Softwares educacionais: interatividade e aprendizagem garantidas?
Niltom Vieira Junior
Resumo
Este trabalho apresenta alguns casos de insucesso na utilização de softwares educacionais, promove uma discussão a respeito da eficiência destas ferramentas na sala de aula e sugere a teoria dos modelos mentais como uma estratégia científica para fundamentar a produção destes recursos.
Palavras-chave: ensino de engenharia, metodologias de ensino, modelos mentais, softwares educacionais.
Abstract
This work presents some failures of using educational software, promotes a discussion about the efficiency of these tools in the classroom and suggests the mental models theory as a scientific strategy to support the production of these resources.
Key-words: engineering education, teaching methodologies, mental models, educational software.
Introdução
As concepções tradicionais de ensino refletem conceitualmente um modelo organizativo e disciplinador. A transmissão do conhecimento segue padrões pré-elaborados, sendo os principais artifícios as aulas expositivas e a utilização de livros-texto. O professor explica os conteúdos, os alunos fazem suas anotações com rara participação em aula e estudam para prova que em alguns casos avaliará apenas a capacidade de memorizar e repetir os conceitos vistos em exercícios de fixação (VIEIRA JUNIOR e COLVARA, 2007).
Esta sequência de ações, comumente observada em todos os níveis de ensino, do fundamental ao superior, contribui para que em diversas ocasiões o aprendizado efetivamente não ocorra, sendo o aluno avaliado por sua habilidade em se adequar a um processo mecanicista de transpor informações.
Vieira Junior e Colvara (2010) demonstraram, através do mapeamento das características cognitivas de um grupo de estudantes universitários, que as metodologias tradicionais de ensino nem sempre contribuem com o real aprendizado dos alunos. Neste estudo realizaram-se entrevistas semi-estruturadas com o propósito de investigar as estratégias de raciocínio utilizadas pelos estudantes ao resolverem problemas fundamentais de matemática. Atribui-se parte deste problema a falta de interatividade e dinamismo das metodologias tradicionalmente adotadas em sala de aula. Os estudantes esperam por ambientes educacionais que despertem seu interesse e motivação para aprender, todavia, as estratégias normalmente adotadas os transformam em elementos passivos na sala de aula.
Como tentativa de contribuir com este problema diversas ações têm sido observadas na literatura e uma delas diz respeito ao desenvolvimento de ambientes virtuais e softwares educacionais. É quanto a eficácia destes recursos que este trabalho apresenta novas considerações.
A eficiência dos softwares educacionais
Em uma revisão bibliográfica destinada ao ensino superior, mais especificamente ao ensino de engenharia, Vieira Junior e Colvara (2010b) apresentam diversos recursos multimídia desenvolvidos com fins educacionais.
Overbye e Weber (2000), por exemplo, sugeriram que para chamar a atenção, ao invés de dados numéricos, fossem oferecidos aos alunos mapas virtuais cujos contornos em diferentes colorações indicassem os pontos em uma região que apresentassem problemas quanto aos níveis de tensão elétrica. Overbye et al. (2003), então, com o objetivo de testar esta estratégia realizaram um experimento dividindo 43 estudantes em três grupos: o primeiro grupo utilizou displays numéricos tradicionalmente usados para apresentar dados em sistemas elétricos, o segundo grupo utilizou diagramas com contorno cujos dados de interesse estavam em destaque e o terceiro grupo utilizou ambos os recursos. O teste consistia em solucionar uma sequência de problemas que alteravam as tensões em um ou mais pontos do sistema. Os participantes tinham duas metas: encontrar o ponto mais crítico e restaurar todo o sistema a valores aceitáveis de tensão (intervindo em alguns elementos que compunham a rede).
Figura 1 – Mapas com contornos.
Os testes avaliaram a facilidade em reconhecer pontos críticos e a eficácia deste software para que os alunos solucionassem problemas com três níveis de complexidade: baixo, médio e alto. O maior nível de complexidade representava a situação onde um maior número de problemas ocorria ao mesmo tempo. Entretanto, os resultados mostraram que o tempo para solução dos problemas para o grupo que utilizou displays numéricos tradicionais foi melhor que os demais (Tabela 1).
Tabela 1 – Tempo médio das soluções por contingência em segundos.
Para os autores, os resultados ruins sobre o tempo podem ser atribuídos a desordem causada pelos contornos e, parcialmente, ao incremento de tempo gasto para estabelecer as visualizações gráficas. Eles concluem ainda que os benefícios na visualização implicam em custo no tempo de intervenção porque, possivelmente, os indivíduos não são aptos a ignorar uma dimensão (números) enquanto utilizam outra (contornos) e apontam a necessidade de maiores pesquisas quanto a fatores psicológicos para testar a eficácia destes recursos.
