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“Os mortos que ainda vivem”: os túmulos como lugar de memória Paulo Hipólito

“Os mortos que ainda vivem”: os túmulos como lugar de memória Paulo Hipólito

“Os mortos que ainda vivem”: os túmulos como lugar de memória

Paulo Hipólito[1]

Para entendermos sobre os túmulos enquanto “lugares de memória “é necessário termos a noção do que o termo representa. Para tanto evocaremos Pierre Nora, o principal estudioso do tema e criador do termo.

Nora se sensibilizou pelo fato de que a memória nacional francesa estava sendo esquecida, não estava mais sendo trabalhada. Por esse motivo, a memória estava sendo restringida aos lugares, ela passou a abrigar-se nos “mais resplandecentes símbolos, festas, emblemas, monumentos, comemorações, elogios, dicionários e museus” (NORA, 19984, p.VII). 

A cerca dos “lugares de memória”, Pierre Nora (1993) aborda-os na perspectiva de uma aceleração da história. Ou seja, “Quanto mais mudanças e informações se propagam no mundo contemporâneo, mais a memória perde a veneração que anteriormente lhe era atribuída” (JUCÁ, 2003, p.38). Com outras palavras, quanto mais à rapidez vertiginosa da circulação de informações, proporcionada pelo o avanço tecnológico, vem configurando nossa sociedade atual, cada vez mais as pessoas perdem suas tradições, seus costumes, enfim, sua memória. O conhecimento de nossos velhos, por exemplo, é visto por nós como ultrapassado e antiquando.

Nossa sociedade aprendeu a viver num presente contínuo e a esquecer o que é passado. Diante de tudo isso, notamos visivelmente que houve uma ruptura no canal onde a memória, até então, era transmitida e repassada entre as pessoas. Com tal perda de contato, a memória deixa de ser vivenciada e, conseqüentemente, trabalhada. Não havendo mais essa manutenção da memória, ela foi obrigada a se refugiar em lugares, assim como salienta Pierre Nora: “Há locais de memória porque não há mais meios de memória. […] Se habitássemos ainda nossa memória não teríamos necessidade de lhe consagrar lugares”. (NORA 1993, p.7 e 8); os lugares de memória nascem quando a memória verdadeira, a memória vivencia, morre.

Pierre Nora nos coloca algo que pode ser válido para compreendermos os túmulos como lugar de memória: “O sentimento de um desaparecimento rápido e definitivo combina-se à preocupação com o exato significado do presente e com a incerteza do futuro para dar ao mais modesto dos vestígios, ao mais humilde testemunho a dignidade virtual do memorável” (NORA, 1993, p.14).

Apropriando-nos do discurso de Nora, e moldando-o ao nosso, os parentes dos mortos vivem nessa preocupação, incerteza e medo de que tudo possa desaparecer sem deixar rastos. Daí decorre o ato de guardar ou construir algo que preserve a memória do ente querido e amenize a saudade. Além do mais, a construção de monumentos aos mortos, na atualidade, também está fortemente ligada à questão do respeito, da dignidade ou do sentimento afetivo à pessoa que deixou a vida. Disso parte a ideia de que – pelo menos se referenciando às pessoas de melhores condições econômicas – quanto maior e mais ornamentado for o túmulo, maior a ligação afetiva para com o cadáver.

Quando queremos lembrar alguém que se foi, uma das opções é visitar o seu túmulo, pois é lá onde se encontra o seu corpo, e isso reforça o sentimento de proximidade; é lá onde sua memória se encontra salvaguardada, sempre pronta para ser relembrada. “Os monumentos aos mortos, por exemplo, podem servir de base a relembrança de um período que a pessoa viveu por ela mesma, ou de um período vivido por tabela” (POLLAK, 1992, p. 202). Ou seja, quando uma morte é repercutida devido sua brutalidade, como o caso da morte da menina Isabella Nardoni, até as pessoas que não a conhecia passam a homenageá-la, visitam seu túmulo, levam flores, e acabam preservando a memória da menina. As pessoas que não conheciam Isabella passaram compartilhar e preservar sua memória, memória por enquadramento.

A memória está intrinsecamente ligada à identidade social. Por meios de adereços postos nos túmulos – fotos, cruzes, epígrafes, tudo que lembre a pessoa que morreu – revela a pretensão das pessoas em querer preservarem a identidade do morto, fazendo com que ele continue vivendo na memória dos familiares e amigos.

Referencias

NORA, Pierre. Présentation. In: NORA, Pierre (dir.). Les lieux de mémoire. Editions Gallimard. Vol. I, Paris, 1984.

NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Trad.: Yara Aun Khoury. Projeto História. São Paulo, 1993. p. 07-27

POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Revista Estudos Históricos. Vol. 5, n. 10, p. 200-212. Rio de Janeiro, 1992.

JUCÁ, Gisafran Nazareno Mota. A oralidade dos velhos na polifonia urbana. Memória e memória histórica. Passo Fundo: Ediupf, 1998. p. 35-61.

Como citar este artigo:

HIPÓLITO, Paulo. “Os mortos que ainda vivem”: os túmulos como lugar de memória. In: Revista Eletrônica P@rtes, v.00, março de 2010. Disponível em:


[1] Estudante de História da Universidade Estadual da Paraíba. Estagiário do SESC – Serviço Social do Comércio – Sessão Paraíba, onde atua na função de monitor de sala de aula da Educação de Jovens e Adultos

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