Mateus Gianni Fonseca 1 e Edvaldo Alves de Souza**
publicado em 06/07/2009
RESUMO:
Esta investigação promove um estudo de caso que visa apresentar algo, aqui denominado, como ‘programa de acompanhamento’, com o intuito de formar reais conceitos matemáticos, motivada portanto, pelo objetivo de analisar o desenvolvimento cognitivo que se é trabalhado com o uso de ferramentas diversas, cujas essências se baseiam sobre o trabalho de mediação, por intermédio da ZDP, e o ensino significativo envolto a situações-problema. Descreve, por fim, as características dos encontros e assim, analisa a efetiva contribuição deste dito programa, para a educação matemática do discente em estudo deixando, por conseguinte, a sugestão desse ‘método’ como uma ferramenta, alternativa, a ser adotada por outros educadores matemáticos que se deparam com discentes angustiados pelas dificuldades encontradas na disciplina.
Palavras-Chave: Cognitivo; Significativo; Conceitos; Situações-problema
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Inúmeros são os cidadãos que apesar de concluírem a educação básica permanecem sofrendo de grande angústia quando o assunto tratado é a matemática. Cidadãos malogrados com o cálculo em geral, encontrando dificuldades inclusive no próprio cotidiano. A grande aflição ao se tratar de cálculos, recorrentes da vida diária, mostram o quão ineficaz se encontra grande parte da educação matemática brasileira, vez que elementos essenciais e fundamentais da matemática não se encontram sob domínio da sociedade.
Provável exista um problema de caráter psicológico no atual nível de ensino, pois grande parte, dos educadores, não se preocupa em trabalhar o desenvolvimento cognitivo dos discentes, ou seja, não se dedica a trabalhar de forma voltada a uma ‘Aprendizagem Efetiva’ seja ela formando verdadeiros conceitos matemáticos, mas sim atuando como em grandes ‘cursos’ que visam somente regras e memorizações de fórmulas a serem aplicadas, sem possuir sentido concreto como aplicações e/ou significados.
De modo geral, o que há é a necessidade, conforme Cavalcante (2004) pontua, de haver precisamente um enlace entre conteúdos escolares e situações reais.
APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA E ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL (ZDP)
Cada indivíduo possui seu tempo de aprendizado, sejam alguns mais ágeis e outros tanto mais lentos, porém, todos dotados de capacidade de compreender e aplicar a ciência da matemática, porém, o que pode tornar o processo de ensino-aprendizagem de grau, maior ou menor, de sucesso é o fato da particularização do ensino, que pode ainda existir em cada turma, grupo ou mesmo a um único aluno.
Lorenzato (2006) trata sobre lidar com o ensino da matemática de forma proveitosa afirmando haver a necessidade de um vínculo deste com a cultura vivida pelo grupo. Logo, não há como se generalizar um método totalmente rígido de ensino mas sim, um método maleável que seja moldado sempre de acordo com o perfil do público dominante.
Segundo Falcão (2003, p.61) “A cultura oferece ferramentas, contextos de atividades específicas e representações simbólicas que têm papel constitutivo no desenvolvimento”, isto é, a cultura torna grande aliada do educador que pode se beneficiar da realidade vivida pelo discente para o propósito do exercício do lecionar e para reforçar uma efetiva aprendizagem, seguindo ainda a filosofia dada por Antunes (2002, p.20) que diz: “aprender não é copiar”.
Um método já provado ser eficaz na construção do conhecimento, se baseia na aprendizagem significativa que lida com a necessidade de interligar novos conhecimentos com as experiências anteriormente adquiridas. Desse método trata Bock (1999, p.18):
Aprendizagem significativa – processa-se quando um novo conteúdo (ideias ou informações) relaciona-se com conceitos relevantes, claros e disponíveis na estrutura cognitiva, sendo assim assimilado por ela. Estes conceitos disponíveis são os pontos de ancoragem para a aprendizagem.
Conforme a visão de Bock, pontos de ancoragem formarão portanto, a base que sustentará a construção de uma cadeia de novos conceitos, tendo esses cada qual seus significados particulares.
