CATARINA: UMA ANÁLISE DA FIGURA FEMININA EM A FERRO E FOGO
Mariana Cardoso Marsaro*
Resumo: Este estudo consiste numa análise de Catarina Schneider, protagonista do romance A ferro e fogo, de Josué Guimarães. Essa personagem pode ser caracterizada pela sua coragem ao enfrentar sozinha todos os obstáculos a que esteve exposta, colocando, sempre, em primeiro plano a família e o território em que estavam situados. Catarina assume todos os riscos para defender o que possui, que conquistou mediante grande esforço, desafiando a tudo e a todos.
Palavras-chave: Atitude. Essência. Persistência. Mulher alemã.
Introdução
A personagem que terá principal relevância neste estudo e possuirá uma análise aprofundada a seu respeito, Catarina Schneider, é quem melhor representa a relação dos alemães com o novo mundo, por meio de sua atitude, essência e persistência, na tentativa de transformar seu povo em agentes civilizadores. Sendo a base da estrutura familiar, é ela quem toma decisões tanto no lar quanto nos negócios, responsabiliza-se por todos os afazeres domésticos, ocupando-se, assim, até das atividades que, no caso das famílias patriarcais gaúchas, seriam destinadas apenas aos homens naquela época. É a personagem fundamenta no romance A ferro e fogo, do autor Josué Guimarães, que divide-se em dois volumes: A ferro e fogo: tempo de solidão (1972) e A ferro e fogo: tempo de guerra (1975).
Todas as tarefas qualificam-na como dedicada à família e ao trabalho, corajosa, determinada, incansável, desejosa de um futuro melhor. A partir disso, assume o papel de chefe da família alemã, mostrando-se resoluta no enfrentamento das dificuldades, sendo, por isso, participante ativa do processo de colonização do Rio Grande do Sul. Como se não bastasse sua personalidade decidida e firme, é, às vezes, imprevisível, o que demonstra uma emancipação feminina. Assim, seu interior revela características de uma mulher capaz de aceitar e vencer os desafios impostos pela exploração da terra e pela necessária adaptação a um novo meio.
Catarina, a representação ficcional da mulher alemã gaúcha, é que demonstra toda força, garra, coragem e vontade de vencer. Ela não tem medo de enfrentar os obstáculos, sabendo que precisa passar por dores e decepções para conseguir atingir seus objetivos, em momento algum pensa em desistir. Assim, lutando “a ferro e fogo” por sobrevivência é que ela assume posição tão importante na narrativa.
1 Catarina: atitude, essência e persistência
A personagem Catarina Schneider, de extrema importância no romance de Josué Guimarães, pode ser considerada a representação da mulher alemã durante as conquistas no território sul-rio-grandense. É através dela que o autor procura mostrar a relação do povo europeu com a nova terra: atitude, essência e persistência, na tentativa de, juntamente com sua etnia assumir posição de agentes civilizadores.
Como afirma Klajn, é difícil separar literatura e vida. Por consequência, torna-se difícil separar pessoa de personagem. (KLAJN, 2000, p.27) É através da personagem que o leitor busca sua identificação com o romance, percebe traços de sua própria vida expressos naquela história. Aí entra a questão da verossimilhança – sentimento de verdade – quando, mesmo sendo um ser fictício, a personagem transmite a idéia de verdade existencial, concreta. (ROSENFELD apud KLAJN, 2000, p.28)
De acordo com Reis, a personagem é a categoria fundamental da narrativa: “Revela-se, não raro, o eixo em torno do qual gira a ação em função do qual se organiza a economia da narrativa”; constitui um elemento estrutural indispensável do romance. (KLAJN, 2000, p.28-29) A literatura precisa de personagem, pois é a partir dela que a trama se desenvolve, que a ficção acontece. Sem ela, não existiria romance. O ser humano no seu papel de leitor assume a função de personagem, assumindo as suas características e vivendo as suas dores e satisfações, suas conquistas e tragédias, seus medos, angústias e aflições, como se fosse parte daquilo tudo.
Catarina pode ser analisada como mulher destaque da sua etnia pelo fato de ser diferente em suas características e no seu modo de ser e agir naquele tempo. As mulheres alemãs sempre fizeram parte do processo produtivo, desde o início da colonização, por meio de seus afazeres. Porém, eram submissas às ordens enviadas pelos homens, no caso pais e maridos, subordinando-se a eles. Talvez por medo do que pudesse acontecer, sem saber qual seria a punição, acostumaram-se a calar, silenciar e obedecer, simplesmente. Já Catarina, rompe com essa condição tornando-se a base da estrutura familiar, e tudo girava em torno dela. A partir do momento em que o marido Daniel Abrahão torna-se impossibilitado, tanto física quanto mentalmente, de cuidar dos negócios e manter a família, a mulher torna-se responsável pelos cuidados e a sobrevivência de todos ao seu redor. Sempre acreditando em si mesma, tendo fé no seu potencial, ela toma conta dos negócios e da família, concretizando seus objetivos.
