A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NAS ESCOLAS
Luana Silva Bôamorte de Matos*[1]
Jonas José de Matos Neto**[2]
Resumo: A Educação Patrimonial é uma metodologia educativa para o uso e a apropriação dos bens culturais que compõem o Patrimônio Cultural local. Introduzida no Brasil em 1983 pela museóloga Maria Horta, é franqueada à comunidade local, as famílias, as empresas, à rede escolar e autoridades responsáveis. Na ocasião do 1º Encontro Nacional de Educação Patrimonial foi observado que a sociedade organizada é a maior geradora de ações educativas com o uso do Patrimônio Cultural. Por tal, este trabalho se propõe levantar os possíveis desafios à efetivação da Educação Patrimonial no espaço escolar, limitando-se a compreender as questões provenientes da estrutura funcional do ensino brasileiro.
Palavras-chave: Educação Patrimonial, Prática escolar, Metodologia educativa;
Resumen: La Educación Patrimonial es una metodología educativa para el uso y propiedad de los bienes culturales que conforman el sitio del Patrimonio Cultural. Introducida en Brasil en 1983 por el museólogo María Horta, es la franquicia para la comunidad local, las familias, las empresas, el sistema escolar y las autoridades. En lo ocasión de la primera Reunión Nacional de Educación Patrimonial señaló que la sociedad organizada es el mayor generador de actividades educativas con el uso del patrimonio cultural. Por tanto, este trabajo tiene como objetivo aumentar los posibles retos a la eficacia de la educación patrimonial en la escuela, sólo para comprender los problemas que viene de la estructura funcional de la educación brasileña.
Palabras-clave: Educación Patrimonial; Práctica escolar; Metodología educativa;
Introdução
Parece ser um exercício vigoroso àqueles que atuam em sala de aula, o desenvolvimento de uma educação para o patrimônio. Desafios motivados pela novidade da metodologia da Educação Patrimonial no país e pela necessidade em construir um currículo que privilegie ações centradas na valorização do patrimônio cultural se apresentam como importantes pontos a serem considerados pelos docentes que pretendem fazer uso desta prática educativa.
É saber notório que o Patrimônio Cultural, entendido como todos os bens de natureza material e imaterial portadores de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da nossa realidade[3], é um promissor instrumento pedagógico ao exercício da cidadania – uma das finalidades do nosso programa educacional.
Segundo a arquiteta e antropóloga Ana Carmem Amorim Jara Casco,
Elaborar projetos educativos voltados para a disseminação de valores culturais, formas e mecanismos de resgate, preservação e salvaguarda, assim como para a recriação e transmissão desse patrimônio às gerações futuras é, sobretudo, um projeto de formação de cidadãos livres, autônomos e sabedores de seus direitos e deveres. (CASCO, 2006, p. 02)
Muito embora esta posição que reconhece nas atividades voltadas a construção de uma educação que valorize o patrimônio cultural o potencial de estímulo a formação da cidadania, apenas são encontrados pontuais registros de experiências com a Educação Patrimonial no universo escolar, geralmente frutos de parceria entre o poder público local e universidades e o IPHAN[4]. Trabalhos acadêmicos e livros que problematizem a temática no país ainda são poucos. Em resumo, “muito há o que se fazer em termos de educação para o Patrimônio” (SOARES, 2008, p.08).
Por tal, o objetivo deste breve trabalho está centrado em levantar os possíveis desafios apresentados à efetivação desta pratica educativa no âmbito escolar, limitando-os, neste momento, as questões provenientes da estrutura funcional do ensino brasileiro.
Primeiramente, vamos apontar algumas considerações acerca da trajetória da Educação Patrimonial no Brasil, e, em seguida, refletir sobre a necessidade da implantação desta metodologia em sala de aula. Utilizaremos para tanto, relatos de experiências e outras contribuições sobre a Educação Patrimonial no Brasil, tal como o recente trabalho organizado pelo professor André Luis Ramos Soares, intitulado “Educação Patrimonial: Teoria e Prática”, além de documentos que direcionam a educação brasileira e publicações que tratam e temáticas como Projeto Político, Currículo e Temas transversais.
