Lucas Eduardo Ramos
publicado originalmente em 02/11/2010 como <www.partes.com.br/cidadania/depolitizacaomusical.asp>
Cresce gradualmente a despolitização musical no Brasil a cada década que passa. Em meio à ditadura do Regime Militar do Brasil (1964- 85), que cerceou entre outras coisas o direito de expressão, muitos músicos ligados à MPB escreviam músicas de protesto, como a canção “Cálice”, composta por Chico Buarque e Gilberto Gil, que trazia duplo sentido através dos versos: “Pai, afasta de mim este cálice” (no trocadilho, leia-se cale-se); Noutro trecho: “De que me vale ser filho da santa? Melhor seria ser filho da outra; Outra realidade menos morta; Tanta mentira tanta força bruta”. Do mesmo modo Geraldo Vandré e sua “Pra não Dizer que não Falei das Flores”, atiçou os ditadores com seus dizeres libertários. Na mesma linha o mestre Caetano Veloso criou a canção “É Proibido Proibir”, cujo título fala por si só. Eram tempos de protesto e de lutas pela conquista de direitos como a democracia e a liberdade de expressão.
Na reta final da Ditadura Militar, em 1982, algumas bandas de rock and roll nacional se firmaram no cenário musical com músicas sociais e reivindicatórias, como o grupo Capital Inicial, de Brasília. Obras como “Fátima” e “Até quando esperar” refletiam crises existenciais e econômicas que questionavam o fanatismo religioso e a má distribuição de renda do País. Porém nos últimos anos a banda curiosamente despolitizou suas letras, passando a criar baladas românticas simples e adaptadas aos shows “pops”, sendo rotulada na atualidade como uma banda comum de pop rock, restrita a reprodução de músicas de amor.
Outro grupo surgido neste mesmo ano (1982) e que lançou em 1985 o primeiro de muitos discos foi a Legião Urbana, também de Brasília. Com músicas extremamente politizadas, criticando diversos aspectos da sociedade brasileira. Faixas como “Geração Coca-Cola”, “Eduardo e Mônica”, e “Índios” fizeram sucesso nos anos 80 e 90.
Nota-se que a partir dos anos 80 as únicas bandas nacionais que continuaram a fazer músicas de protesto foram ínfimas, certas canções dos cariocas de O Rappa, ou dos gaúchos do Engenheiros do Hawaii, tem impacto social e filosófico, mas talvez essas sejam as únicas bandas populares de expressão nacional que ainda escrevam músicas politizadas. As novas bandas de rock trazem apenas letras sobre amor, festas, paixões impossíveis e temas afins, sem se preocupar com questões sociais de maior relevância. Se o rock, uma escola artística que tem uma estrada histórica de protesto, vem se direcionando a tal modelo, nem se faz necessário comentar o que cantam outros ritmos, como funk, pagode, ou a música sertaneja. Há grupos de rap e Heavy metal que sempre manteram e ainda trabalham uma postura crítica, porém estes nunca saem do cenário alternativo, permanecendo à margem da grande massa dos ouvintes brasileiros.
O que se pode notar é uma despolitização em massa da juventude brasileira de classe média, dos filhos e filhas daqueles que ajudaram a derrubar a Ditadura Militar no passado, e que nos devolveram a valiosa liberdade de expressão. Liberdade aparentemente tão banal e corriqueira hoje em dia, mas que parece estar abandonada à própria sorte.