sistema capitalista se faz mais evidente na atual fase da economia mundial. Somente uma parte do capital é mobilizado para adquirir matérias primas, ampliação de recursos humanos e investimentos, renovação de equipamentos produtivos. Sua maior parte se destina a especular sobre o valor futuro da produção, utilizando-se dos mais variados instrumentos especulativos, seja o câmbio das moedas, a dívida pública, a sobrevalorização dos terrenos, as ações das empresas e dos mercados futuros e os investimentos em tecnologia.
O atual regime financeirizado exige um grau bastante elevado de liberalização e desregulamentação das economias nacionais. E, por conta de dívidas externas nunca auditadas, impõe processos de privatização. Acordos como a ALCA e a propriedade intelectual também são fatores de aumento da exploração.
Por conta de benesses tributárias, tais como isenção de remessa de lucros e dividendos para suas matrizes, grandes corporações multinacionais já se apropriaram de mais da metade do capital de toda a indústria instalada no Brasil. Dominam diretamente 1/3 da indústria básica (petróleo, siderurgia, petroquímica, papel e celulose, agroindústria), mais de 80% da indústria difusora de tecnologia (aeronáutica, química fina, eletrônica) e metade de setores tradicionais da indústria nacional (bebidas, têxtil, alimentos, calçados). No setor de serviços aconteceu o mesmo, com a desnacionalização dos bancos, dos serviços de infraestrutura (como energia e telecomunicações) e até do comércio.
O mecanismo da dívida externa segue sendo fundamental neste processo de exploração e de domínio do imperialismo sobre o Brasil. Dos contratos de endividamento externo, disponíveis no Senado Federal, cerca de 92% deles têm cláusulas que permitem ao credor elevar as taxas de juros. Além disso, 49,5% dos contratos renunciam expressamente à soberania, indicando um foro estrangeiro para solucionar controvérsias. Por último, 38,36% dos documentos vinculam o recebimento do dinheiro à realização de programas do FMI ou do Banco Mundial, assim como 34,24% deles impedem o Brasil de controlar a saída de capitais.
2) A classe dominante brasileira é sócia da dominação imperialista
A grande burguesia brasileira é sócia da dominação imperialista. Enquanto no Brasil mais de 50 milhões sofrem com a fome, apenas 5 mil famílias concentram um patrimônio equivalente a 46% da riqueza gerada por ano no país (PIB). Por sua vez os 50% mais pobres, isto é, 39 milhões de trabalhadores, detêm apenas 15% da renda nacional. Enquanto isso, os capitalistas brasileiros seguem especulando com os títulos brasileiros no exterior e mantém bilhões de dólares nas suas contas nas ilhas Cayman, nas Bahamas, nas ilhas Virgens e em depósitos nos EUA. Registrado legalmente no Banco Central, no final de 2002, havia US$ 72,3 bilhões de capitais investidos no exterior de residentes no Brasil. A ampla desnacionalização na indústria e no próprio sistema financeiro nacional — ocorrida nos anos 90 através de fusões e aquisições – foi aceita sem resistência séria de setores da classe dominante nacional; sob a aplicação do modelo neoliberal ficou evidente a incapacidade da classe dominante brasileira e suas oligarquias setoriais e regionais de opor qualquer resistência séria à dominação do capital financeiro.
3) Governo Lula: guinada doutrinária a serviço do capital
A vitória de Luis Inácio Lula da Silva foi uma rejeição do modelo neoliberal lançado no governo Collor, mas consolidado organicamente nos dois mandatos de FHC. Seus 52 milhões de votos eram a base consistente para uma nova trajetória governamental.
Seu governo, no entanto, foi a negação dessa expectativa. Depois de quatro disputas, Lula entregou-se aos antigos adversários, e voltou as costas às suas combativas bases sociais históricas. Transformou-se num agente na defesa dos interesses do grande capital financeiro. Na esteira dessa guinada ideológica do governo, o Partido dos Trabalhadores foi transformado em correia de transmissão das decisões da Esplanada dos ministérios.
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Texto da proposta dos Núcleos de Reflexão e Ação Socialistas,
apreciado em plenária pela primeira vez em 21 da abril de 2004,
em São Paulo e assinado pelos companheiros Plínio de Arruda
Sampaio; Plínio Jr., Paulo Maldos; Ari Alberti e Jorge Luis Martins (Jorginho da CUT).
(NÚCLEOS DE REFLEXÃO E AÇÃO SOCIALISTAS)
Caros companheiros,
Como havíamos conversado, estou lhes encaminhando em anexo uma proposta de organização política que, junto com meu pai e outros companheiros, estamos matutando como forma de resposta à terrível crise de desalento e confusão que se abate sobre boa parte das esquerdas. O núcleo de reflexão e ação, certamente, não é o partido revolucionário com que todos os socialistas sonham mas talvez seja um instrumento temporário para que possamos enfrentar a terrível conjuntura que se abate sobre o país com o menor grau de dispersão e imobilismo possível. Se a idéia encontrar boa aceitação, pensamos em lançá-la no início de maio. Aguardo a reação de vocês para ver se é o caso de tocar o barco.
