Filipe Ribeiro Cardoso Porto [1]
Jacionira Coêlho Silva[2]
Francysco Renato Antunes Lopes[3]
Roberta Celestino Ferreira[4]
RESUMO
Este artigo pretende fazer uma analogia entre a cultura judaica e a cultura romana sobre o pensamento e as práticas de adivinhação. Essas culturas, tão diferentes em suas crenças e origens étnicas, formam a base cultural da civilização ocidental, e no âmbito religioso, contribuíram para que o cristianismo seja a religião dominante no Ocidente.
Palavras- chave: Cultura; Religião; Adivinhação; Ritual.
ABSTRACT
This article intends to make an analogy between culture Jewish and the culture Roman and to think about practices guessed. These cultures, so different in their beliefs and ethnic origins, form the cultural bedrock of Western civilization, and in the religious sphere, have contributed to what Christianity is currently the dominant religion in the West.
Keywords: Culture, Religion; Divination; Ritual.
INTRODUÇÃO
A complexidade do pensar humano, ao longo da história, tem revelado um desejo atemporal e universal do homem: o desejo de prever o futuro. Filosofias, mitos, crenças e dogmas cercam o imaginário cultural acerca da capacidade de ter ciência a respeito do que ainda está por vir.
Provavelmente desde a época do Homo neanderthalensis, possivelmente o primeiro exemplar do gênero Homo a desenvolver sentimento religioso-ritual, a humanidade tem buscado encontrar modos de alterar o presente em virtude de um conhecimento prévio dos acontecimentos. Ainda hoje, muitos cultos e rituais oriundos principalmente de religiões tidas como pagãs e primitivas desenvolvem técnicas de aproximação com os mistérios em tempos vindouros.
O contexto cultural pode e é diferente em cada cultura, no tempo e espaço, mas independentemente da época, sempre existiram métodos de adivinhações. Até mesmo nas mais tradicionais culturas ocidentais, sendo elas importantes pela sua contribuição histórica e base teológica para as religiões mais populares em nossa civilização. Em Roma e Israel respectivamente, a adivinhação foi uma constante no cotidiano das pessoas dessas culturas, apesar de que em muitos casos, tais manifestações de fé fossem brutalmente repreendidas pelos princípios teológicos da religião institucional.
A ADIVINHAÇÃO ROMANA: HERANÇA MULTICULTURAL
Roma, a antiga cidade e capital do Império Romano, também é termo usado para designar a própria civilização da qual herdamos a maior parte dos princípios de convivência social e estruturação ontológica de nossos costumes ocidentais. Historicamente marcada pela presença de vários povos ao longo dos séculos, a cultura romana se formou indubitavelmente com a marca do pluriculturalismo. Gregos, Etruscos, Latinos, Celtas, todos estes povos encontraram na Península Itálica uma ótima localização geográfica para o desenvolvimento de suas expansões culturais e comerciais.
Entretanto, é impossível ao homem abdicar do fator crença, por menor que seja a manifestação em sua cultura. Todas essas etnias que formaram o povo romano, não deixaram somente segmentos em seus DNAs, mas muito além da cultura material em arquitetura e objetos, influenciaram também com elementos da cultura imaterial, os quais fariam parte da identidade do povo romano, sobretudo as suas crenças e ritos.
Segundo o historiador Jesus Garcia Tolsa, a adivinhação romana não se apoiava na consulta a oráculos como era realizada na Grécia Antiga, os quais acreditavam que era um canal de ligação com o mundo espiritual, que permitia a predição do futuro, e cujo destino era imutável e pragmático, como no mito de Édipo Rei.
Para os romanos, o dom da adivinhação fora concedido por um gigante descendente do deus Tin, correspondente a Júpiter, ou por uma ninfa lunar ou da terra, provavelmente uma herança cultural celta-etrusca. O principal objetivo da análise de eventos futuros para os romanos era poder se conformar com o futuro, ou então alterá-lo para o que fosse melhor ou mais conveniente para o autor da prática.
