Leone de Araújo Rocha[1]
Resenha do livro de Leonardo Secchi, Políticas Públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos, 2ª ED. São Paulo: Cengage Learning, 2014
Num estilo didático e metódico, lembrando um verdadeiro manual, Leonardo Secchi introduz os conceitos básicos necessários para a análise e compreensão das políticas públicas. O presente trabalho trata-se de uma resenha do seu livro que está organizado conforme os capítulos presentes na obra. Não buscou-se um detalhamento exaustivo, mas sim ressaltar os aspectos elementares do estudo das políticas públicas presentes na obra de Secchi.
Na introdução do livro, capítulo primeiro, o autor estabelece algumas definições básicas para o estudo das políticas públicas. A primeira delas é a diferença entre politics e policy. Esta distinção se faz necessária pois nos países latinos esses dois termos possuem uma única tradução: política. Assim, política enquanto politics diz respeito as formas de obtenção e manutenção do poder sobre os homens; já o termo policy remete a política em um sentido mais concreto de orientação para decisão e ação. Segundo o autor, o termo política pública (public policy) se enquadra no segundo sentido da concepção de política, ou seja, é uma policy. Em suas palavras, “Políticas públicas tratam do conteúdo concreto e do conteúdo simbólico de decisões políticas, e do processo de construção e atuação dessas decisões“ (pg. 1).
A partir dessa distinção básica, Secchi define política pública como uma diretriz para a resolução de um problema público. Ressalta que qualquer definição levantada para a conceitualização sobre o que é uma política pública é arbitrária, já que alguns pontos como exclusividade dos atores estatais na elaboração das políticas, referência à omissão ou negligência, restrição à diretrizes estruturantes ou operacionais, são condicionantes que influenciam na caracterização do conceito de política pública. O posicionamento teórico do autor quanto a esses condicionantes é o seguinte: 1) políticas públicas não são exclusivas de atores estatais. Quando atores estatais são os implementadores de uma política pública, esta se chama política governamental, uma subclasse de política pública; 2) uma política pública está sempre vinculada a uma intenção, logo não diz respeito a atos que envolvem omissão; 3) Secchi considera políticas públicas tanto as macro diretrizes estratégicas que respondem por políticas de Estado e sociedade global, como as diretrizes intermediárias e operacionais, direcionadas a sub-regiões como municípios ou políticas administrativas e de organização governamental local.
Secchi enfatiza na definição de política pública a noção de problema público. Este seria uma diferença entre o status quo problemático e uma situação ideal possível. Nas palavras do autor, “Para que um problema seja considerado ‘público‘, este deve ter implicações para uma quantidade ou qualidade notável de pessoas“ (pg. 7). Ressalta ainda o autor que para que um problema seja considerado público, os atores políticos devem considerá-lo um problema relevante de interesse geral.
No segundo capítulo da obra, o autor analisa os tipos de política pública. Primeiramente relata a mudança de paradigma na ciência política tradicional ao considerar que a policy determina a politics. Antes dessa mudança de concepção, uma policy era considerada um desdobramento da politic, um resultado direto das disputas políticas. Com a mudança de foco, a luta política (politics) passou a ser considerada como recebendo uma forte influência das decisões e ações políticas efetuadas (policies), fazendo com que estas últimas adquirissem um novo status na compreensão do fenômeno político. Com essa consideração, a análise de políticas públicas ganhou destaque e, assim, o estudo dos tipos de política publica floresceu.
A primeira tipologia estudada por Secchi é a de Theodore J. Lowi. Nessa tipologia, há quatro tipos de políticas públicas segundo o critério do impacto esperado na sociedade: 1) Políticas regulatórias. Estabelecendo padrões de comportamento, serviço ou produto para atores públicos e privados. 2) Políticas distributivas. Geram benefícios concentrados para alguns grupos de atores e custos difusos para toda a coletividade/contribuintes. 3) Políticas redistributivas. Concedem benefícios concentrados a algum grupo de atores com um custo concentrado para um outro grupo específico de atores. 4) Políticas constitutivas. Definem as competências, jurisdições, regras da disputa política e da elaboração de políticas públicas. Secchi afirma que é importante lembrar que as fronteiras entre esses tipos de políticas públicas não são definitivas, podendo uma política pública se enquadrar em mais de um tipo definido.
A segunda tipologia apresentada pelo autor é a de James Quinn Wilson, que adota o critério da distribuição dos custos e benefícios da política pública na sociedade. Segundo esse critério, as políticas públicas se dividem em:
CUSTOS | |||
DISTRIBUÍDOS | CONCENTRADOS | ||
BENEFÍCIOS |
DISTRIBUÍDOS | Política Majoritária | Política Empreendedora |
CONCENTRADOS | Política Clientelista | Política de Grupo de Interesses |
Fonte: Secchi (2014)
A terceira tipologia que traz Secchi é a elaborada por Gormley, cuja a base de distinção é o nível de saliência, que é a “capacidade de afetar e chamar a atenção do público em geral“ (pg. 20), e o nível de complexidade, “necessidade de conhecimento especializado para sua formulação e implementação“ (pg. 20).