Um abraço, Plínio Jr.
(25 de março de 2004)
Uma proposta de atuação política
- A) Origem e Justificativa da proposta
A posição hegemônica que o Partido dos Trabalhadores ocupou nas esquerdas brasileiras nestes vinte anos faz com que esta proposta parta de crise que se abateu sobre esse partido.
O PT surgiu na contramão do projeto de reconstituição do sistema partidário por ocasião da abertura política dos anos oitenta. Contrastando com os “partidos da ordem”, integrados no sistema capitalista, o PT proclamou-se um “partido de contestação da ordem”- um partido socialista, voltado para a transformação da sociedade e da economia brasileira.
Ao longo dos seus 24 anos de existência, esse objetivo central, constante do artigo primeiro dos seu Estatuto, foi perdendo força e criando contradições internas que redundaram na crise em que se debate atualmente.
Diante dessa situação, muitos militantes abandonaram a legenda e outros estão pensando em fazê-lo. Há também os que os que, embora insatisfeitos, não desejam precipitar uma decisão que pode não estar ainda totalmente amadurecida.
Os maiores riscos desse estado de coisas são o desânimo e a dispersão. Para evitá-los, surgiu a idéia da criação de Núcleos de Reflexão e de Ação Socialista.
Os Núcleos congregariam socialistas (petistas, ex-petistas, não petistas) dispersos pelos vários cantos do país num esforço conjunto de reflexão e de intervenção no processo político, a partir de um novo método de convivência política. Trata-se de criar coletivos políticos socialistas, nos quais os membros se comprometam a seguir um procedimento formal de consulta prévia a todos os demais membros, antes de tomarem posição diante das questões políticas. Aparentemente não há novidade nisso. Mas a leitura das regras mostrará que o objetivo é realizar um exercício de participação política destinado a explorar, na prática, formas de resolver um problema não resolvido nos vários períodos em que o Brasil procurou institucionalizar regimes democráticos: a discrepância entre a vontade da cidadania e a conduta dos seus representantes nas instituições do Estado. Esse problema estende-se aos partidos políticos, ou seja, à discrepância entre a vontade dos militantes e a conduta da sua direção. O PT não conseguiu resolver essa contradição e isto constitui um dos fatores da crise atual.
A participação no Núcleo requer uma clara opção socialista e a adesão a normas éticas constantes da Declaração de Objetivos e Princípios explicitada no final da proposta. Não implica, contudo, numa opção partidária, uma vez que não há delegação de poderes de representação. Pode-se militar em um partido e ser membro de um Núcleo. Para fazer parte deste, basta ser socialista, comprometer-se com a ética na política e, obviamente, respeitar a decisão da maioria dos companheiros que escolheu para partilhar sua militância, obedecidos os requisitos de validade da mesma: socialização de todas as informações; amplo debate; ausência de pressões espúrias sobre qualquer dos membros.
O número de integrantes de cada Centro será limitado a 20 pessoas, a fim de favorecer a comunicação e o desenvolvimento do espírito de equipe, como forma de estimular práticas de ação coletiva características do ideal socialista.
O conjunto dos Núcleo forma o Agrupamento Nacional. Não há hierarquia entre os Núcleos nem representantes destes para compor a direção do Agrupamento; Não há, portanto, centralismo que obrigue um Núcleo a adotar a posição manifestada pela maioria dos Núcleos. A força política das posições do Agrupamento Nacional dependerá sempre do número de Núcleos que a adotarem. Não tendo a maioria dos Núcleos possibilidade de invocar o principio do centralismo democrático para impor sua vontade à minoria, a adesão desta às suas decisões será sempre o resultado da sua capacidade persuasória e não de qualquer norma que obrigue a minoria a seguir a maioria. Isto tira força do Agrupamento? Sem dúvida. Mas, de outro modo, esta proposta não consistiria em um simples instrumento de articulação e aglutinação de socialistas que, dentro e fora do PT, estão dispersos e desejosos de experimentar formas de convivência política fraterna, sem burocratismo, sem autoritarismo; e sem assembléias nas quais o diálogo seja substituído pela simples aferição do número de “crachás” levantados em favor de uma ou outra proposta..
Provavelmente a prática evidenciará a necessidade de modificar as regras de funcionamento que serão expostas a seguir. Mas a experiência pode ser iniciada imediatamente e, desse modo, evitar que os impasses atuais paralisem e dispersem a militância socialista.
- B) Regras de Funcionamento dos Núcleos de Reflexão e Ação Socialista
1). O Núcleo é uma associação livre de pessoas, que se unem para intervir conjuntamente no processo político brasileiro, a partir de uma opção socialista, formulada nos termos da Declaração de Objetivos e Princípios constantes desta Proposta.
2) Os Núcleos congregarão de 5 a 20 pessoas, associadas para refletir sobre o processo político brasileiro e realizar ações conjuntas (livremente decididas) isoladamente ou com outros grupos afins. O único critério da associação é a vontade dos integrantes. Não há critério territorial, setorial ou qualquer outro. Atingido o número máximo de membros, o Núcleo deverá dividir-se, de modo a facilitar a integração de novos membros e manter um tamanho favorável à comunicação e ao trabalho em equipe.
