Robério Pereira Barreto*
publicado em 14/02/2009
www.partes.com.br/cultura/hipervirtual.asp
RESUMO: No mundo das imagens contemporâneas, existem muito mais mulheres do que homens, dispostas a modificarem seus corpos em virtude da presença massificante da beleza pelo discurso publicitário, seja na área dos cosméticos ou na da saúde, vai apontar para a mesma vertente. O corpo na cultura contemporânea tornou-se interessante como objeto de desejo e portador de significados, nos quais o corpo real é abolido a cada instante e, em seu “lugar” surge corpo hiper-real. O fascínio e a sedução que a beleza da mulher da mídia exerce sobre a mulher real são próprios da histeria a que elas se submetem devido à exposição e à excitação provocada pela exibição e pelo voyeurismo que o vídeo e televisão conferem a telespectadora a partir da hipnose da imagem luminosa da mulher fictícia da publicidade, fazendo com que a espectadora se torne personagem da trama. Isso subliminarmente distribuído no discurso e na imagem das publicidades para disfarçar a dissimulação pública do sexual, como na histeria.
Este artigo visa esclarecer a relação dramática apresentada pelos discursos da mídia entre os esteriotipos femininos, nos quais a beleza física é ponto de partida para comportamentos histéricos. Isso decorre porque o estereótipo dar-se como se fosse uma espécie de lente opaca e, portanto, impede quaisquer questionamentos a respeito do que está sendo mostrado pela mensagem publicitária.
Dessa maneira, optou-se por trabalhar com a mídia impressa, pois esta enquanto um canal de informação e reprodução de uma prática discursiva, logo ideológica, socializa os fatos e normas e atua como um agente organizador do espaço social, ocupando, portanto, um papel central para a consolidação dessas representações que passam, então a assumirem um caráter coletivo normalizador na constituição de uma identidade e subjetividade especificas, o drama do corpo belo.
Tudo leva-nos a crer que o corpo passou a ocupar um novo lugar em nossa sociedade e, consequentemente, em nossa estruturação psíquica. Cultivar a beleza, a boa forma e a saúde apontam para uma nova ideologia que se impõe como um verdadeiro estilo de bem viver.
No mundo das imagens contemporâneas, existem muito mais mulheres do que homens. Nossa cultura exibe a mulher permanentemente, como forma de reforçar seus arquétipos. (Góes & Villaça, 1998). Destinada ao público feminino – identificação com o modelo, ou a um público masculino – registro da alteridade desejável, menos do que a femininização do mundo, como apontam alguns, esta exposição parece reforçar a ideia de colocar em imagens o objeto de desejo. A mulher representada nas imagens encarna o Outro da nossa cultura.
A imagem de mulher se justapõe com a de beleza e, como segundo corolário, à de saúde, juventude. As imagens refletem corpos trabalhados, sexuados, respondendo sempre ao desejo do outro ou corpos medicalizados, lutando contra o cansaço, contra o envelhecimento ou mesmo contra a constipação. Implícita está à dinâmica perfeição/imperfeição, buscando atender aos mais antigos desejos do ser humano, conforme narram os mitos, os elixires e fontes de eterna juventude.
O discurso publicitário, seja na área dos cosméticos ou na da saúde, vai apontar para a mesma vertente. No cenário público, os corpos devem adequar-se à função de durabilidade, à prova de velhice, que antes se esperava das mercadorias. O que é feio, finito, perece e morre… não consome e, indiscutivelmente, ainda não se encontrou um valor mercadológico ou de troca para esse fenômeno
A muito se discute quando o assunto é a presença do corpo como elemento discursivo na publicidade, visto que a eles são empregados artifícios que os conduzem a ocupar lugar e identidades imaginadas na mente do leitor-espectador.
De acordo com Barreto (2005) esta questão cada vez mais se torna uma realidade e que tem como público certo a mulher, por se tratar de um segmento que tem levado muito a sério o dispositivo da estética.
A mulher real é influenciada pelo discurso do corpo feminino fabricado pela publicidade, então esta dama tem vivido as contradições e vicissitudes dos padrões de beleza criados pela mídia, e a sociedade de consumo assume o papel de idealizá-la como ícone de perfeição após uso de produtos de estética. Pode-se considerar esse fato a partir daquilo que Lacan denominou de fase do espelho, uma vez que as imagens projetadas na mídia de massa fazem com que o enunciador e enunciatário estejam no plano da sedução um para com o outro, isto é, ambos deslocam-se de acordo com a memória discursiva suscitada pela campanha publicitária, levando consigo elevados níveis ideológicos de consumo.
