Aparecida Luzia de Mello*
publicado em 03/09/2010 www.partes.com.br/terceiraidade/denovovovo.asp.
Oriental, miúdo, magrinho e baixinho. Casou-se beirando os cinquenta anos. Quando a filha nasceu sua felicidade era incontida. Homem totalmente dedicado a família, sofreu um baque muito forte quando a esposa morreu. A garota contava com 12 anos na época. A partir daí sua atenção voltou-se completamente para a filha. Ele a amava-a demais.
Tinham um excelente padrão de vida, assim além de todo amor e carinho que dava à filha oferecia-lhe sempre tudo do bom e do melhor. Bastava ela insinuar que queria algo e lá estava ele para atender seus desejos.
A garota estudou nos melhores colégios, cursou faculdade de primeira linha e viajou para fazer intercâmbio. Certo dia conheceu um bom rapaz e quanto disse que iria se casar ele exultou.
Comprou um belo apartamento e deu de presente ao casal. Mobiliou-o com requinte. Organizou uma festa maravilhosa. O espaço lembrava um castelo, contratou um excelente Buffet, orquestra, filmagem, etc. tudo detalhadamente planejado conforme os desejos da filha e finalizou surpreendendo-os com uma viagem para à Tailândia, antigo sonho que ela acalentava.
Alguns anos se passaram e um dia ela o abraça e diz que tem uma novidade, mas não sabia se ele ia gostar. Assustado, pensou que a filha iria lhe dizer que estava planejando sair do país.
Já sentia a dor da separação, afinal não poderia acompanhá-la por ter negócios no Brasil. Seus olhos encheram-se de lágrimas, mas ficou em silêncio, aliás, esta era sua conduta permanente. Era um homem de pouco falar.
Nunca reclamava, nunca se exaltava, ria discretamente e falava pouco.
Mas naquele dia foi diferente. Quando ela lhe disse que ele iria ser avô, ele se transformou! Surpreendentemente, naquelas alturas da vida ele que já tinha a aparência de um velhinho, os cabelos embranquecidos, a pele enrugada e andava com uma pequena curvatura nas costas, começou a pular a cantar. A filha nunca tinha visto-o tão feliz. Ele chorou, mas era um choro de alegria.
Acompanhou atentamente a gestação, não via a hora de conhecer a futura netinha. Preparou-se para morar no mesmo prédio, bem pertinho da família, pois agora queria curtir a netinha até o fim da vida.
Diminuiu suas atividades profissionais e quando a netinha nasceu lá estava ele atento. A partir daí passava meio dia com ela e o outro meio dia trabalhava. A noite ainda fazia-lhe mais uma visita e ia dormir feliz.
Se ele fora um homem de atender todos os desejos da filha, imagine da netinha então. Passou a pesquisar muito tipos de passeios que poderiam fazer juntos, ela e a netinha; ele, a netinha e o casal. Logo que possível começou a colocar em prática seus sonhos.
A cada semana havia uma novidade.
Quando a garotinha estava com três anos, programaram uma viagem para um complexo turístico localizado num lindo vale naturalmente protegido e enfeitado pelo verde exuberante do local.
O magnífico parque aquático, de fonte mineral, naturalmente aquecido pelas rochas submersas a mais de mil metros, encantava pela harmonia e aprimoramento paisagístico. Ali poderiam desfrutar de área de convivência, bar molhado, cascatas, descida de bóia pelo rio de corredeira, escorregador molhado, guerra d’água com canhão, loja de conveniência, mini zoológico, parque, pedalinho, piscina de imersão, piscina de ondas, piscina de sonolência, piscina de surf, piscina semi-olímpica, piscinas de águas quentes, piscinas de biribol, playground aquático, toboágua, toboágua espiral1, entre outras atrações.
O hotel acoplado ao parque oferecia restaurante com um Buffet de alto nível e suítes com acomodações excelentes incluindo banheira, sauna e outras delicadezas para agradar a clientela.
A garotinha adorou tudo. Logo cedinho levantava a acordava o avô que havia alugado um duplex, assim podia estar junto da netinha. Os dois se arrumavam enquanto o casal ainda dormia, tomavam café e iam passear até que todos estivessem prontos para ir ao parque.
Num destes dias quando todos estavam curtindo as piscinas eis que a netinha vê o toboágua espiral. Ela se encantou e disse:
-: vamos vovô?
Ele explicou à garotinha que era perigoso, ela ainda era muito pequena e poderia cair, mas a garotinha insistiu, insistiu e acabou convencendo o avô.
Vagarosamente ele de mãos dadas com a netinha subiu a longa escadaria que os levaria ao topo. Quando chegou a vez dos dois, ele olhou para baixo e ficou assustado. Olhou para ela e disse:
-: meu amor isto é perigoso para nós dois, se o vovô cair não vai conseguir te segurar. Vamos voltar?
Ela prontamente responde:
-: não vovô, se você cair eu te seguro..
Ele percebeu que não conseguiria convencê-la a desistir. Por outro lado os pais estavam lá embaixo observando tudo, portanto se ele não conseguisse segura-la adequadamente eles rapidamente o fariam.
Ele acomodou-a na sua frente e quando colocou o pé para sentar-se escorregou e desceu com tudo. Virou cambalhota por cima da garotinha e foi descendo e girando como estrela. Não conseguia dominar seu corpo. Ao cair na piscina d’água estava tão desnorteado que não conseguia levantar e viu-se em apuros.
Logo a filha e o genro correram e o tiraram da água. A filha o abraçou e então perguntou-:
-: tudo bem com você papai?
Tossindo muito, ele rapidamente, respondeu:
-: entrou água pela minha boca, pelo meu nariz, pelo meu ouvido, pelo meu pinto, pelo meu cú, mas estou bem!
Enquanto isto a netinha fez a trajetória do brinquedo tranquilamente, ao chegar embaixo mergulhou e levantou com muita facilidade.
Ainda batendo palmas de alegria e demonstrando uma felicidade intensa pelo largo sorriso que trazia em seu lindo rostinho, abraçou o avô por trás e disse-lhe:
-: de novo vovô!!!
* Advogada, Mestre em Políticas Sociais, Pós-Graduada em Gestão e Organização do 3º Setor, Psicogerontologia e Memórias. Palestrante, professora, dirige o PEEM Ponto de Encontro e Estudo da Maturidade, voluntária da 3ª Idade e Recanto do Idoso Nosso Lar.
Email: cidamell@uol.com.br
1 http://www.thermastour.com.br/thermas=dos=laranjais.php