Ewerton Reubens Coelho Costa
publicado em 20/09/2008 como<www.partes.com.br/turismo/gastronomico/gastronomia01.asp>
Resumo
A gastronomia, como qualquer outra área do conhecimento, exige sensibilidade e percepção. Enquanto categoria cultural a gastronomia, com seu poder de atração, promove a busca pelas delícias produzidas e acaba gerando visitação a lugares pelo fato deste possuírem uma identidade gastronômica como diferencial.
Palavras-chave: Gastronomia, turismo, identidade, diferencial.
Abstract
Gastronomy: the most seductive of tourist attractions.
The gastronomy, like any other area of knowledge, requires sensitivity and perception. While the category cultural the gastronomy, with its power of attraction, motivates the search for the delights produced and generating visits to places just because of this have a gastronomic identity as differential.
Keywords: Gastronomy, tourism, identity, differential.
1. INTRODUÇÃO
A gastronomia (do grego antigo ãáóôñïíïìßá; ãáóôñüò [“estômago”] e íïìßá [“lei”/”conhecimento”], literalmente as leis do estômago) é a ciência que envolve a culinária, as bebidas, os ingredientes (especiarias, temperos, farinhas, queijos, etc.) usados nos preparos das refeições, os utensílios que são exigidos no preparo dos pratos e todos as características culturais ou não, a ela associadas. Entretanto, não se deve confundir gastronomia com a culinária (arte puramente da confecção dos alimentos), nem com a nutrição e dietética (que examinam a alimentação no ponto de vista da saúde e medicina).
Concebe-se, neste trabalho a gastronomia como elemento cultural, não somente por satisfazer a necessidade básica da alimentação, mas por se configurar como símbolo que pode integrar as relações sociais humanas nas diferentes sociedades, sobretudo nas atividades turísticas.
2. A GASTRONOMIA E O TURISMO
A gastronomia é uma alquimia. Nem todo mundo sabe manipular com exatidão a quantidade certa de ingredientes para agradar a todos os paladares. Aliás, nem todo mundo gosta de fazer isso também. E um bom prato não pode estar mais ou menos. Ele tem que estar EXCELENTE – afinal, o Chef, sempre espera por ouvir: Hum, que maravilha!
O diferente torna-se original, encantador e a identidade local é fortalecida. A gastronomia, destacada como um dos produtos do turismo cultural, possibilita esse desenvolvimento por ser um dos elementos mais marcantes da identidade de um povo. A degustação de alimentos e bebidas típicas possibilita interação do visitante com a cultura local, evidenciando a importância cada vez maior que a gastronomia está assumindo para o turismo; principalmente no que diz respeito aos restaurantes especializados em comidas típicas. (Santos, 1996, p.469)
Como diria Savarin (1995): ”A gastronomia é um ato do nosso julgamento pelo qual damos preferência às coisas agradáveis ao nosso paladar em detrimento daquelas que não tem qualidade”. E a capacidade de criar na gastronomia é um verdadeiro fenômeno. Não somente pelos surgimentos das delícias desenvolvidas com os ingredientes mais exóticos ou inimagináveis, ou mesmo pelas quantidades de utensílios específicos elaborados para atender as necessidades dos Chefes (e até mesmo, atender as precisões dos donos-de-casa e de empreendedores que trabalham no ramo da alimentação) valorizando o alimento cada vez mais – e cobrando caro por isso.
A gastronomia enquanto fenômeno já vem sendo observada pelo turismo a um certo tempo, e passou a ser utilizada como elemento motivador para atrair visitantes. No turismo a gastronomia sempre foi fundamental. Afinal os visitantes sempre necessitaram de refeições durante suas viagens desde os mais remotos tempos até hoje – e dificilmente isso mudará. Outro fato de grande importância para a gastronomia no turismo, sobretudo nos países continentais como o Brasil, é poder encontrar uma multiplicidade de pratos distintos e dos hábitos alimentares de cada região visitada. Ressalva-se que, desde a época das Grandes Navegações (séc. XV), com o uso intenso do intercâmbio dos alimentos, das especiarias, dos condimentos, dos hábitos alimentares juntamente com a imigração dos povos, a gastronomia mundial enriqueceu o seu valor cultural. se observarmos, isso ocorreu por conta de viagens de exploração.
