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Sobreviver

Maria Aparecida Francisquini

publicado em 21/01/2009

www.partes.com.br/reflexao/mafrancisquini/sobreviver.asp

Maria Aparecida Francisquini é psicóloga

E tudo se transforma num faz de conta. Vivemos, andamos, nos relacionamos, fazendo de conta. E cada vez aperfeiçoamos mais esta nossa capacidade de interpretar, de despistar, de fazer de conta.

Fazemos de conta que nem ligamos para as injustiças as quais presenciamos a todo momento. Fazemos de conta, que não é da nossa conta, os absurdos que acontecem, ali, ou até mesmo aqui, bem pertinho de nós, bem do nosso lado, na nossa frente e bem ao alcance dos nossos olhos. Não ouvimos, não sabemos, não vemos! Não nos interessa! Não tomamos conhecimento!

Nos anestesiamos, fechamos a boca, tampamos os ouvidos. E vamos, aos poucos, ou dependendo das circunstâncias, aos muitos, de forma bastante acelerada e assustadora, nos transformando em algo que fica até difícil definir, tamanha estranheza, falta de lógica e ausência de verdade, de autenticidade.

Andamos por aí, fazendo de conta. Que está tudo bem, ou melhor ainda, para ser mais condizente com o que aparentemente acontece, está tudo muito bem.
Aprendemos (?) que quanto mais indiferentes mais fortes somos. Fazer de conta é sensacional, é característica imprescindível para demonstrarmos superioridade!? Quanto mais não estamos nem aí, menos somos atingidos, mais chance temos de sobreviver!

Que não tem nada demais, por exemplo, ludibriar alguém com falsas promessas. Que dar esperanças a alguém, é simplesmente mais uma parte deste script que nos habituamos a seguir. Mentir está simples, e em alguns momentos, tenho a triste impressão que se tornou habitual. Parte integrante da personalidade dos habitantes deste planeta! Viver por aí, sem dar muita importância ao que antes nos era extremamente caro e imprescindível, como por exemplo, ser cordial, gentil.

Respeitar as pessoas, fazer a parte que cabe a cada um de nós para uma vida social harmoniosa, tranquila. E sorrimos, mesmo quando temos motivos de sobra para chorarmos muito. E balançamos a cabeça afirmativamente, diante de situações com as quais, no fundo do que ainda restou da nossa essência de seres humanos, discordamos veemente!
Estamos tão negligentes com a nossa consciência e com o nosso senso ético, que acredito que dentro em breve, eles serão extintos. Por falta de uso! Por não serem mais considerados importantes e muito menos úteis! Afinal, precisamos sobreviver! É a única possibilidade que resta, a todos aqueles que desistem de viver. Que insistem em simplesmente correrem em busca da sobrevivência.
Quando não se vive, quando se abre a mão desta oportunidade linda, fantástica, de realmente se viver, resta apenas, e desesperadamente, se buscar pelo menos, sobreviver!

E cada vez mais, um número maior de pessoas abre mão da vida. Pelos motivos mais variados, usando as justificativas mais elaboradas e até mesmo aparentemente convincentes, se desiste de viver.
Precisamos urgentemente sobreviver. A qualquer custo! De qualquer maneira!
Por que o mundo nos força a isso!? A desconsiderar importantes valores, a esquecer valiosos aprendizados, a abrir mão de sentimentos maravilhosos que todos trazemos dentro de nós.

Para correr em busca da sobrevivência, negligenciamos de forma aparentemente tão habitual, esta vontade imensa de viver de verdade que temos.
E cada dia ficamos mais distantes de tudo aquilo que realmente nos proporciona felicidade verdadeira, satisfação genuína. Afinal, fazer de conta que se está feliz, não é sentir felicidade. Se enganar que está tudo muito bem, não corresponde a um bem viver de verdade. Se ludibriar com falsas ideias de satisfação, não corresponde exatamente com uma satisfação real. Interpretar um papel de constante alegria, tranquilidade, serenidade, não é exatamente se sentir feliz, tranquilo e sereno.
Ficar alerta, com os olhos bem abertos, os ouvidos atentos. Sempre de prontidão! Para se defender, atacar, aproveitar bem as oportunidades que aparecem.
Não abrir mão, nem perder de vista, a necessidade enlouquecida de se dar bem, de se defender a própria sobrevivência. Não importa se nesta luta, o ataque maior seja direcionado a nossa possibilidade de viver.
Afinal, para se sobreviver, vale tudo. Tudo mesmo! Até matar a oportunidade de se viver plenamente! De verdade!

Maria Aparecida Francisquini

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