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Jean Baudrillard e a arte da desaparição

La trahison des images. René Magritte. 1929
huile sur toile, 59 x 65 cm
Los Angeles County Museum

Rodrigo da Costa Araujo (UFF/FAFIMA)[1]

publicado em 02/04/2009

www.partes.com.br/cultura/livros/jeanbaudrillard.asp

 

 

Criar uma imagem consiste em ir retirando do objeto todas as suas dimensões, uma a uma: o peso, o relevo, o perfume, a profundidade, o tempo, a continuidade, e, é claro, o sentido”

Jean Baudrillard (1997, p.32)

A Arte da Desaparição (1997) é mais uma obra em que o filósofo Jean Baudrillard (1929-2007) mostra o hiper-real na arte, e, também, nas novas tecnologias. Segundo os ensaios desta coletânea, a arte contemporânea teria caído em sua própria armadilha estendida na esperança de que o real se deixe aprisionar. Com esta premissa, a arte enredada em seu próprio complô – o de uma realidade que ri de si mesma – o crítico estabelece provocações e polêmicas. E, por isso mesmo, afirma: “a arte tornou-se iconoclasta. O iconoclasmo moderno não consiste mais em quebrar as imagens, mas em fabricar imagens, uma profusão de imagens em que não há nada para ver” (1997, p.189).

Reforçando esse discurso, ele mesmo confirma: “Por trás da orgia das imagens, alguma coisa se esconde. O mundo furtando-se por trás da profusão das imagens é o caso de uma outra forma de ilusão talvez, uma forma irônica” (1997, p.90). O mundo pós-moderno, para ele, está cerrado por simulacros e hiper-realidade, onde tudo é apresentado de maneira “pornográfica”, de maneira que não é mais necessário pensar sobre o que nos é apresentado. A ironia hoje, manipulada pela arte, é apenas mais um compromisso com o “estado das coisas”, que encena o mais banal que o banal como estética do insignificante. Em A Arte da Desaparição, Baudrillard mostra justamente isso: a passagem entre aparências e artifícios nos deslocamentos do pensamento sobre a arte.

René Magritte, “Decalcomania,” 1966

René Magritte, “Decalcomania,” 1966

A vertigem do real, “simulação encantada”, espécie de trompe-l’oeil[1] – mais falso -são palavras chave para resumir o primeiro ensaio – “O Trompe-L’oeil“. Utilizando esta técnica da pintura e os efeitos que isso causa no olho do espectador, Baudrillard afirma: “Com isso, essa surpresa despeja-se no mundo circundante chamado “real”, revelando-nos que a “realidade” não é nunca senão um mundo encenado, objetivado segundo as regras da profundidade, que ela é um princípio, a escultura e a arquitetura do tempo, mas um princípio somente, e um simulacro a que põe fim a hipersimulação experimental do trompe-l’oeil” (1997, p.18).

O trompe-l’oeil, nesse caso, é utilizado como argumento para reforçar a produção de imagens na sociedade pós-moderna: “o trompe-l’oeil não é mais a pintura. Como o estuque, de que é contemporâneo, ele pode fazer tudo, tudo arremedar, tudo parodiar. Torna-se o protótipo de um uso maléfico das aparências” (1997, p.20).

Rodrigo da Costa Araujo é professor de Literatura da FAFIMA – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Macaé. Mestrando em Ciência da Arte pela UFF-Universidade Federal Fluminense.
::contato com o auto

Reforçando que “a simulação envolve todo o edifício da representação como simulacro”, no ensaio “Iconoclastas” (p.23) Baudrillard sabe que “é perigoso desmascarar as imagens, já que elas dissimulam que não há nada por trás delas” (p.27). Fiel ao seu objeto, o autor de Simulacro e Simulação, considera que o leitor/espectador seja secretamente um iconoclasta. Não daqueles que fabricam uma profusão em que não há nada para ver, mas que, semelhante aos estudos sobre fotografia, pode-se questionar sobre o que nessa imagem desaparece, o que se torna invisível ao olhar, sendo que essa invisibilidade não é da ordem do visual, do óbvio, mas da ordem da encenação, do olhar e não do olho. “O desejo de fotografar talvez venha dessa constatação: visto da perspectiva de conjunto, do lado do sentido, o mundo é bastante decepcionante. Visto no detalhe, e de surpresa, ele é sempre de uma evidência perfeita” (1997, p.34).

