Lucas Silveira da Silva[*] Juliano Fontana Trevisan[†
publicado em 20/01/2010
Resumo: Este trabalho tem como objetivo apresentar como funcionam os discursos em torno da sexualidade em meninas institucionalizadas em lar provisório devido à situação de risco em seus respectivos contextos familiares, bem como salientar como se operacionaliza a relação de poder da responsável pela instituição (coordenadora) e demais indivíduos inseridos no lugar em questão, como as monitoras e as meninas. Principalmente conhecer as armas que a coordenadora se utiliza para manter a boa imagem da instituição no âmbito social.
Palavras chaves: meninas institucionalizadas; sexualidade; relação de poder; discursos.
Abstract: This paper aims to present the work as discourses on sexuality in girls institutionalized in transitional home because of the risk in their family contexts, and as noted in operation the power relationship of the responsible institution (coordinator) and other individuals entered the place in question, such as monitors and girls. Especially knowing the weapons that the coordinator uses to maintain the good image of the institution in our society.
Key words: institutionalized girls, sexuality, relationship of power, discourse.
INTRODUÇÃO
O presente artigo foi realizado pelos acadêmico Lucas Silveira da Silva, tendo como orientador o professor e psicólogo Juliano Fontana Trevisan, é relacionado à disciplina Estágio Básico I, do IV semestre do curso de Psicologia da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Campus Santiago, realizado do mês de agosto a outubro de 2006, em uma instituição que abriga menores do sexo feminino. Esse estabelecimento abriga meninas de até 18 anos, em situação de abandono ou de risco no ambiente familiar; tem como objetivos:
Dar atendimento e assistência às menores desamparadas fazê-las seguir regras para se habituarem no meio social e recuperar seus objetivos em relação as suas vidas.
CARACTERIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO
É um lar provisório, tendo especificado que não se pode acolher por regime de tempo superior à que quatro meses, mas como a própria coordenadora nos relatou, que teoria e prática nesse meio social não coincidem, pois os pais normalmente não se habilitam, ou não querem arcar com suas responsabilidades com tal.
Tendo em vista o Estatuto da Criança e do Adolescente, elas são encaminhadas pelo Conselho Tutelar, sob investigação ou constatação de maus tratos no ambiente familiar, então são encaminhadas, geralmente (algumas) são encaminhadas para a adoção, como é o caso de uma menina de oito anos a menor de todas.
Atualmente no lar residem seis meninas, entre as idades de 9 e 15 anos, com assistência de sete monitoras, responsáveis por levá-las à escola, mercado e demais lugares que fazem parte da rotina das mesmas, zelando pelas suas respectivas higiene pessoal e da infraestrutura do lar, de maneira rígida para com as responsabilidades estabelecidas pela instituição, dentre elas:
Þ Acordar às 7 horas da manhã;
Þ Organizar sua cama, roupas e calçados;
Þ Higiene pessoal e do ambiente;
Þ Refeições com horários estabelecidos e fixos;
Þ Horário de fazer os temas são supervisionados pelas monitoras;
Þ Realizar oficinas fora do horário de escola, para uma futura profissão;
Þ Não brigar e discutir com os outros;
RELACIONAMENTOS INTERNOS NO LAR
Dentre os aspectos mais interessantes e instigantes no decorrer do estágio, está o relacionamento cotidiano das meninas com as monitoras, havendo uma espécie de conturbação, discórdias em relação a algumas, havendo monitoras com as quais possuem maior identificação e com as quais mantém um bom relacionamento, porém há exceções de monitoras que não possuem o mesmo linguajar, mas na medida do possível há um bom diálogo entre as menores e suas respectivas monitoras preferidas, onde flui questões relacionadas a vários aspectos, os quais dependendo do conteúdo passam para a coordenadora; assuntos que abordam várias formas de discurso e temáticas, incluindo aspectos cotidianos como: sentimento, cooperação, sexo, amor, pais, etc.
Nós utilizamos uma linguagem fácil e acessível com as meninas, abordamos assuntos de televisão, música e artista construindo um clima de interação onde a necessidade de falar o que elas sentiam se sobressaía, onde deslanchou um diálogo, sendo que elas não gostavam quando falávamos com as monitoras, elas queriam atenção totalmente voltada para suas questões. Por todos esses fatores que utilizamos em nossos discursos, veio à tona o principal assunto abordado no decorrer do artigo, a “sexualidade”; vemos aí a necessidade de se falar em torno desse inquietante aspecto.
Indo mais além, vendo que, o poder exercido em cima delas em hipótese alguma vai cessar ou reprimir um conteúdo importante na vida de qualquer pessoa, sendo ele um aspecto social, cultural e de força biológica como é o caso da sexualidade.