Assim sendo, tais procedimentos levam a pessoa a construir sua personalidade “a partir da comparação de si mesmo com outros indivíduos, buscando as semelhanças e as diferenças para edificar sua individualidade.” (FIGUEIREDO, 2005, p.63). Nessa perspectiva, o discurso publicitário sobre o corpo feminino tem levado altos níveis de histeria às suas espectadoras. Portanto, leva-se a entender o que Freud, por meio da hipnose considerou como recalcamento de cargas libidinosas não devidamente canalizadas.
O discurso midiático pode ser visto aqui como sendo um indexador de sistemas semiológicos, porque lida com proposições e desejos variados os quais são produzidos no imaginário do leitor-espectador, sugerindo ainda que isso tudo, é uma nova visão mesmo fantasiosa do mundo que o cerca, porém ela [visão] é necessária para seu equilíbrio no meio social.
Assim, o corpo feminino apresentado na mídia é tutelado pela beleza física continua, isto é, na publicidade o corpo da mulher é colocado à prova do tempo, desde que seja aplicado a ele, produtos que o faça rejuvenescer. Entretanto, sabemos que esse discurso é uma estratégia da enunciação publicitária cujo objetivo é moldar o imaginário feminino de que a beleza física é requisito importante para se marcar posição diante do inconsciente masculino.
A manifestação do corpo na cultura contemporânea tem despertado bastante interesse […] A incursão do corpo como enfoque temático aborda os dispositivos de uma lógica de complexidade, para além de uma simples materialidade física/anatômica, ao considerar diferentes discursos articulados na construção conceitual de uma teoria e política do corpo. (GARCIA, 2005, p.168).
Hutcheon (2000) afirma que os corpos no contemporâneo, sobretudo, aqueles que estão sob as lentes da mídia, apresentam-se como elementos instigadores da psique humana, gerando com isso reminiscência do passado na qual a atividade fantasiosa aflora e constitui as experiências cotidianas e, que podem despertar desejos sexuais ainda escondidos.
Segundo Paiva (2000) todo esse processo realizado pela mídia sobre a beleza feminina consiste em leva à baila as questões relativas à sexualidade da mulher que, por seu turno, se fundamenta no drama da histeria[1].
“… não conseguir enfrentar e desfrutar de uma sexualidade plena de conjugação interpessoal real, em contorná-la pelo discurso e pelas formas voyeuristas, exibicionistas e vicariantes, nas quais continuam a condenação, a repugnância e a vergonha. É exatamente o que se observa na propagação pela mídia do erotismo pornográfico nos mais diversos níveis. (CHEBABI, 2000, p. 10 in prefácio à histeria da mídia, de Raquel Paiva, 2000).
É nesse viés que a publicidade atua e faz com que a mulher busque a preços altos o seu reconhecimento como instância de admiração e prazer significados pela fantasia de ser ou querer ser o outro. Segundo Barreto (2005), nessa perspectiva o corpo feminino é vislumbrado como configuração de sentidos discursivos na mídia e tende a se tornar signo efetivo de beleza, mexendo assim, com público masculino.
Na realidade, o encanto do corpo feminino no contemporâneo é falseado para que ele possa ser dessacralizado pela exposição nos meios de comunicação de massa: revista, jornais, outdoors, televisão e internet levam até o leitor-espectador corpos de mulheres que, embora imaginárias, preenchem os vazios psíquicos de cada um, transformando a mulher em voyeur de si mesma.
“[…] despojamento cultural brasileiro, ao evidenciar o corpo com certa facilidade e, sendo assim, elas consideram as relações afetivas/subjetivas endossadas pelo contágio do despudor: uma condução aberta nos interstícios enunciados de aproximações socioculturais.” (GARCIA, 2005, p. 169).
Sem dúvida, o desenvolvimento conceitual e expositivo do corpo feminino que se discute aqui é resultado de uma compreensão de que a massa de expectador foi transformada em voyeur que se de desfaz na diferença e nos sentimentos de pertença em cada lugar da enunciação publicitária sobre a beleza física do corpo, predominando, portanto a ilusão de que o desejo não realizado até então vai vigorar devido ao uso dos produtos ofertados pela publicidade, acabando assim com o drama da “gata borralheira”.
