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REFLEXÕES A CERCA DO PROCESSO DE LEITURA E ESCRITA: COMPREENDER PARA TRANSFORMAR O ENSINO

Karine Sefrin Speroni[1]

RESUMO: O processo de leitura é um processo complexo que transcende a simples decodificação da língua escrita. Desse modo é pertinente considerarmos a amplitude desse processo bem como destacar que este se configura desde tempos remotos como ato social. Em outras palavras o processo de lecto-escrita por muito tempo esteve atrelado a uma condição de poder exercida por grupos hegemônicos. A compreensão desse processo sua historicidade nos permite traçar novos discurso a cerca da importância do ato de ler para processo de ensino-aprendizagem nos dias de hoje.

PALAVRAS-CHAVE: leitura; escrita; processo de decodificação;ensino-aprendizagem;

 

RESUMEN: El proceso de lectura es un proceso complejo que trasciende la mera decodificación del lenguaje escrito. Por lo tanto, es pertinente considerar la magnitud de este proceso así como para destacar que se configura desde la antigüedad como un acto social. En otras palabras, el proceso de lectura y escritura durante demasiado tiempo ha atado a una condición de poder ejercido por los grupos hegemónicos. Comprender este proceso nos permite trazar su historia nuevo discurso sobre la importancia del acto de la lectura hoy a la enseñanza-aprendizaje.

PALABRAS-CLAVE: lectura, escritura, proceso de decodificación, de enseñanza-aprendizaje;

 

Estruturas funcionais e históricas do ato de ler…

         A prática da leitura é um processo que transcende a uma decodificação do código escrito da língua. Em outras palavras, o ato de ler conduz a estruturas diferenciadas e organização lexical que provém do contexto e está diretamente relacionada com contexto pelo qual a mensagem se torna significante dado momento para os indivíduos que a ela tem contato. Dessa forma o presente artigo visa promover uma discussão e conduzir a uma reflexão sobre esse processo e sua importância deste desde seu processo histórico de evolução.

Para que consigamos conceituar o processo de leitura, devemos compreender o processo de linguagem escrita em toda sua complexidade. Isto é, em sua caracterização visual, como ocorre esse processo, também o signo de poder que a linguagem escrita representa e representou com o passar dos anos. Diante dessa perspectiva, procuro demonstrar com embasamento teórico de Jorm (1985), Focaumbert (1994) e Lodi (2004), Orlandi (2006) minha posição frente à referida temática.

Segundo Jorm (1985), o processo de leitura dá-se da seguinte forma: a leitura é vista como um processo de cima para baixo, dessa forma, o leitor é guiado pela expectativa do que está impresso na página. O leitor utiliza seu conhecimento de mundo, seu conhecimento da linguagem e seu conhecimento dos sinais, para prever quais informações estão contidas na página a ser lida Desta forma, o leitor testa a informação da página, em vez de processar letra por letra e palavra por palavra, ele é capaz de selecionar apenas a informação relativa às suas expectativas. O leitor se fixa na mensagem que o texto traz, e não somente na codificação de símbolos. Portanto, o objetivo final da leitura é determinar o significado do texto que está sendo lido.

Um segundo mecanismo que utilizamos para o processo de leitura é o uso da informação visual da palavra impressa para obter sua pronúncia, talvez utilizando algum tipo de regra para relacionar as letras aos seus sons, usando a pronúncia para chegar ao significado léxico mental. Assim, primeiro se tem a codificação do símbolo para depois se ter um significado. Por isso dizemos que a linguagem é complexa, pois ela atinge diversas áreas cerebrais. Dessa forma, este processo de repetição da palavra da palavra que não é conhecida em voz alta serve como memória auditiva. Em outras palavras, isso significa que toda vez que a palavra for solicitada logo chegará à memória do som que a mesma possui e se associará ao significado correspondente.

A leitura em sua complexidade não está limitada apenas ao processo de decodificação de uma língua, mas sim ao contexto  a qual nos referimos ao ler. Segundo Jean Foucambert, entre 1960 e 1970, a escola confrontou-se com um problema de leitura que não conseguiu superar. Até essa data, o saber ler era confundido com a possibilidade de se atribuir um significado ao escrito, transformando-o em oral. Em outras palavras, a leitura não está além da decifração, ela tem outro sentido. Este sentido se refere ao contexto cultural o qual estamos inseridos, ou seja, o ato de ler  nos remete a um mundo desconhecido, bem como a posicionamentos diferenciados. Em suma, este ato sim nos mostrará a importância da leitura no contexto cultural a qual estamos inseridos.

