Juliano Strachulski*; Nicolas Floriani
publicado em 02/05/2011
www.partes.com.br/socioambiental/diagnosticorural.asp
Resumo
Utilizando-se de técnicas e ferramentas do Diagnóstico Rural Participativo (DRP) para a compreensão da gestão e manejo de recursos naturais no Faxinal Taquari dos Ribeiros, município de Rio Azul (PR), buscou-se a caracterização das práticas produtivas (calendário de cultivos e itinerário técnico) com o intuito de inferir acerca da forma de manejo a que o recurso solo é exposto e usado pelos agricultores de tal comunidade, bem como um mapeamento participativo dos tipos de terras revelando a história agrícola deste povo.
Palavras-chave: Diagnóstico Rural Participativo, estratégias, recursos naturais, conhecimento vernacular, agricultores faxinalenses.
Resumen
Utilizando de técnicas y herramientas del Diagnóstico Rural Participativo (DRP) para la comprensión de la gestión y manejo de recursos naturales en el Faxinal Taquari dos Ribeiros, municipio de Rio Azul (PR), buscó la caracterización de las prácticas productivas (calendario de cosechas y el itinerario técnico), con el fin de deducir la forma de gestión que el recurso suelo queda expuesto y utilizado por los agricultores de esta comunidad, así como un mapeo participativo de los tipos de tierras agrícolas que muestra la historia de este pueblo.
Palabras clave: Diagnóstico Rural Participativo, estrategias, los recursos naturales, conocimientos vernáculos, agricultores faxinalenses.
Introdução
O Diagnóstico Rural Participativo (DRP) é um conjunto de técnicas e ferramentas que permite que comunidades rurais ou não realizem o seu próprio diagnóstico e possam autogerenciar o seu planejamento e desenvolvimento. De forma que os membros da comunidade se reúnam compartilhem experiências, analisem seus conhecimentos, e possam traçar suas próprias metas de acordo com suas necessidades (VERDEJO, 2006, p. 6).
A pesquisa desenvolvida a partir do DRP terá seus dados a partir não da análise do pesquisador, mas sim das informações fornecidas pelos membros da comunidade, baseando-se em seus conceitos e critérios de explicação. Em que o pesquisador e sua equipe devem interferir o mínimo possível deixando os membros da comunidade realizar sua própria análise do meio.
O DRP ainda tem por objetivo fomentar o desenvolvimento sustentável, com bases na agricultura tradicional, buscando valorizar os recursos naturais e o conhecimento vernacular adquirido empiricamente. De acordo com Contreras et al, “En la base del DRP está La revalorización de los recursos y conocimientos locales, o “la localidad” (CONTRERAS et al.,1988, p. 9).
O Sistema Faxinal Taquari dos Ribeiros tem passado atualmente por um processo de transformação socioespacial devido à inserção de monocultivos comerciais intensivos (com ênfase na fumicultura) e à ausência de políticas públicas de desenvolvimento local. Devido a esta dificuldade se tem trabalhado com os agricultores faxinalenses através da percepção dos mesmos, no desenvolvimento de estratégias de melhor aproveitamento dos recursos naturais visando uma maior conscientização e otimização com relação aos recursos que eles dispõem.
Materiais e métodos
O seguinte trabalho foi desenvolvido com agricultores familiares (faxinalenses), que tem como componente central do sistema de produção a fumicultura intensiva, e em menor proporção a produção de policultivos tradicionais. Shanner citado por Ribeiro define sistema de produção como “um arranjo de atividades agrícolas e não-agrícolas, gerenciados em função do ambiente socioeconômico e agroecológico e de acordo com os objetivos, preferências e recursos da família” (SHANNER 1992, apud RIBEIRO et al., 1999, p. 28).
Metodologicamente lançou-se mão de algumas ferramentas do DRP como entrevistas semi-estruturadas que permitem aos entrevistados se expressarem livremente, e em lugar e momento apropriados ao ato. A entrevista proporcionou a coleta de informações sobre: o itinerário técnico, os equipamentos utilizados, a renda e os custos de produção por cultivo, e calendário de cultivos.
Sendo realizada com 9 agricultores, a entrevista seguiu os seguintes critérios de amostragem para o universo de pesquisa de 82 famílias: maior número de estabelecimentos por subacia hidrográfica, posse legal da terra, atividade principal, vínculo matrimonial e relação de trabalho.
Outra técnica foi o mapeamento participativo das terras, realizado nas terras de plantar pelos agricultores faxinalenses, com o uso dos recursos iconográficos em conversa com estes no seu local de trabalho (terras de plantar) ou em suas residências. Baseando-se no roteiro de questões abertas e fechadas de acordo aos eixos temáticos abordados pela entrevista semi-estruturada.