Dentre as inúmeras formas de adivinhação, a mais primitiva que se tem registro era a adivinhação por meio dos raios. Essa técnica é uma influencia essencialmente etrusca entre os romanos. Os antigos sacerdotes etruscos sistematizavam os raios com três tipos de sinais: os primeiros se baseavam na vontade e conselho do deus Tin, o segundo se referia a uma reação do deus em relação a um acontecimento e por fim, o último grupo de raios era interpretado como uma forma de castigo avassalador sobre alguém.
A hepatomancia, uma técnica de leitura do futuro no fígado de animais, era tida como um ritual de adivinhação muito eficiente e era bem mais elaborada que as técnicas utilizadas por povos mesopotâmicos e do Oriente Médio, em geral. Somente sacerdotes poderiam executar esta “arte”. Os Arúspices, os sacerdotes hepatológicos, tendo como base a tradição oral, livros sagrados e a coincidências de resultados na prática, examinavam o fígado de animais sacrificados, dividindo-o em partes e em pontos, sempre pronunciando augúrios de acordo com a divindade que regia cada porção.
Fenômenos não explicados, mutações em animais, má formações fetais, terremotos, epidemias, eclipses, enfim, acontecimentos de algum modo extraordinários eram comumente interpretados com a finalidade de se obter informações a respeito do futuro. Eram tidos como sinais dos deuses afim de preparar as pessoas para tragédias ou momentos de grande júbilo.
Em virtude de Roma ter sido um grande entreposto comercial e cultural, elementos de crenças que não fossem necessariamente oriundas de seus povos fundadores, foram aceitas e aplicadas aos cultos e ritos de adivinhações.
Assim, a astronomia, que não teve muito êxito entre os etruscos e os romanos primitivos, ganhou força devido às trocas culturais com o oriente médio, principalmente no final do império, com a ascensão de Constantinopla. Todavia, a utilização de amuletos, ídolos, fetiches e outros objetos mágicos se tornaram bem popular e comercialmente rentável para a população romana.
ADIVINHAÇÃO JUDAICA: UM PARADOXO NA CRENÇA DO DEUS DE ABRAHÃO?
“Brechit bará Elohim ha Chamai ha Arets”. É nessa transliteração para a pronúncia em Português que foi escrita e pronunciada a primeira frase do livro sagrado para os cristãos: a Bíblia. “No princípio criou Deus os céus e a terra”, também é o primeiro versículo do livro de Gênesis, agrupado ao Pentateuco, sendo este, o último grupo de livros que compõe o livro sagrado dos judeus, a Torá.
As religiões cristãs têm em comum, muitos elementos culturais com a tradição religiosa judia, e juntas essas crenças fazem parte do tronco judaico-cristão, o mais populoso grupo de tradição religiosa do ocidente.
A maior compatibilidade na crença dessas religiões não é a aceitação de Jesus como messias prometido, pois os judeus não crêem em um messias tão somente religioso, mas também esperam um chefe político-militar. O ponto de convergência é o que está escrito nos pilares de ambas as fé; a crença em um único Deus, em decorrência fica proibida qualquer outra forma de manifestação místico-religiosa, entre elas, as práticas de adivinhação.
Durante a existência do estado de Israel pré-diáspora, os líderes político-religiosos, tanto do período teocrático quanto do monárquico, lutavam veementemente contra a influência cultural de povos vizinhos em meio à congregação israelita. A crença na existência de um mundo espiritual que interagia com o mundo dos vivos era uma constante no modo de vida israelense, e tal consciência gerava neles um forte anseio de recorrer à magia e principalmente à adivinhação.
De origem semita, o antigo povo judeu também “herdou” influências de seus povos irmãos e dominadores, além de um processo normal de interação sócio-cultural em virtude de a Judéia ser um corredor de caravanas comerciais entre o Egito e a África e o Oriente médio e Ásia Menor.
Tradicionalmente, se atribuía a Deus o dom da adivinhação, que era reconhecido sob a forma de sonhos e visões, porém quando era exercido somente por apóstolos e profetas, como no caso de José “do Egito” (Gn, 45.5,15). Qualquer pessoa que exercesse a prática de adivinhação que não fosse mediada pela crença de que a mesma era instruída pelo Espírito de Deus seria acusada de adivinhação e feitiçaria, e logo, sofreria as punições determinadas pelo livro de Deuteronômio ou livro das leis.
