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A arte de se relacionar: (re)pensando o espaço escolar

Amanda de Souza Vargas[*]Ivete Souza da Silva*

publicado em 01/11/2008 como <www.partes.com.br/educacao/artederelacionar.asp>

Amanda de Souza Vargas é pedagoga Licenciada pela Universidade Federal de Santa Maria

Difícil arte esta, a de se relacionar! Somos todos e todas diferentes, cada um com suas particularidades: cultura, valores, etnias, classe social, etc. Sem falar nas características pessoais: qualidades, defeitos, personalidade, caráter, enfim. E, além disso, a concepção que cada um faz dos “atributos” mencionados anteriormente. Agora, imagine todas estas características, e mais algumas que você achar necessária, dentro de um espaço, no caso, o ambiente escolar. Imaginou?! Agora, imagina dentro de uma sala de aula, todas essas pessoas convivendo em um espaço limitado. Este é apenas, um, dos espaços da sociedade em que todas as culturas se encontram e se relacionam. Pensar e viver nesse espaço, independentemente do papel que ocupamos nele, não é tarefa simples.

Nós, homens e mulheres, estabelecemos na sociedade, ao longo da história, regras de convivência conforme a época e o contexto em que vivemos. Na escola não foi diferente. Muitas foram e são, as maneira de se pensar a relação humana neste espaço social. Pensamos a relação professor(a)/aluno, a professor(a)/professor(a), a aluno/aluno, isso sem falar nas relações entre os outros sujeitos do espaço escolar, pois este não é formado, somente, por docente e discente. Todas essas relações estão interligadas neste espaço, embora demos aqui maior enfoque para a professor(a)/aluno(a).

Vários foram os momentos da Pedagogia em que se discutiu/refletiu sobre o papel destes dois atores – docente/discente – na educação. Nós enquanto Pedagogas, considerando nossa vivencia no espaço escolar, ao longo do curso e, também, no decorrer da nossa trajetória de vida, carregamos conosco algumas inquietações a respeito desta temática. Desta forma temos, por meio deste artigo, a pretensão de fazermos algumas discussões e reflexões a respeito da instigadora relação, professor(a)/aluno(a). Assim nos “utilizaremos” de algumas teorias da educação, para fazer este ensaio. Através delas gostaríamos de (re) lembrar, como era ou deveria ser a relação do professor(a) com seus alunos no decorrer da história. Neste resgate, convidamos você leitor e leitora, para refletirem sobre como esta relação (professor(a)/aluno(a)) é vivenciada na contemporaneidade. Será que é tão diferente das vividas tempos atrás? Vamos então as teorias as quais, serão citadas respectivamente: Pedagogia Tradicional, Pedagogia Nova e Pedagogia Tecnicista.

Ivete Souza da Silva é pedagoga Licenciada pela Universidade Federal de Santa Maria. Mestranda em Educação (PPGE/UFSM)

A primeira, Pedagogia Tradicional estabelece, conforme (SAVIANI, 2000, p: 6) que: “O mestre-escola será o artífice dessa grande obra. A escola se organiza como uma agência centrada no professor, o qual transmite segundo uma gradação lógica, o acervo cultural aos alunos. A estes cabe assimilar os conhecimentos que lhe são transmitidos”.

Nesta teoria, o professor(a) é visto como ator principal do processo educativo. Dono de “todo” o saber, é ele(a) que “estabelece” as relações. Os saberes que os alunos(a) possuem não são considerados neste cenário  de ensino. Aqui o professor é visto como peça principal do processo de ensino e aprendizado. A sociedade os vê como grande detentor do saber e, por isso este sujeito, o professor (a), é respeitado pela sociedade. Acreditamos que foi nesta fase da história da pedagogia, que o professor (a) teve maior valorização na sociedade, porém o aluno (a) era visto, como mero receptor. Deveria obedecer às regras e pronto! Decorar o que lhe era explicado e nada mais! Pois, o “mestre” era o dono do saber, e a ele (a) não era permitido o erro. Esta forma de relação pode-se comparar a “educação bancaria” colocada por Freire (1983) em seu livro Pedagogia do Oprimido, na qual o aluno era tratado como “deposito de conhecimentos”, sendo incapaz de pensar e criar. Aos alunos caberia a “obediência dócil”, pois neste processo “o educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos os que seguem a prescrição” (1983).