Resultados e discussão
Através das entrevistas com a comunidade foi possível a elaboração do calendário de cultivos, em que eles compartilharam informações acerca da época de plantio e colheita dos cultivos principais (fumo, milho, feijão e forrageiras). Percebendo-se que as espécies sucessionais cultivadas nas glebas ocorrem de forma a privilegiar a completude do ciclo do fumo em maior área útil possível, reservando-se parcelas menores para o cultivo do milho no verão e aveia no inverno (figura 1). A fumicultura acaba ocupando maior período de tempo e o maior espaço físico dentro do sistema produtivo local, fazendo convergir grande parte dos recursos (humanos e naturais) no desenvolvimento desta atividade.
FIGURA 1 – Calendário de cultivos do subsistema fumo-milho-aveia e outros cultivos
Fonte: Equipe PNPD-CAPES (2008)
Org.: FLORIANI, N. (2010)
Por outro lado a elaboração de um itinerário técnico possibilitou a compreensão da relação entre as etapas, as técnicas, os instrumentos e recursos disponibilizados na produção do componente central do sistema de produção: a fumicultura intensiva. Apresentando-se as seguintes etapas: semeadura; transplante; preparo da terra; adubação; controle do mato; controle fitossanitário; colheita; e secagem, resultando na venda do produto (quadro 1).
QUADRO 1. Descrição do itinerário técnico da fumicultura intensiva praticada no faxinal
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O Itinerário Técnico do subssistema fumo-milho-aveia é marcado inicialmente pela atividade de
1.semeadura do fumo no mês de Junho. A maioria dos agricultores utiliza os cultivares de fumo Virginia e NC55, semeadas em bandejas de isopor com capacidade de 200 a 220 mudas. Em copo da bandeja são colocados insumos como substrato de fibra de coco, adubos sintéticos, água e agrotóxicos. Estas bandejas ficam dispostas em fileiras em uma estufa, denominada por eles de “piscina”, esperando a planta emergir e se desenvolver até o momento de seu transplante. Passados três meses da emergência das plântulas nas bandejas, procede-se nos meses de setembro e outubro ao 2. transplante das mudas nas ‘terras de plantar’. Anterior ao transplante é realizado nos meses de agosto e setembro o 3. preparo da terra, utilizando para tanto vários instrumentos, tais como o arado de aiveca, a carpideira, o soterrador, a grade-de-disco, que com exceção deste último, são tracionados por força animal (por cavalos e mulas). A gradagem é por vezes realizada contratando-se serviços motomecânicos de tratorização, junto aos vizinhos da comunidade. Enquanto a terra é revolvida, realiza-se a 4. adubação com produtos sintéticos como a uréia ou formulados como o NPK 10-18-20 (convencionalmente utilizados pelos agricultores), que se misturam à palhada dos cultivos de inverno. Quando da demora do transplante, é realizado o 5. controle do mato que, quando feito por meio de herbicidas, obriga o agricultor a realizar o transplante somente quinze dias após a aplicação do mesmo. Depois do plantio da muda também geralmente é realizada adubação de cobertura aos 30 dias de desenvolvimento da plântula. O manejo das herbáceas espontâneas é também feita por capina, realizada por meio da enxada manual ou pela carpideira tracionada por cavalos. 6. O controle fitossanitário é realizado durante todo o ciclo vegetativo da planta, fazendo-se uso contínuo de fungicidas e inseticidas. Antes da colheita é realizado o desponte como técnica de controle de brotos. O desponte é feito com a finalidade de prolongar o estágio vegetativo da planta, permitindo que as folhas cresçam para além do seu normal fisiológico, por não concorrerem por nutrientes com os órgãos reprodutivos. 7. A colheita inicia-se em torno de oitenta a noventa dias após o plantio. É realizada por integrantes da família, ocorrendo o pagamento à diaristas, o pagamento pelo serviço com parte do produto (parceria) e, eventualmente, a troca de dias de serviço com vizinhos. Desde o início até o término da colheita levam-se aproximadamente três meses, dependendo do tamanho da área cultivada. Envolve a classificação das folhas segundo o valor que atingirá com seu tamanho e peso durante a comercialização. Em primeiro lugar são colhidas as folhas do “baixeiro”, localizadas nas partes inferiores do caule, próximas a superfície do solo, chegando às folhas menores do topo. Os fardos são colocados em carroças e levados às estufas alimentadas por lenha e eletricidade, por sete dias. Após a 8. secagem, as folhas são novamente separadas de acordo com sua qualidade e agrupadas em fardos, permanecendo nas estufas, até sua venda. |
Fonte: Equipe PNPD-CAPES (2009). |
O mapeamento das terras de plantar por parte dos agricultores teve como tema central o recurso natural solo, tido como o mais importante pelos agricultores, o qual proporciona a manutenção de sua forma de vida, e de onde provém seu sustento. A seguinte frase dita por um agricultor faxinalense exprime bem a importância da “terra” para eles: “Sem ter a terra é como estar com sede ter água e não poder pegar”.
