Em Quebra-quebra, corrutela perdida nos pés da Pirambeira, Cotinha nasceu debaixo de um ipê amarelo, na escuridão de uma noite de temporal.
Mãe Joana não sabia nem mesmo quem era seu pai porque abria as pernas para qualquer homem do lugarejo por qualquer tutaméia.
Moravam num casebre a beira do ribeirão dos Borges, com a criançada amontoada em dois cômodos.
Cresceu olhando as estrelas no céu, os passarinhos nos seus ninhos nas árvores e vez por outra, pescando lambaris do rabo vermelho no “bosteiro”, lugar ode mais gostavam de ficar.
Duas coisas Mãe Joana sabia fazer bem: filhos e quitandas deliciosas.
As mulheres dos fazendeiros apareciam sem avisar, traziam roupas velhas para todos e os modos para fazer as receitas que queriam.
– Só você sabe fazer igual – diziam para Mãe Joana.
Muito mansa ela colocava tudo em cima de uma porta colocada a modo de mesa: farinha de trigo, açúcar, manteiga, ovos, sal, fermento para pão, leite, óleo, amido de milho.
Só não providenciavam os limões que havia muito na matinha.
Marcavam com ela uma hora pra vir buscar, pegavam suas camionetes e desapareciam na estrada da Mina.
Mãe Joana, que vivia choramingando pelos cantos, abraçada a um velho retrato, mudava o jeito de ser, se alegrava e punha mãos na massa.
Tocava pra fora as crianças que teimavam em mexer nas coisas, lambendo o açúcar.
Ia fazendo e me ensinando, com muita paciência.
“Pegue aquela gamela, Cotinha. Esfarele o fermento e junte o sal. Misture até virar uma aguinha. Deixe pra lá. Ponha a farinha de trigo, reserve um pouco, o açúcar, as gemas, a manteiga e o fermento separado misturado com o leite que tá nessa latinha.. Mexa tudo, Cotinha, com uma colher de pau. Misture bem, batendo com carinho, em cima dessa tábua. De vez em quando jogue um pouco de farinha. Agora esqueça de tudo por um tempo”.
Em outros tempos, Mãe Joana morara na cidade e fora uma cozinheira de fama, diziam as mulheres dos fazendeiros quando apareciam.
Ninguém sabia por que abandonara tudo e se enfurnara naquele buraco. Era seu grande segredo.
“ Cotinha, limpe as mãos e abra a massa. Desenhe seus sonhos com esse cortador redondo que está dependurado na parede. Ponha nesta lata polvilhada com farinha. Tampe com aquele pano e não se lembre mais, para crescer. Pegue aquela frigideira e frite em óleo, nem muito quente, nem muito frio.. Deixe o óleo sair. Ponha o recheio. Passe pelo açúcar.”
Então vinha a parte que Cotinha mais gostava que era fazer o creme.
“ Ponha o leite e guarde um pouquinho, o açúcar, o amido de milho dissolvido com o leite separado e as gemas levemente batidas. Deixe cozinhar até engrossar.Tire do fogo e ponha as raspas de limão. Mexa.”
Cotinha também achava os sonhos de Mãe Joana os mais formosos que havia.
Findado o trabalho ela agarrava de novo o retrato e se acocorava debaixo de uma mangueira.
Um dia Cotinha a procurou e achou-a caída no chão: vomitava sem parar, molhava as roupas e tremia muito.
Não passou muito tempo e morreu, nos braços da filha.
Os homens de Quebra-quebra chamaram a polícia e um detetive, um tal de França, disse que ela morrera envenenada com chumbinho.
Deixou três coisas para Cotinha: a filharada, o retrato em preto e branco e os sonhos…