Franciele Roos da Silva Ilha*; Hugo Norberto Krug*
publicado em 21/04/2009 como www.partes.com.br/educacao/culturaescolar.asp
Em nossa sociedade observamos as manifestações culturais através de atividades cotidianas as mais complexas situações. No entanto, é importante respeitar todas essas e, principalmente, saber valorizá-las em prol da interação humana. Ainda que, possamos ressignificá-las através de nossas próprias compreensões que temos de mundo, em busca de recuperar a interpretação cultural da vida social.
Nessa direção, Pérez Gómez (2001) escreve uma obra peculiar com reflexões bem atuais no que se refere as diferentes manifestações que a cultura pode representar no contexto em que vivemos. Além disso, articula todas as suas interpretações sobre a temática com a realidade das instituições educativas, preferencialmente com a escola. A esse respeito, destaca como imprescindível “entender a escola como um cruzamento de culturas que provocam tensões, aberturas, restrições e contrastes na construção de significados” (p.12).
Dessa forma, a cultura representa bem mais do que meros conceitos, valores e crenças impostas, ela transcende a mera reprodução e implica a inserção na sociedade de modo a interpretá-la de diferentes formas, transformá-la e criar novas construções sociais. Diante disso, a escola e os professores precisam oferecer aos alunos a possibilidade de entender os sentidos, implícitos ou não, que estão recebendo em seu desenvolvimento, promovendo o docente a análise crítica em sua prática educativa buscando compreender a trama oculta de significados presentes na rede simbólica do contexto educacional.
Assim, na tentativa de ampliar a compreensão dos conceitos, formas, representações, manifestações e imposições da cultura, o autor analisa e relaciona a cultura crítica, a social, a institucional, a experiencial e a cultura acadêmica.
A cultura crítica representa a gama de significados e produções construídas nos diversos campos do saber, e que os grupos humanos vêm acumulando ao longo de sua história. Envolvendo essa realidade, vivencia-se um processo de crise frente às mudanças constantes no que diz respeito ao deslocamento de valores do plano de racionalidade e produtividade da concepção positivista para uma leitura de mundo pós-moderno fundamentado na hibridização, fragmentação, autonomia, pragmatismo, relativismo, multiculturalismo, aldeia global, estética. Podemos perceber que, por vezes tais características representam um avanço no pensamento rígido e mecanizado, entretanto, nas entrelinhas também estão inseridas novas formas de controle e manipulação da sociedade.
Em relação à cultura social, o autor a compreende como os comportamentos e significados hegemônicos inseridos no contexto social, fundamentalmente no contexto internacional de intercâmbio e interdependências. Suas características são bem definidas, suas normas, valores e atitudes estão impregnados da ideologia neoliberal, da economia do livre mercado, da iniciativa da propriedade privada, enfim, da globalização. Esta que, dependendo do olhar que fizemos sobre sua prática difere de significação, ou seja, ela não é algo ruim, mesmo que fosse ela foi inevitável, diante da sociedade capitalista em que vivemos. Porém, crer na sua possibilidade de democratização de todas as formas de participação, de cultura, de conhecimento, de justiça, de acesso, de espaço, de vida, seria uma compreensão ingênua. Tendo em vista que, os sujeitos que vivem “no mundo dessas possibilidades” representam à minoria, dentre a gama de indivíduos que estão longe de experenciar e vivenciar os benefícios e malefícios da denominada aldeia global.
No que tange a cultura institucional, Pérez Gómez (2001) reconhece a imposição de instituições, como a escolar, de padrões de conduta que controlam e reproduzem os valores do sistema vigente e de sua própria. Para entendê-la é necessário articular os aspectos macro e micro que se complementam nas instâncias política, econômica e social. Nessa mediação, evidencia-se que a política educativa está assumindo a tarefa de instrumentalizar as exigências do mercado através de infinitas análises estatísticas a fim de nada menos que, descobrir novas formas de manipulação e controle da sociedade, no momento de possíveis reivindicações. Além de demonstrar e provar para os organismos internacionais, que frequentemente auxiliam os países em desenvolvimento, seu progresso no meio educacional.
Imbricados nessa cultura, os professores precisam ressignificar a cultura docente tradicional na direção de novas práticas, atitudes, pensamentos transformadas em ação e reflexão na busca de reverter todo esse processo enraizado nas instituições escolares. Resolver esse problema parece difícil, e realmente é só que no momento em que estivermos promovendo nosso próprio desenvolvimento profissional estaremos nos fortalecendo e espalhando novas perspectivas ultrapassando nosso espaço de ação e atuação.
A cultura experencial representa e é construída no contexto social e na subjetividade de elaboração simbólica que cada sujeito estabelece com os outros, com o meio e consigo mesmo. Vários são os autores que tratam do desenvolvimento cognitivo e social da criança a partir dos primeiros momentos de sua vida, suas experiências, a construção e elaboração de símbolos, porém observa-se com incidência a desvalorização e anulação das experiências anteriores, quando as crianças ingressam na escola. Será que só o que se ensina na escola é válido, importante, relevante, aceito? O professor não pode aprender com os alunos também, através das trocas culturais, de conhecimentos, de experiências, do convívio e da interação com outros membros da comunidade escolar?
Tais questionamentos representam e refletem na última cultura discutida pelo autor, a acadêmica. Justamente ela configura-se como o que se pretende ensinar, socializar e problematizar de modo a promover a aprendizagem através da instituição escolar. Um dos grandes impasses, apesar de leis e propostas inovadoras, caracteriza-se pela descontextualização dos conhecimentos desenvolvidos na escola com os anseios, as buscas, as dúvidas, as curiosidades, as necessidades dos alunos. Em consequência disso, o ensino torna-se cansativo e monótono, sem vistas a motivar os alunos a discussão e questionamentos. Pérez Gómez (2001, p.261), a esse respeito, escreve: “Na aula e na escola, há de se viver uma cultura convergente com a cultura social, de modo que os conceitos e disciplinas se demonstrem instrumentos úteis para compreender, interpretar e decidir sobre os problemas da vida escolar e da vida social”.
Nesse caso, é necessário trabalhar com a aprendizagem relevante, construindo os conhecimentos a partir da cultura experencial dos alunos, refletir sobre as diferentes culturas, vincular a cultura acadêmica com as demais, já que esta representa a socialização do conhecimento de forma mais específica e sistematizada, enfim, criar a cultura própria em cada contexto educativo com a colaboração de todos os envolvidos nesse processo.
Resenha da obra:
GÓMEZ, Pérez. A cultura escolar na sociedade neoliberal. Porto Alegre: ARTMED, 2001.
* Especialista em Gestão Educacional e Educação Física Escolar na UFSM; Mestranda em Educação na UFSM. franciele.ilha@yahoo.com.br
* Doutor em Educação e Ciência do Movimento Humano; Professor Adjunto da UFSM; Coordenador do GEPEF/UFSM (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física). hnkrug@bol.com.br