Gilberto Oliveira
publicado em 03/09/2010
Nazaré, 30-01-1974
Certa vez
Caminhando pela estrada
Em meio à neblina
Senti-me outro homem
Fazia um frio terrível
Eu me sentia estranho
Eu não era eu
Talvez existisse outro eu
Que em mim se manifestou
Durante aquele momento
Eu não me reconhecia
Não mudei para bom
E muito menos para mal
Talvez a síntese dos dois
Pensei em liberdade
Porque a liberdade
Custa tão caro?
Às vezes pensava em gritar
Gritar no meio do nada
Mas, não me era possível
Todos viriam contra mim
Tentei me libertar
Do meu próprio eu
E pensei, qual seria meu ideal
Sempre lutei por ele
Desde essa manhã
Que ainda era criança.
Todos devem lutar
Para defender seu ideal
Seja ele qual for
Desde que seja nobre
E beneficie o povo.
E quando tivessem ciência
De sua ideia fixa
Reuniria todos os homens
E formaria uma síntese
Com a opinião de todos
E destruiria os dogmas religiosos
E todo o povo cresceria
Com um único ideal.
Talvez esse ideal
Fosse combatido pelo dogma
Mas, quando o ideal torna-se forte
O dogma mostra sua face oculta.
Continuei andando pela estrada
Sem saber para onde ir
Uma força fria
Como a neblina reinante
Atraía-me para algo
Sem eu saber o que.
Resolvi deixar-me levar
Seria eu quem andava?
Nunca me senti assim
Era tão estranho…
Era tão indecifrável…
Sei que senti
Mas o que, não sei dizer.
De repente, divisei um homem
Era um camponês
Entabulei conversa
Perguntei quem era ele
A resposta: um homem comum.
Senti um calafrio na espinha.
Será que aquele homem
Sentia o mesmo que eu?
Mas ele não sabia ler
Também não sabia escrever
Depois lembrei-me que ele
Também era humano
Lembrei-me que ele também
Pensava como eu penso
E como todos pensam
Reprovei-me mas…
É o costume… é o costume
Da sociedade em que vivo.
É sempre assim
Pedi-lhe um cigarro
Ele me ofereceu
Com todo prazer
Ele também fumou um
Enquanto conversávamos
Sobre os preços que aumentavam
Sobre sua longa caminhada
Sobre sua miserável e longa vida
Conversamos sobre a fome
Ele me da aulas
Eu era seu discípulo
E de tanto eu aprender
Sobre a vida e a morte
Descobri com assombro e surpresa
Que alguém me compreendia
Sim! Um camponês!
Talvez o leitor não me compreenda
Se isso acontecer
Só pode ser de propósito
Um pobre homem sem letras
Ensinou-me uma parte da vida
Em toda a sua escuridão
Mostrou-me um caminho claro
Mostrou-me um ideal.
Um homem quase selvagem
Ensinou-me que eu deveria lutar
Seja lá com que arma
Para conseguir o que queria
E lutei como ele me ensinou
E venci mais um obstáculo
Nele encontrei a liberdade
A liberdade de querer viver.
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