3) O compromisso dos membros do Núcleo consiste em:
- a) participar, com a periodicidade estabelecida, das sessões de debate das questões políticas nacionais e internacionais;
- b) responder às consultas formuladas pelos seus próprios membros ou por outros Núcleos, desde que a maioria as considere matéria de debate e posicionamento do Núcleo;
- c) realizar as ações ou tomar as posições que forem decididas pela maioria dos membros do seu Núcleo, em resposta às consultas feitas nas condições anteriores;
- d) executar um programa de formação política livremente decidido pelos seus integrantes.
Os gastos necessários para a realização de atividades decididas por um conjunto de núcleos serão rateados entre os mesmos.
4) O prazo para responder às consultas será fixado pelo Núcleo que fizer a consulta aos demais e deverá variar em função da exigência da urgência da matéria e da sua complexidade. A informação necessária para o debate do problema proposto deverá ser socializada para todos os Núcleos.
5) O conjunto dos Núcleos constitui o Agrupamento Nacional de Núcleos Socialistas. A estrutura do Agrupamento é “suis generis”: Não há instâncias intermediárias ou superiores, nem hierarquia entre os Núcleos. A posição da maioria dos Núcleos em relação a uma questão
não obriga os membros dos Núcleos que não participarem do debate ou que ficaram em posição minoritária.
6) Os Núcleos manterão uma Página Eletrônica para encaminhar as propostas de debates e de ação, os resultados e os textos relativos às questões propostas. Os Núcleos constituídos em locais desprovidos de Internet se comunicarão via correio postal.
As pessoas que prestarão o serviço de manter a Página Eletrônica deverão:
– receber e registrar os Núcleos que se constituam;
– comunicar a inscrição de novos Núcleos;
– receber as propostas de posicionamento e ação política e estampá-las na Página para conhecimento dos Núcleos;
– apurar e publicar o resultado dos debates nos Núcleos;
– publicar os textos elucidativos das matérias em discussão ou indicar os locais onde os mesmos podem ser encontrados.
Os gastos de manutenção da Página Eletrônica serão rateados entre os integrantes do Agrupamento.
- Declaração de objetivos políticos e princípios éticos do Agrupamento Nacional de Núcleos de Reflexão e de Ação Socialista.
- Os integrantes dos Núcleos declaram-se socialistas. Sua militância política está voltada para a construção de uma sociedade, na qual a economia seja organizada em torno de formas de propriedade social e o Estado garanta as liberdades e os direitos políticos democráticos.
- Na trajetória da situação atual para esse horizonte histórico, os integrantes dos Centros se empenharão na efetivação da Revolução Brasileira. Isto supõe a luta para completar, agora sob hegemonia dos trabalhadores, o processo de construção de uma Nação independente e autônoma, na qual uma efetiva redistribuição da riqueza, da renda e do poder possibilite a todos um padrão de vida digno e o pleno exercício da cidadania.
- As lutas do trabalho contra o capital; dos camponeses contra o modelo do agronegócio; das mulheres contra a desigualdade nas relações de gênero; dos índios pela demarcação de suas terras, dos aposentados pelo direito a uma velhice tranqüila; dos negros contra o preconceito; das minorias comportamentais contra a discriminação; do povo brasileiro contra a devastação do seu meio ambiente; dos países subdesenvolvidos contra a dominação imperialista são objetivos táticos, ordenados à consecução das duas metas estratégicas da Revolução Brasileira: a igualdade social e a afirmação do Estado Nacional brasileiro. Essas lutas incluem ações no plano institucional e, se necessário, atos de desobediência civil, desde que realizados às claras e justificados pela ilegitimidade da lei infringida.
- Os membros dos Núcleos repudiam a visão da política unicamente sob o ângulo da força. Não há justificativa para a força despida de conteúdo ético. Não admitem igualmente que uma pretensa “ética da responsabilidade” autorize o emprego de meios imorais e exonerem os governantes da obediência aos ditames morais que guiam o comportamento de todos os cidadãos.
- Não reconhecem “razões de Estado” que justifiquem o atropelo dos direitos e da liberdade, bem como o acobertamento de atos moralmente condenáveis. A exigência ética abrange tanto o comportamento público quanto a conduta privada da pessoa.
- Recusam qualquer forma de voluntarismo e de vanguardismo. Acreditam que nada pode substituir os trabalhadores como agentes da transformação social. Têm ainda a convicção plena de que os trabalhadores brasileiros conseguirão superar os obstáculos que se opõem ao seu pleno desenvolvimento econômico, social, político e cultural e farão do Brasil um parceiro importante na luta dos povos por uma sociedade mundial justa e humana.
RELAÇÃO DE PARTIDOS e agrupamentos
políticos DE ESQUERDA NO BRASIL[50]
INTRODUÇÃO
Em 50 anos, o sistema partidário brasileiro já mudou de cara várias vezes. Embora algumas siglas criadas no início e no meio do século permaneçam até hoje, poucas têm a ver com suas origens. Os períodos ditatoriais sufocaram e até colocaram partidos na clandestinidade. O golpe de 1964 chegou a impor o bipartidarismo, reunindo toda a oposição em uma só legenda. Os ventos da democracia trouxeram a pluralidade de volta.