Por outro lado, criam e desenvolvem-se intimidades com a histeria e revelam-se a partir da regressão ao nível da infância no qual todo o corpo se encontrava em desenvolvimento e, portanto, a beleza na juventude é traço comum. Sabendo disso, a mídia transforma e coloca essa questão no palco das comparações, onde real e imaginado se confrontam como numa espécie de espetáculo burlesco.
Numa perspectiva dialógica, a espetacularização da beleza feminina a informação, segundo Baudrillard devora os seus próprios conteúdos numa espécie de antropofagia delirante. “Desabam a comunicação e o social em favor do espetáculo do funcionamento de seus instrumentos midiáticos.” Afirma o filosofo francês Jean Baudrillard. O real fica abolido pela urdidura do hiper-real. “O processo fica marcado pela circularidade, pela supressão da dimensão referenciadora constituída pela dimensão humana do trabalho, da dor e de tudo que possa indicar o sofrimento e a frustração”. (CHEBABI, 2000, p. 10. In prefácio à histeria da mídia, de Raquel Paiva, 2000).
Desse modo, a produção discursiva sobre a beleza feminina na mídia é ficcional e alienante em virtude de atingir o estado de torpor de seus usuários para praticar uma pedagogia particular, oferecendo uma transparência luminosa que apaga toda claridade existente na mulher real, pois o que se busca na verdade é a luz imaginária da também mulher fantasiosa que aparece na fotografia e vídeo.
O fascínio e a sedução que a beleza da mulher da mídia exerce sobre a mulher real são próprios da histeria a que elas se submetem devido à exposição e à excitação provocada pela exibição e pelo voyeurismo que o vídeo e televisão conferem a telespectadora a partir da hipnose da imagem luminosa da mulher fictícia da publicidade, fazendo com que a espectadora se torne personagem da trama.
Isso subliminarmente distribuído no discurso e na imagem das publicidades para disfarçar a dissimulação pública do sexual, como na histeria. Portanto, sua magia está na excitação decorrente da sucessão de quadros, onde se mostra o processo em que a mulher desfruta da beleza e da paisagem filtradas pela fotografia ou tomadas de câmera de vídeo na qual o artista é enquadrado.
Por fim, considera-se que, a mulher contemporânea orienta-se pelo binômio: mulher real e mulher abstrata, isto é, a primeira se mantêm de acordo com suas condições psicossociais, aceitando seu corpo conforme distribuição genética e, a segunda rompe totalmente com esse ponto, assumindo identidades abstraídas das mídias, as quais constroem para ela padrões de beleza e comportamento.
Bibliografias consultadas
BAUDRILLARD, Jean. Telemorfose. Rio de Janeiro: Mauad, 2004.
BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
CARVALHO, Nelly de. Publicidade: a linguagem da sedução. 3. ed. São Paulo: Ática, 2006.
HARVEY, DAVID. Condição pós-moderna. 9. ed. São Paulo: Loyola, 2000.
PAIVA, Raquel. histeria da mídia. São Paulo, Mauad, 2000.
SANTAELLA, Lúcia. Cultura das mídias. 3 ed. São Paulo: Experimento, 1996.
* Mestrando em Educação e Contemporaneidade, da Universidade do Estado da Bahia – UNEB e Professor de Linguagens e Educação, Literatura e Outras Artes, DCHT – campus XVI – UNEB – Irecê- BA.
[1] As reações histéricas apresentam manifestações no corpo e na mente. No corpo são alteradas as funções sensoriais e motoras, já na mente são alteradas a memória, as percepções e a consciência.
Uma pessoa histérica precisa de contato com outras pessoas e é incapaz de manter um relacionamento seja de qualquer espécie. “Até porque o temperamento histérico – instabilidade da vontade, alterações do humor, aumento da excitabilidade com diminuição de todos os sentimentos altruísticos – pode estar presente na histeria, mas não é absolutamente necessário para seu diagnóstico” FREUD, S. Publicações pré-psicanalíticas e esboços inéditos.In. Obras completas. Trad. Jayme Salomão,. Rio de Janeiro, Imago, 1987. V.I, p.75.