Pedro Coimbra
Acelerou o carro para ultrapassar um bando de motoqueiros a sua frente. No sábado havia morrido Dennis Hopper, diretor e ator de Sem Destino, filme que marcou toda uma geração, um cara que conseguiu vencer seu envolvimento com drogas e álcool, passando por momentos difíceis.
O grupo parecia ter saltado diretamente das telas, com as mesmas máquinas e indumentárias.
“Loucura!” Pensou Márcio. Easy Rider acontecera a mais de três décadas atrás.
Naquela tarde ele estava ouvindo “My sweet Lord”, do tributo ao ex-Beatle George Harrinson, quando Melissa o chamou pelo telefone. Queria saber o que iriam fazer no final de semana.
-Vou pro rancho = ele disse. E logo emendou a frase: “Sem você”.
– Por que? – ela perguntou.
– Por que estou triste e triste, não mais me encontrarei com você.
Em 1974, resolvera comprar uma moto. Achava que essas máquinas podiam lhe devolver a liberdade perdida.
Escolheu uma motocicleta de 500cc, Kawasaki, com a carenagem verde e foi fazer um “test drive” numa avenida.
Quando se extasiava com o vento batendo no seu rosto, a chuva caiu. Um dos desses temporais repentinos e voltou para a revenda. Naquele dia fez um propósito de nunca mais andar nesses veículos de duas rodas, mesmo que tivesse que andar a pé.
O grupo de motociclistas seguia um triciclo cheio de bandeiras e caveiras que parecia conduzir seu líder.
Um seu amigo que trabalhava na Polícia Rodoviária Federal, uma vez lhe contara que vez ou outra paravam esses dinossauros e sempre encontravam drogas. Por uma dessas taras da existência humana ele colecionava fotos de acidentes com motoqueiros. Um dia ligou o computador e logo que mostrou as duas primeiras fotos Márcio sentiu mal, com ânsia de vômito.
1969 foi o ano que tudo aconteceu: Sem Destino, Woodstock e a contracultura. No Brasil, no final de 1969, o líder da ALN, Carlos Mariguella, foi morto pelas forças de repressão em São Paulo e começava a ditadura Medíci.
Melissa me dizia que não entendia essas ondas de tristeza que tomavam conta dele. Pudera! Ela era muito jovem, cheia de vida e sua maior tristeza foi a morte de Frederico, o peixinho que eu criava em um aquário.
Num ponto ela tinha razão ao criticar meus ataques de nostalgia. A vida sempre continuava com seus altos e baixos.
Como naquele dia que Márcio e os amigos foram para a Chapada caçar veados. Não viram nem um animal, beberam muita cachaça e acabou sendo vitimado na perna por um tiro de espingarda disparada por Pezão. Doeu muito e ele acabou manco para sempre.
“Fica assim não, Márcio”, ela dizia e o abraçava com seu frescor juvenil.
Uma moto desgarrou da fila dupla e ele viu que era uma Indiana, uma marca muito antiga que devia ter sido recuperada. O garupeiro olhou bem nos seus olhos e não conseguiu identificar se era um homem ou uma mulher. Fez um gesto obsceno e dispararam atrás do líder.
Seu desejo imediato foi enfiar seu carro em cima deles, passar por cima, destroçá-los.
Eles tinham toda a liberdade que ele não tinha e se organizavam em grupos de cinqüenta ou mais máquinas, escapamentos abertos, perdidos em suas divagações…
Pouco a pouco eles foram se afastando. Colocou um CD para tocar e logo a voz de Bob Dylan o fez voltar a realidade.
“Desculpe-me, Melissa, minha princesa! Gostaria muito de estar com você, mas hoje é dia de juntar toda a tralha perdida pelo caminho”, pensou.
Nada demais. Afinal seria apenas um final de semana afastados, longe dos passatempos idiotas, dos jogos de baralho, das brincadeiras de adivinhações e das dificuldades para resolver os problemas culinários.
Na segunda-feira ela faria uma cara desolada e ele lhe diria mais uma vez: Triste, não mais me encontrarei com você…