Partido Comunista Brasileiro (PCB) – Fundado em 25 de março de 1922, na sua gênese, convergiram os ideais libertários do nascente proletariado. No mês de abril de 2000 realizou-se o XII Congresso. A construção de uma frente das esquerdas em um projeto de confronto ao neoliberalismo e a unidade dos comunistas no Brasil, foram importantes resoluções aprovadas pelo Congresso. A consolidação da política de organização leninista foi concretizada na aprovação do novo estatuto partidário. Na entrada do novo milênio e completando 79 anos de existência, o Partido Comunista Brasileiro, reafirma a necessidade histórica de superação do capitalismo, que se dará apenas pela libertação das classes trabalhadoras, na perspectiva do socialismo rumo à sociedade comunista. (Extraído do site do PCB na Internet, em julho de 2005.)
Partido Comunista do Brasil (PC do B) – É um dos três partidos que carrega a herança política do PCB, fundado em 25 de março de 1922. Em 1962, um grupo liderado por João Amazonas, Pedro Pomar e Maurício Gabrois provocou a maior cisão da história do PCB. Foi colocado na ilegalidade na época do regime militar (1964 a 1985). Coerente com sua estratégia de “revolução à partir do campo”, o partido criou, na década de 70, um foco de luta armada na região do Araguaia, que acabou sendo arrasado pelo Exército. Tanto o PC do B como o rival PCB foram legalizados em 1985, no governo de José Sarney. Este agremiação defende idéias socialistas, e tem como bandeiras principais a luta pela reforma agrária, distribuição de renda e igualdade social.
Partido Socialista Brasileiro (PSB) – Foi fundado em 1947, a partir da reorganização de um movimento chamado Esquerda Democrática formado dois anos antes. Seu objetivo era conciliar o processo de transformações sociais com as exigências de ampla liberdade civil e política. Parte dos integrantes da E.D. que defendia o liberalismo econômico fundou a UDN. O partido se define como socialista e tem no governador de Pernambuco, Miguel Arraes, o seu maior líder.
Partido dos Trabalhadores (PT) – Foi fundado em 10 de fevereiro de 1980 por líderes sindicais da região do ABC paulista, inspirados nos movimentos de greve dos metalúrgicos de 1978 e deles e outras categorias na década de 1980. . Apareceu no cenário político para ser uma grande força de oposição e representante dos trabalhadores e das classes populares.Tornou-se o maior partido de esquerda e, seu programa de inspiração socialista, defende a reforma agrária e a justiça social. Atualmente, governa o país através do presidente Luis Inácio Lula da Silva. As principais metas do governo Lula tem sido: crescimento econômico, estabilidade econômica com o controle inflacionário e geração de empregos.
Partido Popular Socialista (PPS) – Com a queda do muro de Berlim e o fim do socialismo, muitos partidos deixaram a denominação comunista ou socialista de lado. Foi o que provocou uma grande cisão no PCB, em 1992. A maioria dos comunistas, comandada pelo senador Roberto Freire (PE), rejeitou o símbolo formado pela foice e o martelo e resolveu adotar o nome de PPS. Além disso, a nova legenda trouxe alterações ideológicas, aproximando-se mais da social-democracia. O PPS disputou a Presidência da República com o candidato Ciro Gomes (ex-PSDB), já em 2002.
Partido Socialista dos Trabalhadores – Unificado (PST-U) – Foi fundado em 1994 e unifica várias correntes de militantes revolucionários, que, na maioria, passaram pelo PT. A maior dessas correntes era a Convergência Socialista (CS). Opõe-se ao capitalismo e prega o socialismo no Brasil. É favorável a um sistema onde os trabalhadores consigam mais poder e participação social.
Consulta Popular – Agrupamento de militantes, surgido em dezembro de 1997, em Itaici (SP), numa primeira conferência. Busca constituir-se num pólo permanente de reflexão e de prática. Construindo uma organização de novo tipo, dirigida para a luta, e cujas marcas são a unidade, a disciplina militante e a fidelidade ao povo, pratica os valores da solidariedade, da gratuidade, da honestidade e do trabalho coletivo. A Consulta Popular, agora em via de consolidar-se como organização política, considera-se uma parte de um conjunto maior de militantes e lutadores, hoje dispersos, e adotará uma posição cooperativa diante de todas as iniciativas capazes de contribuir para a renovação da esquerda e a refundação do Brasil.
Partido Socialismo e Liberdade (Psol) – O Encontro Nacional de fundação do P-SOL foi realizado nos dias 05 e 06 de junho de 2004, em Brasília. O seu surgimento foi conseqüência do processo de degeneração política e ética do PT, que precipitou o desligamento ou a expulsão de diversos e diversas militantes, dentre as quais a Senadora Heloisa Helena, principal nome de referência nacional da agremiação.