Por conseguinte, ler também significa ser questionado pelo mundo e por si mesmo. Isso quer dizer que certas respostas podem ser encontradas na escrita, significa, também, a construção e uma resposta que integre partes de novas  informações ao que já se é (Foucambert, 1994). Enfim, o ato de ler nos remete à descoberta de um mundo que antes não havíamos conhecido, é questionar, é emocionar-se com o que representa o mundo do autor. Uma vez que a leitura nos permite uma das melhores formas de interação com o mundo.

Em outras palavras, é um processo que leva à compreensão que há diversidade de ideias e pensamentos, também, através da leitura que podemos mudar nosso pensamento e compreender o pensamento do outro. Neste contexto, controlar a leitura significa obter informação sobre o questionamento inicial, discutir as estratégias de exploração. Por conseguinte, medir o caminho percorrido; significa também formular um juízo sobre o escrito.

Em acordo com Foucambert (1994), o ato dele não consiste em encontrar o oral no escrito. A correspondência aproximativa com o oral é uma característica suplementar, que não afeta, porém, os processos de leitura. A escola, ainda, prefere explorar a língua escrita sem apelar para memória visual, concentrando fogo no domínio de um código de correspondência muito aproximativo; depois se lamenta pelo fato das crianças não saberem ler e cometerem erros de ortografia. Ainda se confunde oralização, leitura e leitura em voz alta (ORLANDI, 2006).

A oralização é a atividade que permite construir uma cadeia oral a partir do escrito. A leitura é atribuição de um significado ao texto escrito: 20¢ de informações visuais, provenientes do texto; 80% de informações que provém do leitor, o resto é informação sonora. Segundo Foucambert (1994) a leitura em voz alta é um comportamento enxertado à leitura, defasado em alguns segundos: é a opção de traduzir oralmente o que já foi compreendido na leitura.

Na história da escrita e sua evolução, atribuíram a este termo um significado que não condizia coma realidade. Com relação ao contexto histórico o qual a linguagem se insere, segundo Barchês & Mauriés (apud LODI, 2002, p. 19), por dois milênios a escrita esteve ligada a uma casta de funcionários ligada ao poder. Ela chegou ao mundo laico apenas no século XIII, determinando o surgimento de uma corporação de escritores dotados de privilégios. Assim, com expansão dos conhecimentos da linguagem escrita, a leitura silenciosa, antes da escrita aos escribas monásticos, chegou a universidade a tal prática estendeu-se, principalmente no século XIV, aos cortesãos aristocratas (LODI, 2004).

Neste contexto, a difusão da prática da leitura silenciosa permitiu o estabelecimento de uma relação com a leitura mais íntima e mais reservada, uma leitura rápida e especializada; consequentemente passou-se a ler mais na medida em que esta ocorria mais rapidamente. No entanto, essa prática ainda era restrita a uma minoria de privilegiados da aristocracia europeia; poucos tinham acesso a ela e dela faziam uso.

Na época da descoberta dos povos latinos, pelos europeus, a escrita começa a ganhar prestígio em nossas terras, pois, a fim de consolidar a nova ordem política, era necessário que os atos de fundação e as escrituras de posse de terras fossem registrados. Dado o caráter permanente da escrita, esse material ganharia certa autonomia e manter-se-ia livre das vicissitudes das metamorfoses da história (LODI, 2004).

Paralelamente ao projeto de evangelização dos nativos, cabia também aos jesuítas atender ás necessidades de outra parcela da população que aumentava de forma considerável a dos brancos nascidos na nova terra, tidos como aqueles que possuíam maior facilidade e aptidão para a escrita e que representavam as classes de poder. Esse projeto contribui para a formação de um pequeno e novo grupo que, em subordinação direta à metrópole, tornou-se especialista na manipulação da linguagem escrita, passando a desempenhar papel de destaque na administração colonial. Rama (1996) chamou esse novo grupo social que se constituía de cidade letrada. No centro de cada cidade havia uma versão da cidade letrada, cuja função era tratar e cuidar dos mecanismos políticos de poder (LODI, 2004).