Notável teoria de L. S. Vygotsky, a qual ele chamou de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) pode ser, também, ferramenta muito útil em se tratando de educação matemática, e com o intuito de verificar a influência que pode submeter ao desenvolvimento cognitivo, não se pode deixar de ressaltar o conceito da teoria citada (Bock, 1999, p. 125):
Vygotsky construiu o conceito de zona de desenvolvimento proximal, referindo-se à potencialidades da criança que podem ser desenvolvidas a partir do ensino sistemático. A zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas pela criança, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado pela solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros.
Ora, assim, confirma-se que se apegar ao que o discente traz de sua bagagem cultural e de vivências diversas, conforme é defendido pela teoria da aprendizagem significativa, é válido para haver um estudo de semelhanças de casos e assim a utilizar para a interligação entre as zonas de desenvolvimento real e potencial.
A ideia principal é que com o auxílio de um processo de ensino-aprendizagem significativo, orientado por meio do educador em se tratando da ZDP, haja um desenvolvimento cognitivo, onde devida tamanha extensão, tratar-se-á aqui, da formação de conceitos matemáticos, mais concisamente.
A FORMAÇÃO DE CONCEITOS MATEMÁTICOS E O USO DE SITUAÇÕES-PROBLEMA
Formar conceitos matemáticos se estende a, de fato, compreender a essência do que se passa em meio às inúmeras fórmulas. É entender que as mesmas possuem um sentido e de que, portanto, não é preciso memorizá-las. Uma das ferramentas que pode ser adotada pelo educador é o uso da aplicação de situações-problema que auxilia o discente a obter certo grau de significação favorecendo, por conseguinte, o poder de argumentação e alcançando como ‘produto’ final a formação dos conceitos existentes em cada situação.
A resolução destas situações, intimamente ligadas com o cotidiano, ainda resumem o que de fato é tratado na teoria dos campos conceituais de Vergnaud (apud Magina, 2005), que propõe o estudo de vários conceitos em conjunto e não isoladamente. Um exemplo claro desta teoria é a situação ilustrada por Magina (2005, p. 4):
Se pensarmos em uma situação aditiva extremamente simples, como por exemplo “ANA TINHA 5 BLUSAS E NO SEU ANIVERSÁRIO SUA AVÓ LHE DEU 2 BLUSAS. QUANTAS BLUSAS ANA TEM AGORA?” podemos identificar vários conceitos aqui envolvidos, os quais a criança precisa ter adquirido para resolver com sucesso o problema, são eles: adição, temporalidade (tinha = passado, tem agora = presente), contagem (depois do 5 vem o 6, depois o 7).
Portanto, trabalhar com situações-problema pode ser aquilo que concederá ao aluno o significado, a interdisciplinaridade, o estímulo, a autonomia e a oportunidade de interligação de variados conceitos, atendendo ainda o que, novamente, diz Vergnaud (apud Magina, 2005, p. 4):
A construção de um conceito envolve uma terna de conjuntos que, segundo a teoria dos campos conceituais de Vergnaud, é chamada simbolicamente de S I R: O S é um conjunto de situações, que dá significado ao objeto em questão; o I é um conjunto de invariantes, que trata das propriedades e procedimentos necessários para definir esse objeto; e o R um conjunto de representações simbólicas, as quais permitem relacionar o significado desse objeto com as suas propriedades.
Situações-Problema em matemática, em síntese, são problemas envolvendo situações reais e que torna esta disciplina mais real e menos abstrata seguindo ainda, o que é dito por Cavalcante (2004, p.52) que afirma que “O caminho mais seguro para fazer a relação entre as disciplinas é se basear em uma situação real”.
ANÁLISE DE DADOS
O aluno escolhido para compor a amostra, atualmente universitário de uma Instituição de Ensino Superior privada, em Brasília –Distrito Federal, demonstra ser vítima da falta de significação, ausência de trabalhos envolvendo tratamento de informação e falha no tocante à formação de conceitos matemáticos fundamentais. Segundo relato do discente, foi possível ratificar inclusive, as ideias de Lorenzato (2006) que já afirmara sobre a necessidade de uma matemática inserida no contexto vivido para ser assim mais proveitosa.