Núcleos de Reflexão e Ação Socialistas (NRAS) – Fruto, também, do processo de desagregação da militância petista e da conseqüente necessidade de criar um espaço aglutinador, essa proposta organizativa tomou corpo numa plenária, realizada em São Paulo, no dia 21 de abril de 2004. Diferencia-se dos demais agrupamentos por não constituir-se, inicialmente, enquanto uma opção de caráter partidário, mas apenas um canal para se avaliar a realidade e as possíveis alternativas para as esquerdas, após a degeneração do PT.
Outros Partidos e Agrupamentos Clandestinos de
Esquerda Atuantes nas Décadas de 60 a 80[51].
Port (Partido Operário Revolucionário Trotskista) – Existia desde 1953, sendo que na década de 60 integrou a linha de frente da guerrilha. (Vasconcelos Quadros, no Jornal do Brasil – editoria Brasil, Domingo 24/10/99, “Um perfil da luta armada”)
Polop (Política Operária) – Agrupamento surgido em 1959, com integrantes oriundos do PSB, do PTB e de setores ligados ao PCB (Juventude e periferia), todos com posição à esquerda dos seus partidos de origem, sem, contudo, terem praticado, diretamente, a luta armada. Tinha a “perspectiva de um sindicato autônomo, um projeto político revolucionário marxista-leninista, fundamentado na realidade brasileira. Nossa posição era de crítica aberta ao stalinismo e ao reformismo, embora reconhecêssemos os acertos da União Soviética.” (informações da T&D nº 24, Otaviano Alves da Silva, entrevistado por Valter Pomar)
POC (Partido Operário Comunista) – Organização que era englobada pela Polop. (Vasconcelos Quadros, no Jornal do Brasil – editoria Brasil, Domingo 24/10/99, “Um perfil da luta armada”) Diferencia-se desse outro grupo, porém, por ter abraçado a luta armada, mais diretamente. (acréscimo do organizador desta coletânea)
AP (Ação Popular) – organização política, surgida no início dos anos 1960. (Sader, Emir A Transição no Brasil 10ª edição 1991 Atual Editora São Paulo) Teve origem em organismos da juventude católica da época (JEC, JUC, JOC, JAC)[52], jovens protestantes e alguns sem religião, políticos progressistas e militantes operários e camponeses.(Manoel da Conceição Santos Qualificação para a Estadual 10.726/01) Uma parte dela fez uma opção pelo marxismo-leninismo, formando a APML, que depois, numa nova divisão, acabou entrando parcialmente para o PCdoB. (organizador desta coletânea)
MRN (Movimento Nacional Revolucionário) – Estruturado no Uruguai durante o exílio do ex-governador Leonel Brizola. …Era formado por militantes que já tinham lutado pelas reformas de base antes de 1964 e, mais tarde, por sargentos, cabos – entre eles o maior traidor da guerrilha, o cabo Anselmo José dos Santos – e marinheiros excluídos pelas Forças Armadas. Liderado por Brizola, o MNR tentou, sem sucesso, montar três focos de guerrilha no país, um deles na Serra de Caparaó, entre Minas Gerais e Espírito Santo. Em 1967, depois de sucessivas frustrações, o MNR registrava várias baixas. (Vasconcelos Quadros, no Jornal do Brasil – editoria Brasil, Domingo 24/10/99, “Um perfil da luta armada”)
ALN (Ação Libertadora Nacional) – Organização voltada à derrubada da ditadura militar pela via armada, criada no início de 1968, a partir da dissidência paulista do PCB, cujo principal dirigente foi Carlos Marighella. (Revista Brasil Revolucionário nº 20, Guerreiro da grande Batalho por Otto Filgueiras)
Molipo (Movimento de Libertação Popular) – Organização oriunda da ALN, da qual nunca se separou totalmente. (Florência Costa, no jornal O Globo de 19/08/99, “Livro conta a história de 424 vítimas do regime”)
PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário) – O congresso de fundação foi em abril de 1968, numa casa na Serra da Mantiqueira, no Estado do Rio. Estavam presentes uns 25 representantes de vários estados, todos oriundos das dissidências do PCB. Nascia da esperança dos que ousavam desafiar o capitalismo e o regime militar e que sonhavam também em revolucionar o comunismo. (Revista Brasil Revolucionário nº 20, Guerreiro da grande Batalho por Otto Filgueiras)
MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro) – Agrupamento formado pela Dissidência Estudantil do PCB da Guanabara, em 1968, que assume também a luta armada. (Ridenti, Marcelo Que história é essa? em Versões e Ficções Ed. Perseu Abramo set/1997 São Paulo)
VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) – Organização fundada pelo ex-capitão Carlos Lamarca – que depois passaria para o MR-8, surgiu em 1968 como uma fusão de dissidentes de outras organizações, tentou implantar um foco de guerrilha e de treinamento no Vale do Ribeira, em São Paulo, e depois participaria do seqüestro de três diplomatas – do Japão, Alemanha e Suíça -, que seriam devolvidos mediante a libertação de presos políticos. (Vasconcelos Quadros, no Jornal do Brasil – editoria Brasil, Domingo 24/10/99, “Um perfil da luta armada”)
Colina (Comando de Libertação Nacional) – Fruto de cisão da Polop, no final da década de 60, que assumiu as teses foquistas (de foco de luta armada), guevaristas e castristas de Régis Debray, particularmente a partir de uma interpretação favorável do texto “Revolução na Revolução”, publicado em 1967. (T&D nº 24, Otaviano Alves da Silva)
VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares) – Fundada em 1969 como uma fusão da VPR e da Colina. (Vasconcelos Quadros, no Jornal do Brasil – editoria Brasil, Domingo 24/10/99, “Um perfil da luta armada”)
PCR (Partido Comunista Revolucionário) – Agrupamento que teve origem no PCdoB e tinha suas bases no Nordeste. (Vasconcelos Quadros, no Jornal do Brasil – editoria Brasil, Domingo 24/10/99, “Um perfil da luta armada”)
MRT (Movimento Revolucionário Tiradentes) – Organização que, como o PRC, teve origem no PCdoB. (Vasconcelos Quadros, no Jornal do Brasil – editoria Brasil, Domingo 24/10/99, “Um perfil da luta armada”)
LO (Liga Operária) – Agrupamento de perfil trotskista, ligado ao setor minoritário do Secretariado Unificado da 4ª Internacional, formado à partir de militantes brasileiros, que retornaram do exílio na Argentina, em 1974. Criou a CS (Convergência Socialista), a princípio uma frente de socialistas de diversos matizes, que, esvaziada, veio a se tornar uma tendência interna do PT. Depois de sair do PT e juntar-se a outros agrupamentos menores, passou a chamar-se PST-U (Partido Socialista dos Trabalhadores – Unificado), que obteve registro no TSE em 1994, como já foi mencionado acima.
