Aparecida Luzia de Mello*
publicado em 01/11/2010 como www.partes.com;br/terceiraidade/gringaelegante.asp
Jovem, descendente de húngaros, pele igual a da branca de neve, maçã do rosto rosada, cabelos lisos e pretos e olhos ora verdes da cor do mar, ora azuis da cor do céu ao entardecer.
Trabalhava como assistente de modelista numa loja que tinha confecção própria. O profissional que ela assistia tornou-se seu amigo. Enquanto ele desenhava, ela produzia a peça piloto. Nas horas vagas, às vezes, ele desenhava como cortesia alguns modelitos para ela.
Ela, esperta, fez amizade com os vendedores das Casas Pernambucanas, na Rua Direita, Centro da Cidade de São Paulo. Assim toda vez que um retalho de tecido fino como crepe, musselina, seda pura, cetim, sarja, tafetá, renda, brocado, cambraia ou algodão, ia para a banca de retalhos a preço promocional, eles guardavam para ela, que selecionava os de seu interesse e no final do mês, quando recebia o salário fazia a “festa” na loja.
Com estes privilégios, andava sempre muito bem vestida. Modelagem gratuita, tecidos nobres baratos e mão de obra própria garantiam a elegância diária. Tinha um guarda roupa de fazer inveja às colegas de trabalho.
Certa feita o patrão a chamou e lhe propôs:
-: monte uma oficina em sua casa, coloco as máquinas, garanto o serviço, você contrata, administra a equipe e faz toda minha coleção da loja. Era a terceirização surgindo nos anos 50 quando o termo ainda era desconhecido.
Ela, hoje se diz ingênua para a época em que isto aconteceu. Não teve visão de futuro e, portanto não aceitou a proposta. O motivo? Ah.. Ela diz:
-: pura bobagem de jovem inexperiente. Eu adorava sair todos os dias para trabalhar fora e ir bem arrumada, se colocasse a oficina em casa eu achava que ia trabalhar noite e dia, inclusive em fins de semana e nunca mais iria me arrumar, pois estava em casa mesmo.
Como o plano do patrão não deu certo, algum tempo depois ela acabou saindo da empresa e foi trabalhar num escritório de contabilidade. Como estava sempre muito bem arrumada fugindo do padrão geral ganhou o apelido de GRINGA ELEGANTE.
Já contava com 28 anos e estava sem namorado. Um dia ao levar um documento de um setor para outro, cruzou uma sala onde um jovem trabalhava e ao passar por ele, ouviu:
-: ah se eu tivesse 10 anos a mais!
Ela escutou o comentário, mas seguiu o caminho sem olhar para traz.
O que passou a chamar sua atenção foi que a partir daquele dia todas as vezes que ele a via ou que ela cruzava seu caminho ele fazia o mesmo comentário.
-: ah se eu tivesse 10 anos a mais!
Até que um dia ela, ao passar e ouvir o comentário voltou-se, olhou para ele e disse:
-: ah se eu tivesse 10 anos a menos.. e seguiu seu caminho.
Naquele dia ao chegar ao ponto do ônibus, eis que ela se surpreende ao vê-lo na fila. Ela olhou surpresa para ele e comentou:
-: nossa você pega o mesmo ônibus que eu e nunca te vi por aqui?
Ele sorrindo disse:
-: eu estava aqui te aguardando pensando em te convidar para tomar um sorvete. Você aceita?
Ela aceitou! Conversaram, riram e cada um seguiu seu caminho..
No outro dia lá estava ele a espera dela novamente. Neste dia convidou-a para ir ao cinema.
Um mês depois estavam namorando.
Quando ele a pediu em casamento, o pai dela concordou, mas a família não acreditava que o casamento daria certo.
Quando eles se casaram, ela estava com 32 anos e ele com 22 anos.. Alguns anos depois veio o filho único do casal, que foi muito desejado e é muito amado até hoje.
Depois de 44 anos de casados, eles ainda comemoram a ousadia para a época dizendo:
-: afinal o que é 10 anos de diferença para quem quer ser feliz!!!
* Advogada, Mestre em Políticas Sociais, Pós-Graduada em Gestão e Organização do 3º Setor, Psicogerontologia e Memórias. Palestrante, professora, dirige o PEEM Ponto de Encontro e Estudo da Maturidade, voluntária da 3ª Idade e Recanto do Idoso Nosso Lar.
Email: cidamell@uol.com.br