Com a Pedagogia Nova o cenário muda completamente, ao menos teoricamente. Nesta, “O professor agiria como um estimulador e orientador da aprendizagem cuja iniciativa principal caberia aos próprios alunos” (SAVIANI, 2000, P.9). Agora o aluno (a) passa a ditar as regras do jogo. Ao professor (a), antes ator principal, cabe o papel de mediador. Inicia-se então uma série de cobranças ao tão respeitado, dono do saber, o senhor (a) professor (a). Concordamos com o fato de que o aluno (a) precisava ser ouvido neste espaço social que é o ambiente escolar, porém, a que se convir que os papeis inverteram-se totalmente. De mero sujeito receptor a criança passa a ser o centro das atenções, dá-se a ela todo o “poder” do ensino e se esquece do sujeito professor (a). As relações estabelecidas entre estes dois atores do processo educativo modificam-se – ou devem ser modificados, considerando a teoria – muito rapidamente. Acostumado a ter certeza de seus atos, o professor inicia agora, um período de infinitas perguntas sem respostas. E o aluno (a) acostumado a apenas ouvir sem questionamentos passa ser o “senhor dos direitos”.

Na última, a Pedagogia Tecnicista, o (a) professor (a) e o (a) aluno (a) ocupam lugares secundários no Sistema de Ensino.

(…) o elemento principal passa a ser a organização racional dos meios, ocupando o professor e o aluno posição secundária, relegados que são à condição de executores de um processo cuja concepção, planejamento, coordenação e controle ficam a cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos, imparciais. A organização do processo converte-se na garantia da eficiência, compensando e corrigindo as deficiências do professor e maximizando os efeitos de sua intervenção.(SAVIANI, 2000, P.13).

Seguindo os padrões do sistema capitalista, no qual se precisa de pessoas puramente “racionais” e objetivas, a escola é pensada como uma empresa e, a relação professor (a) /aluno (a) deve ser apenas profissional. Infelizmente, nesta concepção de educação não é, a nosso entender, considerado as relações humanas por assim dizer, pois em nenhum momento leva-se em conta o “material” de trabalho do professor (a), no caso o (a) aluno. Como ser neutro na educação? Como não considerar a diversidade de cada um? Ao pensar a escola como uma empresa técnica, organizada, objetiva e neutra anula-se o caráter humano, ou melhor, tem-se outra concepção de “humano”. O ator docente, nesta perspectiva da educação não é se quer ouvido. A ele só são feitas cobranças que, mais tarde, serão repassadas ao seu “material de trabalho” – o aluno (a).

Há que se pensar que, sendo a escola uma “extensão” da sociedade não se pode, nem se deve, desconsiderar as relações estabelecidas durante o convívio entre as pessoas. Este é apenas, mais um, dos ambientes de socialização, por isso, devemos exercitar a arte do amor e do respeito, consigo e com o outro.

 Gostaríamos aqui de fazer um parêntese sobre a ideia de relação, implícita nestas duas teorias, relacionando-as com a ideia de relações humanas que Humberto Maturana (2002), em seu livro Emoções e Linguagem na Educação e na Política, discute fundamentando-se no domínio explicativo da objetividade. Para este autor as relações humanas, seguindo a ideia de objetividade, acontecem de duas maneiras: objetividade-entre-parênteses e objetividade-sem-parênteses. Na primeira

(…) não há verdade absoluta nem verdade relativa, mas muitas verdades diferentes em muitos domínios distintos. Neste domínio explicativo existem muitos domínios distintos da realidade, como distintos domínios explicativos da experiência fundados em distintas coerências operacionais e, como tais, são todos legítimos em sua origem, ainda que não sejam iguais em seu conteúdo, e que não sejam igualmente desejáveis para serem vividos (MATURANA, 2002, p.48).