Desta forma, inicia-se um processo de série de acompanhamentos com o intuito de se trabalhar, dinâmica e significativamente, certos conteúdos que induzem a apropriação de conceitos a serem formados. Em 5 encontros seguintes, a ideia é trabalhar conteúdos utilizando-se da teoria descrita anteriormente e para tanto envolve verificar o alcance máximo de sua autonomia para então haver mediação a fim de se construir novos conceitos a partir de significados já dominados.
Com o passar dos encontros é notória a falta de autonomia para resolução de problemas envolvendo o tema ‘porcentagem’. Por meio dos conhecimentos adquiridos no ensino médio, o discente possui certa ideia sobre o assunto em comento, porém não consegue definir e tampouco aplicar tais conhecimentos, quando solicitado, sendo prejudicado inclusive, em sua vida cotidiana. Desta forma, percebe-se que não há, a princípio, um conceito formado sobre este tema tão comum.
Lendo dicionário, explicando origem da palavra, usando de artifícios como ilustrações e exemplos próximos à realidade vivida, foi possível criar uma condição favorável para a construção do conceito da palavra porcentagem e que, por conseguinte, facilitou a compreensão matemática. É importante ressaltar, que se complementa à teoria transcrita até o momento, a ideia de formar conceitos matemáticos a partir do conceito da palavra – elo considerável entre a compreensão generalizada de um assunto e o domínio do significado específico na matemática.
Esta, real e completa, compreensão dota o discente de subsídios necessários a se construir modelos matemáticos diversos, pois a ideia, em outras palavras, se traduz em fazer com que o aluno sinta a mesma necessidade que, ao longo da história, pessoas sentiram de organizar seus cálculos para aplicações diretas, transformando-as em fórmulas, ou seja, o intuito é dar ao aluno condições para que possa ele mesmo, construir seus algoritmos de resolução, sistematizando o que dinamicamente é trabalhado.
Em prosseguimento à atividade e devido às dificuldades encontradas na resolução de certas situações, houve a intervenção, por vezes, com o intuito, unicamente, de tornar mais real aquilo que estava escrito, ajudando-o a obter uma transcrição na linguagem matemática e, por conseguinte, mais uma vez verificar a questão da formação dos conceitos ora já trabalhados, uma vez que as atividades desenvolvidas, em grande parte, exigiam textos para ilustração do cotidiano e se encontravam sempre em graus mais elevados, conforme afirma Antunes (2002) ao dizer que as atividades impostas não devem se limitar em exercícios, dos quais sejam capazes de realizarem de forma autônoma, mas sim propondo atividades que necessitam de uma interação, de modo a excitar um maior aprendizado.
Para um maior sucesso da pesquisa, foi verificado que ao modelar as situações, o discente era sim capaz de solucioná-las e, assim, houve ainda um trabalho a fim de auxiliar a interpretação das situações propostas com o objetivo de introduzir uma melhora na deficiência de modelagem, que somente foi possível após longas ‘conversas’ que traziam as situações apresentadas cada vez mais próximas à realidade pertencente a ele.
RESULTADOS OBTIDOS
Observando o indivíduo em estudo, durante os 6 encontros, registrados às fichas de observação, foi perceptível o amadurecimento do pensamento matemático, sendo alcançado proporcionalmente à absorção de conceitos verdadeiramente concretos, ou seja, por meio da formação real de conceitos matemáticos no que diz respeito à percentagem e juro e seus elementos como taxa, tempo, capital, montante e taxas proporcionais, no regime simples.
Os conceitos foram formados na medida em que foi desenvolvido o trabalho de mediação na ZDP, o que implicou elevado grau de desenvolvimento em sua Zona de Desenvolvimento Real, sendo importante salientar que, a cada novo encontro com o discente, eram propostas situações que exigiam conceitos já adquiridos, de modo a trabalhar os campos conceituais defendidos na teoria de Vergnaud.
