Laila Azize Souto Ahmad*
publicado em 20/06/2009
O conceito de infância é fruto de uma construção social, porém, percebe-se que sempre houve criança, mas nem sempre infância. São vários os tempos da infância, estes apresentam realidades e representações diversas, porque nossa sociedade foi constituindo-se de uma forma, em que ser criança começa a ganhar importância e suas necessidades estão sendo valorizadas, para que seu desenvolvimento seja da melhor forma possível, e que tudo aconteça no seu verdadeiro tempo. A infância precisa ser entendida como categoria social de efetiva importância para a sociedade, com a sua valorização e respeito, construirá uma história diferenciada.
No decorrer dos séculos, como mostra a história, surgiu diferentes concepções de infância. Primeiramente, a criança era vista como um adulto em miniatura (adultocentro), e seu cuidado e educação eram feitos pela família em especial pela mãe. Ainda existiam instituições alternativas que serviam para cuidado das crianças em situações desfavoráveis ou rejeitadas.
A descoberta da infância começou sem dúvida no século XIII, e sua evolução pode ser acompanhada na história da arte e na iconografia dos séculos XV e XVI. Mas os sinais de seu desenvolvimento particularmente numerosos e significativos a partir do fim do século XVI e durante o século XVII. (ARIÉS, 1981 p. 65)
Sabe-se, que, antigamente o sentimento de infância era inexistente. Segundo Ariés (1981), relata que até mais ou menos por volta do século XVI, não existia a particularidade da consciência sobre o universo infantil. A concepção de infância, até então, baseava-se no abandono, pobreza, favor e caridade, desta forma era oferecido atendimento precário as crianças; havia ainda grande número de mortalidade infantil, devido ao grande risco de morte pós-natal e às péssimas condições de saúde e higiene da população em geral, e das crianças em particular. Em decorrência destas condições, uma criança morta era substituída por outros e sucessivos nascimentos, pois ainda não havia, conforme hoje existe, o sentimento de cuidado, ou paparicação (Áriès, 1981), pois as famílias, naquela época, entendiam que a criança que morresse não faria falta e qualquer outra poderia ocupar o seu lugar.
A partir do século XIX e XX, a infância começa a ocupar um lugar de fundamental importância para a família e para a sociedade, começa a se pensar neste ser de pouca idade como alguém que necessita de lugar, tempo, espaço e cuidados diferenciados, começando a delinear-se o que mais tarde evoluiu para o que hoje reconhecemos como infância.
Como consequência, surgem, também, as primeiras instituições destinadas ao atendimento específico para crianças pequenas, destinados, inicialmente, para o cuidado e a assistência às crianças órfãs, filhas da guerra ou do abandono produzido pela pobreza, miséria e movimentos migratórios. Datam estas primeiras instituições de “Educação Infantil” a primeira metade do século XIX em vários países da Europa, e no Brasil, a partir da década de 1870.
Ao longo do século XX, a educação infantil foi produzida e evoluiu de diferentes formas, sob a influência de diferentes pedagogos ou educadores, a começar com Froebel, conhecido pela criação dos jardins de infância. Este pedagogo, criador dos kindergarten, enfatizava a importância do jogo e do brinquedo no processo de desenvolvimento infantil, sendo por isso, notoriamente o precursor de uma pedagogia diferenciada para a educação das crianças e dos mais velhos, agrupando-os em diferentes faixas etárias.
No Brasil, a infância começa a ganhar importância em 1875, quando surgem no Rio de Janeiro e São Paulo os primeiros jardins de infância inspirados na proposta de Froebel, os quais foram introduzidos no sistema educacional de caráter privado visando atender às crianças filhas da emergente classe média industrial. Já em 1930, o atendimento pré-escolar passa a contar com a participação direta do setor público, fruto de reformas jurídico educacionais. Seu conteúdo visava tanto atender à crescente pressão por direitos trabalhistas em decorrência das lutas sindicais da então nova classe trabalhista brasileira, quanto atender à nova ordem legal da educação: pública, gratuita, e para todos.
