Genivaldo Frois Scaramuzza
publicado em 02/05/2011 como www.partes.com.br/educacao/praticadocente.asp
Resumo: o presente texto elenca como discussão a prática docente e as diversas faces desta prática transmutadas no espaço escolar. Para isso, propõem-se como colaboradores desta reflexão, autores como Zabala (1998); Freire (1985); Meirieu (2005) e Marpeau (2002), os quais a nosso ver contribuem para se compreender a dinâmica da docência e as principais questões inerentes a sua prática.
Palavras – Chave: Prática, Docência, Educação, Reflexão.
Considerações Iniciais
Em sua obra “o que é educação” Carlos Rodrigues Brandão nos apontou que a educação não é privilégio dos sistemas escolares, pelo contrário “a educação pode existir livre e, entre todos, pode ser uma das maneiras que as pessoas criam para tornar comum, como saber, como ideia, como crença, aquilo que é comunitário como bem, como trabalho ou como vida” (p.10). Interlocuções como esta nos dão uma dimensão do que pode ser a educação, de como ela pode acontecer, onde ela pode se localizar e quais são sua importância, entretanto, neste texto, nosso foco será a educação escolar, seus pressupostos, ao que se destina, e ainda, quem a prática.
Situando o debate
Pensar a prática educativa é fundamental para analisar o ato do educar, a partir deste pressuposto, uma pergunta inevitável sobre o tema é: até que ponto os praticantes da educação escolar compreender a dimensão de todo o processo? Qual é o comprometimento com o exercício de uma prática reflexiva? Estas preocupações jungiram a partir das experiências como docente da Fundação Universidade Federal de Rondônia no curso de Pedagogia, especificamente a partir das discussões implementadas nas temáticas de Filosofia da Educação e Didática.
Situo este debate a partir principalmente das contribuições de Zabala (1998), para quem o processo educativo pauta-se nos efetivos domínios dos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, da interação entre educadores e educando, do papel que compõe a organização da sala de aula, da organização dos conteúdos, dos recursos didáticos e materiais curriculares e por fim, da avaliação da aprendizagem.
Para Zabala (1998, p. 13), a prática do educar esta intrinsecamente ligada a capacidade docente de se questionar, isto porque “todos nos sabemos que entre as coisas que fazemos algumas estão muito bem feitas, outras são satisfatórias e algumas certamente podem ser melhoradas”. Como princípio fundamental, a prática educativa estaria ligada inicialmente a um fator simples e determinante, ou seja, a capacidade de se efetivar perguntas sobre o que alcançamos como alcançamos e o que podemos alcançar nesta prática. Para Freire & Antonio (1985), “no ensino esqueceram-se das perguntas, tanto o professor como o aluno esqueceram-nas, e no meu entender todo conhecimento começa pela pergunta.” (p.24). A dimensão dos questionamentos leva-nos a pensar a prática docente a partir da ação reflexiva, isso gera a tomada de conhecimento das reais situações vivenciadas no espaço de sala de aula, induzindo a busca de instrumentais que responda aos desafios do ensinar. É diante disso que
Os processos de ensino/aprendizagem sejam extremamente complexos – certamente mais complexos do que os de qualquer outra profissão – não impede, mas sim torna mais necessário, que nós, professores, disponhamos e utilizemos referenciais que nos ajudem a interpretar o que acontece em aula. Se dispusermos de conhecimentos deste tipo, nós os utilizaremos previamente ao planejar, no próprio processo educativo, e, posteriormente, ao realizar uma avaliação do que aconteceu (ZABALA, 1998, p. 15).
A estruturação de uma prática docente passa por vários determinantes os quais estão diretamente ligados a qualidade do ensinar, estes determinantes qualificam o trabalho docente desafiando a prática, ou seja, os parâmetros institucionais, a organização docente, as metodologias utilizadas, as condições físicas e sociais incidem como qualificadores, e assim sendo, a intervenção pedagógica deve necessariamente partir de ótimos planejamentos, aplicabilidade coerente e excelentes avaliações. Os resultados impetrados por uma prática reflexiva é a construção de um discurso educacional com vista a proposição da qualidade, isto porque “a reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação teoria/prática sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática, ativismo” (FREIRE, 1996, p.22).
Abordagens gerais sobre a prática docente
A complexidade da prática docente nos faz perceber juntamente com Zabala (1998) de que o conhecimento dos seus mecanismos constituem-se como sendo um bom começo para interpretá-la e fazê-la. Para Meirieu (2005) um dos fatores que inicialmente derrota a prática educativa é inferir posicionamento antecipado que subestime a capacidade discente diante do objeto a ser aprendido, isso reduziria a prática a um conjunto de ações as quais não se poderia pensar sobre ela, seria então a relação de quem sabe para quem não aprende. Compreender que a educação profissional é estabelecida a partir de pressupostos históricos, nos faz pensar na própria composição do ato educativo, para Marpeau ( 2002, p. 161), “o ato educativo reside em um gesto plenamente realizado que faz sentido para o sujeito, permitindo que saia de suas representações habitual”, esta compreensão estaria ligado a própria dimensão da educação, dimensão de transposição de lugares. Transpor o sujeito de um lugar ao outro seria então a razão de toda prática educativa, é neste sentido que as contribuições de Zabala nos esclarecem este processo.
Para o autor em questão, é imprescindível que o educador reconheça os caminhos de sua prática, a começar pelos domínios dos conteúdos de aprendizagens, ou seja, todos aqueles que no espaço escolar estão ligados ao desenvolvimento de capacidades sensório-motoras, afetivas, intrapessoal, interpessoal e de relações sociais. Neste contexto o autor nos aponta que dominar os diversos formatos dos conteúdos, qualitativamente melhora a prática a começar pelos domínios conceituais/factuais, procedimentais e atitudinais.
