Cidadania história

Reflexão acerca das Cartas Econômico-políticas sobre a agricultura e o comércio da Bahia, pelo desembargador João Rodrigues de Brito

Reflexão acerca das Cartas Econômico-políticas sobre a agricultura e o comércio da Bahia, pelo desembargador João Rodrigues de Brito

Gelise Cristine Ponce Martins1

publicado em 11/03/2010

www.partes.com.br/politica/cartaseconomicas.asp

Gelise Cristine Ponce Martins é licenciada em História pela Universidade Estadual de Maringá, pós-graduanda em História e Humanidades, pela mesma universidade. Contato: gelise.ponce@yahoo.com.br

Resumo

As Cartas Econômico-políticas sobre a agricultura e o comércio da Bahia, originaram-se da consulta do príncipe Regente Dom João (futuro Dom João VI), ao Conde da Ponte, governador geral da Bahia.  Dentre as diversas respostas, a mais consistente é a do magistrado e desembargador João Rodrigues de Brito. Tendo como parâmetro, as ideias iluministas, ele analisa a realidade da Bahia do início do século XIX, propondo inúmeras reformas da sociedade, como a liberdade de comércio. No presente artigo, discutir-se-á quais eram os principais obstáculos ao desenvolvimento da sociedade baiana, segundo João Rodrigues de Brito, e a atualidade de sua agenda de reformas.

Palavras-chave: História, Bahia, século XIX, liberalismo.

Resumo

Las Cartas Económico-políticas sobre la agricultura e el comercio de la Bahía, viene de la consulta del prince Regent Don João (futuro Don João VI), al Conde de la Ponte, gobernador general de la Bahia.  Entre las varias respuestas, la mejor es la del magistrado e juez João Rodrigues de Brito. Tiendo como parámetro, la ilustración, el analiza la realidad de la Bahia, del inicio del siglo XIX, y propone muchas reformas de la sociedad, como la libertad del comercio. En este artículo, vamos a discutir quais eran los principales obstáculos al desarrollo de la sociedad baiana, segundo João Rodrigues de Brito, y la actualidade de su programa de reformas.

Primeiramente, devemos salientar que, a leitura da carta de João Rodrigues de Brito em resposta ao ofício do governador Conde da Ponte __ escrita em 1807, às vésperas da vinda família real ao Brasil e a abertura dos Portos (1808) __, nos faz repensar a historiografia tradicional sobre a história do Brasil Colônia.

Apesar de não podermos comparar o Brasil do século XIX, a um modelo de sociedade liberal-burguesa, que sequer existia nos países mais desenvolvidos do mundo ocidental, é necessário dar a devida importância ao papel representado pelo liberalismo, ao contrário das interpretações que o desqualificam, colocando-o como uma “ideia fora do lugar” (PEREIRA, 2009). Partindo desta premissa, a carta de Brito é um exemplo da influência das ideias liberais na história do Brasil, neste período.

De acordo com João Rodrigues de Brito, os principais obstáculos ao desenvolvimento da sociedade baiana, do início do século XIX, se resumem na falta de liberdade, facilidades e instruções. Na falta de liberdade dos lavradores de empregarem seu trabalho, seu capital da forma como bem entendessem. Na falta de facilidades, que consistem na falta de pontes, estradas e outras obras que diminuiriam as despesas e obstáculos das comunicações e transportes. E, por fim, na falta de instruções necessárias aos lavradores para se aproveitarem destas liberdades e facilidades.

Em relação à falta de liberdade, Brito destaca que, os lavradores não podem cultivar qualquer gênero, construir qualquer obra ou fábrica para possíveis melhorias, ou mandar vender seus produtos em qualquer lugar, por intermédio de quem quisesse, nem vender para quem lhe pagasse mais, ou no tempo que quisesse.

Os lavradores não podem cultivar qualquer gênero porque são obrigados a plantarem mandioca para o sustento dos escravos. O que é um desperdício das terras mais férteis, como o solo de massapé, uma vez que esta raiz nasce em qualquer lugar. Podendo plantar o que quisessem poderiam aumentar sua produção, seus lucros e, consequentemente, comprar a farinha de mandioca necessária.