PRT (Partido Revolucionário dos Trabalhadores) – Agrupamento que existiu entre os anos de 1977 e 1981, foi conseqüência do rompimento político com a LO, uma das origens do atual PST-U e evoluiu para um processo de fusões com outros agrupamentos, que formaram a ORM-DS, que atualmente é a Tendência Interna do PT – Democracia Socialista.
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[1] William Jorge Gerab é militante da esquerda socialista no movimento ambientalista, sindical e popular, graduado em Sociologia e Política e co-autor do para-didático Indústria e Trabalho no Brasil – Limites e Desafios Saraiva Editores São Paulo 1997. ( wjgerab@terra.com.br )
[2] “Guerra Fria” Período histórico entre o fim da 2ª Guerra Mundial (1945) e a derrocada do regime político do leste europeu, que foi marcada pela queda do mundo de Berlim (1989), em que houve grande tensão entre o chamado “mundo capitalista”, liderado pelas Estados Unidos, e o, equivocadamente, chamado de “mundo socialista”, liderado pela, então existente, União Soviética, que poderíamos chamar de tentativa degenerada de construção do socialismo.
[3] Marx & Engels Manifesto do Partido Comunista – 1848 L&PM Editores Porto Alegre 2001 pg. 62.
[4] Epin, Bernard Tovar, Madia Virieux, Daniel A Revolução Francesa – Ela inventou nossos sonhos Editora Brasiliense São Paulo 1989 pg. 32.
[5] Stalinista e stalinismo são palavras derivadas de Stalin, que foi o nome de um dirigente da revolução russa de 1917 e estadista da União Soviética, o qual foi responsabilizado pelo surgimento de uma casta dirigente desse conglomerado de países, que usou o poder para conseguir privilégios pessoais, promovendo a degeneração do Estado Operário e de uma parte do processo internacional de construção do socialismo.
[6] Na “teoria do exemplo” apostava-se na possibilidade de que pequenos grupos de populares, simpatizantes da esquerda, revoltados com a situação econômica e política do país, mesmo sem integrar qualquer dos agrupamentos da esquerda armada, mas a partir de exemplos dados por estes últimos, tomassem a iniciativa de ações armadas, as quais, de alguma forma, se interariam com as dos grupos organizados. Já o “foquismo” pretendia a multiplicação acelerada dos focos de guerrilha, o que refletiria um entusiasmo e uma aceitação dessa proposta por amplas camadas sociais, sem pares na história. O otimismo dos dois raciocínios apostava, também, na possibilidade de confundir e dividir as forças da repressão da ditadura militar e dos grupos para-militares de direita.
[7] O PDT foi a alternativa de Leonel Brizola, após lhe ter sido negada a sigla do PTB em favor de Ivete Vargas, o que garantia aos militares da ditadura um maior controle sobre o populismo. (nota do organizador desta coletânea)
[8] Frente popular é o nome atribuído a certo tipo de aliança política entre partidos, envolvendo ou não instituições de outro tipo, que não preserva a independência de classe, em detrimento dos interesses dos trabalhadores e demais setores oprimidos da população. Portanto, frente popular é uma forma, muito usada pelos partidos stalinistas e social-democratas, de conciliação de classes. (nota do organizador desta coletânea)
[9] Parênteses do organizador da coletânea.
[10] Referência à Severino de Oliveira, político da cultura coronelista do nordeste rural, que foi eleito Presidente da Câmara Federal, aproveitando-se da existência de dois candidatos petistas – situação gerada pelo autoritarismo do chamado núcleo duro do governo Lula, que tentou impor à Câmara o seu “candidato oficial do PT”.