Com o intuito de não ‘quantitatizar’ o desempenho do discente e rotular um número correspondente a uma nota qualquer, a avaliação deste, consiste no termo: ‘sucesso’, tendo em vista a construção do conhecimento que fora dado por meio da formação de conceitos matemáticos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com esta investigação, vê-se que as dificuldades de modelagem e consequentemente aplicações de conceitos matemáticos para o alcance de soluções de situações-problema são importantes lacunas carentes de atenção, que necessitam de reflexões e atividades a sanarem tais déficits. Prova disso, se tornou o indivíduo em estudo que possibilitou a visão concreta da teoria aqui exposta, verificados, inicialmente, significados precários e falta de capacidade para sistematizar situações corriqueiras, o que permitiu inclusive, uma prévia análise sobre seu potencial, que serviu como referência para o trabalho a ser proposto em cada atividade.
Uma série de acompanhamento para um processo de ensino-aprendizagem fortalece o objetivo de formar verdadeiros conceitos, se apegando ao fato de se diagnosticar a dificuldade existente em cada estudante, grupo ou turma. Evento assim ocorrido, neste estudo de caso, onde foi possível analisar a construção de conhecimentos, por meio da formação de conceitos e algumas, necessárias, intervenções na ZDP.
Dada à finalização do ‘Programa de Acompanhamento’ realizado por meio desta pesquisa, verifica-se uma potencialidade despertada no discente, o que valida a teoria descrita e concretiza um verdadeiro aprendizado no tocante ao tema tratado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRÉ, Maria Eliza Dalmazo Afonso de. Estudo de Caso em Pesquisa e Avaliação Educacional. Série Pesquisa. Brasília, DF: Líber livro, 2005.
ANTUNES, Celso: Vygotsky, quem diria?! Em minha sala de aula: fascículo 12. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.
BOCK, Ana Maria Bahia; TEIXEIRA, Maria de Lourdes; FURTADO, Odair. Psicologias: Uma Introdução ao Estudo da Psicologia. 13º Ed. São Paulo, SP: Saraiva, 1999.
CARRAHER, Terezinha; CARRAHER, David; SCHLIEMANN, Analúcia. Na vida dez, na escola zero. 12ª ed. São Paulo, SP: Cortez, 2001.
CAVALCANTE, Meire. Interdisciplinaridade: Um Avanço na Educação. Revista Nova Escola. Rio de Janeiro, edição 174, p. 52-55, agosto.2004. Disponível em http://revistaescola.abril.com.br/edicoes/0174/aberto/mt_72580.shtml. Acesso em 29 de agosto de 2008.
FALCÃO, Jorge Tarcísio da Rocha. Psicologia da Educação Matemática: Uma Introdução. Belo Horizonte, MG: Autêntica, 2003.
FIORENTINI, Dário; MIORIM, Maria Ângela. Uma Reflexão Sobre o Uso de Materiais Concretos e Jogos no Ensino da Matemática. Boletim SBEM-SP, n.7, julho/agosto.1990. Disponível em http://www.mat.ufmg.br/~espec/meb/files/Umareflexao_sobre_o_uso_
de_materiais_concretos_e_jogos_no_ensino_da_Matematica.doc. Acesso em 25 de agosto de 2008.
LORENZATO, Sérgio. Para Aprender Matemática. Coleção Formação de Professores. Campinas, SP: Autores Associados, 2006.
MAGINA, Sandra. A Teoria dos Campos Conceituais: Contribuições da Psicologia para a Prática Docente. Anais do ERPM, maio de 2005. Disponível em http://www.ime.unicamp.br/erpm2005/anais/conf/conf_01.pdf. Acesso em 4 de dezembro de 2008.
PELIZZARI, Adriana; KRIEGL, Maria de Lourdes; BARON Márcia Pirih; et. al. Teoria da Aprendizagem Significativa Segundo Ausubel. Revista do Programa de Educação Corporativa (PEC). Curitiba -PR, V.2, n.1, p. 37-42, jul.2001-jul.2002.
VIGOTSKY, L. S.. A Formação Social Mente: O Desenvolvimento dos Processos Psicológicos Superiores. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2002.
________. Pensamento e Linguagem. 2ª ed. São Paulo, SP: Martins Fontes, 1998.
1 Graduado em Matemática, Especializando em Educação Matemática
**Mestre em Psicologia e Educação