Margarete Hülsendeger
publicado em 01/11/2010
A amizade é um meio de nos isolarmos da humanidade cultivando algumas pessoas.
Carlos Drummond de Andrade
O conceito de amizade sempre me pareceu claro e pouco sujeito a controvérsias. Assim pensava até o dia que tive de explicar ao meu filho de 17 anos o seu significado.
Tudo começou com uma proposta de redação dada por seu professor de Língua Portuguesa. O objetivo era escrever sobre o sentido da amizade nesses tempos de acesso liberado a diferentes meios de comunicação. Para facilitar a escrita – e também servir de inspiração –, foram oferecidos trechos de músicas, citações de filósofos e poemas.
Qual não foi a minha surpresa quando meu filho adolescente pediu – ou melhor, implorou – ajuda na tarefa, pois não tinha a mínima ideia de como começar. Deixando claro que a redação deveria ser escrita por ele – e somente por ele –, propus que, antes de escrever, nós dois apenas conversássemos sobre o assunto. Assim, o primeiro passo foi questioná-lo sobre o que ele entendia por amizade. Nova surpresa. Sua resposta foi um curto e objetivo “não sei”.
“Como, não sabe?!”, perguntei. “Você não tem amigos? Você não é amigo? Então, o que isso representa na sua vida?”, voltei a perguntar. O silêncio foi a sua resposta. A expressão em seu rosto também não deixava dúvidas: ele, realmente, não sabia do que eu estava falando.
Estranho. Meu filho, assim como quase a totalidade dos adolescentes do planeta, conhece e utiliza (muito!) as diferentes ferramentas de comunicação da internet: orkut, MSN, e-mail, facebook, twitter, entre outros. Esses são locais onde sabidamente (assim pensava eu!) relações de amizade são construídas. No entanto, tinha diante de mim um adolescente típico que não sabia verbalizar os significados desses relacionamentos em sua vida.
Respirando fundo, fiz o que se espera de uma boa mãe: procurei ajudá-lo. Primeiro expus, de forma clara e didática, o significado da amizade para mim. Não tive vergonha de usar termos batidos como companheirismo, respeito e empatia. Expliquei que os amigos são todas aquelas pessoas que, nos momentos de necessidade, ficam do nosso lado, ouvindo nossas lamentações e nos apoiando incondicionalmente. Esclareci também que os verdadeiros amigos não têm medo de nos dizer a verdade e, mesmo conhecendo nossos defeitos e fragilidades, continuam do nosso lado. Disse ainda que a estrofe da canção de Milton Nascimento – Amigo é coisa para se guardar no lado esquerdo do peito, mesmo que o tempo e a distância digam “não”–, fora uma maneira encontrada pelo artista para homenagear aqueles que, de alguma forma, em algum momento de sua vida, haviam feito a diferença.
Meu filho ouviu todos os meus argumentos e explicações em silêncio. Quando terminei, quis saber não só o que ele achava, mas se ele agora tinha entendido o significado da amizade. Sua resposta, novamente, não se fez esperar: “Mãe, não tenho nada sequer parecido com isso e acho que ninguém que eu conheço tem”. “Como é possível?!”, perguntei assustada.
Segundo ele, hoje o significado da amizade é bem diferente. As redes de relacionamento da internet não são utilizadas para encontrar ou fazer amigos. Elas, na verdade, servem, na sua maioria, para permitir que as pessoas apenas sejam vistas. As relações são frágeis e, consequentemente, efêmeras, baseadas em interesses superficiais e, portanto, ao sabor da moda vigente no momento. Quem era louco ou corajoso o suficiente para fazer alguma confidência ou buscar algum tipo de apoio nesses grupos estava correndo o risco de se expor ao ridículo.
Confesso: fiquei muito triste. Não é fácil ouvir o filho de 17 anos dizer que a amizade, como eu a compreendo, está difícil, quase impossível, de encontrar. “E você como lida com isso?”, quis saber. “Mãe, não esquenta, esse é o meu mundo e para mim isso é normal”, foi a sua resposta.
Dessa vez quem ficou em silêncio fui eu. De que adiantava insistir no assunto se, segundo ele, nossos mundos eram tão diferentes? Como mãe, me cabe apenas apoiar e ajudar, rezando para que nesse novo mundo, construído por essa nova geração, ainda possa existir espaço para a amizade, mesmo que o seu significado seja tão diferente do meu.
E a redação foi feita? Sim. Depois de quase quatro horas de discussão (Juro! Foram mesmo quase quatro horas!) eu, finalmente, o aconselhei a escrever sobre o que ele havia me contado. Afinal, assim como a vida (e as amizades), o texto era dele, não meu.