Sendo proibida a fundação de fábricas, alambiques, armações de pescar e, principalmente, engenhos de açúcar, agrava-se a situação de lavradores que perdem sua cana por não terem onde as moer (ou pior, são obrigados a moê-las em determinado engenho). Segundo Brito, este monopólio deveria ser substituído pela livre concorrência, uma vez que sem a concorrência não se pode esperar nenhuma melhora em qualquer ramo da indústria humana.

Para Brito, proibir os lavradores de vender livremente seus produtos na cidade, vila, ou qualquer lugar onde têm mais valor, ou melhor saída, é o mesmo que roubar-lhes parte deste valor, ou seja, privá-los da aquisição de riquezas. Por meio de regulamentos violentos, diminui-se os meios e a vontade de cultivar, diminuindo doravante, a cultura. E mesmo que se consiga forçar uma abundância passageira, os provimentos regulares só viriam a ser assegurados com a liberdade do Comércio.

Dando como exemplo a cultura do tabaco, Brito fala da falta de liberdade de exportação, pois na Europa o produto alcançava maior valor. A proibição da venda sem antes passar por demorada inspeção, é fundada nos antigos sistemas de corporações, refutado pelos novos economistas como Adam Smith. Porque é a concorrência e a difusão do iluminismo que obrigam o produtor a aperfeiçoar a qualidade do seu produto, e não as proibições de vendê-los sem a marca de aprovação.

Além de proibir os lavradores de venderem seus produtos onde tivesse mais valor e saída, proibi-se também certos compradores (comissários volantes, atravessadores, revendedores, etc.), cuja concorrência faria aumentar o preço dos produtos em seu benefício, embaraçando os progressos da lavoura. O papel destes pequenos negociantes, que intermediam o comércio entre produtor e consumidor, na esperança de obter algum benefício, é importante porque traz proveito para ambos, visto que sua atividade é voluntária.

Brito salienta que, os atravessadores são úteis quando seu número é irrestrito, o que impede ganhos exorbitantes de um ou outro. Contudo, o Senado limitou o número de atravessadores, monopolizando o comércio dos gêneros. Causando um dano grave tanto aos produtores que são obrigados a vender seus produtos por um preço abaixo do seu valor, quanto aos consumidores, que são forçados a comprar o produto mais caro, devido à falta de concorrência de vendedores.

Por fim, os lavradores não têm a liberdade de vender seus produtos quando chegam à cidade, à hora em que querem, tendo que esperar o prazo decretado para prover o povo. No entanto, o interesse dos habitantes da cidade é o mesmo do lavrador, que consiste na liberdade do comércio.

Quanto à falta das facilidades, é sabido que o governo deveria favorecer a construção de pontes, barcas, estradas, canais, estivas, para o transporte dos produtos, portos, cais e docas para seu embarque e desembarque. Obras que faltam absolutamente. Dentro das cidades não há ruas em que se possa subir de carro, a navegação dos grandes rios da capitania são aproveitados por empecilhos fáceis de remover. A uniformidade de pesos e medidas não é respeitada, dando enormes prejuízos. Falta uma praça de comércio para facilitar as transações mercantis.

Não há segurança no campo, tornando as viagens mais dispendiosas e arriscadas ou até impraticáveis, devido ao medo dos salteadores. A mesma falta de polícia campestre também contribui para a despovoação, prejudicando a agricultura que necessita do trabalho manual. Do mesmo modo, a falta de polícia urbana que não inspeciona a qualidade dos alimentos, como os peixes e as carnes mal salgadas, que contribuem para a mortandade da população.

Brito também alerta para a ausência de um sistema de empréstimos, fundos para os lavradores agregarem valor a suas terras, para fornecer salários, instrumentos, sementes e matérias em que pudessem empregar seu trabalho. Assim como, uma taxa de juros que atraísse capitais estrangeiros, e a instituição de um banco que facilitasse a circulação de capitais.

Brito reclama da longa duração dos processos, que influencia a estagnação dos capitais e aumento dos juros, porque auxilia os caloteiros fazendo com que os capitalistas não consigam cobrar seu dinheiro sem grandes incômodos. Desta maneira, ao invés de taxar o preço do salário dos trabalhadores, o fruto dos lavradores, o aluguel aos proprietários e os juros aos capitalistas, Brito taxaria o tempo dos processos.