A Educação Patrimonial no Brasil: trajetória e desafios
A metodologia da Educação Patrimonial foi introduzida no Brasil pela museóloga Maria de Lourdes Parreiras Horta a pouco menos de trinta anos, precisamente em 1983, por ocasião do 1º Seminário sobre o “Uso Educacional de Museus e Monumentos”, organizado pelo Museu Imperial, em Petrópolis, no Rio de Janeiro (HORTA et al, 2009, p. 05).
Concebida como proposta de desenvolvimento de ações educacionais voltadas para o uso e apropriação dos bens culturais que compõem o patrimônio cultural local, esta metodologia teve seu berço na Inglaterra, sob a denominação Heritage Education. (HORTA et al, 2009, p. 05)
Sendo a premissa básica das ações de Educação Patrimonial o uso do bem cultural como fonte primária da aprendizagem, espera-se com este contato o conhecimento crítico e a apropriação consciente pela comunidade do seu patrimônio para a preservação sustentável destes bens e fortalecimento de sentimentos como identidade e cidadania. (HORTA et al, 2009, p. 06)
Após este marco inicial, trabalhos foram desenvolvidos em diversos lugares do país, culminando numa necessidade de materiais e bibliografia relacionados ao tema, e na produção, com o apoio do IPHAN e Ministério da Cultura, em 1999, do “Guia Básico da Educação Patrimonial”, como incentivo ao conhecimento do nosso patrimônio.
Por certo, as ações educacionais voltadas para o uso e a apropriação dos bens culturais integrantes do nosso Patrimônio cultural receberam impulso com a promulgação da atual Constituição Federal, em 1988 (BASTOS, 2002, p.134).
Relação também, anos mais tarde, com a nova regulamentação dos sistemas educativos no Brasil, resultante da criação de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação em 1996 e da adoção dos Parâmetros Curriculares Nacionais a partir de 1997, que atenderam transformações processadas na sociedade (BITTENCOURT, 1992, p. 134).
Todas essas investidas ocorridas nos últimos anos corroboraram para a introdução da preservação patrimonial no âmbito escolar. Mas, na ocasião do 1º Encontro Nacional de Educação Patrimonial, realizado em São Cristóvão, Sergipe, no ano de 2005, chegou-se a conclusão que:
As ações educativas, voltadas para a preservação do patrimônio e desenvolvidas pela sociedade, aparecem como iniciativas de grupos que assim entendem ser seu papel ou que resolvem ocupar o vazio deixado pela ausência de uma ação efetiva do Estado (municípios, governos estaduais e governo federal) nesse campo. (CASCO, 2006, p. 01)
Como já mencionado, acontece em alguns lugares a parceria entre as entidades responsáveis pela guarda do patrimônio, universidades e pelos gestores da educação. Como por exemplo, o recente acordo firmado entre o IPHAN e a Prefeitura Municipal de João Pessoa, na Paraíba, para fortalecer o estudo do patrimônio por meio da educação patrimonial[5].
Porém, ainda é carente o campo da educação para o Patrimônio de ações sistemáticas e agressivas do Estado, tal como a cobrança pela elaboração e difusão de metodologias, normas e diretrizes que ajudassem a organizar esse campo promissor e incipiente. (CASCO, 2006, p. 02)
A Lei 9.394/ 1996, que institui as Diretrizes e Bases da Educação brasileira, defende como um dos princípios do ensino no país a divulgação da cultura, e para tanto, estabelece que os currículos da educação básica devem ter uma base diversificada de acordo com as características regionais e locais da sociedade e da cultura.
A possibilidade do trabalho educativo fundamentado no uso do Patrimônio Cultural é assegurado neste documento e de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais o ensino fundamental preconiza o desenvolvimento de educandos capazes de:
(…) conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais, materiais e culturais como meio para construir progressivamente a noção de identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertinência ao País; conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro (…) posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras características individuais e sociais; (BRASIL, 1997, p. 09)
Neste sentido a atenção a ação pedagógica de valorização do Patrimônio Cultural recai sobre o Projeto Político da escola, enquanto elemento identitário da comunidade escolar e orientador de princípios das ações pedagógicas e de normas compartilhadas por toda a comunidade escolar.