Os domínios dos conteúdos conceituais/factuais por si só, não viabilizam uma prática qualitativamente estabelecida, mas se torna imprescindível para a construção da história social. Os conteúdos conceituais/factuais estão ligados a “fatos, acontecimentos, situações concretas e singulares: a idade de uma pessoa, a conquista de um território, a localização ou a altura de uma montanha, os nomes, os códigos, os axiomas, um fato determinado num determinado momento” (ZABALA, 1998, p. 41). Imaginemos a situação hipotética em que a professora implemente em sua prática somente as preocupações com os domínios dos conteúdos conceituais/factuais, e que em uma dada aula sobre história do Brasil cobre de seus alunos datas e nomes os quais julgue importante, ao efetivar esta prática, a professora esquece o próprio Brasil, situa um discurso distanciado do Brasil vivenciado, do Brasil real, do Brasil palpável. Imagine que na aula de geografia a professora se atenta a ensinar os nomes dos rios, das bacias hidrográficas, dos relevos e montanhas esquecendo-se de demonstrar o que são estes elementos, estaríamos diante de uma prática docente dominada por fatos e conceitos.
Outro ponto importante da prática é a passagem do Conceitual/factual ao conteúdo procedimental, entendem-se aqui, que procedimentos “é um conjunto de ações ordenadas e com um fim, quer dizer, dirigidas para a realização de um objetivo” (p.43). A situação hipotética anterior nos permite proceder esta análise, imaginemos que a mesma professora ao trabalhar os vários conteúdos conceituais possibilitou que seus alunos não só se reconhecessem como resultados das relações sociais históricas no Brasil como também soubessem na prática indicar o relevo, os rios e montanhas, que em situações reais demonstrassem a diferença entre a produção do conceito em si e a materialização do conceito. Como resultado desta prática, situa-se a dimensão dos conteúdos atitudinais, ou seja, a compreensão da relação entre valores, atitudes e normas. O que muda na vida do educando a partir dos saberes adquiridos? Quais são as mudanças traduzidas em ações que este conhecimento permitiu? Conteúdos atitudinais demonstram a eficácia da prática de ensino ao denunciar a capacidade de transmutar o sujeito de um lugar a outro.
Outros fatores que não podemos deixar de mencionar, situa-se na própria relação educador – educando – educador. Trata-se de uma relação determinante à prática docente, Para Meirieu (2005) esta relação se pauta na compreensão de que a educabilidade é o primeiro passo para implementar esta relação, ou seja, é a ideia de que ninguém pode ensinar postulando que está diante de um ser ineducável. Neste sentido todo praticante em educação teve postular a educabilidade do outro, respeitando a liberdade/capacidade de aprender de cada um. Por outro lado o aluno deve compreender que não se pode decidir o que quer aprender e de que forma vai aprender no espaço escolar, a existência de um programa capaz de estabelecer o que será aprendido é imprescindível na prática educativa, entretanto, há de se tomar cuidado, porque saberes impostos logo se torna meras utilidades escolares.
Com referência ao papel que compõe a organização da sala de aula, a organização dos conteúdos, os recursos didáticos e materiais curriculares, o educador deve necessariamente reconhecer que a escola se estabelece como um grande grupo e que consequentemente a sala de aula é parte deste grupo e igualmente heterogenia. A este respeito Zabala identifica formas de organização da sala de aula desde grupos móveis e fixos, até a implementação de trabalhos individualizados, assim, a escolha desta organização estariam ligados aos interesses e objetivos dos planos didáticos e das ações pedagógicas que se quer implementar. Por fim destacamos o papel da avaliação na prática docente, diante disso, “quando se fala em avaliação se pensa, de forma prioritária, ou mesmo exclusiva, nos resultados obtidos pelos alunos” ( ZABALA, 1998, p. 195), a este respeito ao autor esclarece que o mais importante na prática educativa é estabelecer questionamentos orientadores da avaliação, quais sejam: por que temos que avaliar? O que se tem que avaliar? A quem se tem que avaliar? Como se deve avaliar? Como temos que comunicar o resultado da avaliação? Se compreendermos as dimensões e diversidades dos conteúdos ensinados, conceituais/factuais, procedimentais e atitudinais são possíveis estabelecer uma conexão entre as interrogações formuladas e tentar responde-la tendo em vista os objetivos educacionais a serem alcançados.
Considerações finais
O texto em questão surge da necessidade de abrir um debate necessário sobre a prática docente, sobre a possibilidade de instigar reflexões sobre o fazer pedagógico. Neste sentido, recorremos as contribuições de autores que nos diz sobre como a docência não pode estar desvinculada da sistematização e de ações que nos aponte a resolução de problemas ligados a sala de aula.
Percebemos a importância de se conhecer a amplitude da prática, direcionando – nos a real compreensão de como os domínios dos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, da interação entre educadores e educando, do papel que compõe a organização da sala de aula, da organização dos conteúdos, dos recursos didáticos e materiais curriculares e a avaliação da aprendizagem nos permite construir uma educação coerente com os princípios da equidade, sobretudo da qualidade.
Referências
BRANDÂO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 1994.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, Paulo; FAUNDEZ, Antonio. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
MARPEAU, Jacques. O processo educativo: a construção da pessoa como sujeito responsável por seus atos. Porto Alegre: Atmed, 2002.
MEIRIEU, Fhilippe. O cotidiano da escola e da sala de aula: o fazer e o compreender. Porto Alegre: Artmed, 2005.
ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.
Professor da Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR campus de Ji-Paraná.