A maior, mais forte e definitiva influência sobre a culinária brasileira é a portuguesa, cuja marca está na maneira de preparar os alimentos, no uso do doce e do sal, na fritura, nos refogados, nos cozidos e sopas (…) Mas também recebemos vários ensinamentos dos indígenas, sendo que a maior herança foi a farinha de mandioca. Já dos negros tivemos o inhame, o azeite-de-dendê, o quiabo, o cuscuz, a galinhad’angola e a melancia. (…) Não podemos nos esquecer ainda da influência dos povos imigrantes, principalmente da Europa e da Ásia. (Leal, 1998, p. 123)
Isso nos leva a crer na teoria de Lavouisier: “numa cozinha tudo se transforma, nada se perde”. Ingredientes cultivados com técnicas semelhantes em todo o mundo são preparados de formas distintas de acordo com a cultura local. Ignarra (2002, p.28) afirma que um atrativo turístico “é um recurso natural ou cultural que atrai o turista para visitação”. Seguindo este raciocínio, subentende-se que a gastronomia pode ser considerada, enquanto elemento cultural, como um atrativo para o turismo.
Por ser o turismo uma atividade que atende os desejos humanos durantes seus momentos de lazer e entretenimento, a gastronomia preencheria a uma das necessidades fundamentais do homem: a alimentação. E com o aparecimento do regionalismo, se contrapondo com a globalização, percebe-se o interesse das pessoas por locais que sirvam pratos étnicos, regionais, específicos e preparados da forma como os ancestrais o faziam.
Elias (1997) e Bourdiue (1983) afirmam que o os hábitos alimentares são produzidos pelo que denominam de HABITUS. Enquanto Elias acredita que esse Habitus seja uma espécie de “saber social incorporado” e sedimentado no indivíduo. Bourdiue o considera como “disposições internalizadas e naturalizadas” em relação ao uso de ideias com as práticas. Isso significaria que o Habitus acaba criando hábitos que podem ou não sofrer mudanças com o passar do tempo.
Toda a existência humana decorre do binômio Estômago e Sexo. A Fome e o Amor governam o mundo, afirmava Schiller.(…) O sexo pode ser adiado, transferido, sublimado noutras atividades absorventes e compensadoras. O estômago não. É dominador, imperioso, inadiável. (…) A Fome faz cessar o Amor, diziam os gregos (Cascudo, 1983, p. 21).
Se observarmos bem, a gastronomia é um elemento tão presente na vida brasileira que as pessoas fazem uso do verbo comer para representar até o ato sexual – quem “come” (representação do papel ativo da masculinidade) e quem é “comido” (representação da passividade, tida como elemento feminino).
Se a comida é tratada como um código, as mensagens que ela codifica serão encontradas no padrão das relações sociais que estão sendo expressas. A mensagem trata de diferentes graus de hierarquia de inclusão e exclusão, de fronteiras e transações através de fronteiras. (Douglas, 1972, p.61)
O desenvolvimento da atividade turística e suas relações sociais acabam trazendo uma afirmação dos hábitos tradicionais da comida nos locais de turismo, fazendo com que os fornecedores de alimentos sintam a necessidade de aprender e fabricar pratos tradicionais da região local para que o cliente possa apreciar e conhecer, por meio do paladar, os hábitos alimentares daquela região em visitação.