Finalmente, quanto à falta de instrução, Brito destaca que, de nada adianta as liberdades e facilidades, se o lavrador não for instruído no melhor método para se aproveitar delas. Em primeiro lugar, é mister direcionar melhor os gastos dos concidadãos, em despesas úteis ao Estado. Pois os moradores desperdiçam dinheiro em funerais e festas da Igreja, deixando de investir em caminhos, cais, fontes ou pontes.

Brito afirma que, as riquezas aumentariam, caso os lavradores tivessem conhecimento da História Natural, Química e Física. Porém, não existe nenhuma casa de instrução e educação, nem professores, nem museu ou uma biblioteca pública. Não há um jardim botânico para aclimatar vegetais úteis, muito menos uma sociedade econômica e literária para fomentar o patriotismo. O remédio para as causas provenientes da falta de instrução seria dissipar as trevas da ignorância, estabelecendo um bom sistema de estudos, onde todos saibam ler, escrever e contar.

Brito justifica sua opinião, contra a intervenção do estado na economia afirmando que, quando a administração pública se intromete a prescrever aos cidadãos o emprego que eles vão fazer das terras, braços e capitais, desequilibra a natural produção e distribuição das riquezas.

Outro aspecto relevante na carta de João Rodrigues de Brito é a sua visão sobre a utilização da mão-de-obra escrava. Para Brito, os escravos africanos deveriam ser substituídos por imigrantes chineses ou indianos, porque estes são mais laboriosos e industriosos. E ainda dariam exemplo aos trabalhadores nacionais que vivem na ociosidade, em um momento que a agricultura precisava de braços, para aumentar sua produção. E os escravos se convertidos em homens livres, tornar-se-iam mais úteis, uma vez que o trabalho só é ricamente produtivo, onde quem trabalha colhe os frutos”.

Do mesmo modo, é interessante, como fala da má influencia da Igreja sobre os costumes da sociedade. Os votos monásticos fomentariam a despovoação do território. Por exemplo, o voto de castidade é contrário a procriação; o de pobreza, contrário à riqueza. E o grande número de dias santos seria nocivo por interromper o trabalho, além de que o trabalhador aproveitaria o tempo livre para beber, arruinando sua saúde!

Ainda mais surpreendente, é a sua ideia sobre as mulheres. Critica o fato de elas viverem reclusas, envoltas em serviços domésticos, dependendo do marido para subsistir, enquanto seu trabalho poderia ser aproveitado em outras instâncias que não exigiriam forças, podendo atuar, por exemplo, como vendedoras em lojas como ocorria nas nações mais civilizadas na Europa.

Pode-se concluir que, as reformas liberais propostas por João Rodrigues de Brito ainda são atuais. A título de ilustração, temos as questões levantadas sobre o intervencionismo estatal versus a livre-concorrência, que estão em pauta nas discussões dos economistas em relação às políticas governamentais e à iniciativa privada. E a cultura da libertação feminina, em vista da progressiva disputa pelo mercado de trabalho com os homens, superando-os em inúmeros ramos.

Bibliografia utilizada:

BRITO, João Rodrigues de. A economia brasileira no alvorecer do século XIX. A resposta de Rodrigues de Brito a um inquérito econômico nos tempos da Colônia. Salvador, Livraria do Progresso Editora, 1923.

PEREIRA, L. A. Pensamento Modernizador no Brasil Imperial. Ainda sobre o lugar das idéias liberais. XXV Simpósio Nacional de História, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009.

1Licenciada em História pela Universidade Estadual de Maringá, pós-graduanda em História e Humanidades, pela mesma universidade. Contato: gelise.ponce@yahoo.com.br

Como citar este artigo:

PONCE, Gelise. Reflexão acerca das Cartas Econômico-políticas sobre a agricultura e o comércio da Bahia, pelo desembargador João Rodrigues de Brito. Revista P@rtes (São Paulo). V.00. P.eletrônica. Março de 2010. Disponível em <>

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