A conjunção destes fatores ensejou um movimento da sociedade civil e de órgãos governamentais para que o atendimento às crianças de zero a seis anos fosse amplamente reconhecido na Constituição de 1988, culminando no reconhecimento da Educação Infantil como um direito da criança, e não mais da mãe ou do pai trabalhadores. A partir daí, a Educação Infantil em creches e pré-escolas passou a ser legal, e um dever do estado e direito da criança (artigo 208, inciso lV). Com a promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, lei número 9394/96, a Educação Infantil passa a ser, legalmente, concebida e reconhecida como etapa inicial da educação básica. Devido a este quesito, das creches foi retirado seu caráter de assistencialismo em contraponto ao caráter educacional das pré-escolas, transformando-as em escolas infantis, ou instituições de atendimento à criança de zero a seis anos; a diferença fundamental de outrora está na subdivisão por faixas etárias, ou seja: a creche é para crianças entre zero e três anos, enquanto a pré-escola atende às crianças entre quatro e seis anos de idade. Subentende-se, a partir daí, que tanto creche quanto pré-escola, devem cuidar e educar as crianças, dispensando a este atendimento institucional características específicas quanto às necessidades de cada grupo etário, mas não entre atendimento educacional versus atendimento assistencial; ou o que ficou cunhado de modo clássico pelo termo “lidando pobremente com a pobreza”, cunhado por ABRANTES (1987). Tais mudanças atribuídas a esta lei permitiram a flexibilidade no funcionamento da creche e da pré-escola, permitindo, assim, a adoção de diferentes formas de organização e práticas pedagógicas ao atender a uma ampla gama de necessidades da criança.
A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até os seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. (LDB 9394/96, art. 29)
Como se vê neste artigo da lei, cabe a escola complementar a ação da família no desenvolvimento da criança na sua globalidade, potencializando o desenvolvimento integral da criança. Desta forma à Educação Infantil cabe um entendimento acerca de propostas pedagógicas consistentes no sentido de fomentar a transformação dos conhecimentos intuitivos em científicos, capazes de promover um trabalho para que as crianças desenvolvam atividades de caráter interativo; capaz também de produzir discussões acerca de seu desenvolvimento intelectual no sentido de ampliar sua experiência sensorial e reflexiva sobre o mundo físico e social, considerando as marcas de suas origens culturais bem como seus conhecimentos prévios, estabelecendo-se aí, processos de subjetivação, de constituição ativa de sujeitos desde a mais tenra idade.
Atualmente, percebe-se que as propostas de educação infantil dividem-se entre as que reproduzem as referências e os modelos da escola elementar, com ênfase na alfabetização da linguagem escrita e na matemática (antecipação – em miniatura – das práticas de escolarização do ensino fundamental), e as que partem do princípio de que a infância é um tempo de constituição do ser a partir da ampliação das referências com e no mundo; a partir da integralidade do desenvolvimento das diferentes formas de ser e estar no mundo; a partir da brincadeira como principio de conhecimento sobre o mundo circundante e sobre si mesmo, sobre as coisas e os seres. Ou seja, escolas para crianças pequenas que se constituem em espaços de imitação do mundo dos adultos, ou de desenvolvimento de diferentes experiências entre pessoas, a partir de diferentes linguagens, indo muito além das linguagens escritas.
Precisa-se, desta maneira, ter o conhecimento do que é necessário ser desenvolvido com a criança, respeitando suas necessidades caracterizadas pelo desenvolvimento intelectual, físico, emocional, para não incorrermos em equívocos de propostas errôneas e desrespeitosas com relação à infância e à criança. Entendemos que o importante na infância e o que deve ser priorizado na educação infantil são as interações: das crianças com os coetâneos e com os demais sujeitos, gerando experiências de diversas ordens na relação com os mundos físicos, sociais, emocionais que são produzidos em diferentes realidades sócioeducativas.
Referências
ABRANTES, P.R. O pré e a parábola da pobreza. In: Educação pré-escolar: desafios e alternativas. Cadernos CEDES – Centro de Estudos Educação e Sociedade. Nº 9. São Paulo: Cortez, 1987.
ARIÉS, Philippe: História Social da Criança e da Família, Tradução: Dora Flaksman Rio de Janeiro: Guanabara, 1981.
BRANDÃO, Carlos da Fonseca. LDB: passo a passo: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei 9394/96), São Paulo: Avercamp, 2003.
EDWARDS, Carolyn; FORMAN, George; GANDINI, Lella. As cem linguagens da criança: a abordagem de Reggio Emília na educação da primeira infância; Trad. Dayse Batista, Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul Ltda, 1999.
Laila Azize Souto Ahmad * Pedagoga, Especializanda em Supervisão educacional, pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA) e Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria. PPGE/CE/UFSM. soutolaila@bol.com.br