A través de sus preferências y aversiones las personas comunican su identidad y cuando emigran llevan consigo reforzando su sentido de pertenencia a lugar que dejaron. Asimismo, van creando una cocina de caráter étnico utilizada con mucha frecuencia en el turismo para resaltar uma cultura en particular”. (Schlüter, 2003, p.154)
É interessante como a atividade turística pode fortalecer seus destinos através da gastronomia. O Vale do Rio dos Sinos e as Serras Gaúchas Brasileiras, por exemplo, tornaram o “café colonial” conhecido no mundo todo com a integração de circuitos gastronômicos que servem as iguarias doces e salgadas produzidas pelos imigrantes europeus daquela região. O atrativo talvez se dê pelo fato dos pratos oferecidos no café colonial serem produzidos como “antigamente” – afinal, hoje em dia tudo se pode comprar tudo feito de modo industrializado e congelado.
Outro fator de grande importância para o turismo é a infinidade de restaurantes, cada vez mais especializados e sofisticados na comida regional, nacional e internacional que surgem nos centros turísticos. Dutra (1991, p.17), comenta que “a culinária atua como um dos referenciais do sentimento de identidade: é por sua característica de portable […] que ela pode se tornar referencial em terras estranhas”.
Um caso interessante a ser observado no turismo e que reafirmaria o comentário de Dutra feito anteriormente, é o uso dos Fast-Foods (como McDonalds, Pizza Hut, Burger King, Habib’s, entre outros): onde o turista, mesmo que nunca tenha frequentado esses empreendimentos na sua cidade de origem os utilizam nas viagens como fonte “segura” de alimentação.
Outra análise importante, sobre o uso dos fast-foods, seria a observação do consumismo pelo uso de marcas utilizadas por multinacionais do ramo da alimentação, as quais se aproveitam de um “modelo padrão” para desenvolver e criar seus produtos, tornando-os os mesmo em todos os cantos do planeta. Logo, a marca – neste caso – se tornaria um elemento “confiável” para o turista no momento do consumo de alimentos durante suas viagens; seria, um ícone de “comida segura” no meio da variedade de empreendimentos gastronômicos desconhecidos no destino visitado. Franco (2001, p.231) classifica este processo como “”MacDonaldização, sendo caracterizado pelo fim da função social da refeição, que perde “elementos de ritual de comunicação e intercâmbio humano, transformando-se em mera operação de reabastecimento”.
Acredita-se que a gastronomia no turismo tenha tido mais expressividade a partir de 1945, por conta do turismo de massa no mundo todo. Pode-se até ir mais além, citando, por exemplo, o Moulin Rouge e Maxim’s, como os restaurantes turísticos franceses mais importantes até hoje, que aliaram espetáculos durantes as refeições. Em Fortaleza-CE, o Pirata Bar estaria como um exemplo local de empreendimento gastronômico que usa a tradição de somente abrir na segunda (como diria a reportagem do The New York Times: “é no Pirata a segunda-feira mais animada do mundo”), oferecendo seus espetáculos musicais regados a petiscos tradicionais da culinária local. Outro empreendimento turístico que atrai visitantes com a gastronomia é os Zás Traz, casa de espetáculos muito frequentada por turistas que frequentam a cidade de Natal-RN, onde apresenta nos seus shows autos, folguedos e festejos típicos do Estado do Rio Grande do Norte.
A gastronomia faz parte da nova demanda por parte dos turistas de elementos culturais. Como patrimônio local, está sendo incorporada aos novos produtos turísticos, permitindo que pessoas da própria comunidade sejam envolvidas na produção desses elementos, participando do desenvolvimento sustentável da atividade. (Santos, 1996, p.469)
Os festivais gastronômicos, também, devem ser mencionados como elementos motivadores para o turismo. Estes eventos são sempre uma excelente oportunidade de se conhecer as novidades gastronômicas, os novos profissionais e seus apoiadores no trade turístico. Esse tipo de festival está sempre associado a outras demonstrações artísticas o que acaba resultando numa saborosa e divertida festa que atrai não só visitantes, mas mobiliza toda a comunidade e, inclusive, promove a geração de divisas e de emprego para os habitantes da região onde é realizado. No Ceará, O Festival de Vinho de Guaramiranga (realizado em novembro em Guaramiranga, cidade do maciço de Baturité), O Festival da Sardinha da praia da Caponga (realizado em junho no município de Cascavel, 55 km de Fortaleza), a Festa do Escargot e dos Frutos do Mar da praia da Taíba (realizada em agosto no município de São Gonçalo do Amarante, 65 km de Fortaleza), são exemplares primorosos de como se deve acabar com a sazonalidade do turismo usando a gastronomia como atrativo.
