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Algumas questões de filosofias

– O ser e o fazer e o pensar são possibilidades que o próprio homem desenvolve de uma maneira peculiar,e de tal modo,que é esta peculiaridade que lhe permite construir história,produzir objetos,transformar o mundo e a si mesmo constante e inesgotavelvemente. O ser,o fazer e o pensar são características fundamentais do existir humano.
1.O homem,desde os inícios da civilização estabeleceu uma relação primordial com a realidade que o cerca através de atividades que marcaram a busca da sobrevivência. Assim como os demais animais,o homem(ao constituir-se como gênero animal)em estado primitivo natural procurou por todos os meios superar a contradição original e inevitável com a natureza que se apresentava resistente e hostil.
Nesta ânsia de superação desenvolveu atividades que influenciaram sobre as modificações orgânicas,até chegar a estados de complicação anatômica e fisiológica,e principalmente cerebral,que proporcionaram estágios superiores.
Estas atividades a que chamamos de trabalho é que definem o homem porque é através delas que o próprio homem criou maneiras de sobreviver,transformando-se através da transformação da realidade.
O trabalho é,portanto,algo existencial,uma qualidade distintiva do ser humano que se destaca de todos os outros viventes animais.
Ao transformar a natureza,o homem não se adapta simplesmente a ela,torna-a algo próprio dele,inerte e ignorada para mudar-se em produto,em algo próprio do homem,enquanto resultado de sua ação. Neste sentido,o trabalho “humaniza” os corpos sobre os quais ele se exerce.Resulta disto o aumento do domínio da natureza pelo homem e o surgimento do que se chama”cultura”.
Do ponto de vista filosófico o que importa acentuar é que à medida que o homem é forçado a conhecer a realidade natural,à medida que aprofunda o contato com o mundo físico pelo trabalho transformador,cria representações(de si mesmo e do mundo) e se constitui no ser que,ao unir subjetivamente as idéias,atribuindo-lhes finalidades,torna-se capaz de produzir um projeto. O homem descobre a existência humana como algo temporal,isto é,envolvida pelo tempo. Esta descoberta não se dá pelo fato do homem falar sobre o tempo mas de experimentá-lo originalmente. Ele descobre-se com um ser que existe em situação,aqui e agora. Portanto,todas as questões que o homem se colocar daí em diante,questões como a verdade,a finitude(de onde vem o universo e para onde vai)que constituem a interrogação originária da reflexão filosófica,encontram oportunidade e desenvolvimento justamente na temporalidade como questão fundamental.
As transformações que o homem opera no tempo,como consequência de sua consciência de temporalidade constituem um processo a que ele chama História(1).
Quando falamos em História não estamos nos referindo apenas àquela narrada nos livros escolares. A História que estará sendo lida amanhã nestes livros que virão depois de nós,está sendo lida por nós nos jornais,ouvida no rádio,vista na televisão,feita e vivida por nós hoje,neste mundo que é nosso.
Quando falamos em consciência histórica,queremos nos referir à percepção que o homem tem do momento em que vive,relacionando-o com o passado que se coloca sob a figura da tradição,e com o futuro que se delineia como projeto. É no interior destas coordenadas que o homem se movimenta(2).
Assim,podemos falar de uma consciência da ação da história no sentido de:
a) termos consciência de nossa imersão na história,sendo impossível uma operação que nos arranque da história para,de cima dela,sobre ela meditarmos;
b)estarmos a cada momento respondendo aos desafios que ela nos acena de modo diverso e variado.
Há dois modos de responder às solicitações:
1.De modo ingênuo:quando não chegamos a perceber a verdadeira dimensão de nossa ação e de nossa possível participação. Estamos imersos no mundo sem nos darmos conta de nossa presença. Agimos sem saber porque e para que. Agimos apenas pelo impulso de valores,conhecimentos,tradições e exemplos que recebemos do grupo no qual nos encontramos.Somos passivos diante da tradição histórica;não a incorporamos,transformamos,enriquecemos.
2.De modo consciente,quando então procuramos percebê-lo no sentido de questioná-lo,modificá-lo(o mundo).
Ao falarmos do homem, portanto,não podemos deixar de falar do mundo no qual ele está inserido,pois este o afeta diretamente,e é impossível referir-se ao mundo sem o homem,pois aquele tem marcas do processo de trabalho humano(3).
3. No sentido acima citado,a cultura é uma criação do homem resultante da complexidade crescente das operações que esse animal se mostrou e mostra ser capaz de realizar no trato com a natureza e da luta que se viu e se vê obrigado a desenvolver para manter-se em vida. Portanto,a cultura é correspondente ao processo de hominização e como tal não tem data de início(4).
A cultura é o resultado das respostas que o homem procurou e procura através de suas atividades aos desafios que a realidade apresenta.
4.Os desafios que o mundo nos lança denominamos problemas. O problema é o motivo primordial que impulsiona o indivíduo a abandonar a atitude de puro envolvimento e assumir uma atitude crítica,na qual propõe-se a verificar aquilo que é dado. Frequentemente é quando as coisas se tornam problemáticas que vamos parar para analisá-las.(5).