[11] O Eurocomunismo foi um movimento, que reunião significativas parcelas dos militantes comunistas europeu-ocidentais, no período final da “guerra fria” (final dos anos oitenta e começo dos noventa), em resposta à degeneração dos partidos governantes do leste da Europa, na época, e ao anacronismo dos PCs dos seus próprios países. Esse movimento promoveu uma aproximação destes ex-comunistas à social-democracia.
[12] A Questão do Partido Marx, Engels, Lênin e Trotski Kairós Livraria e Editora Ltda. São Paulo 1978 pg. 117.
[13] Coleção L&PM Pocket, vol. 227 Editora L&PM Porto Alegre janeiro de 2004 pgs de 38 a 40 e 84.
[14] Reinaldo Barros Cicone é sociólogo, graduado pela Unicamp, militante do PT desde 1987, durante a elaboração deste trabalho (1995) acumulava as funções da secretaria geral e de imprensa da executiva municipal do PT de Campinas. (contracapa da publicação)
[15] Antonio Gramsci, teórico e dirigente do Partido Comunista Italiano, que viveu entre 1891 e 1937. (nota do organizador desta coletânea)
[16] Por uma história da esquerda brasileira. Topoi – Revista de História. Rio de Janeiro: PPGHIS/UFRJ, n. 5, set. 2002. – Maria Paula Nascimento Araújo: Doutora em Ciência Política (IUPERJ, 1998). E-mail:mp-araujo@uol.com.br
[17] Waldemar Rossi é militante sindical e político socialista, fundador da Pastoral Operária da Igreja Católica e co-autor do para-didático Indústria e Trabalho no Brasil – Limites e Desafios Saraiva Editores São Paulo 1997.
[18] Resenha de ANTONIO OZAÍ DA SILVA – Docente na Universidade Estadual de Maringá, doutorando na Universidade de S. Paulo e autor de História das Tendências no Brasil (São Paulo, Proposta Editorial)
[19] Do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB). (nota do organizador desta coletânea)
[20] Marco Aurélio Garcia é professor da Unicamp, historiador e coordenador do arquivo Edgar Leuenroth, que se dedica ao estudo da memória do movimento operário brasileiro. É membro do Diretório Regional do PT – SP.
[21]A AP era uma organização originária de movimentos de juventude da Igreja Católica (JUC – Juventude Universitária Católica, JEC – Juventude Estudantil Católica, que envolvia os secundaristas e JOC – Juventude Operária Católica), no início dos anos de 1960. Uma parte dela fez uma opção pelo marxismo-leninismo, formando a APML, que depois, numa nova divisão, acabou entrando parcialmente para o PCdoB. (nota do organizador desta coletânia)
[22]A VPR, Vanguarda Popular Revolucionária, também, foi um agrupamento oriundo das dissidências do PCB, em meados da década de 1960, que acabou tendo um forte viés militarista. Incorporou, inclusive, o Capitão Lamarca, que desertou do exército, levando presos políticos e armas. Lamarca transformando-se, depois, no dirigente mais famoso desse agrupamento. (nota do organizador desta coletânia)
[23] Valter Pomar é diretor de T&D.
[24] POC, Partido Operário Comunista, organização que era englobada pela Polop. (Vasconcelos Quadros, no Jornal do Brasil – editoria Brasil, Domingo 24/10/99, “Um perfil da luta armada”) Diferencia-se desse outro grupo, porém, por ter abraçado a luta armada, mais diretamente. (nota do organizador desta coletânea)
[25] AV, Ala Vermelha, organização que teve origem no PCdoB. (nota: organizador da coletânia)
[26] Paulo Vannuchi é coordenador executivo do Instituto de Cidadania e membro do Conselho de redação de Teoria e Debate. Rose Spina é editora de Teria e Debate.
[27] Parênteses do organizador da coletânea.
[28] Voluntarismo, nas atividades políticas, é a tomada de decisões e a prática de ações com base apenas na vontade dos agentes, sem prévias análises e avaliações, com bases científicas, que conduzam a conclusões mais amadurecidas e a políticas mais eficientes. Já, impressionismo, no caso, é a postura de agentes políticos, baseadas nas primeiras impressões sobre os acontecimentos da realidade, provocando análises e avaliações superficiais, que redundam em perigosas oscilações nos seus comportamentos políticos.
[29] O Partido Bolchevique (Partido da Maioria), que tinha Lênin como um dos seus dirigentes, foi vitorioso na instalação da luta pela construção do socialismo, nos países que compuseram a União da Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
[30] O General Ernesto Geisel foi o penúltimo “presidente” escalado pela ditadura militar, tornando-se perceptível o projeto de “retirada”, para dar lugar a um novo período democrático, quando este General substituiu o slogan de “Distensão Política” pelo de “Abertura Lenta, Gradual e Segura”.
[31] Emir Simão Sader formou-se em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), é Professor de Sociologia e doutorou-se na mesma universidade.