2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O uso da gastronomia no turismo fortalece o crescimento e o desenvolvimento destas duas atividades simultaneamente. Isso se deve ao fato do turista ou visitante resolver experimentar pratos e drinques diferenciados daqueles que normalmente ele consome no seu lugar de origem.
Os distintos hábitos alimentares das regiões brasileiras, por exemplo, expõem o poder da diversidade gastronômica que um país é capaz de oferecer aos seus visitantes. Isso faz da gastronomia uma atividade que conecta a sociedade com os seus elementos culturais para fortificar as tradições da elaboração e das formas de preparos de alimentos e bebidas, tornando-os “pratos e bebidas típicas”, que se configuram como fortes atrativos turístico-culturais os quais motivam à visitação dos “curiosos” – pelo fato de serem bebidas e pratos diferenciados dos que são comumente consumidos no dia-a-dia.
A realização de festivais gastronômicos pode ser uma saída para acabar com a sazonalidade do turismo, bem como evitar o esquecimento das formas de preparo de pratos e bebidas típicas que estão se perdendo com o tempo. E o interesse do turismo pela área gastronômica pode ajudar no resgate das antigas formas de preparo dos alimentos e bebida, fazendo com que os mesmo não se percam no tempo.
Nos estudos da atividade turística é pouca, ou quase inexistente, a bibliografia sobre turismo gastronômico. Geralmente, resume-se em pequenos parágrafos nos livros dos grandes sabedores do turismo, ou contados artigos científicos que tratam do assunto. Ocorrência esta, que é preocupante se considerarmos que a gastronomia pode ser – em alguns casos específicos – o elemento de maior importância para a sobrevivência do destino turístico.
BIBLIOGRAFIA
BOURDIEU, Pierre. Les sens pratique. Éditions de Minuit. Paris: 1983.
CASCUDO,Luis da Câmara. História da alimentação no Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia,1983.
DOUGLAS, Mary. Decipering a meal. Daedalus, Winter 1972, p. 61.
DUTRA, Rogéria Campos A. A boa mesa mineira. Um estudo de cozinha e identidade. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ /Museu Nacional / PPGAS. Rio de janeiro, 1991, p.17.
ELIAS, Norbert. Os Alemães. Jorge Zahar Editor. Rio de janeiro: 1997.
FRANCO, Ariovaldo. De caçador a gourmet: uma história da gastronomia. São Paulo: Senac 2001, p.234.
IGNARRA, Luiz Renato. Fundamentos do Turismo. São Paulo: Pioneira Thomson Lerning, 2002.p.28.
LEAL, Maria Leonor de Macedo Soares. A história da gastronomia. Rio de Janeiro: Ed. SENAC Nacional, 1998.
SANTOS, Cristiane Nunes dos. Gastronomia e turismo como vetores do desenvolvimento. Anais do 11º Seminário de Iniciação Científica da UESC – Ciências Sociais Aplicada, Ano XVII, n. 56, dez., 1996. p. 469.
SAVARIN, Brillat. A filosofia do gosto. Rio de Janeiro: Cia. Das Letras. 1995.
SCHLÜTER, Regina. Turismo y patrimonio gastronômico. Ciet. Buenos Aires, 2003, p. 154.
[1] Graduado em Gestão de Turismo pelo Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará CEFETCE. E-mail: ewertonreubens@hotmail.com.