Por João Batista Mendes
Bueiros entupidos também são vilões das enchentes. Participação da população pode amenizar o problema
Tragédias como a que aconteceu no estado de Santa Catarina levam à reflexão sobre o que poderia ter sido feito para evitar. Sem dúvida, muitas atitudes poderiam ter sido tomadas. Qualquer aluno de Engenharia Civil aprende muito cedo que, para combater as enchentes, é preciso investir em medidas estruturais e não-estruturais.
No caso específico de Santa Catarina, o desmatamento e a ocupação das encostas, aliados a não-realização de um projeto hidráulico para minimizar o problema na região, acabaram resultando na tragédia.
Com o mês de janeiro se aproximando, fica difícil não fazer um paralelo com as cheias que castigam a cidade de São Paulo na temporada de verão. A cidade não possui o problema das encostas, mas conta com outros tipos de impasses. Há ocupações irregulares nas várzeas dos cursos d’água, uma grande impermeabilização da cidade, um rio com baixa declividade – que recebe todos os tipos de resíduos – e bueiros entupidos.
Certamente o problema das cheias em São Paulo exige investimentos estruturais, como a construção de piscinões, de diques e de reservatórios, além da canalização de córregos e de rios. No entanto, a cidade carece de medidas não-estruturais, que são tão importantes quanto as obras hidráulicas – possuindo um custo menor – mas que dependem da participação da população.
Medidas como a limpeza de galerias das margens dos cursos d´água, de bueiros, de calçadas, de terrenos baldios e, até mesmo, do quintal de cada munícipe são fundamentais e devem ser contínuas. Os cidadãos precisam se conscientizar de que o simples ato de jogar um papel na rua é prejudicial à cidade e pode ajudar a entupir um bueiro.
As cheias da cidade de São Paulo são tão históricas, que até o famoso pintor Benedito Calixto chegou a registrar uma. Os primeiros registros de cheia na cidade datam de 1929. Realizando uma retrospectiva, o governo de São Paulo criou, em 1951, o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) para gerenciar o uso da água e a geração de energia elétrica no Estado. A partir de 1960, começou a realizar obras visando minimizar o efeito das chuvas.
Na década de 1980, a capacidade da calha do Rio Tietê era de, aproximadamente, 600 m3/s, ou seja, 600 caixas d´água de 1.000 litros por segundo. No entanto, no ano de 1983, ocorreu uma grande cheia que paralisou toda a cidade, chegando a vazão do Rio Tietê a atingir mais de 1.000 m3/s na usina de Edgard de Souza, na região de Santana do Parnaíba.
No final desse mesmo período, foram realizadas obras para o aprofundamento da calha do Rio Tietê e, mesmo assim, ocorreu novamente uma grande cheia que paralisou a cidade de São Paulo na década de 1990. Diante do ocorrido, em 1995 o governo conseguiu um financiamento para uma nova obra de aprofundamento da calha do rio.
Inicialmente, foi realizado o aprofundamento de 16,5 quilômetros da calha do Rio Tietê – numa média de 2,5 metros de rebaixamento – entre o “Cebolão” e o lago da barragem Edgard de Souza, executado parcialmente no final dos anos 80 e retomado após a obtenção do novo financiamento em janeiro de 1998, sendo concluído em dezembro de 2000. O projeto contemplou também as obras de canalização do Rio Cabuçu de Cima, entre a foz do Rio Tietê e a Ponte Três Cruzes, obras que visaram à melhoria hidráulica e a sua conclusão.
Novas obras foram iniciadas em abril de 2002, na qual foram removidos cerca de 6,8 milhões de m³ de solo e de rochas, resultando em um aprofundamento médio de 2,5 metros, que ampliou a largura do canal entre 41 e 46 metros e aumentou a vazão do Rio Tietê de 640 m³/s para 1.060 m³/s, na altura do “Cebolão”.
Outras obras estruturais já realizadas em São Paulo foram os reservatórios para a retenção das ondas de cheia, construídos ao longo de alguns afluentes, que permitem que a capacidade da calha do Rio Tietê possa suportar o grande volume de escoamento superficial da região metropolitana.
Uma forma importante de intervenção não-estrutural é o Sistema de Alerta a Inundações de São Paulo (SAISP), que é composto por um radar meteorológico e por uma rede telemétrica de hidrologia, que monitora e prevê as intensidades das chuvas e os níveis dos cursos d´água na região metropolitana, assim como também o registro da situação dos piscinões.
O SAISP fornece subsídios ao Centro de Gerenciamento de Emergências da cidade de São Paulo, às Defesas Civis do Estado e aos municípios para que sejam realizadas intervenções para a prevenção e para medidas mitigadoras voltadas aos casos de emergência. É preciso salientar que existe hoje uma grande integração para ações desse tipo em todo o Estado de São Paulo.
A conclusão é a de que os órgãos responsáveis possuem um mapeamento das regiões de risco e dos pontos de alagamentos na cidade. Existem pontos estratégicos monitorados 24 horas por dia, para avaliar os níveis de chuva e dos rios. Muitas obras foram realizadas e outras tantas estão para ser feitas. Mas só isso resolve?
Não há como ter dúvidas de que a conscientização e a participação da população é muito importante para evitar o agravamento das cheias. O simples ato de jogar um papel no chão pode liquidar com todo e qualquer investimento realizado, colocando em risco a vida de diversas pessoas. E, não raro, até sofás são vistos boiando no Tietê!
João Batista Mendes é doutor em Engenharia Civil pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Nove de Julho (UNINOVE).