As sereias eram o terror dos mares da Antiguidade. Seu canto inebriante levava os navegantes à loucura ou à morte. Já os olhos de Medusa transformavam todos quantos os fitassem em estátuas de pedra, figuras sem liberdade ou vontade.
O fascínio é assim: tolhe o discernimento e faz perder o rumo. Seu poder é quase insuperável, a não ser com muita astúcia e inteligência: faculdades humanas, disponíveis para quem as quiser desenvolver e exercer.
O fascínio pode ser uma manifestação espontânea, mas também pode ser o produto de um ato deliberado de manipulação externa do inconsciente. Assim como o fanatismo, não deixa ver nada além do objeto de sua fixação: ídolo, ideal, etc.; inibe a consciência da realidade; limita a visão do próximo e do todo, e pode levar a destruição individual e coletiva.
O canto de sereia distrai e não deixa ver os rochedos que se avizinham. Além disso, dependendo da melodia que se ouve, fechar os olhos para melhor senti-la pode significar perder a capacidade de ouvir outros sons, inclusive alertas de perigo ou apelos à racionalidade.
Virar pedra transfere para outros a escolha do que será construído. Às vezes, podem ser rochedos. E quando o ser humano aceita virar pedra, também concorda que sua mobilidade estará nas mãos de terceiros, que o colocarão onde bem ou mal quiserem, para ser: a base do caminho onde pisarão; obstáculo aos outros; objeto a ser atirado; ou mais um elemento inerte na muralha de ignorância que protege seus interesses obscuros.
Para não cair nessas armadilhas, nos dias atuais, também é preciso ter muita astúcia e inteligência – assim como tiveram Perseu e Ulisses – para não se deixar iludir com as aparências do marketing e da propaganda, que podem ser usados maliciosamente, para nos transformar em pedras ou nos afogar no mar da vaidade, do oportunismo, da ganância ou do fanatismo. Como esses personagens da mitologia grega, é preciso desafiar os deuses que querem exercer sua divindade nefasta do alto das torres que constroem com as pedras em que transformam os seres humanos, que aceitam a condição de escravos de seus cantos de sereias e olhares de Medusa. Mas, também é preciso combater nossos maus instintos, que a sedução oportunista faz aflorarem, e a tendência à passividade e à alienação, que é solo fértil para os posseiros e grileiros de mentes e almas.
Para tanto é imprescindível não se iludir com discursos; não se distrair com presentes; não se deixar seduzir com promessas; não assinar cartas de escravidão voluntária; não integrar rebanhos destinados ao abate; não aceitar ser usado como agregado inerte na argamassa de manobra que concretiza as más intenções coletivas de interesses individuais, oportunistas, egoístas, parasitários e deletérios.
É preciso ser plenamente humano, com todas as vantagens e responsabilidades que essa condição importa, individual e coletivamente.
Fascínio e encantamento? Só com a humanidade, com a natureza e com a vida, que é um dom gratuito de Deus: pessoal e intransferível!
Adilson Luiz Gonçalves
Mestre em Educação
Escritor, Engenheiro, Professor Universitário e Compositor
Ouça textos do autor em: www.carosouvintes.org.br (Rádio Ativa)