Vicente Martins
publicado em 27/06/2008
Li uma vez, na Revista Veja, em junho de 2003, artigo de Claudio de Moura Castro, sob o título Lições de Futebol, em que o articulista assinala que os métodos de alfabetização em leitura não podem se vistos como autos-de-fé, isto é, não podemos avaliar os métodos de ensino de leitura como juízes de um tribunal de inquisição.
Deduzi da leitura do artigo que, dependendo de cada caso, métodos como o fônico e o global podem ser aplicados aqui ou alhures, sem um juízo de valor a priori. Assim também são os modelos de intervenção para os que apresentam dificuldades específicas de aprendizagem em linguagem que, baseados em métodos convencionais de lectoescrita, não se aplicam a qualquer situação de crianças que apresentam dificuldades em leitura (dislexia), escrita(disgrafia) e ortografia(disortografia).
A leitura do artigo nos leva a especular um modelo de proposta de intervenção para os casos de dislexia fonológica, se fizermos aqui uma comparação entre a leitura e o futebol, assim:o futebol é um esporte disputado em dois tempos, de 45 minutos, por duas equipes de 11 jogadores cada, no qual é proibido (exceto aos goleiros, quando dentro da sua área) o uso dos braços e mãos, e cujo objetivo é fazer entrar uma bola redonda no gol do adversário.
Assim como o futebol é o tempo escolar. São 45 minutos o tempo regular de uma aula, mas, em geral, são dois tempos dedicados exclusivamente às sessões de leitura, escrita e ortografia, durante as aulas de língua portuguesa. Os disléxicos são como goleiros que atuam no gol (camisa 1) e são os únicos a terem direito de tocar a bola com a mão (mais tempo dedicado ao tempo da leitura), desde que o façam na grande área de seu campo (obedecendo as regras estabelecidas pelo professor orientador).
Os disléxicos são “jogadores” que cometem muitas faltas durante as “partidas de leitura”. Eles cometem “transgressão das regras de um jogo ou esporte da leitura.
Nosso objetivo, como educadores dos que apresentam dificuldades específicas em leitura, em particular, no processo de intervenção psicopedagógica, é evitar as infrações leitoras como: (1) dificuldade de ler palavras isoladas; (2) dificuldade especial em decodificar palavras sem sentido ou desconhecidas; (3) compreensão de leitura em geral superior à decodificação das palavras soladas; (4) leitura oral imprecisa e trabalhosa; (5) leitura lenta e (6) ortografia deficiente.
Os disléxicos, disgráficos e disortográficos, todavia, mesmo na condição de goleiros, são considerados pelo time, técnico e torcido e, como trabalhadores, são remunerados (avaliação leitora) como os demais jogadores do futebol: podem utilizar suas habilidades lectoescritoras apenas dentro de sua área cognitiva (memória) ou metacognitiva (compreensão), cujo objetivo é interpretar a mensagem escrita, isto é, atribuir sentido ao texto lido.
As crianças que têm dificuldade, no campo de “futebol leitor”, têm dificuldades em ler e enfrentam no “campo leitor” dificuldades com a leitura em voz alta e com a ortografia quando têm de codificar (chutar), isto é, converter os sons em letras. Na aparência são bons jogadores, mas, na partida, fracassam. Não é uma incapacidade ou deficiência, mas têm uma necessidade educacional especial. Não são desleixados, mas diferentes e a escola (clubes de futebol, juntamente com a torcida) precisa respeitar seus limites cognitivos.
Ocorre, como vimos, que o resultado do fracasso leitor, para os disléxicos, disgráficos e disortográficos, sempre é inesperadamente insatisfatório para os pais e professores e muito angustiante para os alunos, o que vai exigir maior treinamento até que enfrentem, com êxito, a próxima equipe “adversária” (avaliação leitora).
Os disléxicos perdem, em geral, a partida, isto é, deixam de ler com acurácia, com relação à leitura inicial (decodificação), deixando de fazer um número de pontos (habilidades leitoras) necessário para que entenda de forma acurada a leitura de texto lido. Perdem o primeiro ou segundo tempo, mas não significam que estarão sempre em times de segunda divisão. Uma vez sistematicamente treinados poderão alcançar um nível de proficiência leitora como os demais jogadores(leitores).
A subvocalização é um indício de que, no “campo da leitura”, os disléxicos foram mais lentos uma vez que ficam, diante do texto escrito, “ articulando (palavras) silenciosamente ou de modo quase inaudível” quando leem sozinhos, isto é, quando estão com a “bola no pé” e são os próprios jogadores ou sujeitos leitores.
No entanto, perder uma partida não é perder o campeonato do “jogo da leitura”. Terão que, na preparação rotineira e sistemática do “campeonato da leitura”, no decorrer da sua vida escolar, desenvolver sua capacidade de desenvolver sua aprendizagem através da leitura, escrita e cálculo.
Aprender a ler de forma acurada, para os disléxicos, é como ganhar um campeonato ou mesmo ganhar na loteria em que, no final do “certame”, “torneio” ou “disputa” será a eles concedidos o título de campeão ao vencedor.
A preparação dos disléxicos, disgráficos e disortográficos para o “campeonato da leitura” se dá através de treinamento, ou mais, precisamente, de programas de treinamento específico em seus pontos fracos, levantados na anamnse psicopedagógica. O treinamento, por exemplo, da consciência fonológica, é de uma importância para que os disléxicos desenvolvam a habilidade de decodificação leitora sem a qual vai persistir a subvocalização durante sua leitura em voz alta.
É o treinamento ou programa específico das habilidades leitoras o caminho mais seguro para: (1) o desenvolvimento da habilidade de ler, escrever e ortografar; (2) aquisição do conhecimento metafonológico (a consciência fonológica e fonêmica da sua língua materna); (3) prática de leituras de diversos gêneros textuais e (4) produção de textos diversos, de modo a assegurar-lhes a experiência adquirida em lectoescrita.