Mônica de Souza Serafim*
publicado em 05/04/2010 como www.partes.com.br/educacao/resenhas/ensinodaescrita.asp
COLELLO, Sílvia Mattos Gasparian. (2007). A escola que (não) ensina a escrever. São Paulo: Editora Paz e Terra. 286 pp.
ISBN: 9788577530106
Em A escola que (não) ensina a escrever, Sílvia Colello apresenta importantes reflexões sobre o ensino da língua escrita. O livro encontra-se dividido em quatro partes.
Na primeira, intitulada Considerando…. a escrita e o ensino da escrita, a autora apresenta, baseando-se no entendimento do processo de alfabetização, as concepções e os objetivos do ensino da língua escrita, os processos cognitivos envolvidos na conquista (e que conquista!) da língua escrita e algumas diretrizes pedagógicas que permitem, em consonância com os processos cognitivos envolvidos na construção da escrita, o desenvolvimento de um trabalho pedagógico que coloque “o aluno como meio e meta da prática pedagógica (COLELLO, 2007, p. 34)”.
Na segunda parte, Problematizando…. os (des)caminhos da escrita na escola, encontramos as concepções (equivocadas) de escrita assumidas pela escola e os contra-argumentos que defendem um ensino, sobretudo, da escrita, baseado na formação de uma aluno cidadão. Encontramos ainda considerações sobre a prática da escrita na escola, a diferença entre escrita e escrita escolar, o impacto dessa modalidade de língua na vida social se, a princípio, fossem estabelecidas metas não meramente escolares, ou seja, se o ensino, ao invés de defender que “há uma única expressão adequada para o que se quer dizer (COLELLO, 2007, p.86)”, trabalhasse com “o livre trânsito entre as múltiplas possibilidades do escrever (COLELLO, 2007, p.86)”.
A autora, ainda na segunda parte, apresenta cinco fatores que tornam excludente o ensino da língua escrita na escola. Esses fatores, a saber, a desconsideração do aluno como sujeito falante, as restritivas metas do ensino, a artificialidade do conteúdo, a inadequação metodológica e a falta de sintonia na relação professor-aluno, explicitam o “divórcio evidente entre vida e aprendizagem (COLELLO, 2007, p.112)”.
A desconsideração do aluno como sujeito falante demonstra a prática discriminatória adotada pela escola quando enfatiza uma concepção ideal de língua, a da norma culta. Nesse sentido, a escrita é compreendida a partir de sua pressuposta autonomia e avaliada como um produto meramente escolar.
As restritivas metas do ensino, impostas, muitas vezes por questões avaliativas, não permitem que a escola leve em consideração a vida em toda sua complexidade, daí advém a adoção de um paradigma de ensino que prioriza a razão, o conformar-se e o instruir (COLELLO, 2007). Como conseqüência disso, afirma a autora,
“diluem-se os discursos em prol das grandes metas (constituição do cidadão consciente, crítico, criativo, livre e participativo) e, com elas, o significado do que se ensina, em particular, a razão da língua escrita” (COLELLO, 2007, p. 107).
Um outro fator que torna excludente o ensino da escrita, a artificialidade do conteúdo, trata a escrita apenas pelo domínio dos aspectos formais, o conhecimento do sistema alfabético, das normas gráficas e sintáticas, por exemplo. Esse tipo de abordagem contamina as práticas pedagógicas para o ensino da escrita e contribui ainda mais para distanciar “professores e alunos, conhecimento e vida, um processo (ou ciclo vicioso?) cujo resultado não poderia ser outro senão o da exclusão escolar e social” (COLELLO, 2007, p. 108).
A inadequação metodológica evidencia que, infelizmente, ainda existem práticas em sala de aula que desconsideram as transformaçoes pelas quais passaram a sociedade e que, certamente, afetam o ambiente escolar. Assim o ensino da escrita nas séries iniciais ainda se faz pela
segmentação das etapas de aprendizagem, em um processo linear e cumulativo de conhecimento, cuja progressão é pensada a priori pela lógica adultocêntrica “do fácil para o difícil” (pela seqüência tradicional, as letras, as sílabas simples, as sílabas complexas, as palavras, as sentenças, as normas ortográficas, os textos, as regras gramaticais e sintáticas. (COLELLO, 2007,p. 109)
Esse controle da ordem de aprendizagem mostra, segundo Colello (2007; p.110), que a apresentação e a reprodução de modelos ainda prevalece na “aplicação do conhecimento sobre a língua escrita pela distinção entre o tempo de aprender e o tempo de fazer uso dessa aprendizagem”.
Finalmente, a falta de sintonia na relação professor-aluno tem sua origem em um sistema de relação impessoal, que desconsidera as diferenças individuais ou culturais, voltando-se apenas para “o grupo de alunos já em sintonia com o universo escolar” (COLELLO, 2007, p. 111), ou seja, para aqueles alunos considerados exemplares, os bons alunos. Essa redução ou apagamento dos interlocutores e a apologia ao silêncio em sala de aula acabam, ressalta a autora (COLELLO, 2007, p. 111), “por se configurar como mecanismos de incompreensão e abandono, cujos resultados se fazem sentir nos índices de evasão, repetência, problemas de aprendizagem ou comportamento”.
Na segunda parte do livro, Collelo (2007) encerra mostrando algumas práticas pedagógicas e algumas dinâmicas equivocadas adotadas pela escola no ensino da escrita.
Na terceira parte do livro, Analisando… tendências na produção escrita, são apresentadas inúmeras reflexões sobre a complexidade da produção textual, dentre elas, a produção de textos expressivos, aqueles e de textos funcionais, a relação entre imaginação e escrita e entre desenho e escrita, esta última relação tida como um meio de representação e alternativa no processo evolutivo de desenvolvimento da língua escrita. A autora encerra esta parte, apresentando mecanismos do não-dizer na escrita infantil, o escape e o preenchimento de espaços, mecanismos esses que sugerem que “na composição de textos, as crianças podem lançar mão de recursos contrários aos da comunicação e ao dizer pela escrita (COLELLO, 2007, p. 256)”, ou porque não queriam realizar a atividade ou porque não entenderam o que foi pedido.
No quarto capítulo, Concluindo…. a escola que ensina a escrever, Sílvia Colello nos mostra que, apesar de alguns desajustes nas práticas escolares para o ensino da língua escrita, é possível vislumbrarmos caminhos para uma escola que, de fato, conduza o aluno no inconcluso processo de aprender. Isso se faz, diz a autora, com uma “educação progressivamente ajustada aos alunos e aos apelos da sociedade letrada (p. 275).” Assim, a escola que, de fato, ensina a escrever merece ser defendida com base na postura educativa compromissada com os desafios do alfabetizar e com a convicção de que nossos alunos podem, de fato, se constituir como leitores e escritores.
Esse livro constitui-se, certamente, um material de cabeceira para o professor que deseja conduzir seus alunos para um aprendizado significativo e que deseja entender melhor as armadilhas das palavras.
* Professora do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará.
Como ser citado:
SERAFIM, Mônica de Souza. A escola e o ensino da escrita: conflitos?. P@rtes.V.00 p.eletrônica. Maio 2010. Disponível em <>. Acesso em _/_/_.