João Francisco Salomão
publicado em 27/10/2008
A crise financeira internacional, desencadeada pelo crash das hipotecas imobiliárias nos Estados Unidos, terá inevitáveis reflexos no Brasil caso se prolongue por muito tempo. Felizmente, não foi rompida a blindagem de nosso universo financeiro. Além disso, os atuais fundamentos básicos da economia permitem analisar com certo otimismo os impactos que poderemos enfrentar. Refiro-me à reserva cambial superior a 200 bilhões de dólares, ao contingenciamento da dívida externa, à boa performance das exportações, ao aquecimento do mercado interno e à solidez do sistema bancário nacional. A despeito desses fatores favoráveis, contudo, a Bolsa de Valores (Bovespa) já amarga significativas perdas e o dólar sobe.
Num contexto geral, a volatilidade da crise financeira dificulta a avaliação imediata dos impactos. No entanto, ante a clara constatação de mudanças preocupantes no quadro internacional, é imprescindível que o Brasil dê continuidade a ações que lhe permitam avançar em sua agenda de desenvolvimento e modernização, reforçando sua capacidade de convivência com o novo cenário mundial.
Um dos desafios a serem enfrentados em curto prazo é a redução das linhas de crédito. Nesse sentido, a preservação das fontes de financiamento aos empreendimentos produtivos é estratégica para garantir a continuidade do processo de transformação do País, em especial do Acre, que vive um momento muito positivo de investimentos. É preciso aumentar a poupança doméstica e conter, com urgência, os gastos públicos correntes. Mais do que impedir seu aumento, deve-se reduzi-los, principalmente os relativos ao custeio, preservando-se os investimentos. No Acre, por exemplo, os investimentos estatais previstos ainda não foram interrompidos, mas, infelizmente, não podemos dizer o mesmo dos privados.
Nesse novo contexto que se apresenta, a política monetária deve mostrar-se especialmente atenta às necessidades de prover liquidez aos agentes econômicos. Para isso, é imprescindível reavaliar a intensidade da política monetária em execução, que não foi dimensionada para a situação atual. A elevação do custo do crédito, com o aumento dos spreads bancários, causa grandes dificuldades às empresas. Assim, os impactos da crise irão alcançar as empresas brasileiras e o ritmo de expansão da economia.
São três os principais meios de transmissão da crise no Brasil: mudança brusca no patamar do câmbio, menor disponibilidade de crédito internacional e redução da demanda externa pelos produtos brasileiros. Os dois primeiros têm impacto mais imediato, enquanto o terceiro irá apresentar-se de maneira progressiva, à medida que o comércio mundial perca dinamismo. Por tudo isso, é normal que os empresários sejam mais parcimoniosos na análise de novos investimentos.
Foi muito importante a aprovação pelo Congresso dos Estados Unidos e a sanção pelo presidente George W. Bush, do pacote de 850 bilhões de dólares, para socorro ao sistema financeiro. Este plano de contingência, acrescido de medidas semelhantes adotadas na Europa, é a única alternativa capaz de evitar o pior neste momento. É verdade que essa imensa quantidade de dinheiro — maior do que o PIB do Brasil e quase igual ao do Canadá — sairá do bolso dos contribuintes, já que virá dos impostos. O povo norte-americano pagará a conta de um equívoco histórico, que é a liberalidade radical, princípio pelo qual seria inconcebível o controle e fiscalização dos financiamentos. Isto certamente será revisto. A prática mostrou que a economia livre e as leis de mercado são a melhor alternativa para a humanidade, mas não se pode deixar de fiscalizar a saúde e liquidez do sistema financeiro e de crédito.
Em termos mundiais, a situação é realmente grave. Assim, não havia opção, a não ser o pacote de resgate. O mundo agradece. Afinal, na economia contemporânea, uma hipoteca não paga nos Estados Unidos pode tirar o emprego de um seringueiro acreano…
*João Francisco Salomão é o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Acre (FIEAC).