Os diferentes tipos de terras diagnosticados pelos agricultores nas áreas de plantar (Terra Banca, Preta, Roxa, Areia, e Batumadeira) bem como os usos de cada uma destas e a forma de manejo a que são submetidas, refletem suas fragilidades e potencialidades. Na medida em que podemos correlacionar essas terras a duas ordens de solos: os neossolos e os cambissolos, sendo solos jovens estes têm limitações para uso agrícola. Neste sentido a cultura do fumo torna-se até o momento a única alternativa viável para a manutenção da agricultura familiar, e desenvolvimento econômico dos moradores de Taquari dos Ribeiros, devido as características dos solos, e a baixa exigência do fumo quanto aos nutrientes. O agricultor sabendo das características e qualidades do recurso solo que é a base de sua existência torna-se capaz de realizar seu próprio diagnóstico do meio, necessitando apenas de técnicas e estratégias de trabalho mais apropriadas ao uso e manejo de tais recursos devido, as especificidades de cada tipo de solo, e isso torna-se possível com a colaboração de pesquisadores, que ao invés de propor um projeto para tais agricultores devem construir junto a eles alternativas de renda que os mantenham no campo, e além disso, que ajudem a manter seu modo de vida.
As práticas agrícolas, isto é, as variadas técnicas utilizadas, pelos agricultores buscam adaptar-se e às condições sócio-econômicas e ambientais nas quais trabalham (GARCIA FILHO, 1995) tentando relacioná-las aos recursos de que eles dispõem para o manejo da ‘terra’.
Desta forma o entendimento das práticas produtivas dos agricultores faxinalenses torna-se elemento fundamental para o desenvolvimento de técnicas e táticas que melhor se enquadrem ao ambiente onde ele está inserido.
Conclusão
O DRP demonstrou-se muito importante na aquisição de dados, e intercâmbio entre os pesquisadores e os agricultores faxinalenses. Bem como do entendimento das práticas agrícolas por eles desenvolvidas, possibilitando a compreensão da forma particular que eles têm de se relacionar com o meio que habitam, e de identificar suas potencialidades e fragilidades.
A análise conjunta da realidade da comunidade faxinalense tem proporcionado além da interação entre ambos os atores que compõem o quadro de sujeitos (pesquisadores e objetos de pesquisa), uma análise mais completa das condições socioambientais desta, bem como um diálogo mais concreto, que vêm possibilitado trocas mais palpáveis visando à elaboração de estratégias sustentáveis de uso e manejo dos recursos locais.
A concretização deste objetivo está calcada na valorização dos recursos naturais, e conhecimento vernacular empiricamente produzido, que até hoje proporciona um equilíbrio estável na relação agricultor-natureza, e na interface, ou seja, na união entre o saber local culturalmente arraigado e profundo conhecedor do lugar e de suas especificidades, e o conhecimento científico disciplinar-metodológico.
Referências
CONTRERAS, A.; LAFRAYA, S.; LOBILLO, J.; SOTO, P.; RODRIGO, C. Los Métodos del Diagnóstico Rural Rápido y Participativo. Valencia, España, 1998.
Disponível em: <http://www.camafu.org>. Acesso em: 23 jul. 2010.
GARCIA FILHO, D. P., Análise e diagnóstico de sistemas agrários – Guia metodológico. INCRA/FAO, 1999, 65 p.
RIBEIRO, M. F. S; MIRANDA, M.; MIRANDA, G. M.; CHAIMSOHN, F. P.; BENASSI, D. A.; GOMES, E. P.; MILLEO, R. D. S. Diagnósticos de Sistemas de Produção. In: DONI FILHO, L.; TOMMASINO, H.; BRANDENBURG, A. (Org). Seminário Sistemas de Produção: conceitos, metodologias e aplicações. Curitiba: UFPR, 1999, p. 26-43.
VERDEJO, M. E. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Secretaria da Agricultura Familiar. Diagnóstico Rural Participativo. Brasília, 2006, p. 61.
Informações sobre os autores
Juliano Strachulski (STACHULSKI, J.) graduando do 4º ano do curso de Bacharelado em Geografia pela Universidade Estadual de Ponta Grossa e participante de projeto de iniciação científica, possui o seguinte e-mail para contato: julianomundogeo@gmail.com.
Nicolas Floriani (FLORIANI, N.) Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento (UFPR). Fez doutorado sanduíche no Laboratoire Dynamiques Sociales et Recomposition des Espaces (ParisX). É Professor do programa de Pós-graduação em Geografia, da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Possui o seguinte e-mail: florianico@gmail.com.