A filosofia,as ciências,as religiões,a arte surgiram no contexto de buscas de interpretações e respostas efetivas do homem às situações problemáticas. E quais foram e são elas ? Problemas relativos à comunicação,a origem e ao fim do homem e do universo,o motivo do aqui-agora,o sentido de sua vida,da dor,da felicidade,da insegurança,etc. O homem desejou sempre encontrar formas de participação efetiva na produção de sua história individual e grupal. E isto tem sido uma tarefa constante do homem,a reflexão na busca das origens das contradições da realidade e nos caminhos de superação.
É neste sentido,da reflexão como tarefa,que podemos afirmar a filosofia como uma atividade pertencente a todos os homens e nåo apenas aos filósofos profissionais. Esta filosofia está presente no bom senso,no senso comum,nas formas e crenças religiosas,no modo de ver e agir das pessoas. É aí que germina a filosofia como reflexão sistemática.
A reflexão filosófica funda-se ainda na vivência entendida como o trânsito que fazemos pelas situações. É necessário estarmos ligados naquilo que nos envolve para existir vivência. Estamos sempre em situações ,mas nem sempre vivendo estas situações(6).
5. Neste sentido da vivência a filosofia vê o mundo como presença inexorável que se manifesta e impõe irrecusavelmente. Já vimos e analisamos que a implicação homem-mundo não é exterior,mas que a presença de cada um diante do outro é absolutamente necessária para que cada um identifique-se com aquilo que é. Para a filosofia o mundo é uma presença imediata e absoluta que não pode deixar de reconhecer e aceitar. E a filosofia não o assume como um grande desconhecido,incógnita misteriosa cujo conteúdo caberia desvendar. Ela assume e vivencia o que o mundo é e o que há no mundo. Ela assume o mundo de carne e osso…como a totalidade dos fatos e coisas em que estamos mergulhados e que abre diante de nós a partir dessa experiência imediata e como seu suporte e fundamento manifesto;realidade que nos contém,engloba e transcende e da qual o mundo humano é apenas aspecto.
O homem se dá a si próprio no mesmo movimento pelo qual apreende o mundo, E que o homem apreende é algo semelhante às visões que os outros homens têm do mundo:forma-se uma visão comum. E o que o homem comum conhece,a filosofia não desconhecerá. Assumindo o saber e o conhecimento da visão comum como tais,a filosofia se põe em busca de saber e conhecer sem dogmatismo. Ela efetua um reconhecimento.assume e reflete sobre conhecimentos que já lhe pertenceram. Ela é a aceitação reflexionante e crítica do que já se tinha e sabia. O ponto de partida é o primado absoluto do mundo sobre o saber,sobre o discurso comum. Ela assume o discurso,todo o discurso como evento do mundo,um aspeto do comportamento humano no mundo. Reconhece sua precaridade e contingência sua capacidade de acertar e errar,seu caráter de busca e não de posse da verdade.
Uma vez que o mundo reconhecido é o pressuposto do discurso filosófico,o referencial imediato que o norteará e lhe dará sentido,então a filosofia pode se fazer porque dispõe de um fundamento firme. A partir daí procurará definir suas tarefas e fixar seus programas,formular seus problemas e propor suas superações porque o referencial permanente para a formulação de problemas e a proposição de respostas é o mundo reconhecido(7).
Neste sentido surge a proposta de filosofia como produto de uma atividade de reflexão consciente de sua inserção na história e capaz de explicitamente determinar-se em relação a ela. O filósofo não tem a consciência feliz pela posse da verdade,nem infeliz pelas torturas do ceticismo,mas insatisfeita com o que tem problematizado e colocado em discussão estes seus conhecimentos.
Ao caracterizar-se a filosofia como reflexão acerca da realidade,no sentido de explorá-la em seus problemas,tendo em vista sua significação a partir do senso comum,é necessário observar as características da reflexão e do discurso são:radicalidade,rigorosidade,globalidade.
A filosofia é uma intervenção radical na medida em que pretende ir às raízes dos problemas,no fundo deles,para que não lhes escapem elementos que são fundamentais na compreensão do real. Ela busca superar as aparências do real.
A rigorosidade consiste em não contentar-se com uma percepção ingênua;submete informações do senso comum e as da própria ciência no crivo da razão filosófica que deseja compreendê-las. Rigor não é rigidez. É pensamento crítico,rompendo com o dogmatismo e com a passividade.
O pensar filosófico é um pensar em conjunto e a partir do todo. Insere-se o problema abordado numa perspectiva ampla,na sua história,isto é relaciona o fato com tudo o que rodeia e implica.
Com estas características,ou,apesar delas,a filosofia pretende inserir-se na vida das pessoas em geral porque é aí que ela tem sentido como pensamento que não se isola,ao contrário,coloca-se como um fazer coletivo.(8)
Ao caracterizarmos o pensar filosófico como algo que deve pertencer ao grupo social onde surge,perguntamo-nos como em que condições isto se deu pela primeira vez. A resposta indica-nos como caminho a consulta aos filósofos. Esta consulta nos leva à Grécia,gênese do pensamento filosófico e à necessidade de explicar o “milagre grego”(donde emerge a filosofia).
Há duas formas de abordá-lo:
a) através de um inventário de influências de outros povos(babilônios,egípcios,etc.)sobre os gregos. Esta explicação não atinge a originalidade interna da cultura grega.
b) buscando a explicação interna à própria Grécia através da análise,ainda que rápida,de sua organização sócio-politico-econômico como resultado de seu modo de ser e de pensar o mundo e a si próprios(gregos).