Assim como muitas pessoas atualmente, os judeus se proclamavam crentes de uma única divindade, oficialmente, e que somente neste Ser deveria ser depositada a fé e confiança. Criam na prática, contudo, que era necessário tomar certas medidas para aplacar as forças sobrenaturais e prever acontecimentos ruins futuros, a fim de se esquivarem deles.
A água é tida até hoje entre os povos do Oriente médio, como o elemento primário da vida, pois historicamente sabe se que esses povos, mais do que os ocidentais, sofrem grandes dificuldades devido a pouca disponibilidade de recursos hídricos na superfície ou em subsolo.
Daí a hidromancia ser uma prática extremamente popular na cultura judia antiga assim como entre os povos semitas, no Egito Antigo e no Mundo Clássico. Essa técnica consistia em misturar à água dois ou mais líquidos de origem vegetal ou animal; se a mistura desses produtos não fosse homogênea ou resultasse em coloração escura, era tida como um mau presságio.
A observação da coloração da água retirada de um poço também podia indicar um acontecimento futuro bom ou ruim, valendo-se mais uma vez da coloração normal ou interpretada como anormal da água procedente de determinada fonte. Credita-se a introdução desta adivinhação nos rituais populares de Israel a José, o judeu que segundo as tradições ascendeu ao cargo de Governador do Egito, segundo o livro do Genesis (45.5,15).
De origem babilônica, o sortilégio por meio das flechas era uma forma de fetiche e adivinhação muito comum entre os semitas. Essa forma de adivinhação era realizada de um modo simples, mas que para os seus crentes, só devia ser feita caso houvesse um nível espiritual bem desenvolvido por parte do praticante. O mago ou a feiticeira, dispondo de algumas flechas as sacudia e depois as atirava ao chão, de modo que, dependendo da forma como elas caíssem, indicassem um rumo a ser tomado para evitar uma possível derrota em uma guerra ou tomada de importante decisão, por exemplo. Tais atos podem ser observados no livro bíblico de Ezequiel 21.21.
A hepatologia também era praticada e assim condenada com muita freqüência pelos judeus, que semelhantes aos povos romanos, dividiam o fígado em partes e em pontos estratégicos, porém, eram analisados e contabilizados sobre o parecer da cabala, por sua vez uma forma de adivinhação, numerologia e aplicação de segredos místicos, estritamente judeus.
A astrologia tinha um amplo campo de aplicações e pertencia às práticas de adivinhações dos exércitos celestiais, as quais foram duramente combatidas pelos antigos escritores dos livros sagrados dos judeus, e para focalizar as crenças judias exclusivamente no monoteísmo, os profetas buscavam constantemente mostrar como era inútil e falsa essa prática ocultista, talvez por temerem uma não comunhão com o Deus Único ou por medo de dissipação da identidade cultural judia do monoteísmo.
A necromancia, foi uma forma de adivinhação que durante muitos séculos, foi uma das mais populares formas de se buscar informações do futuro. Existem muitos esquemas bem elaborados de subdivisões ritualísticas da necromancia, entre elas a de se fazer um sacrifício humano voluntário ou não, e durante o sacrifício o feiticeiro, sacerdote ou mago teria como auxiliar o espírito da vitima,baseando- se na crença de que o espírito humano recebe a plenitude dos conhecimentos no momento de sua morte.
O mais desconcertante é que justamente um rei judeu, apregoador do extermínio de práticas adivinhativas em Israel, tido como “Eleito” de Deus foi consultar uma feiticeira durante um momento de desespero. Saul, o primeiro rei do Estado de Israel, durante a sua deposição e desesperado em recuperar o trono que fora outorgado a Davi, buscou o auxilio da Feiticeira de En-Dor para invocar o espírito do líder teocrático Samuel, num ato, para muitos, tido como uma ação de declínio espiritual, (1 Samuel 28.7).
CONCLUSÃO
A necessidade intrínseca de conhecimento que alimenta a essência humana permite-nos a acreditar em formas de ir além do presente, em ir além do passado, sempre criando expectativas, sempre pensando no futuro.