Na família Schneider, Catarina é o elemento forte, que une os membros da família, lidera e sustenta a casa, é ela quem determina os rumos a serem tomados, tudo por meio de sua essência, das suas atitudes de coragem e bravura para lidar com as grandes dificuldades encontradas pelo caminho. Em momento algum pensando em desistir, ela não demonstra fraqueza, acredita ser capaz de resolver tudo que lhe é imposto, contrariando os padrões da época da narrativa. Todas as responsabilidades recaem sobre essa “mulher de ferro”.
Como cita Klajn, retratando um pouco das características esperadas da mulher alemã da época, a personagem:
fica conhecida como mulher “de faca na bota; Frau Catarina é o homem da casa.” (A ferro I, p. 156 e 160) Observa-se o preconceito em relação à mulher dessa época. Seu valor é lembrado à proporção que seu esforço se aproxima ou se iguala ao do homem; o seu trabalho não é reconhecido dentro da sua condição feminina. Catarina não se destaca por ser uma mulher que obstinadamente luta pelo bem-estar de sua família mediante a incapacidade de seu marido, e, sim, porque, dentro de uma sociedade conservadora, trabalha tanto quanto qualquer homem. (KLAJN, 2000, p.75)
É evidente a persistência, coragem, ousadia, decisão prática que podemos perceber nos gestos da personagem. Ela possui qualidades interiores que ao mesmo tempo que a ajudam a aceitar os desafios impostos pelas conquistas de territórios a fazem perceber a necessária transformação desse espaço social. Representando a segurança que possui como imigrante que supera os obstáculos, luta por sobrevivência em um ambiente hostil, diferente do que era esperado, imaginado. Persistente, Catarina vai em busca do que lhe é de direito, não gosta de ser enganada, revoltando-se quando isso acontece; é ela quem define o papel da mulher alemã na sociedade da época, conquistando uma nova posição, através do seu próprio esforço e vontade de vencer. Por meio dessa personagem que se revela a dimensão atingida pelo trabalho feminino é que vem o posterior progresso alcançado pelos imigrantes alemães.
Como cita Rosane Maria Pietrobelli Nath (2009, p. 93-94),
Josué Guimarães delega à personagem Catarina o poder e a determinação de uma mulher forte e corajosa, capaz de enfrentar os piores obstáculos impostos pela vida para defender sua família e sua gente. Ela trava sua luta na solidão, age como heroína e, dentro do espaço que lhe cabe, assume sua identidade e constrói sua história, pois na época retratada, mesmo que desejasse apoio, não existia nenhum grupo feminista no qual pudesse, hipoteticamente, buscar forças. Assim, sozinha, ela constrói sua história em nome do seu bem maior: a família.
Considerações Finais
Em meio a tanto sofrimento, punições e enganações de seus próprios compatriotas, a família Schneider, tendo em Catarina o foco principal de análise, lutou sempre com muita garra e coragem pela sua sobrevivência num ambiente que lhes era desafiador, como retrata Josué Guimarães no romance A ferro e fogo.
Catarina, situando-se como chefe da família alemã, controlava a família, cuidava do lar e dos negócios, sendo que todas as tarefas a qualificavam como dedicada, batalhadora, determinada e sonhadora com um futuro estável para todos. Mostrando-se sempre forte e defensora de seus ideais, enfrentando todas as adversidades que lhe eram impostas. É Catarina quem lidera o romance, sendo, portanto, o centro da narrativa e obtendo tanta importância ao longo deste estudo.
Catarina Schneider apresenta-se como diferente das mulheres gaúchas da época, que eram submissas aos maridos e geralmente trabalhavam em casa, pela forma de atuação ao longo de todo o romance. Dotada de atitude, assumindo todos os afazeres, ela praticava muitas vezes atividades que eram próprias dos homens naquele contexto social. Ela revela-se como a mulher alemã capaz de compreender e vencer os problemas que lhe eram impostos, sendo decidida no enfrentamento dos obstáculos, por isso participa ativamente do processo de colonização alemã do Rio Grande do Sul.
Referências Bibliográficas
CÂNDIDO, Antônio; ROSENFELD, Anatol; PRADO, Decio de Almeida; GOMES, Paulo Emílio Sales. A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, 2005.
GUIMARÃES, Josué. A ferro e fogo. Porto Alegre: Sabiá, 1972. v.1.
GUIMARÃES, Josué. A ferro e fogo. Porto Alegre: Sabiá, 1972. v.2.
KLAJN, Elisa Maria. Vidas a ferro e fogo: um diálogo entre a história e a literatura. Passo Fundo: UPF, 2000.
NATH, Rosane Maria Pietrobelli. Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Passo Fundo: Editora IMED, 2009.
*Graduanda em Letras pela Universidade de Passo Fundo; Bolsista de Iniciação Científica do projeto de pesquisa denominado O romance sul-rio-grandense e a formação do estado
Como pode ser publicado:
MARSARO, Mariana Cardoso. Catarina: uma análise da figura feminina em A ferro e Fogo.