[32] Emir Sader se refere, na maioria dos casos, a um abrigo no âmbito institucional, como espaço legal de atuação política e lançamento de candidatos ao Parlamento. As organizações clandestinas mantinham suas estruturas e personalidades políticas para definirem as suas atuações dentro do próprio MDB, para o movimento social etc. Houve agrupamentos, que jamais estiveram no MDB, como a Liga Operária – que viria a ser o PST-B e, posteriormente, a Convergência Socialista no interior do PT, estando atualmente no PST-U (Partido Socialista dos Trabalhadores – Unificado). (nota do organizador desta coletânea)
[33] O PDT foi a alternativa de Leonel Brizola, após lhe ter sido negada a sigla do PTB em favor de Ivete Vargas, o que garantia aos militares da ditadura um maior controle sobre o populismo. (nota do organizador desta coletânea)
[34] Reinaldo Barros Cicone é sociólogo, graduado pela Unicamp, militante do PT desde 1987, durante a elaboração deste trabalho (1995) acumulava as funções da secretaria geral e de imprensa da executiva municipal do PT de Campinas. (contracapa da publicação)
[35] Algumas dessas organizações: PST-B (Partido Socialista dos Trabalhadores-Brasil), atualmente compõe o PST-U, que possuía uma entidade legal, a CS (Convergência Socialista); AP; Polop; ALN; PCBR; VAR-Palmares; PRC, ORM-DS (Organização Revolucionária Marxista – Democracia Socialista); LCI (Liga Comunista Internacionalista). (nota do organizador desta coletânea)
[36] Agora o autor está falando do discurso de Lula, na I Convenção Nacional do PT, ocorrida em 27 de setembro de 1981, no Senado Federal em Brasília. (nota do organizador desta coletânea)
[37] Plataforma Nacional aprovada no II Encontro Nacional, realizado nos dias 27 e 28 de março de 1982, no Instituto Sedes Sapientae, em São Paulo. (nota do organizador desta coletânea)
[38] O IX Encontro Nacional do PT foi realizado em maio de 1994. (nota do organizador desta coletânea)
[39] O VII Encontro realizou-se em 1990. (nota do organizador desta coletânea)
[40] O VIII Encontro aconteceu no Centro de Convenções, em Brasília, de 11 a 13 de junho de 1993. (nota do organizador desta coletânea)
[41] Obras citadas nos trechos utilizados. (nota do organizador desta coletânea)
[42] Plínio de Arruda Sampaio é advogado, promotor aposentado, professor, foi duas vezes deputado, é militante socialista e católico há cinqüenta anos.
[43] O entrevistado estava escabreado porque, no final da década de 1970, o Fernando Henrique Cardoso, eleito senador com 1 milhão e 200 mil votos, não fez o combinado, com ele, Almino Affonso, Marcos Freire, Jarbas Vasconcelos e Francisco Weffort, entre outros, de começar a construção de um novo partido –caso tivesse mais de um milhão nas urnas – mais do que isso, afirmou na televisão que quem fizesse isso estaria fazendo divisionismo. (esclarecido em trecho imediatamente anterior da entrevista)
[44] Referência à Severino de Oliveira, político da cultura coronelista do nordeste rural, que foi eleito Presidente da Câmara Federal, aproveitando-se da existência de dois candidatos petistas – situação gerada pelo autoritarismo do chamado núcleo duro do governo Lula, que tentou impor à Câmara um candidato oficial do PT.
[45] Menção a uma reunião, que o Lula convocou em 1997 para discutir “candidatura pra ganhar X candidatura de propaganda socialista e de denúncia” e que se realizou no Instituto de Economia. (trecho anterior da entrevista)
[46] Francisco de Oliveira é professor titular aposentado do Depto. de Sociologia da USP e coordenador do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania da FFLCH-USP.
[47] Plínio Soares de Arruda Sampaio Jr., 47, doutor em teoria econômica, é professor do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). É um dos organizadores do manifesto “Momento de Ruptura”, que conclama a militância petista a abandonar o partido.
[48] Passados exatos quatro meses, no domingo 12 de junho de 2005, à partir de uma entrevista do Presidente do Partido Trabalhista Brasileiro e Deputado Federal Roberto Jefferson, no mesmo jornal Folha de São Paulo, toma corpo uma gigantesca crise política do governo Lula, que envolve desvio de recursos públicos e compra de votos de deputados federais para o governo para o governo, implicando ministros, dirigentes partidários do PT, do Partido Liberal e do Partido Progressistas, os dois últimos de direita.
[49] Luis Bassegio é da Secretaria Continental do movimento Grito dos Excluídos – www.alainet.org.
[50] No que se refere aos partidos, que estão ou transitam pela legalidade, foi feita uma fusão de informações da Biblioteca Virtual da História do Marxismo no Brasil e do Almanaque Terra, ambos pesquisados na Internet, em junho de 2005. Foram incluídos, também, outros agrupamentos políticos de formação mais recente, dentre os quais há os que não tem ou não pretendem ter registro no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Esta relação está na ordem cronológica, em que surgiram os agrupamentos. (organizador da coletânea)
[51] Listagem, em ordem cronológica, dos agrupamentos citados nesta coletânea.
[52] Juventude Estudantil Católica (JEC), Juventude Universitária Católica (JUC), Juventude Operária Católica (JOC) e Juventude Agrária Católica (JAC).