A última tipologia apresentada por Secchi é a de Bozeman e Pandey, que faz uma distinção entre conteúdo técnico e conteúdo político. Políticas públicas essencialmente políticas são aquelas as quais “ganhadores e perdedores da política pública são identificáveis antes da implementação“ (pg. 23, negrito do autor). Por outro lado, “Políticas públicas de conteúdo técnico apresentam poucos conflitos com relação aos objetivos e ao ordenamento dos objetivos, embora possam aparecer conflitos com relação aos métodos“ (pg. 23).
Secchi finaliza o capítulo afirmando que existem vários modelos de análise de políticas públicas, podendo o analista utilizar um desses modelos (aplicação dedutiva), ou elaborar seu próprio modelo (desenvolvimento indutivo).
No seu capítulo terceiro, Secchi introduz o estudo do ciclo de políticas públicas (policy cicle), também conhecido por processo de elaboração de políticas públicas (policy-making process). Segundo o autor, “O ciclo de políticas públicas é um esquema de visualização e interpretação que organiza a vida de uma política pública em fases sequenciais e interdependentes“ (pg. 33).
No capítulo quatro do livro em estudo, é abordado o tema Instituições no processo de política pública, pretendendo evidenciar a dimensão espacial das políticas públicas, ou seja, onde elas ocorrem. Secchi afirma que:
O analista de políticas públicas pode responder à indagações de tipo espacial referindo-se à cidade, ao estado ou ao país onde a política pública foi estabelecida. Ou, ainda, pode preferir distinguir em que esfera de poder a política pública foi formulada: Executivo, Legislativo, Judiciário, ou não governamental. Mas, especificamente, a dimensão espacial pode ser visualizada em níveis mais detalhados, por exemplo, no plenário da Câmara, no plenário do Senado, em determinada comissão legislativa ou em um fórum legislativo consultivo com a participação da sociedade civil. (pg. 61, negritos do autor)
Afirma ainda o autor que “Nos estudos de políticas públicas, a dimensão espacial é traduzida como o contexto institucional. As políticas públicas se desenvolvem em um cenário político e o conjunto das instituições é esse cenário“ (pg. 61). Para escola institucionalista tradicional, as instituições são as regras formais que, de alguma maneira, condicionam a atuação dos indivíduos, e é levando em consideração essas regras – instituições – que as políticas públicas são forjadas.
O tema Atores no processo de política pública é abordado no capítulo cinco. No campo da ciência política, segundo Secchi, “atores são todos aqueles indivíduos, grupos ou organizações que desempenham um papel na arena política“ (pg. 77, negrito do autor). No processo de política pública, os atores que possuem relevância são aqueles com capacidade de influenciar direta ou indiretamente os resultados e conteúdos da política pública. Os atores são responsáveis por a) sensibilizar a opinião pública sobre os problemas relevantes; b) influenciar a agenda; c) estudar e elaborar propostas e tomar decisões, fazendo com que as intenções se tornem ações. O analista de políticas públicas deve saber identificar os atores e avaliar a interação entre eles no processo. Basicamente, existem duas macro categorias de atores, os governamentais e os não governamentais.
As relações entre os atores podem ser definidas como a) modelo principal-agente, enfatizando uma relação contratual entre dois tipos ideais de atores, o principal, que “contrata uma pessoa ou organização para que ela faça coisas em seu nome“ (pg. 95), e o agente, pessoal ou organização que é contada pelo principal; b) redes de políticas públicas, “uma estrutura de interações, predominantemente informais, entre atores públicos e privados envolvidos na formulação e implementação de políticas públicas“ (pg. 96); c) modelos elitistas, afirmando que poucos atores possuem a capacidade de determinar as políticas públicas; d) modelo pluralista, segundo a qual uma diversidade de atores podem influenciar o processo de uma política pública; e) triângulos de ferro, ressaltando a relação entre políticos, grupos de interesse e burocratas.
Por último, o capítulo seis trata dos estilos de políticas públicas, que se constituem em padrões de procedimentos operacionais para implementar e elaborar políticas públicas. Uma questão basicamente neste tema é se os atores estão livres para escolher o estilo de política pública que mais interessa. Se a resposta for sim, então a análise do estilo de implementação das políticas públicas é relevante para que os atores façam a escolha do melhor método. Se a resposta for negativa “então a análise se desloca para a tentativa de entender quais são os determinantes de um estilo de política pública“ (SECCHI, 2014, pg. 108).
A importância do estudo dos estilos de políticas pública para o analista está na capacidade de identificar os principais elementos dos estilos para efetuar estudos de comparação entre políticas públicas.
[1] Mestrando no PPG em Estudos de Fronteira/UNIFAP. Antropólogo do INCRA