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O universo da dança e sua singularidade: possibilidades no contexto da educação física escolar

Alexandra Rosa Silva*

publicado em 11/09/2008 <www.partes.com.br/educacao/universodadanca.asp>

 

Deixar o corpo dançar é deixar-se arrebatar pelo movimento, mas é também deixar o corpo conhecer diferentes formas de dançar para poder optar pela sua melhor maneira de fazer dança (Dantas, 1990).

 

A dança no contexto da Educação Física

Alexandra Rosa e Silva é licenciada em Educação Física (CEFD/UFSM), especialista em Ciência do Movimento Humano (CEFD/UFSM), mestranda em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação (CE/UFSM).

A dança não é uma exclusividade da Educação Física, mas um conhecimento da humanidade que pode e deve ser estudada na escola em diferentes áreas, e os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) abrem espaços para o trabalho com a dança em aulas de Educação Física, fazendo-se necessário refletir sobre sua atuação dentro desse contexto. Encontramos também, muitos autores[1] nacionais que apresentam um corpo de conhecimento que fundamentam e justificam a dança no contexto escolar em aulas de Educação Física, em cursos de graduação e até mesmo em cursos de especialização, nos dando respaldo para inclui-la em nossas aulas.

Neste sentido, trabalhamos na perspectiva do dançar e de sua vivência no espaço escolar em aulas de Educação Física, como conteúdo formativo para ambos os sexos, pois acreditamos que na Educação Física podemos, a partir do movimento, tratar questões inerentes à vida humana em diferentes níveis de complexidade, fazendo ligações com a realidade e com o mundo vivido dos alunos. O professor pode desenvolver estratégias com os alunos, abolindo pensamentos e práticas tradicionais, neste caso a partir do conteúdo dança, permitindo ao longo do processo, mudanças e uma abertura maior na participação dos alunos em relação ao conteúdo e tudo aquilo que pode estar relacionado a ele.

Desta forma, buscamos “materializar” as possibilidades de propostas de ensino da dança na escola, pois concordamos com Marques (2003), quando afirma que a escola pode oferecer parâmetros para a sistematização e apropriação crítica, consciente e transformadora dos conteúdos específicos da dança, deixando de reproduzir para instrumentalizar e construir conhecimento em/por meio da dança com seus alunos “pois ela é forma de conhecimento, elemento essencial para a educação do ser social” (Marques, 2003, p.24).

O dançar e as possibilidades metodológicas

Para Marques (1999), uma postura crítica em relação ao ensino de dança engloba conteúdos que são bem mais amplos e complexos do que uma coreografia de carnaval ou a reprodução de uma dança folclórica. Como professores, temos que trabalhar de maneira crítica as mensagens contidas nos movimentos, por exemplo, os ensinamentos em relação ao gênero contidas nos movimentos da quadrilha. Poderíamos introduzir em nossas salas de aula momentos de reflexão, pesquisa, comparação, desconstrução das danças que apreciamos (ou não) e assim, podermos agir critica e corporalmente em função da compreensão, desconstrução e transformação de nossa sociedade. Desta forma, estaremos trabalhando as dimensões conceituais, procedimentais e atitudinais dos conteúdos.

A dança como cultura de movimento apresenta uma rica cultura do movimentar-se porque é uma das manifestações mais ligadas ao homem como sujeito da sua história, permeando uma riqueza de sentido/significados do mundo vivido. O movimento, portanto, não é somente algo físico, mas um movimento intencional construído dentro de um contexto vivido pelo homem que o torna concreto no mundo (Feijó, 1996).

Acreditamos que o ensino da dança inserida na Educação Física deve capacitar aos alunos experienciar situações de movimento orientadas em objetivos, conteúdos e métodos que ultrapassem a reprodução de conhecimento, a padronização de sentidos/significados, assim como também, possibilitar aos alunos conhecer o patrimônio cultural da dança, pois a aprendizagem dos conteúdos culturalmente construídos é de fundamental importância para que os alunos possam aprender a compreender e refletir sua realidade e tudo que a constitui.