Em outro experimento, desenvolvido por Wiegman et al. (2005) foi verificado se o movimento animado de setas poderia melhorar a velocidade e acurácia dos usuários ao controlar o tráfego de potência entre barras de energia que representam, por exemplo, diferentes cidades.
Figura 2 – Display com setas animadas.
Neste caso foram utilizadas seis diferentes interfaces, sendo que a mais complexa possuía setas em movimento (representando o fluxo da energia) e gráficos pizza (representando a capacidade das linhas de transmissão). Foram apresentadas diferentes situações, onde alguns trechos apresentavam tráfego de energia maior que sua capacidade e outros problemas inesperados aconteciam.
Os autores observaram que para problemas isolados, as representações tradicionais (por dígitos) e mais simples (sem pizza) propiciaram menor tempo de resposta dos alunos. Atribuiu-se este fato aos níveis de distração que as animações oferecem para os casos mais simples. Para problemas simultâneos, as setas em movimento ofereceram intervenções mais rápidas, mas os resultados não foram expressivos.
Análise destes recursos gráficos
Embora ricas graficamente, as interfaces tomadas como exemplo retratam casos de prejuízo financeiro, já que demandam tempo e conhecimento de alto nível para produzi-las, e prejuízos educacionais já que apresentaram desempenho insatisfatório nos testes realizados e não promoveram o rendimento esperado para os alunos.
Estes problemas são, segundo Hoff e Hauser (2008) e Vieira Junior e Colvara (2010b), decorrentes da ausência de teorias pedagógicas e/ou comportamentais para guiar o processo de design e construção destes recursos. Hoff e Hauser (2008) apontam ainda que algumas tendências na criação de interfaces gráficas têm desencadeado modos cognitivos diferentes daqueles solicitados para as atividades as quais tais ferramentas se aplicam.
Este trabalho propõe, então, uma discussão acerca da eficácia de softwares educacionais e similares. A interatividade promovida por recursos computacionais assegura um bom rendimento na relação ensino-aprendizagem? Acredita-se que não. O envolvimento com o conteúdo é fator necessário, mas não suficiente para promover o conhecimento. Embora as novas gerações de alunos exijam ambientes dinâmicos para que sua atenção seja mais bem direcionada é preciso que estes mecanismos sejam bem fundamentados cientificamente para que atinjam os objetivos a que se propõem. Diversas concepções educacionais poderiam embasar o projeto destas interfaces, aqui sugere-se o uso dos modelos mentais.
Modelos mentais
Esta teoria de aprendizagem abstém-se a polêmica traçada na psicologia cognitiva acerca do modo pelo qual o ser humano constrói suas representações mentais e define uma terceira forma de construto que caracteriza as formas pelas quais as pessoas compreendem e interagem com informações em geral (MOREIRA, 1999). Para Eysenck e Keane (2007), os modelos mentais configuram-se como uma das abordagens mais influentes a respeito do raciocínio dedutivo. Sternberg (2008) os classificam, ainda, como a teoria mais amplamente aceita para interpretar a forma pela qual as pessoas resolvem silogismos.
Em outros termos tais modelos, quando investigados, podem representar a habilidade para realizar inferências, as falhas conceituais e o modo pelo qual o nível de conhecimento de um aluno ou de um grupo de alunos evolui sobre determinado conteúdo – segundo as estratégias de raciocínio que eles utilizam. Conhecer, portanto, os modelos mentais podem fornecer subsídios para que softwares e interfaces deste gênero sejam coerentemente projetados, o que torna suas chances de sucesso aumentada nas intervenções educacionais.
Conclusão
Todo e qualquer procedimento, ou recurso, educacional deve sempre vir acompanhado de uma coerente metodologia no seu desenvolvimento e na sua utilização para que suas chances de sucesso no ensino sejam reais. Mesmo ao se utilizar recursos extremamente chamativos às novas gerações de aluno (como é o caso dos computadores) é preciso observar que a interatividade, embora seja um atributo essencial na sala de aula não pode por si só garantir a aprendizagem.
Conclui-se, portanto, que conhecer as características dos estudantes, suas necessidades de aprendizagem e a forma pela qual seu conhecimento evolui (vistas através dos modelos mentais), representa uma das possíveis abordagens pedagógicas que poderiam embasar o desenvolvimento de softwares educacionais e aumentar sua eficiência na sala de aula, independente da disciplina ou nível de ensino considerados.
Referências bibliográficas:
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Niltom Vieira Junior é professor de psicologia da educação matemática do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG), Campus Formiga. Doutorando em engenharia elétrica pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus Ilha Solteira, com foco no desenvolvimento de softwares educacionais.
VIEIRA JUNIOR , Niltom. Softwares educacionais: interatividade e aprendizagem garantidas?. P@rtes (São Paulo), v. online, p. 02 jun, 2010.