A SEXUALIDADE E OS POSSÍVEIS DISCURSOS
Porém, aí que brota o principal aspecto, o que movimenta o discurso das menores, o que as instiga, provoca curiosidade, algo obscuro, um segredo oculto, o que elas mesmas nos ressaltaram em diversos diálogos, a sua vontade de saber sobre “Sexualidade”. De muitas vezes em nossas conversas elas relatavam conteúdos sexualizados tais como: “Tu gosta de ter tetas?”, “Tu tem namorado?”, “Tu tens namorada?”, “É que tem dias que ela não dá a buceta, por isso ficam assim mal humoradas”, entre outros.
Então esse é o foco central do nosso trabalho, as várias faces que essa incitação traz consigo, e de como ela funciona dentro da instituição. Como que funciona os discursos em relação ao sexo dentro da instituição?Quem pode e deve dar respostas aos questionamentos das menores? Será que as informações que elas tem dentro do lar são suficientes? Por que elas deixam esse conteúdo tão manifesto em suas conversas? Será que o fato de não estarem na dinâmica familiar e/ ou estarem asiladas, compromete essa formação das ideias em torno de sua sexualidade ou caráter sexual, podendo ser pessoas transviadas? Será que é relevante ressaltar esses aspectos de como é o discurso em torno dela ou seria preconceito de nossa parte analisando somente a instituição, sem nenhum caráter generalizável para a sociedade? É nosso objetivo responder ou clarificar essas questões no decorrer do trabalho.
O fato de as meninas estarem institucionalizadas gera muito preconceito em nosso meio social, onde estão em constante movimento questões que colocam e evidenciam o comportamento dos indivíduos em seu contexto, devido ao fato de não estarem dentro de suas respectivas casas e seio familiar, seus futuros estão tão ameaçados vivendo em um ambiente nada sadio, como é a concepção de muitos que não conhecem a infra e superestrutura do lar.
É em torno dessas questões que vão girar nosso trabalho, nosso objetivo é fazer com que as pessoas entendam que a maneira como se fala, questiona e age a respeito da sexualidade tem pontos em comum em todos os seres do contexto social; aplicando até mesmo em nossa cultura ocidental.
Coube a nós nos questionar qual seria a melhor maneira de se falar lá dentro sobre isso, comparamos esse funcionamento discursivo semelhante ao de nossos tradicionais lares que representam à clássica família nuclear; onde tudo se passa em torno dos chefes da família, ele tem o poder frente a isso, tanto para controlar nossas vidas, como para manter em harmonia seus desejos e interesses.
Partindo dos pressupostos de Foucault, de inicio percebemos pelos relatos da coordenadora que nós não interviéssemos no cotidiano das meninas, não realizando atividades que trouxessem conteúdos maus e nada relacionado a sexo, nem explícita nem implicitamente; chegamos a concluir que essa questão era totalmente reprimida na instituição, pelas exigências da coordenadora. Com o passar das visitas foram sendo cristalizados as possíveis formas de se falar nele, o sexo não era uma questão de repressão e sim de quem o dominava e o entendia, quem tinha e podia dar respostas.
De certa forma em alguns aspectos sim esses discursos funcionavam com certo grau de repressão, e de outros não, pois as menores quando estão muito curiosas se perguntando questões sexuais dirigem-se a uma monitora, a mais confiável para elas, a mesma por sua vez não dá resposta e se cala dirigindo todas as dúvidas para a coordenadora. A tão existente dominação está aí, quem é detentora do saber, a grande [‡]dona da verdade e do poder, que se formou historicamente e que tomou o discurso da sexualidade para si e deu forma aos tão comuns “dispositivos da sexualidade”[§] (Foucault,p. 146) que se formularam numa espécie de síntese que o poder e discurso científico tomaram para si.
Em torno desses dispositivos, está relacionado uma ampla dinâmica social, sendo mais clara e precisamente vinculado aos discursos sobre a sexualidade, onde foi fundado a “Scientia sexualis”*, a qual é dona da verdade, ela possui esse poderio; e indo mais além se utilizou do grande quadro da confissão, uma tradição ou produção da verdade implementado pela igreja católica na idade média(Foucault, p. 58) para se chegar ao perdão divino, no caso da medicina, pegar os discursos e analisar a sexualidade dos indivíduos e separar sua sexualidade em normal ou patológica. “Confissão foi, e permanece ainda hoje, a matriz geral que rege a produção do discurso verdadeiro sobre o sexo”.(Foucault, p. 62).
No momento em que a sociedade passou a se interessar pela vida, em seus vários âmbitos científicos e sentimentais, não sendo mais o poder na morte[**], surgiu a necessidade de dominação dos cidadãos de outra forma, implementando discursos, aí está o ponto chave do nosso assunto, a curiosidade das meninas versus poder, já que elas tem que procurar informação com consentimento de outros que somente pode ser suprida pela figura majestosa da COORDENADORA, ela é única que ‘pode’ e ‘deve’ ser consultada frente a temática.
No momento em que nos inserimos na instituição e tivemos contato com as meninas, elas tiveram outra chance de expressarem suas incógnitas que estão aflorando de suas necessidades de saber para conosco, então está aí exemplificado o “porquê” de a sociedade ter o poder diante da vida e desse assunto, tudo visa o controle dessa variável no contexto institucional.
