Décio Luciano Squarcieri de Oliveira* e Fernanda Gabriela Soares Santos**
publicado em 12/06/2009 como www.partes.com.br/educacao/otempoeahistoria.asp
“Todos os dias quando acordo
Não tenho mais o tempo que passou
Mas tenho muito tempo:
Temos todo o tempo do mundo”.
Tempo Perdido – Legião Urbana
Neste breve artigo sobre o tempo, logo de antemão já informamos que, não é nossa pretensão elaborar um tratado filosófico sobre o mesmo, tão pouco discorrer densas conceitualizações, dada a sua imensa complexidade e necessidade primeira, caso fosse à tônica, de apontar idéias vitais para o tema, advindo de autores como Aristóteles, Newton, Reinhart Koselleck, E. Husserl ou M. Heidegger. A intenção prima é mostrar a partir de três produções cinematográficas – Amores Brutos, Babel e 21 Gramas –, as possibilidades didáticas de abordar noções de tempo aos nossos alunos da disciplina de História. De que forma a apresentação dos eventos que compõe os filmes trazem uma nova configuração do processo histórico, semelhantes aos dizeres de Foucault, quando manifesta a História como uma continuidade temporal, mas descontínua de ações.
Santo Agostinho, em seu celebre livro Confissões (livro 11, cap.4) já nos alertava: “O que é tempo? Se ninguém me perguntar, então eu sei. Mas se quiser explicar a quem me pergunta, já não sei.”. E é a partir dessa dificuldade que partimos algumas de nossas provocações, indagações, ao termos que trabalhar densos conteúdos da disciplina de História para com nossos alunos, considerando aqui em específico, as primeiras séries escolares, na qual encontramos respaldos nos estudos de Jean Piaget sobre as percepções temporais das crianças, suas maturidades e formas de percepção do mesmo.
Não raro colhemos comentários dos nossos alunos quanto suas dificuldades em compreender a disciplina de História, mediante suas dificuldades de compreensão do tempo, imaginando por vezes que quando estudamos o continente europeu, não há vida em outros continentes, devido o fato do conteúdo de história ser tratado de forma fragmentada e também, dos nossos alunos, de suas noções temporais terem como ponto de referência o espaço físico. Assim, quando se desloca no espaço geográfico o conteúdo, é como se “deixasse de existir vida em outro lugar”. Para estas significações, a formatação deste artigo não daria conta da vasta possibilidade de análises que poderíamos fazer, mas sim nos indica, a tamanha preocupação dos professores em aproximar as interpretações históricas das realidades e dos entendimentos de nossos alunos.
Antes de adentrarmos mais especificamente nos filmes enquanto recursos para se trabalhar à temporalidade, merecem destaque duas citações, sendo a primeira
de cunho didático, teórico metodológico da disciplina em questão, e a segunda mais dedicada a uma pincelada da complexidade da análise temporal e de sua correlação com o conhecimento e produção da Historiografia[1] contemporânea. Segundo BEZERRA (In: KARNAL, 2005, p.44), as ‘temporalidades históricas’, apresentam a questão chave para se aproximar do aluno os conhecimentos oriundos da disciplina, por se tratar de que:
A dimensão da temporalidade é considerada uma das categorias centrais do conhecimento histórico. Não se trata de insistir nas definições dos diversos significados de tempo, mas de levar o aluno a perceber as diversas temporalidades no decorrer da História e ter claro sua importância nas formas de organização social e seus conflitos. Sendo um produto cultural forjado pelas necessidades concretas das sociedades, historicamente situadas, o tempo representa um conjunto complexo de vivencias humanas.
Sendo assim, dessa utilidade de perceber as diferentes temporalidades, para cada situação histórica própria, em nível capaz de ser inteligível ao aluno, estudos elaborados por ARÓSTEGUI (2006) apontam para duas direções: a primeira consiste em trabalhar o tempo nos moldes histórico-filosóficos, dos quais cita algumas definições a partir dos estudos de R. KOSELLECK:
[…] o historiador situa-se diante do “futuro do passado”. Toda a construção sobre o histórico trabalha com uma manipulação do tempo, uma vez que escrevemos a partir do presente sobre o passado e a concepção do futuro intervém igualmente nela. O historiador enfrenta o “futuro do passado” de uma forma precisa: para ele, aquilo de que trata é seu passado: o tema como tal é, em sua ontologia, um presente: o historiador faz a análise de tal presente-passado à luz do que sucedeu “depois” do que descreve como presente. Está, pois, trabalhando com um futuro passado, com um futuro do passado. (R. KOSELLECK. In: ARÓSTEGUI, 2006, p.353)
A discussão neste nível é notavelmente importante, e acreditamos em sua produção enquanto possibilidade formativa do docente de História. Mas nosso interesse aqui, não esqueçamos, é como essa carga teórica pode ganhar corpo ao entendimento dos nossos discentes. Para contrabalançar com as duas citações acima, cabe destacar ainda a segunda carga de entendimentos empreendida por ARÓSTEGUI (2006, p.272):
Para a construção da idéia de história, no entanto, o que interessa, na realidade, é a maneira pela qual a significação do tempo como um componente interno, inserido realmente nas coisas, pode ser captada e explicada por nós de forma objetiva: de que forma o tempo atua sobre a existência das coisas e se manifesta no processo histórico.