Para Freire (1981), é de fundamental importância que o contexto seja organizado para conscientizar, ou seja, que o aluno seja capaz de descobrir a “razão de ser das coisas” e de agir de forma transformadora na relação homem-mundo. Isto é possível porque não consideramos o homem como partes no mundo, e sim como um ser total que se relaciona com este, por isso corpo e movimento fazem parte da totalidade humana que se relaciona com o mundo como corporeidade e se-movimentar.

Nesse sentido, é necessário uma metodologia que relacione os objetivos, conteúdos e contextos bem como a possibilidade de expressão através do movimentar-se. Desta forma, os alunos são capazes de analisar, refletir, interpretar e contextualizar a dança, pois num enfoque educacional, pode-se deixar os padrões estéticos, as regras e a técnica para ir ao encontro das necessidades do ser humano, ouvindo ideias, percebendo a criatividade e expressividade dos movimentos. A dança deixa de ser uma coreografia criada pelo professor e repetida pelo educando, para ser criada e transformada por ele.

Segundo Gaspari (2005), para a dança desenvolvida como um conteúdo da Educação Física escolar, espera-se que atinja alguns objetivos, tais como: possibilitar a exploração da criatividade através da descoberta e da busca de novas formas de movimentação corporal; viabilizar a educação rítmica; canalizar para a expressividade, ampliar os horizontes e formar pensamentos críticos, e levar à apreciação e valorização artísticas.

Assim, vislumbramos um trabalho que fomente novas possibilidades para a dança na escola, criando situações em que o aluno perceba-se como sujeito ativo na construção do seu conhecimento, sendo capaz de filtrar as informações recebidas de todos os meios e das aulas da escola, selecionando as atividades que melhor atendam as suas necessidades de aprendizagem, experiência e vivência.

Marques (1999) sugere que, ao pensar na dança educativa, estejamos preparados para partir da realidade e do contexto nos quais o aluno está inserido para então transformarmos de forma consciente e problematizadora o conteúdo a ser ensinado. Assim levaremos o aluno a pensar na dança sempre como um processo individual, coletivo e social em que todos são produtores de saberes e conhecimentos.

Encontramos esse sentido em Freire (1980, p.70-71):

Não há como não repetir que ensinar não é pura transferência mecânica do perfil do conteúdo que o professor faz ao aluno, passivo e dócil. Como não há também como não repetir que, partir do saber que os educandos tenham não significa ficar girando em torno deste saber. Partir significa pôr-se a caminho, ir-se, deslocar-se de um ponto a outro e não ficar, permanecer.

Os trabalhos com estilos e técnicas na dança devem ter por objetivo levar a pessoa a tomar consciência de sua própria potencialidade, melhorar sua capacidade de se comunicar e incentivar a sua criatividade. O conhecimento dos estilos históricos e a compreensão da função social que esses estilos tiveram ao longo dos tempos devem servir como contexto reflexivo de pesquisa sobre o entendimento das dinâmicas do dançar, suas formas, sua representação, seu movimentar-se no tempo e no espaço.

Acreditamos na importância de recuperar as danças que configurem a história de nossa região (dimensão conceitual do conteúdo), porém, percebemos a necessidade de conhecer um universo mais amplo de referência sobre o dançar, bem como as possibilidades de improvisação e reconstrução coreográfica dos repertórios já construídos (dimensão procedimental do conteúdo). Reforçando este pensamento Fiamoncini & Saraiva (2003, p.98) acreditam que:

Imaginação e criatividade são pontos fundamentais em um projeto de educação que tenha como objetivo a formação de pessoas que não apenas aprendam os conhecimentos elaborados pela humanidade como verdades absolutas e imutáveis, porém, que saibam refletir e que se sintam capazes de interferir sobre esses conhecimentos, reelaborando-os.

           A educação problematizadora, segundo Freire (1980, p.81), “está fundamentada sobre a criatividade e estimula uma ação e uma reflexão verdadeira sobre a realidade, respondendo assim à vocação dos homens que não são seres autênticos senão quando se comprometem na procura e nas transformações criadoras”. Acrescenta ainda que, toda educação, toda ação educativa deve necessariamente estar precedida de uma reflexão sobre o homem e de uma análise do meio de vida concreto do homem a quem queremos educar (ou melhor: a quem queremos ajudar a educar-se).

