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Sua última chance


Pedro Coimbra


Lidinho, um presepeiro de marca maior e grande frasista era quem melhor definia o Distrito de Pau de Ferro, “um lugar maravilhoso, localizado no final da linha do trem, sempre coberto por uma nuvem de um pó vermelho que gruda nas coisas e na gente e não sai nunca mais”.
Ninguém sabia explicar por que os libaneses que vieram para trabalhar nas lavouras de café começaram a mascatear, ganharam dinheiro e construíram pequenos sobrados na rua principal do lugarejo, sendo chamados de forma geral como turcos.
“O Líbano tem uma arquitetura linda e aqui eles construíram estes caixotinhos”, dizia Lidinho enquanto saboreava uma cerveja.
Pau de Ferro tinha coisas e pessoas bem estranhas, todos nós concordávamos. Um deles era Cori, com sua barba espessa, tronco avantajado e sempre uma enxada nos ombros. “Parece um troglodita”, afirmava Lidinho e aproveitava a deixa para explicar para a turminha o que isso significava. Ele morava num sobradinho abandonado no Alto da Quaresmeira e num local em que todos se conheciam ninguém podia dizer qual era sua família.
“Cori sempre viveu jogado no mundo e nem mesmo sabe onde nasceu e como veio parar aqui”, dizia Lidinho.
Falava muito pouco, quase nada, mas era reconhecido como homem trabalhador. Grande capinador de hortas, excelente para limpar uma caixa de gordura e todos esses serviços que a maior parte das pessoas não aceitavam fazer.
Final do dia marchava para a Serra do Capote onde cuidava com todo o capricho de uma grande plantação de arnica, consumida em toda a região, como um grande e santo remédio para todos os males.
Sua rotina só era quebrada no Domingo de Carnaval quando cobria o rosto com uma pesada maquiagem e colocava um vestido de chita, onde sobressaiam grandes peitões. Era o dia dos homens da cidade se travestirem e sair pelas ruas cantando no “Bloco das Domésticas do Prazer”. “Esta mulher/ Há muito tempo me provoca/ Dá nela! Dá nela!/É perigosa/Fala mais que pata choca/Dá nela! Dá nela! “
Na Quarta-Feira de Cinzas, Cori, era o primeiro a puxar a fila diante do Padre. “Era homem mesmo. Tinha um montão de filhos na região”, assegurava Lidinho. E a vida voltava ao normal naquele final de mundo…
Mas, no Carnaval de 54 um fato escabroso abalou toda a população. Lucinha, uma garota loura de 13 anos apareceu morta e violentada justo na cultura de arnica da Serra do Capote. A notícia chegou célere até a capital graças ao radiotelegrafista Dario.
A Secretaria de Segurança Pública enviou o Delegado Romão e dois investigadores, cada um com seu interesse particular, bem diferente do elucidamento  do crime.
“Em pouco tempo descobriram que os suspeitos eram filhos de ricos fazendeiros da região, o que era uma verdade incômoda”, contava Lidinho.
Delegado Romão mandou prender o suspeito ideal, Cori, e pessoalmente resolveu interrogá-lo com muita pancadaria.
“Mas o homem não confessava o crime. Foi quando Delegado Romão colocou um trezoitão na boca de Cori e lhe disse que era sua última chance”, dramatizava Lidinho.
Se todos nós temos nossa hora aquela não era a de Cori, pois no instante que o gatilho ia ser puxado, o Delegado Romão caiu morto, vitimado por um fulminante ataque de coração.
“Cori saiu da cela sozinho, o corpo do Delegado Romão foi transportado para a Capital num vagão especial, os filhos dos fazendeiros nunca mais foram vistos nas redondezas  e o crime perdeu-se na memória dos habitantes”, diz Lidinho.
Cori voltou ao seu cotidiano e continuou desfilando no “Bloco das Domésticas do Prazer” até que com o tempo a brincadeira de momo acabou no Distrito de Pau de Ferro, como em muitos outros lugares…

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