Neste ponto, cabe então elucidarmos os filmes, visto que a forma como podemos captar o desenrolar do tempo, sua dinâmica e movimento, ganha corpo nas produções que nos servem de referência. A máxima que nos chama a atenção nestas três obras do diretor Alejandro González-Iñárritu: Amores Brutos (2000), 21 Gramas (2003) Babel (2006), é a conectividade das cenas apresentadas, dos protagonistas, sejam eles na mesma cidade, no caso de Amores Brutos e 21 Gramas, ou ainda, com dimensões globais, no caso de Babel. Sem sombra de dúvida, as várias indicações à prêmios que recebeu o diretor, é mérito garantido, onde em linhas acima, poderíamos dizer ser ele hábil de uma profunda filosofia sobre o tempo.
É preciosa a forma como as cenas são construídas, como ele brinca com nossa noção linear de tempo, a ponto de nos prender na tela e de fazer nossos sentidos desencontrarem os nexos em que fomos submetidos em nossas primeiras aulas de História. O fascínio que demonstramos pelos filmes, recai sobre a ideia de mostrar que a História é este processo de conexão, de interligação, onde ao mesmo tempo que várias ações estão sendo empreendidas nos mais diferentes espaços, outras tantas, simultaneamente estão sendo realizadas, mas não somente isso, que qualquer ação empreendida em qualquer destes espaços, seus efeitos estão imbricados, ligados como os lados de uma folha de papel.
Os recursos visuais que se utiliza o diretor fazem cair por terra a cortina do mágico, desvendando os segredos da História, a ponto de em várias cenas poder ser vistas pedaços constitutivos de outras cenas que já aconteceram ou que, ainda estão por acontecer, na temporalidade do filme, mas não da temporalidade histórica, de forma a dar os encadeamentos processuais da História.
Essa forma de abordagem requer do docente um trabalho intenso com seus discentes, podendo-se mesmo optar por ir construindo com os alunos, paradas estratégicas a fim de dar inteligibilidade à história. É bem verdade que o conteúdo das obras são inadequadas para alunos inferiores a faixa etária de 14 anos, porém, citamos estas três obras como exemplos vitais de outras linguagens de se trabalhar a disciplina de História, muitas vezes fadadas a se preservar em apenas livros didáticos. Nossa intenção aqui é mostrar as possibilidades dos recursos de que temos acesso e de que uma nova concepção de ensino e de História, como do tempo, começa a ganhar corpo, de modo que nossa linearidade e sequencialidade começa a perder espaço para a totalidade de ações e a integrar a vida de outras pessoas ao nosso dia a dia. Bem vindos a sociedade fragmentada. Bem vindos a sociedade conectada!
BIBLIOGRAFIA
ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa Histórica: teoria e método. Tradução: Andréa Dore; revisão José Jobson de Andrade Arruda. Bauru, SP: EDUSC, 2006.
KARNAL, Leandro (org.). História da Sala de Aula: conceitos, práticas e propostas. 3 ed. São Paulo: Contexto, 2005.
[1] A palavra historiografia seria, como sugere Topolsky, a que melhor resolveria a necessidade de um termo para designar a tarefa de investigação e escrita da História, frente ao termo História, que denominaria a realidade histórica. Historiografia é, na sua acepção mais simples, “escrita da História”. E historicamente pode aludir às diversas formas de escrita da História que se sucederam desde a Antiguidade clássica. […] Historiografia seria a atividade e o produto da atividade dos historiadores e também a disciplina intelectual e acadêmica por eles constituída. (ARÓSTEGUI 2006, p.36).
* Graduado em História – Licenciatura Plena pela Universidade Federal de Santa Maria. Especialista em História do Brasil/UFSM, Mestrando em Educação/UFSM, Professor Substituto do Departamento de Metodologia do Ensino – Centro de Educação – UFSM, Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Imaginário Social – GEPEIS – UFSM. decioluciano@yahoo.com.br
** Graduada em Filosofia – Licenciatura Plena pela Universidade Federal de Santa Maria. Especialista em Gestão Educacional/UFSM, Mestranda em Educação/UFSM, Professora da Rede Municipal de Formigueiro – RS, Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Imaginário Social – GEPEIS – UFSM. fernandagssantos@yahoo.com.br
Como citar este artigo:
OLIVEIRA, Décio Luciano Squarcieri., SANTOS, Fernanda Gabriela Soares, O Tempo e a História: Algumas Correlações a partir dos Filmes – Amores Brutos, Babel e 21 Gramas. P@rtes (São Paulo). V.00 p.eletrônica. Junho de 2009. Disponível em <>. Acesso em _/_/_.