Considerações finais

Ao investigarmos as possibilidades pedagógicas do dançar na escola, pudemos compreender a relevância deste tema, bem como, realizar uma reflexão sobre o trabalho com este conhecimento na escola, pois tratar a dança como conteúdo escolar, de maneira significativa ao universo cultural do aluno, possibilita uma compreensão histórica e social do universo corporal do aluno e amplia o conhecimento escolar sobre as diferentes épocas e civilizações que nos antecedem.

Acreditamos que se faz necessário criar novas possibilidades que facilitem a expressão original de cada aluno e lhe dê o sentido de grupo social, na medida em que os mesmos venham a reconhecerem-se enquanto agentes que vivenciam, refletem e reelaboram sua cultura. Reafirmamos, assim, a importância de apreender e vivenciar nossa cultura corpórea por meio da dança, uma linguagem que é construída/reconstruída pelo homem.

Reconhecemos a importância das discussões acerca do saber da dança e as possibilidades de ser tratado em diferentes perspectivas, para proporcionar aos alunos diferentes leituras e a compreensão do dançar. Por isso, buscamos discutir algumas perspectivas da dança ser sistematizada na escola como um dos elementos da cultura de movimento nas aulas de Educação Física, onde este conhecimento pudesse ser oportunizado ao aluno de forma que ele se apropriasse do concreto, sendo capaz de incorporar e não apenas reproduzir.

Não pretendíamos neste estudo, prescrever metodologias e procedimentos pelos quais o ensino de dança pudesse ser “aplicado” na prática, mas “abrir a caixa de ferramentas e fazer com que sejam úteis, discutindo as possibilidades e implicações de como trabalhar com o ensino da dança na atualidade” (Marques, 2003). Acreditamos que um trabalho desta natureza consiste em contribuir para o exercício também da docência, com qualidade social, criando situações em que o aluno se perceba como sujeito ativo na construção do seu conhecimento, sendo capaz de filtrar as informações recebidas de todos os meios de comunicação e das aulas que a escola lhe oferece, selecionando as atividades que melhor atendam as suas necessidades de aprendizagem, experiência e vivência. Entendemos que muito pode ser construído a partir do que se pretende.

Referências Bibliográficas

BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares nacionais: Educação Física. 7 vol, Brasília: MEC/SEF, 1997.

FEIJÓ, M. G. A dança como conteúdo da prática integrante da Educação Física escolar enquanto corporeificação do mundo sensível. Dissertação de Mestrado, 1998.

FIAMONCINI, L; SARAIVA, M. C. Dança na escola: a criação e a co-educação em pauta in: Didática da Educação Física 1. 3ªed. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2003.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 12ªed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

___. Conscientização: teoria e prática da liberdade – uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Moraes, 1980.

GASPARI, T. C. Dança. In: DARIDO, S. C., RANGEL, I. C. A. Educação física na escola: implicações para a prática pedagógica. RJ: Guanabara Koogan, 2005.

MARQUES, I. A. Dançando na escola. SP: Cortez, 2003.

MARQUES, I. A. Ensino da dança hoje: textos e contextos. SP: Cortez, 1999.

SOARES. A. et. al. Improvisação e dança: conteúdos para a dança na educação física. Florianópolis: UFSC, 1999.

* Licenciada em Educação Física (CEFD/UFSM), especialista em Ciência do Movimento Humano (CEFD/UFSM), mestranda em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação (CE/UFSM). E-mail: alexandranaidon@yahoo.com.br

[1] Sobre propostas de dança na Educação Física, Rangel (2002), apresenta em seu livro “Dança, Educação, Educação Física: propostas de ensino e o universo da Educação Física” alguns autores nacionais que apresentam um corpo de conhecimento que fundamentam e justificam a dança, no contexto escolar em aulas de Educação Física, em cursos de graduação e até mesmo em cursos de especialização. Optamos então em não citar neste trabalho os autores já pesquisados e discutidos pela autora para que não se tornem repetitivos.

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