Muitas vezes por questões de crença, ou simplesmente por preconceito e ignorância, o ato de pensar em prever o futuro é duramente repreendido, assim como foi repreendido ao longo dos séculos pelo moralismo ideológico de grupos religiosos; que não entendiam que tal curiosidade é pertinente somente ao Gênero humano: a preocupação com o amanhã, com o porvir.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
TOLSA, Jesus Garcia. In CORREA, M. Martin, dir., Historia de lãs religiones, 1975, p.140
CIVITA, Victor, ed. As Grandes religiões,1973,v.I,p.47,48.
DAVIS, D. John. Trad: BRAGA, Carvalho. R. J. 19. ed. JUERP, RJ,1996.p.514,515.
FILHO, Tácito da Gama Leite. As Religiões Antigas, História das Religiões, v II,1994,p.98.99
BIBLIA, V. T. Gênesis. Português. Bíblia de estudo Vida. Reed. Versão de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Ed. Vida, Rua Júlio de Castilhos, 280. Cap. 45, vers. 5-15.
BIBLIA, V. T. Ezequiel. Português. Bíblia de estudo Vida. Reed. Versão de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Ed. Vida, Rua Júlio de Castilhos, 280. Cap. 21, vers. 21.
BIBLIA, V. T. I Samuel. Português. Bíblia de estudo Vida. Reed. Versão de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Ed. Vida, Rua Júlio de Castilhos, 280. Cap. 28, vers. 7.
Terrin, Natale Aldo; [tradução Euclides Luiz Calloni]. Antropologia do sagrado: culturas e religiões. São Paulo: Paulus, 2004.
NOMES DOS AUTORES DO ARTIGO:
ADIVINHAÇÃO: UM OLHAR ROMANO E UM OLHAR JUDAICO SOBRE AS CRENÇAS NA DESCIFRAÇÃO E PREVISÃO DE EVENTOS FUTUROS.
Filipe Ribeiro Cardoso Porto – Estudante do 7º período do Curso de Licenciatura em Geografia, pela Universidade Estadual do Piauí – UESPI, e 5º período do Curso de Bacharelado em Arqueologia e Conservação de Arte Rupestre, pela Universidade Federal do Piauí – UFPI. | |
Jacionira Coêlho Silva – Graduada em Licenciatura Plena Em História pela Universidade Federal do Piauí, Mestre em História pela Universidade Federal de Pernambuco, Doutora em História pela Universidade Federal de Pernambuco, e Especialista em Antropologia Pré-Histórica pela UFPI.
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Francysco Renato Antunes Lopes – Estudante do 7º período do Curso de Bacharelado em Turismo, pela Universidade Estadual do Piauí – UESPI, e 2º período do Curso de Ciências Sociais, pela Universidade Federal do Piauí – UFPI. | |
Roberta Celestino Ferreira – Graduada em Turismo, pela Faculdade Piauiense – FAP; Especialista em Turismo com Ênfase em Projetos Turísticos, pela Universidade Gama Filho – UGM; e Mestranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente, pela Universidade Federal do Piauí – UFPI.
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[1] Estudante do 7º período do Curso de Licenciatura em Geografia, pela Universidade Estadual do Piauí – UESPI, e 5º período do Curso de Bacharelado em Arqueologia e Conservação de Arte Rupestre, pela Universidade Federal do Piauí – UFPI.
[2] Graduada em Licenciatura Plena Em História pela Universidade Federal do Piauí, Mestre em História pela Universidade Federal de Pernambuco, Doutora em História pela Universidade Federal de Pernambuco, e Especialista em Antropologia Pré-Histórica pela UFPI.
[3] Estudante do 7º período do Curso de Bacharelado em Turismo, pela Universidade Estadual do Piauí – UESPI, e 2º período do Curso de Ciências Sociais, pela Universidade Federal do Piauí – UFPI.
[4] Graduada em Turismo, pela Faculdade Piauiense – FAP; Especialista em Turismo com Ênfase em Projetos Turísticos, pela Universidade Gama Filho – UGM; e Mestranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente, pela Universidade Federal do Piauí – UFPI.