A grande força semiológica de suas reflexões consiste na refutação do pensamento científico tradicional e no embasamento de sua filosofia em uma aposta na virtualidade de uma realidade construída, uma hiper-realidade, em que se discute a estrutura do processo em que a cultura de massa produz uma realidade virtual. E foi este aspecto de seu pensamento crítico que influenciou os criadores do filme Matrix, ainda que o filósofo tivesse dito algumas vezes que o filme representa mal a sua teoria.

Ele acreditava que suas ideias estariam melhor aplicadas em filmes como O Show de Truman e Cidade dos Sonhos, nos quais se percebe que a diferença entre o real e o virtual é algo bem mais sutil. O teórico da “desaparição do real” ou “arte da desaparição” reforçou, neste livro, sua característica singular de “ficção teórica”, um gênero entre a crônica, a filosofia e o entretenimento conceitual, com insights e hipóteses polêmicas como “vertigem estética das formas”, “vertigem eclética dos prazeres”, substituídos na cultura do espetáculo por simulacros, imagens e signos em rotação. Discursos, que, segundo ele, não cessam de se autoproduzir e circular, neutralizando e anulando uns dos outros pelo excesso e pelo vazio de sentido.

Enfim, Baudrillard em A Arte da Desaparição mostra seu pensamento em dois grandes capítulos: Aparências e Artifícios. Os dois juntos resumem o pensamento do filósofo sobra a arte. O primeiro apresenta “as aparências”, o jogo das formas que se relacionam com os termos da representação e da anti-representação modernista, como também a estética especular em torno do objeto e sujeito, real e ilusão. Nesse mundo vertiginoso, não ficam de fora o espelho dos objetos no encontro com o sujeito em trope-l’oeil, a crença dos iconoclastas nas imagens, o objeto material da fotografia.

Em Artifícios – o segundo capítulo do livro – Baudrillard fala da forma da desilusão, do complô da arte contemporânea e do artefato alquímico do efeito esplêndido de Warhol.Com esses deslocamentos entre os objetos da arte e da arte dos objetos, o estudioso marca seu percurso ao mundo semiológico da imagem, da crise contemporânea do mundo com sua representação em imagem. Assim, feito e refeito jogo, Baudrillard reforça seu discurso no mundo abismal dos simulacros, sempre escondidos entre aparências e artifícios.  

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BAUDRILLARD, Jean. A Arte da Desaparição. Tradução de Anamaria Skinner. Rio de Janeiro. Ed. UFRJ, 1997.

Nota:

[1] Trompe-l’oeil é uma técnica artística que, com truques de perspectiva, cria uma ilusão óptica que mostre objetos ou formas que não existem realmente. Provém de uma expressão em língua francesa que significa engana o olho e é usada principalmente em pintura ou arquitetura. Recurso técnico-artístico empregado com a finalidade de criar uma ilusão de ótica, como indica o sentido francês da expressão: tromper, “enganar”, l’oeil, “o olho”. Seja pelo emprego de detalhes realistas, seja pelo uso da perspectiva e/ou do claro-escuro, a imagem representada com o auxílio do trompe l’oeil cria no observador a ilusão de que ele está diante de um objeto real em três dimensões e não de uma representação bidimensional. O objetivo do procedimento é, portanto, alterar a percepção de quem vê a obra. O termo, ainda que de início aplicado à pintura de períodos em que predomina o naturalismo – por exemplo, na Grécia Antiga e no Renascimento italiano, se generaliza no vocabulário crítico e passa a referir-se a qualquer forma de ilusionismo acentuado empregado nas artes. Na arquitetura, a decoração ilusionista em que a pintura de forros e paredes altera a percepção do tamanho do espaço (denominada quadratura), é considerada um tipo de trompe l’oeil. Andrea Pozzo (1642 – 1709) é um dos maiores praticantes desse ilusionismo decorativo, típico do barroco. Seu mais importante trabalho de quadratura é o enorme afresco Alegoria da Obra Missionária dos Jesuítas, 1691/1694, no forro da igreja de S. Ignazio, em Roma. ( Enciclopédia Itaú Cultural: http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/)

 

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