O projeto busca um rumo, uma direção. É uma ação intencional, com um sentido explícito, com um compromisso definido coletivamente. Por isso, todo projeto pedagógico da escola é, também, um projeto político por estar intimamente articulado ao compromisso sociopolítico com os interesses reais e coletivos da população majoritária (SAVIANI apud VEIGA, 1995, p. 93)
No processo dinâmico de construção do Projeto Político da escola, o tratamento e atribuições ao currículo são imprescindíveis, atendendo as funções que este cumpre como expressão do projeto de cultura e socialização da escola, através de seus conteúdos, formatos e das práticas embutidas. (SACRISTÁN, 2000, p. 16)
Todas as finalidades que se atribuem e são destinadas implicitamente ou explicitamente à instituição escolar, de socialização, formação, de segregação ou de integração social, etc., acabam necessariamente tendo um reflexo nos objetivos que orientam todo o currículo, na seleção de componentes do mesmo, desembocam numa divisão especialmente ponderada entre diferentes parcelas curriculares e nas próprias atividades metodológicas as quais dá lugar. Por isso, o interesse pelos problemas relacionados com o currículo não é senão uma consequência da consciência de que é por meio dele que se realizam basicamente as funções da escola como instituição. (SACRISTÁN, 2000, p.17)
A metodologia da Educação Patrimonial: potencialidades e interdisciplinaridade
A metodologia da Educação Patrimonial é desenvolvida em quatro etapas, sendo elas: a observação, o registro, a exploração e a apropriação do bem cultural. Espera-se identificar o objeto, sua função e significado; registrar o conhecimento percebido, através do aprofundamento da observação; desenvolver a análise crítica através da consulta a outras fontes; e a apropriação do conhecimento adquirido por meio da participação criativa. (HORTA et al, 2009, p. 11)
Embora sinteticamente apresentados, estas etapas propostas pela Educação Patrimonial revelam a riqueza de habilidades, conceitos e conhecimentos que podem ser adquiridos pelos envolvidos neste processo educativo.
O patrimônio como objeto e como instrumento de informação não pode ser usado como livro didático. Os estudantes devem ser empenhados a descobri-lo e usufruir isso com um corpo-a-corpo que coloque em jogo sentidos, mente e práticas. (MAZZOTI, 2008, p. 152). Por tamanha complexidade, é interessante ressaltar que as ações de Educação Patrimonial devem ser concebidas como um processo permanente e sistemático de trabalho educacional, onde o cenário escolar se apresenta como um potencial espaço. Atividades desenvolvidas por museus, bibliotecas, apesar de interagirem com a comunidade, não possuem continuidade.
Por fim, dentro do propósito deste trabalho, ressaltamos o caráter interdisciplinar que a metodologia da Educação Patrimonial possui. (HORTA et al, 2009, p. 36). Os objetos patrimoniais, enquanto recursos educacionais, podem ser usados em qualquer área do currículo, ou para reunir áreas aparentemente distantes no processo ensino-aprendizagem (HORTA, 2009, p. 36)
A Educação Patrimonial constitui um campo de ação, por definição, inter e transdisciplinar. Insere-se nas preocupações pedagógicas e não pode ser dissociada das discussões sobre o sentido mesmo do ensino. O Patrimônio, por sua parte, envolve a História, mas também a Arqueologia, as Artes, como arquitetura, a Geografia, a Linguagem e mesmo a Matemática. (FUNARI, P.P.A., FUNARI, R.S, 2009, p. 11)
Em outros termos, o Patrimônio pode ser contemplado dentro do modelo educacional brasileiro, como um conteúdo transversal na estrutura curricular. Sendo trabalhado como uma questão contemporânea que alimenta o processo de ensino-aprendizagem.
Considerações à prática da Educação Patrimonial nas escolas
Vista todas estas questões, podemos sintetizar alguns problemas que precisam ser ressaltados como desafiadores a prática efetiva da Educação Patrimonial nas escolas.
O primeiro deles e o mais sério seria a falta de uma política estatal de patrimônio voltada para a educação e uma política de educação voltada para a preservação do patrimônio e da memória (CASCO, 2006, p. 02). Embora a legislação brasileira oriente o fomento de ações de respeito e reconhecimento da diversidade cultural do país, estas acontecem de maneira acanhada e isolada.
Atividades de formação de professores sobre a metodologia da Educação Patrimonial são emergenciais, além do destaque a reflexão de elementos vitais para a estrutura de ensino no país, como a reorientação do Projeto Político da escola e do Currículo.