As diversas linguagens sociais em circulação em todas as esferas, embora resistissem e fizessem oposição às forças de unificação linguística e cultural, num processo contínuo de desunificação e de descentralização linguística e ideológica, eram tidas como inferiores e, portanto, funcionavam como uma forma de exclusão social, pois a hierarquia cristalizada pela língua servia aos processos de centralização sociopolítico e cultural, como forma de perpetuação da ideologia dominante.

 No entanto, absorvendo todos os tipos de contribuições e apesar das resistências dos letrados crescia se desenvolvia uma miríade de variações regionais, uma linguagem própria, nascida nas diversas regiões e países do Continente Americano, aquela da maioria da população. Desse modo, a cidade letrada manteve-se, assim, inalterável quanto á sua posição social, contrariando o desenvolvimento das cidades, cuja existência histórica permitia transformações sociais. Os conflitos entre as duas eram inevitáveis e, dados os conhecimentos adquiridos e transmitidos por seus antecessores pela escrita, os letrados desenvolveram formas de adaptação às transformações sociais, tornando-se uma classe cada vez mais independente. Essa independência deveu-se, principalmente, a dois fatores: ao alto grau de autonomia conseguindo dentro da grande estrutura do poder e sua avaliação intelectual frente às transformações que a ameaçavam; e à percepção quanto às limitações de suas ações associadas à sua dependência ao poder real na regulagem de ordem social hierárquica (LODI, 2004).

 

Desvelando o ato de ler na atualidade: as práticas escolares em questão…

 

Nos dias de hoje, nossas escolas muitas vezes monopolizam ato de ler, ao não conscientizarem seus alunos da importância que este ato tem em suas vidas. Desde pegar um ônibus ao ir ao supermercado, a leitura é importante. Não para decorar códigos, mas sim para que se tenha inteira compreensão do mundo letrado que a sociedade globalizada se encontra. Por fim, a leitura não pode ser confundida como foi no passado, nem usada como símbolo de poder. Mas sim deve ser utilizada como veículo para levar informação em todos os cantos do globo. Tornado os indivíduos conscientes de seu papel em sociedade e agentes construtores de seus processos de aprendizagem.

Ao compreendermos todo processo que demanda o ato de ler e sua significância nos diferentes contextos históricos podemos lançar ancoras a compreensão da amplitude desse ato para práticas educacionais da atualidade. Assim considerando não mais a leitura e escrita como processo de privilégio de uma minoria que detém o poder, mas sim como direito de todos os sujeitos indistintamente. As práticas educacionais da atualidade devem proporcionar a aos educando meios eficazes para que se tornem agentes construtores de suas aprendizagens, enfim, conduzi-los a descobrir na leitura um novo mundo repleto de significações antes nunca descobertas.

Em outras palavras ao compreender o mundo os sujeitos tornam-se condutores de informações fruto de uma construção sadia que permeia as construções do imaginário. Ao compreender essa premissa e considerar o processo histórico que o ato de ler abrangeu para a evolução da humanidade, os educadores podem desenvolver novas reflexões a cerca de sua prática educacional. Nesse sentido buscando novos discursos, novos conceitos que intentem explicar, conceituar e abarcar esse fenômeno  que transcende a simples decodificação de uma língua. Enfim considerar a complexidade desse processo que conduz ao ato de ler.

 

REFERENCIAS

ORLANDI, E. Discurso e textualidade. Org. Suzi Lagazzi-Rodrigues. Campinas: Pontes, 2006.

FOUCAMBERT, J. A leitura em questão. Trad. Bruno Charles Magne. Porto Alegre: Artmed, 1994, p. 03-27.

LODI, A. C. B. O poder da escrita e a escrita do poder. Lodi ET AL. Leitura  e escrita: no contexto da diversidade. Porto Alegre: Mediação, 2004, p. 19-26.

JORM, A.F. Psicologia das dificuldades em leitura e ortografia. Trad. Maria Cristina R. Gulart. Porto alegre: Artes Médicas, 1985.

[1] Graduada em Educação Especial/UFSM; Mestranda em Educação/UFSM; Especializanda em Gestão Educacional/UFSM; Graduanda em Letras Lic. – Hab. Espanhol e Literaturas da Língua Espanhola/UFSM; Integrante do Grupo de Pesquisa em Educação Especial: Interação e Inclusão Social/CNPq (GPESP); e-mail: karinesperoni@gmail.com

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