Felix Mundo

GATOS E POESIA

Gato e poesia: não é difícil de interliga. Desde o modo de andar até o de olhar, nada explica e descreve melhor um bichano do que a poesia. Por isso, abri espaço e fiz seleção de algumas poesias que unem esses dois elementos que tão bem fazem à alma humana. Somos seus servos: da poesia e do gato. E isso é saudável. A poesia alimenta o ser… Para continuarmos enfrentando o cotidiano – não para nos alienarmos fugindo para a literatura. O gato faz companhia sincera e empresta seus 360 milhões de neurônios ao nosso dia-a-dia, com suas peraltices, com sua filosofia hermética, com sua fofa elegância. Afnal,o gato não pretende ser: ele é. Ele  quer ser o que é. Pura sabedoria de vida!
Quem quiser participar da galeria a seguir, por favor, mande seu e-mail para ana.marina@yahoo.com.br ou para os e-mails da revista. Devem conter o nome de quem enviou, poesia e respectivo nome, bem como a autoria. Fotos de bichanos também são bem vindas.

Ode ao gato
Os animais foram
imperfeitos,
compridos  de rabo, tristes
de cabeça.
Pouco a pouco se foram
compondo,
fazendo-se paisagem,
adquirindo pintas, graça, vôo.
O gato,
só o gato
apareceu completo
e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer.
O homem quer ser peixe e pássaro
a serpente quisera ter asas,
o cachorro é um leão desorientado,
o engenheiro quer ser poeta,
a mosca estuda para andorinha,
o poeta trata de imitar a mosca,
mas o gato
quer ser só gato
e todo gato é gato
do bigode ao rabo,
do pressentimento à ratazana viva,
da noite até os seus olhos de ouro.
Não há unidade
como ele,
não tem
a lua nem a flor
tal contextura:
é uma coisa só
como o sol ou o topázio,
e a elástica linha em seu contorno
firme e sutil é como
a linha da proa
de uma nave.
Os seus olhos amarelos
deixaram uma só
ranhura
para jogara as moedas da noite
Oh pequeno
imperador sem orbe,
conquistador sem pátria
mínimo tigre de salão, nupcial
sultão do céu
das telhas eróticas,
o vento do amor
na imterpérie
reclamas
quando passas
e pousas
quatro pés delicados
no solo,
cheirando,
desconfiando
de todo o terrestre,
porque tudo
é imundo
para o imaculado pé do gato.
Oh fera independente
da casa, arrogante
vestígio da noite,
preguiçoso, ginástico
e alheio,
profundissimo gato,
polícia secreta
dos quartos,
insignia
de um
desaparecido veludo,
certamente não há
enigma
na tua maneira,
talvez não sejas mistério,
todo o mundo sabe de ti e pertence
ao habitante menos misterioso,
talvez todos acreditem,
todos se acreditem donos,
proprietários, tios
de gatos, companheiros,
colegas,
díscipulos ou amigos
do seu gato.
Eu não.
Eu não subscrevo.
Eu não conheço o gato.
Tudo sei, a vida e seu arquipélago,
o mar e a cidade incalcullável,
a botânica,
o gineceu com os seus extrávios,
o pôr e o mesnos da matemática,
os funis vulcânicos do mundo,
a casaca irreal do crocodilo,
a bondade ignorada do bombeiro,
o atavismo azul do sacerdote,
mas não posso decifrar um gato.
Minha razão resvalou na sua indiferença,
os seus olhos tem números de ouro.
(Navegaciones y Regresos, 1959)
                                                                Pablo Neruda

Poema para os gatos
Silêncio,
eis a tarefa
de todos os gatos.
Poucos sabem perscrutar
(talvez ninguém em plenitude)
o grau de solidão necessária
ao saber auto suficiente
para ser felino e doméstico
em sua tarefa de monge
guardião do inextricável
em quem o homem não percebe
a metafísica natural,
recolhimento
saber
sensualidade
e aceitação.
Artur da Távola

O GATO
I
Por meu cérebro vai passeando,

Tal como em seu apartamento,

Um gato de todo encantamento,

e de inaudito miado brando,  
Tanto o seu timbre é o mais discreto;

Mas, se é a voz calma ou iracunda,

Ela sempre é rica e profunda:

Este é o seu encanto secreto.
E a sua voz em mim infiltro,

No meu fundo mais tenebroso,

Doce qual verso numeroso

Consoladora como um filtro,
Abranda o mal que na alma lavra,

Contendo os êxtases e as pazes;

Para dizer as longas frases

Nunca precisou da palavra.
Certo não há arco que fira

Meu coração, este excelente

Órgão e o faça nobremente

Cantar só como canta a lira,
Como esta voz, ó misterioso,

Gato seráfico e esquisito

Em que tudo é, como num rito,

Tanto sutil quanto harmonioso!
      II
Destas lãs louras e morenas

Sai um olor doce de pelos,

Que me perfumei só por tê-los

Afagados uma vez apenas.

É como os manes da morada;

Preside no seu magistério

Todas as coisas deste império:

Seria talvez Deus ou fada?
Quando o olhar para este gato a esmo,

Como por um ímã atraído,

Se dirige, e tão sucumbido,

E que eu olho para mim mesmo,
Eu vejo com olhar demente

A luz destas pupilas ralas,

Claras fanais, vivas opalas,

Que me contemplam fixamente.

Charles BAUDELAIRE

GATO QUE BRINCAS NA RUA
Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.
Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.
És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.
FERNANDO PESSOA

Escreva uma! Chegue perto de um bichano e observe: pura poesia!

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