 Agindo pela objetividade-entre-parênteses, estaremos operando dentro da legitimidade do mundo e do outro. Considerando esta relação nos “fenômenos sociais do conhecimento e da linguagem”, podemos imaginar aqui a sala de aula, para que o explicar do professor seja validado, este não pode negar a realidade de quem está a tentar lhe entender. Para Maturana, é interessante que, como forma de validar nossa explicação, de maneira tal que o que estamos tentando dizer, seja válido e, portanto, significativo para o outro, devemos, antes, tentar entender e/ou considerar o emocionar em que o outro se encontra. O emocionar para o autor é o estado em que a pessoa se encontra para querer entender ou realizar determinada ação. É o emocionar que move nossas ações e atitudes. Emocionar é tudo aquilo que sentimos, bom ou ruim. O emocionar envolve a situação em si que estabelece o ambiente, está em nossa biologia. “Se a biologia se altera, altera-se o raciocinar; mais ainda, se mudamos de domínio emocional, muda nosso raciocinar.” (MATURANA, 2002, P: 51). Logo, considerar o emocionar do aluno(a), seu “estado de raciocínio” é de grande importância para que o professor possa se fazer entender e assim, validar sua explicação. Outro aspecto interessante de se pensar é que o professor, percebendo que seu aluno está em um emocionar não colaborativo para que possa lhe entender, busque maneiras de proporcionar com que o aluno mude de emocionar. É a forma para se fazer isso está na mudança de ambiente, está na forma como as relações estão sendo estabelecidas.

Se estabelecermos nossas relações partindo da objetividade-sem-parênteses, não estaremos agindo na “aceitação mutua”, pois, “neste caminho explicativo, afirmamos que somos objetivos porque dizemos que o que falamos é valido independentemente de nós. Ao mesmo tempo, neste caminho toda verdade objetiva é universal, ou seja, válida para qualquer observador, porque é independente do que ele faz” (MATURANA, 2002, P. 47).

A “teoria” colocada por Maturana sobre as relações humanas, nos remete às relações estabelecidas entre docente e discente, nas teorias pedagógicas citadas acima – pedagogia tradicional, pedagogia nova e pedagogia tecnicista -, assim como também as observações realizadas nas escolas. Nestas teorias um sujeito é negado pelo outro, suas relações partem da ideia de objetividade-sem-parênteses. Na pedagogia tradicional o aluno era negado completamente, as explicações do professor (a) passavam distantes da realidade vivida pelo aluno. E, embora, a pedagogia nova traga o aluno (a) como centro das atenções ela continua negando-a, pois o deixa como único responsável por seu desenvolvimento negando, também, o professor (a). Mais tarde estes dois atores da educação são negados no espaço escolar, ou melhor, o próprio espaço escolar é negado como ambiente socializador. E ainda hoje, tanto professores (as) como os (as) aluno (as) sofrem as consequências destes tempos. Aos professores e professoras cabe driblar as cobranças que lhe são feitas pela sociedade, que costuma, muitas vezes, dar “pitaco” sobre como deve ser realizado seu trabalho.

As relações instituídas entre professor (a) e aluno (a) foram diversas umas das outras durante a história da pedagogia, porém nunca deixaram de existir. Hoje o que observamos na sala de aula é, sem dúvida, uma relação mais fundamentada na aceitação do outro (MATURANA, 2002). Quando nos referimos a uma relação de respeito e carinho, não significa que a disciplina e a autoridade não estejam presentes, pelo contrario. Mas, sim, estamos fazendo referência a um espaço baseado na afetividade e no diálogo (FREIRE, 1983) onde, tanto educadores(as) com educandos(as) se reconheçam como legítimos. Estabelecendo assim uma objetiva-entre-parênteses, discutida por nós anteriormente.

Levar em consideração as vivências dos (as) alunos (as) faz com o aprendizado seja mais significativo. Ouvir, dialogar, entre outras, são ferramentas que estão aliadas ao sucesso escolar, e estas não devem ser esquecidas por nós educadores e educadoras. Considerar as vivências do outro o qual estamos nos relacionando é primordial para que o aprendizado aconteça.

REFERÊNCIAS BILBIOGRAFICAS

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1983.

MATURANA, R. H. Emoções e Linguagens: na educação e na política. Belo Horizonte – MG. UFMG, 2002.

SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre educação e política. 33.ª ed. revisada. Campinas: Autores Associados, 2000.

*Pedagoga Licenciada pela Universidade Federal de Santa Maria.

*Pedagoga Licenciada pela Universidade Federal de Santa Maria. Mestranda em Educação (PPGE/UFSM)

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