As transformações da realidade escolar precisam passar necessariamente por uma mudança de perspectiva, em que conteúdos escolares tradicionais deixem de ser encarados como o ‘fim’ da Educação. Eles devem ser ‘meio’ para a construção da cidadania e de uma sociedade mais justa. Esses conteúdos tradicionais só farão sentido para a sociedade se estiverem integrados em um projeto educacional que almeje o estabelecimento de relações interpessoais, sociais e éticas de respeito às outras pessoas, à diversidade e ao meio ambiente. (BUSQUETS, 2000, p. 16).
Por tudo isso, a Educação Patrimonial precisa ampliar suas potencialidades na escola, sendo esse o caminho mais seguro para a construção de respeito e preservação do patrimônio cultural brasileiro.
Referências Bibliográficas
BASTOS, R.L. Patrimônio Arqueológico, Preservação e Representação Sociais: Uma proposta para o País através da análise da situação do Litoral Sul de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Arqueologia. Museu de Arqueologia e Etnologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. São Paulo: 2002.
BITENCOURT, Circe Maria Fernandes. Os confrontos de uma disciplina escolar: da História sagrada à História profana. IN: Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH. V. 13; n. 25/26; set. 1992/ago. 1993. Disponível em: http://www.webartigos.com/articles/11470/1/O-Ensino-de-Historia/pagina1.html#ixzz0xF04Mc4e
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: história, geografia. / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997.
BUSQUETS, Maria Dolores et al. Temas Transversais em Educação. 6ª Ed. Tradução Cláudia Schilling. São Paulo: 2000.
CASCO, Ana Carmen Amorim Jara. Educação Patrimonial e Sociedade. Patrimônio: Revista Eletrônica do IPHAN. N. 03, Jan – Fev. 2006. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=526> Acesso em 20 ago. 2010.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. 1988.
FUNARI, Pedro Paulo A.; FUNARI, Raquel dos Santos. Educação Patrimonial: teoria e prática. IN: SOARES, André Luis R.; KLAMT, Sergio Célio (Org.). Educação Patrimonial: Teoria e Prática. Santa Maria: Editora UFSM, 2008. (p. 11 – 21).
LEI 9.394/ 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
MATTOZZI, Ivo. Currículo de História e educação para o patrimônio. Educação em revista. Nº 47, Belo Horizonte, junho/ 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-46982008000100009&script=sci_arttext>. Acesso em: 12 de agosto de 2010.
SACRISTÁN, J. Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.
SOARES, André Luis R.; KLAMT, Sergio Célio (Org.). Educação Patrimonial: Teoria e Prática. Santa Maria: Editora UFSM, 2008.
SOARES, André Luis Ramos (Org.). Educação Patrimonial: Teoria e Prática. Santa Maria: Editora UFSM, 2008.
VEIGA, Ilma Passos. Projeto político-pedagógico da escola: uma construção coletiva. IN: VEIGA, Ilma Passos (Org.). Projeto político-pedagógico da escola: uma construção possível. Campinas: Papirus, 1995.
[1]* Graduada em História/UFS, especialista em Ensino de História/ Faculdade São Luis de França, professora da rede pública estadual de Sergipe, membro do Grupo de Pesquisa História da Educação/ NPGED/ UFS.
[2]** Graduado em História/ UESB/ Campus Vitória da Conquista, especialista em Ensino de História/ Faculdade São Luis de França, professor da rede pública estadual de Alagoas, professor-tutor da UNIT, aluno regular do mestrado em Antropologia Social/ UFS.
[3] Definição contida na Constituição de 1988, art.216.
[4] Como exemplos desta articulação, temos o programa de Educação Patrimonial desenvolvido por meio de um convênio entre a Universidade Federal de Santa Maria e a Prefeitura de São Martinho da Serra, RS, que resultou na confecção do livro “Educação patrimonial: Relatos e Experiências”. O IPHAN, em Goiás, realizou uma ação pedagógica com professores de 1º ao 5 º ano de toda a rede de ensino em oficinas de capacitação para estimular o estudo do tema patrimônio nas salas de aula.
[5] Para maiores informações, consultar:
<http://educacaopatrimonial.wordpress.com/2010/05/28/iphan-e-prefeitura-de-joao-pessoa-assinam-termo-de-cooperacao/> Acesso em 18 ago. 2010.