Então, como devida responsabilidade no âmbito profissional, a coordenadora tem que zelar pelo seu bom nome profissional, pois há realmente uma cobrança da sociedade em relação às meninas, visto que a sociedade e coordenadora impõe regras, como não usar piercings, tatuagens, pois elas causarão uma má impressão tanto das meninas como dos serviços prestados pela coordenadora. Pois não devemos negar que o ambiente social tem uma representação das meninas semelhantes a pessoas errôneas, sem futuro e sem perspectivas só por residirem como tal, nunca olham seus trabalhos realizados e o como se esforçam em suas oficinas que realizam para ter uma futura profissão.
O responsável(coordenadora) pelo zelo das meninas vai se utilizar de seu poder para, de maneira nenhuma reprimir a sexualidade e os discursos que giram em torno dela, mas para manter uma espécie de boa imagem do lar em vários aspectos.
Está claro suficientemente para a coordenadora que elas poderão ter esses relacionamentos fora da instituição em horário de aula ou passeio, podendo então essa imagem exigida pelo social ser desmoronada, aí se torna necessário ressaltar que segundo as meninas a própria coordenadora deixava uma delas namorar na instituição, porém vigiada ou com alguém monitorando. Vemos aí o medo da coordenação que leva a uma certa liberdade com supervisão.
Essa referida supervisão é o mesmo que a relação de poder, porém de forma um pouco mascarada racionalmente, é interessante e de extrema importância a responsável pelas meninas no lar, encontrar um jeito de não reprimir, mas manter um equilíbrio, um estado ou imagem. Foi relatado por uma monitora que “seria um escândalo uma menor do lar estar grávida ou ter engravidado num momento em que estivesse abrigada no lar” (sic).
Essas são as variáveis pelas quais funcionam na instituição os discursos de sexualidade e como devem continuar, proceder e se perpetuar. Não só esse aspecto, mas muitos outros estão relacionados ao poder dentro do contexto, entretanto o mais magnífico disso tudo, foi ver o quanto a teoria de Foucault nos ajudam a pensar este contexto institucional, ver o como essa vontade de saber das meninas operacionalizam múltiplos aspectos e questionamentos. Será esses relatos e funcionamento uma herança cultural ou algo que se implementou em nossa sociedade pela maneira como a ciência adotou esses discursos para si?
Essa é uma questão que necessita de mais uma ampla abordagem e revisão teórica, mas no momento em que a medicina, psicologia, pedagogia tomaram para si esses discursos, implementaram diversas maneiras de falá-lo, sendo que não se interessava mais com o gozo como na ars erótica[††], e sim uma assistência maior e cuidados com a saúde e o corpo como especifica o trecho:
“E longe de acreditar ser de seu dever amputar o corpo de um sexo inútil, desgastante e perigoso, já que não estava voltado exclusivamente para a reprodução, pode-se dizer, ao contrário, que a classe que se tornava hegemônica no século XVIII se atribuiu um corpo para ser cuidado, protegido, cultivado, preservado de todos os perigos e de todos os contatos, isolado dos outros para que mantivesse seu valor diferencial; e isso outorgando-se, entre outros meios, uma tecnologia do sexo.”(FOUCAULT, 1998. p. 116).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sendo assim, toda essa dinâmica de funcionamento tanto dos discursos, como da própria sexualidade se derivaram daí, desses princípios metodológicos científicos que são produtos culturais, sociais e históricos; que são utilizáveis e passíveis de análise nos nossos dias atuais, podendo ser utilizados em múltiplos contextos como na instituição que abriga menores de sexo feminino em situação de risco.
REFERÊNCIAS
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1: A vontade de saber. 15.ed.São Paulo: Graal, 1998.
_______________História da Sexualidade: O Uso dos Prazeres, Vol. II RJ: Graal, 1984.
[*] Autor: Acadêmico do curso de Psicologia da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões-Campus Santiago. (lucasythalia@hotmail.com).
[†] Orientador: Professor do curso de Psicologia da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões-Campus Santiago, mestre em Psicologia Social e Institucional, atualmente cursa medicina na Universidade Federal de Santa Maria. (fantauva206@hotmail.com).
[§] Princípio de que toda sexualidade deve ser submetida à lei, ou melhor, ela só é sexualidade por efeito da lei (FOUCAULT, p.121).
* Discurso científico em torno da sexualidade, um maneira de produzir discursos verdadeiros (FOUCAULT, p. 68).
[**] Soberano deu a vida, e ele pode tirar ela de seus súditos, derivado da velha pátria potestas(FOUCAULT, p. 127).
[††] Arte erótica, a verdade é extraída do próprio prazer, encarado como prática e recolhido como experiência; não é por referencia a uma lei absoluta do permitido e do proibido, nem a um critério de utilidade, que o prazer é levado em consideração, mas, ao contrário, em relação a si mesmo: ele deve ser conhecido como prazer, e portanto, segundo sua intensidade, sua qualidade específica, sua duração, suas reverberações no corpo e na alma.(FOUCAULT, p. 57).