Citações e Referências

1.”A realidade compreende duas dimensões fundamentais,a natureza e a história. A natureza é o mundo criado pelo homem,ao passo que a história,cujo conteúdo é a cultura e o mundo criado pelo trabalho e pela luta do homem. Pelo trabalho,o homem converte a natureza em cultura,incorporando-a à história. A rigor portanto,a realidade na qual o homem se encontra é a história.”
– Filosofia Política e Liberdade – cap. Filosofia e Política,p.29 -Roland Corbisier.

2.”A consciência que temos a cada momento é resultado da ação da história mas ela pode assumir lucidamente esta ação.”
– História e Ideologia – p.26/27 -Ernildo Stein

3.”A implicação recíproca homem-mundo não é simplesmente exterior,acidental,fortuita,como o livro está na sala,etc…,uma simples justaposição no espaço. Trata-se de uma relação de inerência que afeta,na própria estrutura ontológica,os dois termos constitutivos da relação. Isto quer dizer que só há homem no mundo e só há mundo no homem e para o homem. O homem jamais esteve fora do mundo,no sentido de que tivesse se constituido como tal,longe e à revelia do mundo para inserir-se,em um segundo momento,depois de constituido como homem,em um mundo que lhe fosse estranho e exterior.”
– Notas para uma definição de cultura – Revista Civilização Brasileira n.º05/06 março de 1966 -p.240 – Roland Corbisier.

4.”A criação da cultura e a criação do homem são duas faces de um só e mesmo processo que passa do principalmente orgânico,em uma primeira fase,ao principalmente social,em uma segunda,sem contudo,em qualquer momento deixarem de estar presentes os dois aspectos e de se condicionarem reciprocamente.”
– Ciência e existência – p.22 – Álvaro Vieira Pinto.

5.”A essência do problema,portanto,é a necessidade. Uma questão de si não caracteriza o problema,nem mesma aquela cuja resposta é desconhecida;mas uma questão cuja resposta se desconhece e se necessita conhecer,eis aí um problema. Algo que eu não sei não é um problema,mas quando ignoro alguma coisa que preciso saber eis-me então diante de um problema. Da mesma forma,um obstáculo que é necessário transpor,uma dificuldade que não pode ser dissipada,são situações…”
– Filosofia da Educação – Demerval Saviani.

6.”Um exemplo citado por Bergson talvez auxilie a compreensão do que é vivência:uma pessoa pode estudar minuciosamente o mapa de Paris;observar minuciosamente os nomes das ruas e suas direções;os planos dos monumentos. Depois esta pessoa pode procurar para si uma visão de perspectiva de Paris,mediante uma série de fotografias,tomadas de múltiplos pontos. Pode chegar deste modo a ter uma idéia bastante clara,muito clara,pormenorizadamente de Paris. Ao contrário,vinte minutos de passeio por Paris são uma vivência.
Entre vinte minutos de passeio a pé por uma rua de Paris e a mais vasta e minuciosa coleção de fotos,há um abismo,pois isto é uma representação,um conceito,enquanto aquilo é colocar-se perante o objeto,viver com ele,tê-lo realmente na própria vida.”
– Fundamentos da Filosofia -p.23/24 – Manuel Garcia Morente.

7.”O caminhar da filosofia tem agora parâmetros bem fixos que o balizam e é aí que poderão ser abordados problemas históricos e clássicos da filosofia,seja para orientar sua solução ,seja para desmascarar sua falsa problemáticidade…E se construirá assim o discurso crítico da filosofia cuja força e a grandeza está submissa ao mundo”.
– A Filosofia e a visão comum do mundo.- p.132 – vários autores.

8.”Este filosofar não significa apenas fazer individualmente descobertas originais,significa também,e sobretudo,difundir,colocar a disposição verdades já descobertas,socializá-las por assim dizer. O fato de fazer com que uma multidão de homens seja conduzida a pensar em união e coerência a realidade presente é bem mais importante do que a descoberta por parte de um “gênio filosófico”de uma nova verdade que permaneça como patrimônio de pequenos intelectuais”.
– Concepção dialética da História – Antonio Gramsci.

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